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Transtornos Alimentares: Vivências de Mulheres Acima de 30 Anos

Eating Disorders: Experiences of Women Aged Over 30 Years

Trastornos Alimentarios: Experiencias de Mujeres de Más de 30 Años

Resumo

O objetivo deste estudo foi compreender como mulheres adultas (acima de 30 anos) diagnosticadas com transtornos alimentares (TAs) vivenciam o adoecer. Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo e exploratório, desenvolvido com base no referencial teórico-metodológico da Análise Fenomenológica Interpretativa (AFI). Participaram seis mulheres, com idades entre 34 e 65 anos, atendidas em um serviço especializado. Os dados foram coletados por meio de entrevista aberta, de inspiração fenomenológica, na modalidade remota. As entrevistas foram audiogravadas, transcritas e analisadas seguindo os passos da AFI. Duas categorias temáticas foram identificadas: “Vivendo antes do adoecer” e “Encontrando-se doente.” Constatou-se que os sintomas tiveram início anteriormente à vida adulta e que houve dificuldade na confirmação do diagnóstico. Na perspectiva das participantes, conviver com a sintomatologia ficou mais complicado em função de particularidades de manejo dos sintomas na vida adulta, e a idade é percebida como um fator que impacta e dificulta ainda mais a recuperação. As participantes relataram desesperança em relação ao futuro, apesar de a maioria reconhecer melhoras no quadro clínico ao longo do tempo e de valorizar a relação de confiança estabelecida com a equipe multiprofissional.

Palavras-chave:
Transtornos Alimentares; Anorexia Nervosa; Bulimia Nervosa; Pessoa de Meia-idade; Pandemia

Abstract

This study aimed to understand the experience of illness of adult women (over 30 years) diagnosed with eating disorders (ED). This is a qualitative, descriptive, and exploratory study, using Interpretative Phenomenological Analysis (IPA) as theoretical and methodological framework. A sample of six women aged 34-64 years, assisted in a specialized service, were recruited to complete a phenomenological in-depth open interview. The data were remotely collected. Interviews were audio-recorded, transcribed and analyzed following the IPA. Two thematic categories were identified: “Living before the illness” and “Finding about the illness.” It was found that the symptoms started before adulthood and that there was difficulty establishing the diagnosis. Living with the symptoms became more complicated due to particularities of symptom management in adulthood and age is perceived as a factor that impacts recovery and makes it even more difficult. The participants reported hopelessness about the future, although most recognized improvements in the clinical condition over time and valued the trusting relationship they established with the multiprofessional team.

Keywords:
Eating Disorders; Anorexia Nervosa; Bulimia; Middle-Aged Person; Pandemics

Resumen

El objetivo de este estudio fue comprender las experiencias de las mujeres adultas (mayores de 30 años) diagnosticadas con trastornos alimentarios (TA) respecto a la enfermedad. Se trata de un estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio, desarrollado a partir del marco teórico y metodológico del Análisis Fenomenológico Interpretativo (AFI). Participaron seis mujeres, con edades de entre 34 y 65 años, atendidas en un servicio especializado. Los datos se recogieron mediante entrevistas abiertas, de inspiración fenomenológica, en la modalidad a distancia. Las entrevistas fueron grabadas en audio, transcritas y analizadas siguiendo los pasos del AFI. Se identificaron dos categorías temáticas: “Vivir antes de enfermar” y “Encontrarse enfermo.” Se constató que los síntomas comenzaron antes de la edad adulta y que hubo dificultades de establecer el diagnóstico. La convivencia con síntomas se complicó debido a las particularidades del manejo de los síntomas en la vida adulta y la edad se percibe como un factor que influye y dificulta aún más la recuperación. Los participantes manifestaron desesperanza sobre el futuro, aunque reconocieron mejoras en el cuadro clínico con el paso del tiempo y valoraron la relación de confianza establecida con el equipo multiprofesional.

