Acessibilidade / Reportar erro

DIREITOS HUMANOS E PSICOLOGIA ESCOLAR: ENTREVISTA COM A PROFA. DRA. REGINA LUCIA SUCUPIRA PEDROZA

Derechos Humanos y Psicología Escolar: entrevista con la Profa. Dra. Regina Lucia Sucupira Pedroza

RESUMO

A Professora Doutora Regina Lucia Sucupira Pedroza tem uma incursão singular no campo da Psicologia Escolar e Educacional e dos Direitos Humanos, com diferentes formas de interlocução em estudos, pesquisas, ações de extensão e ensino na graduação e pós-graduação. A entrevistada da Seção História da Revista Psicologia Escolar e Educacional é professora do Departamento de Psicologia Escolar e Desenvolvimento, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília-UnB, onde também é orientadora no Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Escolar e no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania. Integra o Grupo de Trabalho Psicologia e Políticas Educacionais da ANPEPP, e tem investigado sobre formação de professores, educação em direitos humanos, o brincar no desenvolvimento humano, psicologia escolar e psicologia do esporte. Entre suas grandes inspirações teóricas estão os estudos de Vigotski, Wallon, Freud e Freire. Respaldado pela metodologia da História Oral, o pesquisador Fauston Negreiros realizou essa entrevista, em que são apresentadas as reflexões que a professora realiza sobre sua própria trajetória profissional.

Palavras-chave:
psicologia escolar; direitos humanos; formação de professores

RESUMEN

La profesora Regina Lucia Sucupira Pedroza tiene una singular incursión em el campo de la Psicología Escolar y Educativa y de los Derechos Humanos, con diferentes formas de diálogo em estudios, investigaciones, acciones de extensión y docencia em el nivel de graduación y posgrado. La entrevistada de la Sección Historia de la Revista Psicologia Escolar e Educacional es profesora del Departamento de Psicología y Desarrollo Escolar del Instituto de Psicología de la Universidade de Brasilia-UnB, donde también es supervisora ​​del Programa de Postgrado em Procesos de Desarrollo Humano y Escolar y em el Posgrado em Derechos Humanos y Ciudadanía. Es miembro del Grupo de Trabajo de Psicología y Políticas Educativas de la ANPEPP, y ha investigado la formación docente, la educación em derechos humanos, el jugar em el desarrollo humano, la psicología escolar y la psicología del deporte. Entre sus grandes inspiraciones teóricas se encuentran los estudios de Vigostki, Wallon, Freud y Freire. Apoyado en la metodología de la Historia Oral, el investigador Fauston Negreiros realizó esta entrevista, em la que se presentan las reflexiones que la docente hace acerca de su propia trayectoria profesional.

Palabras clave:
psicología escolar; derechos humanos; desarrollo de profesores

ABSTRACT

The professor Sucupira Pedroza has a unique foray into the field of School and Educational Psychology and Human Rights, with different interlocution forms in studies, research, extension actions and teaching at undergraduate and graduate levels. The interviewee in the History Section of the School and Educational Psychology Journal is a professor at the Department of School Psychology and Development, at the Institute of Psychology in the University of Brasília-UnB, where she is also a supervisor in the Postgraduate Program in Human and School Development Processes and in the Graduate Program in Human Rights and Citizenship. She is part of ANPEPP Working Group on Psychology and Educational Policies, and she has been researching about teacher training, human rights education, playing in human development, school psychology and sport psychology. Among her great theoretical inspirations are the studies of Vigotski, Wallon, Freud, and Freire. Supported by the methodology of Oral History, the researcher Fauston Negreiros carried out this interview, in which the reflections that the professor gives about her own professional trajectory are presented.

Key words:
educational psychology; human rights; teachers training

Fauston Negreiros: Regina, que alegria viver esse momento, entrevistando uma referência da Psicologia Escolar e Educacional brasileira e inspiração na interface com os Direitos Humanos. Em especial, uma entusiasta de Paulo Freire para inspirar práticas em psicologia em contextos educacionais. Você poderia narrar sua trajetória de formação inicial e continuada trilhando os caminhos da Psicologia Escolar?

Regina Pedroza: Bom, preciso começar agradecendo imensamente esse convite, esse momento de estar aqui recuperando essa memória e acho que é extremamente gratificante parar com uma pessoa tão importante como você para a Psicologia Escolar brasileira, e poder trilhar esse percurso para pensarmos no próprio futuro da Psicologia Escolar, pensando historicamente e o que se atualiza no presente. Então eu gosto de fazer esse movimento, que é de uma dialética muito importante: pensar no passado e futuro para concretizar o presente. Vou começar dizendo para você que venho de uma família de professores, meu pai e minha mãe eram professores. Meu pai foi um professor universitário e minha mãe foi professora, no que para a época era o ginasial, mas aqui podemos dizer que era o final do Ensino Fundamental e Ensino Médio, então acho que minha ligação com a área da educação vem desde sempre. Eu tenho uma história de formação inicial um pouco interrompida, mas entrei na universidade em 1976, há muito tempo, entrei para a psicologia na UnB e passei um ano aqui em Brasília, depois meu pai foi transferido para o Rio de Janeiro onde cursei um semestre do curso no Rio de Janeiro, e logo me casei e fui para fora do Brasil. Meu marido foi fazer doutorado, e fomos primeiro para a França, Paris, onde realizei minhas primeiras leituras das obras de Henri Wallon, enquanto ainda não conseguia entrar para a universidade. E depois de um ano e oito meses, ele resolveu transferir seu doutorado para a Suécia. Eu fui com ele para a cidade de Lund, no sul da Suécia, e lá entrei no curso de Psicologia. Dessa maneira, comecei a me inserir numa sociedade que na época, e durante muito tempo, era a social-democracia, algo que sempre me chamou muita atenção.

