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Informações sobre coberturas e preços de planos e seguros privados de saúde: as perspectivas da complementaridade entre fontes administrativas e de base populacional

Report on coverage and prices of private health plans and insurance: perspectives toward complementary links between administrative and populational basis sources

DEBATEDORES DISCUSSANTS

Informações sobre coberturas e preços de planos e seguros privados de saúde: as perspectivas da complementaridade entre fontes administrativas e de base populacional

Report on coverage and prices of private health plans and insurance: perspectives toward complementary links between administrative and populational basis sources

Ligia Bahia; Ronir Raggio Luiz

Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, UFRJ. ligiabahia@terra.com.br

Os avanços na organização, atualização e difusão das informações sobre as coberturas e preços de planos e seguros de saúde ainda não se refletem, de maneira disseminada, na utilização plena e na interpretação adequada dos dados disponíveis. Razões específicas justificam a dissintonia entre a produção e a apreensão das informações sobre a assistência suplementar.

Destaca-se em primeiro lugar o alto grau de ideologização que fundamenta as percepções sobre a vinculação aos planos e seguros de saúde. Para os empresários que comercializam planos, médicos, proprietários de estabelecimentos de saúde e segmentos populacionais que integram as clientelas da assistência suplementar, "os números", frequentemente, ilustram o que hipoteticamente já se sabe: "quem pode tem um plano de saúde". Tal premissa genérica, quer enunciada por segmentos empresariais que crêem nos limites estruturais do sistema público e os alardeiam estridentemente, quer quando utilizada como argumento à adoção de uma estratégia supostamente provisória ou benevolente, expressa na afirmação "nós temos que ter plano, enquanto o sistema público não dá conta" não carece detalhamento. Sob esse registro, trata-se tão somente de selecionar fatos que se coadunem à idéia da inexorabilidade da segmentação. Os dados que associam renda individual/familiar com coberturas de planos e seguros privados de saúde são mais que suficientes para reiterar a naturalização de coberturas diferenciadas.

Por sua vez, os usuários situados nas instituições de ensino e pesquisa, o corpo técnico da ANS, as entidades de defesa do consumidor e executivos das empresas de assistência suplementar, embora tenham impulsionado os importantes avanços na oferta de informações, ainda não lograram constituir um patamar técnico mais homogêneo. Nesse âmbito, no qual os problemas de ordem conceitual e operacional estão interligados, os problemas gravitam em torno da adoção acrítica de categorias de classificação utilizadas pelo mercado no texto da lei 9.656/98 e normas subseqüentes.

Ambos os desvios implicam equívocos interpretativos ou simplificações dos modelos explicativos da segmentação, restringindo o potencial das informações disponíveis ou franqueando análises pouco aprofundadas. Um dos exemplos mais eloqüentes incide no dimensionamento do "tamanho do mercado". Os distintos "tamanhos do mercado", decorrentes das discrepâncias entre as informações divulgadas pela ANS e as coletadas pelo Suplemento Saúde da PNAD, que não passam, a princípio, de diferenças decorrentes dos universos diferenciados das duas bases de informações, têm sido reiteradamente tomados como "provas" das dificuldades dos empresários ou mesmo do progresso setorial. O fato de um conjunto importante de técnicos e até pesquisadores ainda desconhecerem a abrangência da PNAD e considerarem, com forte dose de razão, os registros do denominado cadastro de beneficiários da ANS como expressão do número de indivíduos cobertos, reitera os equívocos. Poucos são os que detêm conhecimento sobre as dificuldades para compatibilizar as duas fontes de informação. A PNAD abrange os indivíduos cobertos pelos planos empresariais públicos (não registrados pela ANS), e a ANS, por sua vez, contabiliza contratos e não indivíduos (o atual cadastro de beneficiários da ANS refere-se ao número de contratos de planos e seguros de saúde, nele os indivíduos com mais de um contrato estão sobre-representados).