Palabras-clave:
Trastornos Alimentarios; Anorexia Nervosa; Bulimia; Persona de Mediana Edad; Pandemia

Introdução

Transtornos alimentares (TAs) são quadros psiquiátricos nos quais se observa um comprometimento significativo da saúde tanto física quanto mental, assim como da esfera de funcionamento psicossocial do indivíduo (Souza & Santos, 2009Souza, L. V., & Santos, M. A. (2009). A construção social de um grupo multifamiliar no tratamento dos transtornos alimentares. Psicologia: Reflexão e Crítica, 22(3), 483-492. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722009000300020
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). Tais consequências resultam de uma disfunção prevalente no comportamento alimentar em si ou de ações associadas, assim como alterações no padrão alimentar (Santos & Pessa, 2022Santos, M. A., & Pessa, R. P. (2022). Clínica dos transtornos alimentares: Novas evidências clínicas e científicas. In S. S. Almeida, T. M. B. Costa, & M. F. Laus (Orgs.), Psicobiologia do comportamento alimentar (pp. 177-206; 2. ed.). Rio de Janeiro: Rubio.). Os dois transtornos mais conhecidos são: anorexia nervosa (AN) e bulimia nervosa (BN) (American Psychiatric Association [APA], 2014American Psychiatric Association. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5 (5ª ed.). Artmed.).

Os sintomas de AN-BN podem ser descritos como formas de autoabuso alimentar, que resultam de múltiplas causas, incluindo fatores culturais, comportamentais, familiares, biológicos e genéticos (Valdanha-Ornelas, Squires, Barbieri, & Santos, 2021Valdanha-Ornelas, E., Squires, C., Barbieri, V., & Santos, M. A. (2021). Family relationships in bulimia nervosa. Psicologia em Estudo, 26, e47361. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v26i0.47361
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). Entre os fatores familiares, destacam-se a dinâmica das relações, padrões de comunicação, inconsistência nas práticas educativas, modelos aprendidos de funcionamento alimentar alterado como estratégia para minimização de conflitos, envolvimento dos filhos em tensões familiares do casal parental e pais ausentes ou negligentes (Gil et al., 2022Gil, M., Simões, M. M., Oliveira-Cardoso, E. A., Pessa, R. P., Leonidas, C., & Santos, M. A. (2022). Percepção de familiares de pessoas com transtornos alimentares acerca do tratamento: uma metassíntese da literatura. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 38, e38. https://doi.org/10.1590/0102.3772e38417.pt
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; Souza & Santos, 2010Souza, L. V., & Santos, M. A. (2010). A participação da família no tratamento dos transtornos alimentares. Psicologia em Estudo (Maringá), 15(2), 285-294. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722010000200007
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). Os fatores biológicos incluem alterações hormonais e de neurotransmissores relacionados à regulação normal do comportamento alimentar e manutenção do peso.

A AN é caracterizada pela restrição alimentar, que resulta em um peso corporal significativamente abaixo do esperado para a idade, gênero e etapa de desenvolvimento. A BN é caracterizada por episódios periódicos de compulsão alimentar (binge eating), que consistem na ingestão de grande quantidade de alimentos durante um curto período, acompanhada da sensação de perda de controle (Valdanha-Ornelas et al., 2021Valdanha-Ornelas, E., Squires, C., Barbieri, V., & Santos, M. A. (2021). Family relationships in bulimia nervosa. Psicologia em Estudo, 26, e47361. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v26i0.47361
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). Ambos os transtornos são mais prevalentes na população feminina, sendo que a faixa etária da maioria das pacientes compreende desde adolescentes até jovens adultas (15 a 29 anos). Entretanto, há evidências de que o acometimento pode alcançar mulheres acima dessa idade, ou seja, após os 30 anos de idade (Gadalla, 2008Gadalla, T. M. (2008). Eating disorders and associated psychiatric comorbidity in elderly Canadian women. Archives of Women’s Mental Health, 11(5-6), 357-362. https://doi.org/10.1007/s00737-008-0031-8
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; Gagne et al., 2012Gagne, D. A., Von Holle, A., Brownley, K. A., Runfola, C. D., Hofmeier, S., Branch, K. E., & Bulik, C. M. (2012). Eating disorder symptoms and weight and shape concerns in a large web-based convenience sample of women ages 50 and above: Results of the gender and body image (GABI) study. International Journal of Eating Disorders, 45(7), 832-844. https://doi.org/10.1002/eat.22030
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; Lapid et al., 2010Lapid, M. I., Prom, M. C., Burton, C., McAlpine, D. E., Sutar, B., & Rummans, T. A. (2010). Eating disorders in the elderly. International Psychogeriatrics, 22(4), 523-536. https://doi.org/10.1017/S1041610210000104
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; Mangweth-Matzek et al., 2006Mangweth-Matzek, B., Rupp, C. I., Hausmann, A., Assmayr, K., Mariacher, E., Kemmler, G., Whitworth, A. B., & Biebl, W. (2006). Never too old for eating disorders or body dissatisfaction: A community study of elderly women. International Journal of Eating Disorders, 39(7), 583-586. https://doi.org/:10.1002/comer.20327
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).