Entrei na universidade pelas cotas de trabalhadora e o meu trabalho era ser do lar, ou seja, era ser doméstica, e como já fazia cinco anos que eu era do lar, entrei para o curso de Psicologia assim, sendo isso muito importante para mim. Ainda na França, conheci vários brasileiros, que na época estavam exilados em Paris, e assim entrei em contato com a livraria socialista e conheci a obra do Henri Wallon onde comecei a ler. Eu já tinha aprendido francês, e com isso comecei a ter contato com a obra de Vigotski. Foi na Suécia que aprofundei esses estudos de uma maneira muito interessante porque eu cheguei lá em 1979, ainda na ditadura, não havia tido abertura, então eu sabia que aqui no Brasil esses autores ainda não eram muito estudados. Então eu comecei a estudá-los lá fora de uma maneira que não havia essa proibição de estudar autores socialistas e, olha que coisa incrível, quando cheguei à Suécia, o livro do Paulo Freire “Pedagogia do Oprimido” era uma leitura obrigatória no curso de Psicologia, então eu li Paulo Freire em sueco, que na época era proibido aqui no Brasil.

Eu li esse livro no curso de Psicologia, o que também é uma coisa interessante, porque eles entendiam que na formação do psicólogo, essa relação com o outro, era uma relação que havia uma tendência de ser - desde os pressupostos de Hegel -, a questão do opressor e do oprimido, ou seja, a questão do patrão e do servo. Então assim, é essa a importância de entender uma relação que fosse mais que uma escuta, uma relação mais horizontal, claro que diferenciada. Como Paulo Freire dizia, a relação professor-aluno não é igual em igualdade (de papéis), ela é horizontal, mas que se diferencia, porque senão não faz sentido.

Enfim, voltei para o Brasil em 1985, mas ainda não tinha terminado meu curso de Psicologia na Suécia, e quando voltei, voltamos para Brasília e assim entrei novamente na UnB mediante uma transferência facultativa. Tive que fazer algumas disciplinas bem do início do curso, pois poucas disciplinas foram reconhecidas, já que lá a carga horária era diferente, dentre uma série de coisas.

Fauston Negreiros: E sua incursão em Psicologia Escolar, como se construiu ao longo desses anos?

Regina Pedroza: Eu entrei aqui (na Universidade de Brasília/UnB) e continuei com esse meu desejo de pensar relação da Psicologia e Educação, e com isso tive a oportunidade, de aqui na UnB, ter uma professora de Psicologia Escolar, que na época não era uma disciplina obrigatória. A disciplina obrigatória era Pedagogia Terapêutica, e assim fiz Psicologia Escolar com uma professora e que foi muito interessante, porque ela introduziu a leitura da Maria Helena Souza Patto. Assim, eu li o livro “Psicologia e Ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar” da Maria Helena, e me interessei muito. Na época precisávamos dar um seminário e eu falei sobre esse livro, então entrei em contato com [outra professora], um marco, a Maria Helena Novaes, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Então estudávamos a Maria Helena Novaes e a Maria Helena Souza Patto. Dessa forma, para mim, foi importante fazer esses estudos porque comecei a ver, já de uma forma crítica, que a Psicologia Escolar que Maria Helena Novaes introduziu no Brasil era uma Psicologia norte-americana, e com a minha experiência na Suécia pude ver bem essa diferença, de como era uma Psicologia extremamente colonizadora e como reproduzimos no Brasil essa Psicologia Escolar norte-americana e não, por exemplo, a europeia ou mesmo com Vigotski, ou Wallon. Por isso, foi muito marcante para mim esse momento de abrir essa perspectiva, de pensar a Psicologia Escolar numa perspectiva voltada para os aspectos sociais e da própria sociedade brasileira. Fazíamos muitas críticas aos estudos da Maria Helena Novaes, na questão de uma comparação, do uso de testes psicológicos (por exemplo). Na Suécia já havia toda uma crítica ao uso dos testes, e algo muito importante é que eles buscavam uma normalidade e acabavam pegando os ditos “fora da curva” para fazer com que pudessem estar numa normalidade - Essa era minha crítica à Psicologia Escolar que buscava a adequação dos estudantes ao dito “normal”!

Desse modo, fiz rapidinho o curso de Psicologia e quando acabei, fiz também a habilitação em licenciatura, porque já me atraía muito a questão de ser professora também de Psicologia. Na época das escolas de magistério e das Escolas Normais, eu achava que seria bom para mim ter essa possibilidade de atuar como professora do Ensino Médio, mas logo depois resolvi fazer o mestrado e coincidiu com a chegada da professora Sandra Francesca Conte de Almeida no departamento de Psicologia Escolar e Desenvolvimento da UnB.

A Sandra estava chegando, pois também havia estudado em Paris e tinha um pouco de conhecimento do Wallon, além de uma formação psicanalítica. Então comecei a considerar a relação da Psicologia com a Educação numa perspectiva de pensar o sujeito de uma forma mais global, mais ampla, e na época eu tinha uma professora, a Thereza Pontual de Lemos Mettel, que já faleceu há um tempo, mas foi ela quem introduziu aqui em Brasília os estudos de Vigotski, onde eu havia estudado com ela o livro “Formação Social da Mente”. Já a Sandra não tinha os estudos de Vigotski, tanto que me interessei pela questão de fazer uma leitura a partir de Freud e Wallon, e assim pensar as contribuições da Psicanálise e da Psicologia para a Educação. Assim, a partir desse momento, também comecei a pensar a Psicologia no sentido da sua contribuição na formação do professor e sempre foi uma linha de pesquisa que me atraiu, tanto que levei essa ideia para o doutorado, mas pensando na formação da pessoa do professor. Então, comecei a estudar mais ainda o Wallon, e pela minha facilidade com o francês, pude ler muita coisa que ainda não era traduzida para o português, o que foi muito interessante porque na época, isso foi 1989, muitas pessoas falavam assim “Ah! Mas estudar Wallon e Freud, duas perspectivas superadas?” Mas eu falava “superadas como? Me diga!”, mas era bastante criticada.