A comparação entre os dados da PNAD 2003 (excluindo-se os planos empresariais públicos) com os registros da ANS para o mesmo período sinaliza a sub-representação de coberturas da ANS por referência àquelas estimadas pela PNAD. Segundo a PNAD, havia 36.899 milhões de indivíduos cobertos por planos privados de saúde, e a ANS contabilizou 32.424 milhões1. As possíveis justificativas para essa discrepância são, dado o conhecimento disponível, predominantemente especulativas. A ANS ainda não divulga a cobertura e as críticas ao seu cadastro. Além disso, existe uma variedade de esquemas assistenciais que podem ser percebidos como planos de saúde (como os planos acoplados a auxílio funeral, cartões de descontos etc.), mas não atendem os requerimentos legais e, por essa razão, não estão abrangidos pela ANS.

Contudo, a expressiva magnitude da assistência suplementar e os esforços para regulamentá-la estimularam o aprimoramento das informações sobre suas coberturas e preços. A recente oferta da ANS de acesso às informações sobre os contratos de planos e seguros desagregados por município, sexo, faixa etária, modalidade empresarial e mês de competência, representa uma importante inflexão em direção à disponibilidade pública de dados confiáveis e abrangentes2. No mesmo sentido, o Suplemento Saúde da PNAD 2003, com perguntas semelhantes às da pesquisa realizada em 1998, incluindo, pela primeira vez, quesitos sobre coberturas e preços de planos e seguros de saúde subsidiou as análises de consistência, o exame da pertinência de perguntas e a identificação de possíveis lacunas de inquéritos de base populacional. Esse patamar de conhecimentos sobre as informações de coberturas e preços dos planos e seguros de saúde, bem como a identificação de superposições e inadequações de ambas as fontes (ANS e inquéritos populacionais) permitem divisar as perspectivas de aperfeiçoamento e reforço das peculiaridades e complementaridades das bases de informações administrativas e populacionais.

Em linhas gerais, à ANS competiria a produção e disseminação de informações regionalizadas sobre coberturas, tipos de planos e preços dos contratos. Para tanto, seria necessário vincular o denominado cadastro de beneficiários (é recomendável identificar os contratos referentes a um único indivíduo) a uma tipologia de planos de saúde mais sensível à captação das diferenças de padrões de cobertura. A execução dessas tarefas é factível. Basta que as informações de que dispõe a ANS sejam categorizadas segundo uma lógica adicional à empresarial (modalidades empresariais). O leque de categorias seria ampliado para responder às exigências do exame da estratificação interna que organiza a comercialização de planos e seguros e suas conseqüências sobre as coberturas assistenciais e preços. Isso implica a classificação das informações sobre coberturas, preços e utilização de serviços segundo uma tipologia de planos e não de empresas. Por exemplo, planos básicos, planos especiais e planos executivos, mais sensível à captação das diferenças percebidas pelos usuários.

Aos inquéritos populacionais, em particular à PNAD, caberia explorar não apenas a cobertura ou não por planos e seguros de saúde e as faixas de preços, mas também examinar a permanência dos contratos ao longo de um determinado intervalo de tempo. A introdução de perguntas sobre a perda definitiva ou temporária da cobertura contribuiria para aprofundar o conhecimento sobre a dinâmica das demandas por assistência suplementar, suas relações com o mercado de trabalho e conseqüências para o sistema nacional de saúde. Tais interrogações são mais relevantes e pertinentes ao escopo e metodologia da PNAD do que as questões referentes ao financiamento e abrangência genérica das coberturas dos planos e seguros de saúde. A análise das respostas sobre as coberturas (tal como formulada atualmente) e vinculação ou não do plano ao emprego do titular sugerem, no primeiro caso, que os entrevistados consideram, em geral, dispor de todas as coberturas segundo tipos de regimes assistenciais interrogados, exceto medicamentos. Em relação ao financiamento, os entrevistados (que nem sempre são os titulares dos planos e seguros) parecem demonstrar um conhecimento difuso sobre as condições de financiamento de seus planos e seguros de saúde. O fato de parte do pagamento do plano ser descontado no contracheque dos empregados é um fator de confundimento. As estimativas das características de titularidade empresarial do plano seriam registradas com mais propriedade pelas bases de dados administrativos. Por outro lado, os módulos de acesso e utilização de serviços de saúde poderiam ser expandidos com perguntas sobre a necessidade ou não do uso contínuo de medicamentos, atenção domiciliar e atendimento de urgência/emergência, incluindo transporte. A inclusão de quesitos sobre essas necessidades de atenção e coberturas assistenciais, que dizem respeito à população como um todo, contribuiria para detalhar o alcance dos planos e seguros de saúde em relação ao acesso e à utilização de serviços.