A primeira referência a essa temática surgiu em 1939, quando Carrier empregou o termo anorexia tardive - em tradução livre, “anorexia tardia”. O acometimento tardio de mulheres continuou sendo investigado no decorrer dos anos 1990, principalmente por meio de estudos de caso, e somente em 2006 foi publicado o primeiro estudo que abrangeu amostra robusta (Mangweth-Matzek et al., 2006Mangweth-Matzek, B., Rupp, C. I., Hausmann, A., Assmayr, K., Mariacher, E., Kemmler, G., Whitworth, A. B., & Biebl, W. (2006). Never too old for eating disorders or body dissatisfaction: A community study of elderly women. International Journal of Eating Disorders, 39(7), 583-586. https://doi.org/:10.1002/comer.20327
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). Os autores investigaram a presença de TAs na população feminina (475 mulheres entre 60 e 70 anos de idade) de uma comunidade austríaca. Foi encontrada uma prevalência de 3,8%. Nos anos seguintes, diversos estudos epidemiológicos conduzidos nos Estados Unidos e em alguns países europeus procuraram estimar a prevalência dos TAs na população de mulheres adultas mais velhas, com pontos de corte variando entre 40, 50 e 60 anos (Ackard, Richter, Frisch, Mangham, & Cronemeyer, 2013Ackard, D. M., Richter, S., Frisch, M. J., Mangham, D., & Cronemeyer, C. L. (2013). Eating disorder treatment among women forty and older: Increases in prevalence over time and comparisons to young adult patients. Journal of Psychosomatic Research, 74(2), 175-178. http://dx.doi.org/10.1016/j.jpsychores.2012.10.014
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; Mangweth-Matzek et al., 2014aMangweth-Matzek, B., Hoek, H. W., Rupp, C. I., Lackner-Seifert, K., Frey, N., Whitworth, A. B., Pope, H. G., & Kinzl, J. (2014a). Prevalence of eating disorders in middle-aged women. International Journal of Eating Disorders, 47(3), 320-324. https://doi.org/10.1002/eat.22232
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; Mangweth-Matzek & Hoek, 2017Mangweth-Matzek, B., & Hoek, H. W. (2017). Epidemiology and treatment of eating disorders in men and women of middle and older age. Current Opinion in Psychiatry, 30(6), 446-451. https://doi.org/10.1097/YCO.0000000000000356
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). Os resultados apontaram uma prevalência de 3% a 4% na população feminina austríaca acima de 40 anos; em mulheres canadenses, de 2,6% entre 50 e 64 anos e de 1,8% acima de 65 anos; nas estadunidenses acima de 40 anos, 4% no período de 1989 a 2001, e 11% entre 2002 e 2006, evidenciando um aumento significativo na incidência e prevalência desses transtornos nas últimas décadas.

Considerando a presença expressiva dos TAs na vida adulta, uma das discussões que despontam na literatura é quanto ao momento do surgimento dos sintomas. Quando os sintomas aparecem mais precocemente, o transtorno é considerado de incidência antecipada (early onset). Se os sintomas se manifestam pela primeira vez somente na vida adulta, o transtorno é considerado de incidência tardia (late onset). De acordo com Lapid et al. (2010Lapid, M. I., Prom, M. C., Burton, C., McAlpine, D. E., Sutar, B., & Rummans, T. A. (2010). Eating disorders in the elderly. International Psychogeriatrics, 22(4), 523-536. https://doi.org/10.1017/S1041610210000104
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), 69% dos TAs são considerados de incidência tardia. Contudo, este achado não foi confirmado por estudos que detectaram apenas uma minoria ou nenhum caso (Keel, Gravener, Joiner Jr., & Haedt, 2010Keel, P. K., Gravener, J. A., Joiner Jr., T. E., & Haedt, A. A. (2010). Twenty-year follow-up of bulimia nervosa and related eating disorders not otherwise specified. International Journal of Eating Disorders, 43(6), 492-497. https://doi.org/10.1002/eat.20743
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; Scholtz, Hill, & Lacey, 2010Scholtz, S., Hill, L. S., & Lacey, H. (2010). Eating disorders in older women: Does late onset anorexia nervosa exist? International Journal of Eating Disorders, 43(5), 393-397. https://doi.org/10.1002/eat.20704
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). Main, Reddy, Lazarevic e Whelan (2011Main, J., Reddy, L., Lazarevic, M., & Whelan, P. J. (2011). Are late-onset eating disorders in the elderly really the more common variant? Concerns around publication bias. International Psychogeriatrics, 23(4), 670-671. https://doi.org/10.1017/S1041610210001778
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) publicaram uma análise crítica do artigo de Lapid et al. (2010), ressaltando que muitas mulheres adultas e idosas tratadas para TAs apresentam, na realidade, reincidências ou sintomas que passaram despercebidos, considerando a alta taxa de mortalidade na AN.