Enfim, no meu estudo do mestrado, que na época fazíamos em quatro anos, em 1991, aconteceu o I Congresso Nacional de Psicologia Escolar em Valinhos, São Paulo, pertinho de Campinas. Eu fui a esse Congresso e os expoentes do evento eram uma professora daqui, Solange Muglia Wechsler, que depois foi para Campinas, mas a Solange era professora aqui na UnB. Quem também fazia parte do departamento era a EuniceMaria LimaSorianode Alencar, que era experiente na Psicologia da Criatividade. Havia outras professoras, mas eu sempre tive certa dificuldade de estar com elas, porém a Sandra foi bem importante. Em Valinhos, nesse congresso, estava a Albertina Mitjáns Martinéz. Foi a primeira vez em que a Albertina veio ao Brasil e foi muito legal porque todo mundo queria conversar com ela, perguntar coisas de Cuba. Fernando González Rey, marido dela, tinha sido convidado para dar uma palestra na UnB sobre a Psicologia em Cuba de uma forma geral. Fui assistir a essa palestra e conheci o Fernando. Para mim, era muito instigante pensar a Psicologia Socialista, então já fui fazendo todas essas leituras da Psicologia mais socialista no Brasil, principalmente com a Maria Helena Souza Patto.

Ao final do meu mestrado, convidamos um professor (da UnB), que já faleceu, mas faleceu precocemente, RichardEmilBucher, que era psicanalista (e do departamento de psicologia clínica), e a professora Heloysa Dantas de Souza Pinto, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo/USP, que era estudiosa do Wallon. Então os dois estavam na minha banca do mestrado e foi muito bom ter um incentivo, tanto de um como do outro. Foi ótimo, tenho uma recordação muito boa da participação dos dois. Eu acho que foi um momento bom.

Eu ainda me baseio muito na minha dissertação, apesar de eu a ter defendido em 1993. Após fazer o mestrado surgiu o concurso para professor substituto na UnB. Eu fiz e entrei como professora substituta, onde comecei a dar aulas de Fundamentos do Desenvolvimento e Aprendizagem/FDA e Desenvolvimento Psicológico e Ensino/DPE. No período noturno dei aula de DPE e de dia era FDA. Logo depois que estava como professora substituta houve um concurso, eu fiz e fiquei efetiva. Fiz o concurso como mestra, naquela época em que o concurso era assim, entrei e assumi a disciplina de Psicologia Escolar e desde então fui ficando cada vez mais perto dessa disciplina. Bom, eu engravidei da minha filha, fiquei uns meses de licença e voltei. Logo depois a Albertina foi convidada e ficou em nosso departamento como professora convidada por quase quatro anos e eu fiz uns trabalhos com ela em uma escola, o que foi muito interessante, porque já nesse momento começamos a ver que a Psicologia Escolar do Distrito Federal tinha um problema seríssimo. Há muitos anos que não havia concurso e 90% das pessoas que atuavam como psicólogas escolares, na verdade, tinham entrado na Secretaria da Educação como professoras de psicologia e é uma questão complicada porque em 1985 ou 1987, eu não me lembro agora, [tinham instaurado] o sindicato de psicólogos aqui em Brasília, e os profissionais que atuavam como psicólogos escolares não queriam deixar de ser professores, apesar de estarem em desvio de função. Eu e a Sandra levamos isso para o Congresso Nacional, porque ganhavam um salário muito mais alto de professor do que de psicólogo, e como professores tinham mais férias, na época se aposentavam mais cedo e tinham até um adicional chamado “pó de giz” e mesmo que não estivessem em sala de aula ainda ganhavam esse adicional. Era uma coisa revoltante, porque os psicólogos não queriam perder todos esses benefícios.

Enfim, Albertina e eu começamos a fazer uns trabalhos em que mostrávamos como havia uma separação nas escolas. Tinha a orientadora educacional, que trabalhava com as questões de aprendizagem e o psicólogo trabalhava com as questões de comportamento. Então, nós entramos na escola e tinha, por exemplo, duas salas separadas, então se o aluno, a criança, tinha uma queixa da professora por dificuldade de aprendizagem ele ia para o orientador educacional, e se o orientador educacional achasse que era por um problema de comportamento mandava para psicólogo, era bem separado. Lá, eu e a Albertina, começamos a fazer um trabalho diferenciado numa visão, de um sentido que a Albertina trazia de Cuba, e foi um fracasso geral. As professoras não queriam saber de nós, só faltaram nos chutar para fora das escolas. Para você ter uma ideia, nós marcamos uma reunião com a diretora e as e as professoras, estou dizendo professoras porque só tinha mulher, e essa escola, na época, ficava meio longe e quando chegamos lá, eu ainda tinha duas alunas, ficamos “cadê o pessoal? Cadê o povo?” e disseram “Ah! Não, elas conseguiram um ônibus e foram para o Jardim Zoológico”.

[Essas atitudes e resistências] Eu acredito serem muito pautadas numa questão de que o trabalho era de reflexão, para fazer a professora refletir a sua prática e dentro dessa reflexão entender que não existia problema de aprendizagem, separado de desenvolvimento, das questões sociais, do comportamento que ele apresentava ali. Era necessário entender todo o contexto sociocultural, porque era uma escola na periferia e ninguém estava com disposição para fazer isso.

Eu defendi [o mestrado] em 1993, logo depois entrei como professora substituta, e em setembro de 1994 eu já tinha me efetivado. Fiquei trabalhando durante cinco anos, até 1999, e comecei a fazer esses trabalhos, sempre ofertando estágio em licenciatura até 1996, porque com a LDB onde o Darcy Ribeiro, - aqui minha crítica ao Darcy, porque ele retirou a Psicologia das disciplinas a serem ofertadas no Ensino Médio, sem necessidade, - mas enfim, os alunos não queriam mais porque havia todo um discurso de “para que fazer licenciatura [se não era mais necessário]?”.

A minha luta... [voltou-se muito para isso] eu dizia que da mesma forma que o Darcy resolveu encabeçar uma reforma de leis e diretrizes básicas que tirou a Psicologia, ainda vamos, de uma forma ou de outra, colocando a importância da Psicologia.