Os ajustes nas bases de dados administrativos e no Suplemento Saúde da PNAD contemplam as necessidades básicas de informações sobre as coberturas e preços. As relações mais refinadas entre auto-percepção do estado de saúde, morbidade, fatores de risco, acesso, uso e gastos privados com saúde poderiam ser inferidas por meio da análise das informações coletadas pelas Pesquisas Nacionais de Saúde. Tratar-se-ia, inclusive, de aprofundar as investigações sobre os diferenciais entre a melhor percepção do estado de saúde daqueles que se declaram doentes e estão cobertos por planos e seguros de saúde em relação aos não cobertos.

A convergência dos esforços em direção à integração sistêmica dos dados sobre coberturas e preços de planos de saúde aos inquéritos populacionais, essencial ao dimensionamento e impactos da segmentação das demandas, requer a participação de especialistas e autoridades governamentais, responsáveis pela regulamentação das empresas de planos e seguros de saúde, na comissão encarregada de formatar os instrumentos da Pesquisa Nacional de Saúde. A par das tarefas de inclusão de questões sobre as coberturas e preços de planos de saúde e gastos privados nas pesquisas de âmbito nacional sobre saúde, incluindo a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE (POF), essa subcomissão, no âmbito da Rede Interagencial de Informações em Saúde (RIPSA), avaliaria a oportunidade e a viabilidade de sugerir investigações específicas sobre as empresas empregadoras (financiadoras de planos de saúde) e prestadores de serviços, essenciais à análise de preços.

Com esses passos nos aproximaremos da complexa realidade das relações entre o público e o privado no sistema de saúde brasileiro. Guardadas as devidas proporções e singularidades, teremos à disposição, tal como os EUA, informações originadas de bases administrativas e inquéritos populacionais complementares. Lá, o Survey of Income and Program Participation's (SIPP)3, suplemento do Annual Social and Economic Supplement (ASEC), Current Population Survey (CPS), investiga renda, emprego, características demográficas, e no "programa" saúde inclui questões sobre status de saúde e cobertura, acesso e utilização de serviços de saúde. O Medical Expenditure Panel Survey (MEPS)4 destina-se a coletar informações sobre a utilização e os custos dos cuidados à saúde e tem quatro componentes: seguro, cuidados domiciliares de enfermagem, prestadores de serviços médicos e domicílios. Aqui, a articulação dos suplementos saúde da PNAD, às Pesquisas Nacionais de Saúde, às bases de dados da ANS e às investigações sobre preços de planos e serviços de saúde contribuirá para constituir um potente sistema de informações sobre os planos e os seguros de saúde.

REFERÊNCIAS

1. Laboratório de Economia Política de Saúde. Relatório de Pesquisa. Convênio UFRJ/ANS, abril de 2006. Disponível em http://www.leps.ufrj.br.

2. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Disponível em http://ans.tabnet.ans.gov.br

3. Survey of Income and Program Participation (SIPP). Disponível em http://www.census.gov/hhes/www/hlthins/sipp.html

4. Medical Expenditure Panel Survey. Disponível em http: //meps.ahrq.gov

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2006
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