Assim, partindo da hipótese de incidência antecipada, entende-se que alguns indivíduos podem apresentar sintomas persistentes de TAs durante toda a vida. Alguns autores propõem uma subcategoria para abrigar tais transtornos, em especial para AN, denominada Severe and Enduring Anorexia Nervosa (SE-AN), em tradução livre: AN grave e duradoura (Ambwani et al., 2020Ambwani, S., Cardi, V., Albano, G., Cao, L., Crosby, R. D., MacDonald, P., Schmidt, U., & Treasure, J. (2020). A multicenter audit of outpatient care for adult anorexia nervosa: Symptom trajectory, service use, and evidence in support of “early stage” versus “severe and enduring” classification. International Journal of Eating Disorders, 53(8), 1.337-1.348. http://dx.doi.org/10.1002/eat.23246
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; Elburg, Danner, Sternheim, Lammers, & Elzakkers, 2021Elburg, A. V., Danner, U. N., Sternheim, L. C., Lammers, M., & Elzakkers, I. (2021). Mental capacity, decision-making and emotion dysregulation in severe enduring anorexia nervosa. Frontiers in Psychiatry, 12, 545317. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2021.545317
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; Wonderlich, Bulik, Schmidt, Steiger, & Hoek, 2020Wonderlich, S. A., Bulik, C. M., Schmidt, U., Steiger, H., & Hoek, H. W. (2020). Severe and enduring anorexia nervosa: Update and observations about the current clinical reality. International Journal of Eating Disorders, 53(8), 1303-1312. https://doi.org/10.1002/eat.23283
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). Para a classificação na categoria diagnóstica SE-AN, geralmente são considerados três critérios: (a) estado persistente de restrição alimentar, subpeso e avaliação corporal negativa, que alteram a capacidade funcional; (b) duração de três a sete anos ou mais; c) exposição malsucedida a, pelo menos, dois tipos de tratamento.

Outro aspecto importante nesta área de estudo é entender se (e como) os TAs se modificam ao longo da vida, o que se mostra exequível por meio de delineamento longitudinal. Dessa maneira, pesquisas com follow-up de 10, 20 e 30 anos acompanharam indivíduos com TAs, em sua maioria publicadas recentemente (Brown, Forney, Klein, Grillot, & Keel, 2020Brown, T. A., Forney, K. J., Klein, K. M., Grillot, C., & Keel, P. K. (2020). A 30-year longitudinal study of body weight, dieting, and eating pathology across women and men from late adolescence to later midlife. Journal of Abnormal Psychology, 129(4), 376-386. https://doi.org/10.1037/abn0000519
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; Dobrescu et al., 2020Dobrescu, S. R., Dinkler, L., Gillberg, C., Råstam, M., Gillberg, C., & Wentz, E. (2020). Anorexia nervosa: 30-year outcome. The British Journal of Psychiatry, 216(2), 97-104. https://doi.org/10.1192/bjp.2019.113
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; Fichter, Quadflieg, Crosby, & Koch, 2017Fichter, M. M., Quadflieg, N., Crosby, R. D., & Koch, S. (2017). Long-term outcome of anorexia nervosa: Results from a large clinical longitudinal study. International Journal of Eating Disorders, 50(9), 1018-1030. https://doi.org/10.1002/comer.22736
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; Keel et al., 2010Keel, P. K., Gravener, J. A., Joiner Jr., T. E., & Haedt, A. A. (2010). Twenty-year follow-up of bulimia nervosa and related eating disorders not otherwise specified. International Journal of Eating Disorders, 43(6), 492-497. https://doi.org/10.1002/eat.20743
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; Wick, Brown, Fitzgerald, & Keel, 2021Wick, M. R., Brown, T. A., Fitzgerald, E. H., & Keel, P. K. (2021). How changing life roles predict eating disorder pathology over 30-year follow-up. Journal of Abnormal Psychology, 130(4), 388-398. https://doi.org/10.1037/abn0000669
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). Os principais achados foram: mulheres que mantiveram os sintomas de TAs por volta dos 30 anos continuaram a manifestá-los aos 50 anos; por outro lado, ao longo dos anos observou-se redução na gravidade da psicopatologia, com diminuição do desejo de magreza, assim como um arrefecimento dos sintomas bulímicos. Quanto ao casamento/relação conjugal, não foram verificadas mudanças significativas, porém, ao vivenciarem a maternidade, geralmente ocorriam melhoras da sintomatologia logo após o nascimento da criança, com tendência de estabilidade posterior.