A LDB não acaba com o magistério, mas foi de uma tal maneira que [abalou], porque não faz sentido ter o magistério e ter o Ensino Superior. Depois, com o Lula e os Institutos Federais, se você pegar o gráfico de alunos de licenciatura na UnB, ele cai e depois sobe, porque dentro de alguns ensinos técnicos há a contratação de professores que precisavam ter licenciatura em Psicologia.

Eu esperei [por um tempo], porque era uma coisa minha. Eu esperei porque precisava ter cinco anos como professora para ter a licença para o doutorado e assim esperei cinco anos para poder pegar essa licença e depois me afastei.

No doutorado, trabalhei com duas alunas que faziam um tipo de “professora laranja”, que era até com a LúciaHelena Cavasin ZabottoPulino, daqui da UnB, ou seja, elas se matriculavam com a Lúcia, mas trabalhavam comigo. Uma delas, eu não sei se você conhece, uma pessoa fantástica, que fez o doutorado com Albertina, a Luciana Campolina. A Luciana é fantástica e fez a tese dela orientada pela Albertina e outra aluna, que hoje faz doutorado comigo, Juliana Telles, e as duas trabalharam comigo no meu doutorado. Nós entramos nessa escola de uma forma diferente, porque tinha uma professora no departamento de clínica que já fazia um trabalho relacionado a questão de drogas e com a família, e a diretora perguntou se não havia ninguém que trabalhasse com educação e assim ela me convidou e eu fui. Então, entrei nessa escola com a intenção de fazer o doutorado, e pensando nas observações e anotações, começamos a fazer um trabalho estilo “formiguinha”, tentando conquistar as professoras, mas peguei a mudança de governo do Cristovam Buarque e a volta do Joaquim DomingosRoriz [governador]. O Cristovam tinha implementado a Escola Candanga, que era toda diferente. Eu passei dois anos e meio nessa escola e eu estava lá quando o Roriz exigiu que o aluno tivesse, no turno contrário, aulas de reforço e algumas professoras se recusaram a dar essas aulas. Assim, eu propus para um grupo de professoras fazer uma coisa diferente, criei a Oficina do Brincar. Essa oficina passou a ser o carro chefe da minha tese de doutorado, para pensar na formação do professor, porque eu tinha tentado outras coisas, mas não tinha conseguido e essas sete professoras aceitaram participar. A Luciana Campolina e a Juliana Telles trabalhavam comigo nessa Oficina do Brincar, e essa oficina [tratava] do brincar na perspectiva do Wallon, na perspectiva do Vigotski, ou seja, a brincadeira virou uma atividade sem um fim didático. Eu não tinha o objetivo de um fim didático, não sou professora, não vou ensinar, não vou alfabetizar nada, iríamos brincar. No entanto, por um acaso, porque tudo aconteceu sem muitos planejamentos prévios, pois sou uma pessoa que não tem essas amarras de fazer um planejamento muito fechado, o que aconteceu foi que no primeiro dia as professoras juntaram 28 crianças e nós ficamos numa sala bem grande. As crianças estavam todas de mochila, sentadas nas carteiras e então eu as convidei para sentar-se no chão, sentei-me no chão com elas e falei o que poderíamos fazer. Levei cartolinas, barbante e pincel para fazer crachás e só essa atividade já foi uma coisa muito interessante, porque virou uma atividade de identificação. Assim, eu dava os papéis e eles começaram a desenhar. No entanto, teve uma criança que pegou [os lápis de cores variadas] e ficou pintando, parecendo um mosaico e uma professora, que estava junto, passou por ele e perguntou o que estava pintando e ele respondeu “minha casa”. [É oportuno] Lembrar que todas as crianças com quem estávamos trabalhando eram diagnosticadas com dificuldades de aprendizagem. Quando ele disse isso, me remeteu a algo, que por um acaso eu tinha muitos livros da França e Suécia de pintores, assim pensei na hora em Picasso. No encontro seguinte levei o livro de Picasso para mostrar às crianças. Agora imagine a cara dessas professoras quando eu comecei a mostrar Picasso para as crianças. Então comecei a perguntar qual eles achavam que era o nome do quadro e eles diziam qualquer coisa. Assim que respondiam eu dizia que eram dois violões e eles ficaram eufóricos e curiosos. Depois disso, todo encontro nós víamos um pintor novo. Foi maravilhoso. Eu chorava com essas crianças, de ver o envolvimento delas, brincando e fazendo as coisas. Assim, as crianças começaram a mudar em sala, as professoras começaram a ficar maravilhadas com eles. Enfim, ao final do ano, eu queria que eles passassem para o segundo ano, mas as professoras do primeiro, na época, hoje são um pouco diferentes, ganhavam um adicional [salarial] por serem alfabetizadoras e elas não queriam ir para o segundo ano, e as professoras atuais do segundo ano não aceitavam as crianças por afirmarem que elas não estavam alfabetizadas. Resultado, eu chorei muito.

Chegou minha hora de escrever a tese, sair da escola, e foi um verdadeiro parto. Na defesa da tese as pessoas ficaram maravilhadas com essa oficina, aliás é o meu artigo mais citado, ele só foi publicado em 2005, sobre a oficina da brincadeira. Na defesa, o Norberto de Abreu e Silva Neto, meu orientador do doutorado, pediu para pensarmos na banca e eu convidei a Albertina, e ele falou que tinha uma pessoa que gostaria muito do meu trabalho e assim ele chamou Marilene Proença Rebello de Souza, da USP. Eu não a conhecia, foi a partir disso que comecei a ler seus escritos e ela foi fantástica. Não sei se ela ainda faz isso, mas ela escrevia as arguições e levava, ainda hoje tenho a minha, aliás. E foi tudo maravilhoso, mas o que eu queria que as pessoas entendessem era que eu não podia comprovar haver mudança nas professoras. Eu poderia comprovar que houve indícios de mudança através dos seus relatos, das suas manifestações, pois elas diziam que passaram a ver as crianças de outra maneira, reconheceram que as crianças passaram a ficar mais curiosas, mais participativas na sala.

Fauston Negreiros: Mais do que nunca a pauta dos Direitos Humanos urge como necessária na Psicologia Escolar. Como ocorreu sua inserção nesses estudos?

Regina Pedroza: Eu defendi minha tese em 2003 e em 2005, virei tutora do Programa de Educação Tutorial/PET. Foi uma experiência maravilhosa, e no PET eu criei uma oficina do brincar. Havia um núcleo de extensão da UnB em Santa Maria, e com isso eu ia todo sábado com alguns alunos do PET brincar na oficina, que mais tarde as crianças batizaram de “tribo da brincadeira”. Essa tribo da brincadeira foi muito interessante, porque tinha crianças de dois anos e meio até adolescentes de 16, então era bem diverso e bem diferente. Foi maravilhoso, mas aconteceram problemas burocráticos na universidade que acabaram com esse núcleo. No entanto, outro grupo tinha um projeto de extensão e vieram conversar comigo. Eram de outros cursos e perguntaram se eu não queria fazer um trabalho em um orfanato, como eram chamados os que hoje são denominados de casa de acolhimento. Assim, passamos novamente por tudo aquilo de estágio e pesquisa e fomos para esse abrigo para brincar com as crianças e era maravilhoso, tinham adolescentes também e brincávamos. Ao mesmo tempo, eu dava supervisão com o intuito de formar psicólogos, com isso eles passaram a ler coisas que nunca tinham ouvido, como Rogers, Wallon, Vigotski, Korczak. A partir desse trabalho, passamos a ir a diversos abrigos com essa oficina e com isso a professora NairHeloisaBicalhode Sousa, dos direitos humanos na UnB, (ela é do direito à educação e direitos humanos, fazia parte doComitê Nacionalde Educação em Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República) ficou sabendo desse meu trabalho e o achou muito importante, no sentido de pensar a brincadeira como um direito das crianças.

O Janusz Korczak foi o precursor da declaração dos direitos das crianças, anterior à declaração universal dos direitos humanos. Ele foi morto na Segunda Guerra Mundial, mas já tinha escrito o livro sobre o direito da criança ao respeito com outro livro “Quando eu voltar a ser criança”. Enfim, eu nunca escrevi um artigo sobre isso propriamente, mas elas falaram “Regina, não são só as crianças que estão mudando, mas nós também.” e isso para mim era muito lindo e muito estimulante para trabalhar. Com isso a Nair me chamou, falando desse trabalho com as crianças, então a minha entrada nos direitos humanos foi via esse trabalho nas casas de abrigo.

Depois disso, eu comecei a fazer um trabalho que também foi muito interessante acerca da formação das cuidadoras e nessa época foi muito legal porque o Norberto me ajudou muito. O meu tema era sobre a formação da pessoa em diferentes contextos sociais.

Dessa forma, em 2010 ou foi em 2012, a Nair, o Zé Geraldo, um professor do Direito, eu, e tinha mais outra, criamos a Pós-graduação em Direitos Humanos, que é essa que temos atualmente e já tem mais de dez anos. Começou com o Mestrado e agora tem também doutorado, então fui ser professora de lá desde o início. A minha aluna de mestrado, que hoje faz doutorado comigo, começou a trabalhar com a formação de cuidadores de deficientes e outro aluno trabalhava com cuidadores de idosos. Com isso, conseguimos ver que existem diferentes temas, mas estão sempre ligados.

Eu tive um aluno em direitos humanos, que era da polícia militar, isso foi difícil para mim, ele fez a dissertação sobre pensar a formação de agentes socioeducativos. Muito complexo. Ele desenvolveu um projeto de leitura, em que passava com um carrinho de livros para estimular a leitura.

No ano de 2014, a Marilene Proença me convidou para compor o Grupo de Trabalho/GT “Psicologia e Políticas Educacionais” da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia -ANPEPP. Fui ao primeiro encontro no Rio Grande do Sul. Enfim, para mim, foi muito legal estar no livro organizado pelo GT (Campos, Souza, & Facci, 2016Campos, H. R., Souza, M. P. R de, & Facci, M. G. D. (Ed.). (2016). Psicologia e políticas educacionais. Natal/RN: Editora da UFRN.). E por volta do ano de 2016, eu fui convidada pelo Rogério Giannini, para fazer parte do plenário do Conselho Federal de Psicologia e foi maravilhoso. Nos conhecemos através da Carla Biancha Angelucci, professora da USP e depois nos conhecemos mais ainda no XI Congresso Nacional de Psicologia Escolar e Educacional, em Uberlândia/MG, no ano de 2013.

Quando estava no Conselho Federal, eu estava sempre nas pautas da educação e logo de cara havia umas reuniões das 14 profissões da área de saúde, sendo o movimento criado contra o Ministério da Educação, da questão do ensino à distância. Então eu comecei a fazer parte de algumas coisas e era chamada por estar em Brasília. Eu também fui fazer parte, adorei inclusive, de um fórum pela redução da desigualdade social. Esse fórum foi criado pelo conselho de economistas, ainda existe, mas eu não estou mais, com representações de várias entidades e eu disse “quero ir” e assim a Psicologia foi convidada e eu passei a participar. Nós tínhamos reuniões toda semana para discutir possibilidades de atuação em relação à redução da desigualdade social e [quem] falava muito, quem fazia [muito] também, muitas intervenções, era a ex-ministra da Dilma Rousseff, a Tereza Campello. Ela é fantástica, quando ela abria a boca para falar... Nossa, era maravilhoso. Ela tinha muitas atividades em pauta e realmente foi muito bom, adorei participar, aprendi horrores.

No final do governo do ex-presidente Michel Temer, em 2018, foi criado, no ainda denominado Ministério dos Direitos Humanos, um comitê de educação para os direitos humanos e várias entidades foram convidadas para compor esse comitê; com isso, a Psicologia também. Assim, foi apresentado esse edital no Conselho Federal de Psicologia - CFP - e eu disse “eu acho que tenho um currículo que casa bem com isso”, porque eles olham muito o currículo, e como já trabalhava na Pós-graduação em Direitos Humanos da UnBe já fazia alguns trabalhos, colocaram minha candidatura e a Psicologia, pela primeira vez, fez parte desse comitê. Foi muito legal e, ao mesmo tempo, curto, porque eu acho que fui a três ou quatro reuniões, não mais que isso (era uma reunião por mês), e depois a Damares Alves, ex-ministra do governo de Jair Bolsonaro, entrou e revogou, pois [o comitê] era por decreto e ela anulou. Foi muito duro para mim porque era um espaço de muita troca, de diálogo e, inclusive, tinha uma professora que representava o Ministério da Educação e discutíamos muito a questão do rumo que o Conselho Nacional de Educação estava tomando, porque a sua composição já estava caminhando para ser quase representada só por faculdades particulares.

Fauston Negreiros: Quanto às políticas educacionais e os direitos humanos, como você avalia essa relação atualmente no Brasil?

Regina Pedroza: Então, eu estou maravilhada porque várias alunas, que fizeram comigo o estágio em Psicologia Escolar, fizeram concurso, passaram e hoje são psicólogas escolares da Secretaria de Educação.

Eu trabalho não somente com a Psicologia histórico-cultural, [mas também] com a Psicanálise, mas trabalho com a Psicanálise na questão de pensar toda essa importância [e ver] que quem faz a instituição são os sujeitos, eles que têm história, cultura e todo um processo, o que eu chamo de processo histórico-dialético, desse movimento do passado e futuro se concretizando no presente. Acredito que isso é muito importante. Eu e a Psicologia trabalhamos com sujeitos inseridos na sociedade.

Então, eu penso que [é necessário] escutar o professor, todos os atores da escola, como sujeitos da instituição. Eu não tenho como escutar a instituição, como se escuta uma instituição? Eu tenho essa incompetência!

Enfim, é uma felicidade muito grande ter muitos ex-alunos que são hoje psicólogos escolares na Secretaria de Educação e que tentam fazer uma crítica ao modelo que foi colocado, a partir das equipes psicopedagógicas. Na dissertação da Julia Chagas de 2010, em que fui orientadora, fizemos uma crítica a essa visão dessa cartilha psicopedagógica do trabalho de psicólogos e pedagogos juntos, mas que, por fim, não tem um olhar diferenciado na escola. Hoje, eu tenho trabalhado no Conselho Regional (CRP01/DF) na questão da implementação da nova Lei13.935/2019, do trabalho do psicólogo escolar com o assistente social.

Eu acho que a Psicologia Escolar vem historicamente sofrendo mais do que talvez a própria Psicologia na sua totalidade. Eu falo com meus alunos sobre quem é o psicólogo escolar. Antes de qualquer coisa, o psicólogo escolar é um psicólogo. Para tanto, o primeiro artigo do código de ética do psicólogo é o compromisso dele com os direitos humanos, então eu tenho batido na tecla e quero ver se conseguimos escrever algo sobre o código de ética do psicólogo escolar, no sentido da instituição escola, como esse psicólogo vai trabalhar as questões dos direitos humanos, ou seja, ele não pode discriminar. Está no código de ética que o psicólogo não pode discriminar, mas o que ele está fazendo quando rotula e diz que uma criança precisa ir ao médico porque ele não aprende? Qual é o diálogo dele com a minha professora? Com a família? Qual é a situação para esse aluno aprender? Então, parte do princípio que ele está violando, isso é forte, mas é verdade, o psicólogo escolar fazer essa medicalização, ele está discriminado o aluno. Eu penso assim.

Na última observação que fiz em sala de aula, um aluno, um menino preto, chegou para uma menina preta, sete anos, e fala “eu não gosto de você” e a menina pergunta, isso na minha frente e da professora, “por que você não gosta de mim?” (e ele responde) “por conta da sua cor da pele, eu não gosto da cor da sua pele”. A professora, então, virou para o menino e disse “você não pode dizer isso, não pode dizer assim, a cor da pele dela não é feia” e com isso os alunos foram cada um para seu lado. Depois fui conversar com a professora, porque perdemos um momento de problematizar, no mínimo, pois o menino é preto e está dizendo que não gosta da cor da pele da menina preta. Então o que ele sente pela cor da pele dele? O psicólogo não pode ficar escutando a instituição, eu não sei como faz isso, mas tem que estar transitando nesses espaços, tem que estar no coletivo, conversando com professores, humildemente, sem achar que tem respostas para tudo. Isso é uma questão, para mim, muito importante na Psicologia, porque eu também trabalho na clínica, vivi e trabalhei muitos anos, até antes da pandemia. Trabalhei na clínica-escola também, dando estágio para os alunos, então, eu acho que nós somos muito prepotentes, não sabemos escutar. Eu sempre dizia que a minha clínica é vigotskiana, walloniana, freireana, porque são pessoas que me ajudam a pensar na relação interpessoal.

Na clínica, o meu trabalho como psicoterapeuta, principalmente infantil, é bem dentro dessa perspectiva de pensar como vou escutar a criança e novamente o Korczak me ensinou que eu só posso conhecer a criança a deixando falar para mim. E como ela vai falar para mim? Brincando, sendo agressiva, pintando, fazendo o que for, mas eu tenho que escutar essa criança e não ficar só escutando, por exemplo, mãe, pai, a escola, o professor. Então é isso, [esse é] o meu trabalho como psicóloga escolar [e como] eu trabalho até hoje.

Eu tenho uma ex-aluna da Secretaria de Educação. Ela trabalha em uma escola, que chamamos de Escola Classe Comunidade de Aprendizagem do Paranoá (CAP) e que trabalha na perspectiva da Escola da Ponte, referência em todo o mundo. É [um trabalho] muito difícil, não é fácil, mas a questão é de você buscar entrar mais na sala de aula. O psicólogo escolar precisa disso, mas ele não é um professor, não defendo isso, ele não tem que dizer para o professor o que ele deve fazer, mas como Wallon diz, [devemos] conversar com o professor, na sua observação de aula, falar “eu tô achando que com esse método que você está usando, a criança não está aproveitando” e não dizer qual o melhor método, mas fortalecer o trabalho do professor.

Fauston Negreiros: Levando em consideração sua jornada enquanto psicóloga escolar, pesquisadora e professora que forma outras psicólogas escolares, quais avanços que a área pode trazer à questão dos direitos humanos?

Regina Pedroza: Vou trazer Paulo Freire novamente, porque que eu acho que nós temos que fazer a política educacional no sentido de movimento de denúncia e anúncio, ou seja, ao fazer Psicologia você tem que ter pesquisa e a pesquisa precisa que você realmente se envolva, para não ficar uma pesquisa em que você parte de qualquer pressuposto. Muita gente diz hoje que se envolve em pesquisa qualitativa, por exemplo, mas de que maneira que ela é qualitativa? De que maneira você se envolve com a pesquisa? Então eu acho que você tem que fazer parte, sim, chegar ao local da pesquisa e deixar-se surpreender, partir do princípio de que você não sabe tudo, reconhecer que você sabe algo, mas como Paulo Freire dizia, reconhecer no outro o que o outro tem para me ensinar. A pesquisa é também um momento de aprendizagem do pesquisador. O pesquisador que quer aprender quando está fazendo pesquisa vai ter elementos para fazer a denúncia da situação que ele viu e anunciar as propostas. O Wallon também dizia já no início do século XX, que a Psicologia não pode ser só descritiva, ela tem que ser explicativa, e como Vigotski dizia, uma ciência em favor da mudança da sociedade e é isso que eu quero. A Psicologia que pense “não estou gostando do que está aí” e então se eu não estou gostando, através da minha profissão, do meu conhecimento, vamos ter instrumentos e ferramentas de mudança da sociedade, no sentido dos direitos humanos, não somente no que está posto nos 12 itens da Declaração dos Direitos Humanos, porque, inclusive, essa é uma declaração feita por homens brancos europeus e eu não sei o que o outro precisa enquanto direitos. O direito à vida, por exemplo, o que é o direito à vida? É a vida de uma árvore, esse é o direito à vida do indígena. Então, hoje, não faz parte do meu dia a dia pensar na árvore, como algo muito longe de mim.

Eu acho que a política educacional tem muito a ajudar nessa questão de porque estamos numa sociedade letrada, é um fato com a escola, então a partir dessas políticas educacionais você pode conhecer, obviamente se você também tiver interesse em conhecer, os direitos pelos quais as pessoas estão lutando e nem sempre, ou melhor dizendo, os livros não ensinam, não está tudo nos livros. Eu bato muito nisso, na disciplina dos direitos humanos, que é importante ter decretos e leis, mas não podemos ficar presos a isso. Os direitos humanos envolvem algo cultural e histórico, então não devemos ficar presos pelo que foi declarado e nem vamos ficar criticando tudo. Porque, assim, Freud não falou da população LGBTQIA+, mas proporcionou termos para pensar o sujeito do inconsciente e em como posso pensar uma pessoa LGBTQIA+. Eu cito muito Wallon para os meus alunos e digo que ele nunca entrou em uma casa de abrigo aqui de Brasília, ele nunca esteve em Brasília, então quem conhece essas crianças são vocês.

Eu acho que o que falta na formação dos nossos alunos é fazer com que eles se impliquem, e assim acreditem na sua capacidade de construir conhecimento. Me dizem muito “Ah, mas ele não pode falar nada, porque o professor pergunta quem disse isso”, mas foram eles que disseram. Então eu acho que devemos [instigá-los] a construir conhecimento a partir do que já existe sobre o assunto.

Fauston Negreiros: Em sua opinião, quais desafios ainda precisam ser enfrentados diante da temática?

Regina Pedroza: Os desafios de trabalhar os direitos humanos são as questões do racismo, sexismo, classicismo, LGBTfobia e de outras questões que tenho batido muito, até porque sou deficiente, como a questão do capacitismo, que têm permanecido ao longo das gerações. As professoras ainda querem incluir e incluir, e para algumas pessoas é querer levar para o normal, e quando há conflito em uma turma, na sala de aula, é difícil um professor chegar e dizer “como vamos resolver?” e escutar o que as crianças podem dizer para você, de ver esse direito ser respeitado. Apesar disso, o chão cotidiano de cada escola e a comunidade escolar seguem sendo quem nos ensinarão a lidar e se construir esses enfrentamentos da melhor forma.

Eu tive uma experiência em uma escola muito bonita, mas foi difícil porque aqui em Brasília, a escola pública, às vezes, não está só com os alunos da vizinhança, daquela comunidade, e mesmo assim, você recebe a família para fazer algo que não seja apenas fazer queixa dos filhos, isso é terrível. Eu sou mãe e meus dois filhos mais velhos estudaram em escola pública e eu dizia para as professoras “e aí?” Elas diziam que meus filhos não tinham problemas e eu falava “então quer dizer que vocês só falam se tiver problema? Por que não me contam como eles são, do que gostam, do que não gostam para eu pensar também sobre o que eles gostam e não gostam em casa?”.

Fauston Negreiros: Para você, como a formação política e a participação em movimentos sociais podem influenciar a atuação das(os) psicólogas(os) escolares?

Regina Pedroza: As pessoas, quando falam de política, confundem-se com a questão partidária. Você mesmo, que está agora em um laboratório que é o Ágora, sabe que é um espaço político. Eu já dei aula de cidadania e direitos humanos, mas eu começava dizendo que a política vem de pólis, organização de como a sociedade está naquele momento. Então politicamente, é super importante para o psicólogo escolar que ele tenha uma formação de como a escola está inserida no espaço, que é um espaço social, cultural, geográfico, citando aqui alguém que eu gosto muito que é o Milton Santos. Ele me mostra a importância de que nada é por acaso. Como a cidade está organizada? Você tem que saber disso, porque se ele passa no concurso e vai trabalhar numa escola de periferia como ele vai chegar lá com Wallon, Vigotski, Piaget e Freud? Como ele vai querer agir com aquelas crianças? Não que eu queira dizer que essa criança vai ter que ser tratada de modo diferente, não é isso, mas é saber o espaço geográfico, social, político e cultural. As pessoas, às vezes, pensam cultura como cultura do brasileiro, do europeu, do asiático e não pensam que a cultura é um modo de valores, de formas de se expressar artisticamente, e tudo o que cabia na cultura no plano piloto difere da cultura de uma cidade satélite (Região Administrativa do Distrito Federal), por exemplo.

O psicólogo escolar só vai poder realmente ter uma escuta do outro, nesse momento político que ele está vivendo de extrema polarização, se entender que a escola tem que ser também um projeto político-social dos movimentos sociais. Um exemplo disso e que eu gosto de contar foi quando uma criança de nove anos, que chega em casa e tem que cozinhar, varrer a casa, arrumar os irmãos, colocá-los para dormir e a mãe trabalha o dia todo, como vou escutar isso? A queixa, que é uma coisa que não pode ser só do professor em cima da aluna, mas a queixa de uma mãe enquanto mulher neste país, a queixa de uma mãe que sofre violência em casa, como é que vou escutar uma criança que bateu em uma coleguinha e disse “meu pai bate na minha mãe, por que eu não posso bater nela?” Como posso ser psicólogo escolar se não dou conta de escutar isso? Aqui eu tenho que pensar na formação. O curso de psicologia tem que deixar os alunos falarem muito mais, porque, inclusive, mudou muito desde que entrei há 28 anos, quando entrei para ser professora, a realidade é outra e isso é maravilhoso, já temos as cotas.

Então, há muitos alunos que trazem experiências e nós precisamos aprender de uma vez por todas que não somos donos do saber, não somos [mesmo] enquanto professores, e assim me referencio de novo com meu conterrâneo lindo de morrer, Paulo Freire.

REFERÊNCIAS

  • Alves, C. B., & Pedroza, R. L. S. (2021). O que assusta em Paulo Freire: educação libertadora na América Latina hoje. Temps d’Educació, 61, 85-99.
  • Alves, C. B., & Pedroza, R. L. S. (2019). Identidade, universidade e integração na América Latina: um estudo de psicologia. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, 24(3), 855-874.
  • Bauchpiess, C., & Pedroza, R. L. S. (2020). Psychology and Educational policies: state of knowledge in distrito federal post-graduation. Psicologia Escolar e Educacional, 24(e217565) 1-9. https://doi.org/10.1590/2175-35392020217565
    » https://doi.org/10.1590/2175-35392020217565
  • Campos, H. R., Souza, M. P. R de, & Facci, M. G. D. (Ed.). (2016). Psicologia e políticas educacionais Natal/RN: Editora da UFRN.
  • Conselho Federal de Psicologia. (2005). Código de Ética Profissional do Psicólogo Disponível em: Disponível em: http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo_etica.pdf Acesso em:13 ago. 2023.
    » http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo_etica.pdf
  • Fonseca, T. D. S., & Negreiros, F. (2021). Psicologia escolar e educação profissional e tecnológica nos IFPIs: demandas, práticas e indícios de criticidade.Psicologia Escolar e Educacional,25(e223371), 1-10. http://dx.doi.org/10.1590/2175-35392021223371
    » https://doi.org/10.1590/2175-35392021223371
  • Freire, P. (2022). Pedagogia da autonomia Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
  • Korczak, J. (1981). Quando eu voltar a ser criança São Paulo: Summus.
  • Maciel, M. R., Sousa, T. R., & Pedroza, R. L. S. (2022). Entrelaçamentos entre psicanálise, educação e política: experiências nos espaços escolares. Subjetividades, 22(2), 1-11. https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v22i2.e11475
    » https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v22i2.e11475
  • Mello, L. C. A., & Pedroza, R. L. S. (2022). Direitos Humanos: concepções por estudantes de psicologia em uma universidade pública brasileira. Revista Psicologia CES, 15(2), 80-96.
  • Negreiros, F. (2021). Palavras-chave em psicologia escolar e educacional Campinas: Alínea.
  • Negreiros, F. (2023). Psicologia Escolar e BNCC: criticidade e análise política Campinas: Alínea.
  • Negreiros, F., & Alexandrino, R. (2023). (Eds.) Psicologia Escolar e Educacional & População LGBTQIA+ Campinas: Alínea.
  • Patto, M. H. S. (1984).Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar TA Queiroz.
  • Pedroza, R. L. S., & Alves, C. B. (2021). A narrativa de vida nos estudos de gênero: divisão sexual do trabalho e identidade. Revista Sociais e Humanas, 34(2), 49-70. https://doi.org/10.5902/2317175864245
    » https://doi.org/10.5902/2317175864245
  • Ribeiro, M. A. M., & Pedroza, R. L. S. (2020). Educação e transformação: a dimensão pessoal da reconfiguração da prática docente. SCIAS. Direitos Humanos e Educação , v. 3(1), 29-51.
  • Sousa, T. R., Pedroza, R. L. S., & Volpe, M. M. (2019). Concepções de crianças da educação infantil sobre violência e a relação com o brincar: contribuições de Freud e Winnicott. INTERAÇÃO EM PSICOLOGIA (ONLINE), 23(1), 75-84.
  • Vigotski, L. S. (1984). A formação social da mente (J. Cipolla Neto, L. S. M. Barreto, & S. C. Afeche, Trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Obra original publicada em 1935).
  • Wallon, H. (1934). Les origines du caractère chez l’enfant: les préludes du sentiment de personnalité Paris: Boivin

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2023
  • Aceito
    23 Out 2023
Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), Rua Mirassol, 46 - Vila Mariana , CEP 04044-010 São Paulo - SP - Brasil , Fone/Fax (11) 96900-6678 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@abrapee.psc.br