Ainda na busca por compreender as diferenças nas manifestações de TAs entre adolescentes e adultas, outras pesquisas analisaram dados dessa população com mais de 30 anos comparando com a literatura já bem estabelecida dos transtornos em jovens. O primeiro aspecto destacado pelos estudos diz respeito à constelação dos sintomas, que parecem se apresentar de forma predominantemente similar, independentemente da idade. Entretanto, nas de maior idade a gravidade do transtorno tende a ser menor, porém, o funcionamento social, ocupacional e bem-estar são significativamente mais prejudicados (Henriksen, Mackenzie, Fergusson, & Bouchard, 2020Henriksen, C. A., Mackenzie, C. S., Fergusson, P., & Bouchard, D. R. (2020). Does age impact the clinical presentation of adult women seeking specialty eating disorder treatment? The Journal of Nervous and Mental Disease, 208(9), 742-745. https://doi.org/10.1097/NMD.0000000000001160
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; Mangweth-Matzek et al., 2014aMangweth-Matzek, B., Hoek, H. W., Rupp, C. I., Lackner-Seifert, K., Frey, N., Whitworth, A. B., Pope, H. G., & Kinzl, J. (2014a). Prevalence of eating disorders in middle-aged women. International Journal of Eating Disorders, 47(3), 320-324. https://doi.org/10.1002/eat.22232
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; McCallum & Alaggia, 2021McCallum, L. A., & Alaggia, R. (2021). Achieving recovery through resilience: Insights from adults in midlife living with anorexia nervosa. Qualitative Health Research, 31(4), 619-630. https://doi.org/10.1177/1049732320978202
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; Scholtz et al., 2010Scholtz, S., Hill, L. S., & Lacey, H. (2010). Eating disorders in older women: Does late onset anorexia nervosa exist? International Journal of Eating Disorders, 43(5), 393-397. https://doi.org/10.1002/eat.20704
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).

McCallum e Alaggia (2021McCallum, L. A., & Alaggia, R. (2021). Achieving recovery through resilience: Insights from adults in midlife living with anorexia nervosa. Qualitative Health Research, 31(4), 619-630. https://doi.org/10.1177/1049732320978202
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) ressaltaram que as complexidades da vida adulta, em especial da meia-idade, influenciam as vivências das mulheres com TAs, tais como as responsabilidades com a manutenção do lar e a gestão da carreira profissional. Dois outros aspectos mostraram ser fundamentais para a compreensão dos TAs em mulheres maduras, sendo eles o processo de envelhecimento e a menopausa. Ademais, também são elencadas a gravidez e a maternidade, porém com um volume menor de pesquisas disponíveis (Carrard & Rothen, 2020Carrard, I., & Rothen, S. (2020). Factors associated with disordered eating behaviors and attitudes in older women. Eating and Weight Disorders: Studies on Anorexia, Bulimia and Obesity, 25(3), 567-575. https://doi.org/10.1007/s40519-019-00645-4
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; Mangweth-Matzek, Hoek, & Pope Jr., 2014bMangweth-Matzek, B., Hoek, H. W., & Pope Jr., H. G. (2014b). Pathological eating and body dissatisfaction in middle-aged and older women. Current Opinion in Psychiatry, 27(6), 431-435. https://doi.org/10.1097/YCO.0000000000000102
https://doi.org/10.1097/YCO.000000000000...
; Midlarsky, Marotta, Pirutinsky, Morin, & McGowan, 2017Midlarsky, E., Marotta, A. K., Pirutinsky, S., Morin, R. T., & McGowan, J. C. (2017). Psychological predictors of eating pathology in older adult women. Journal of Women & Aging, 30(2), 145-157. https://doi.org/10.1080/08952841.2017.1295665
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; Samuels, Maine, & Tantillo, 2019Samuels, K. L., Maine, M. M., & Tantillo, M. (2019). Disordered eating, eating disorders, and body image in midlife and older women. Current Psychiatry Reports, 21(8), 1-9. https://doi.org/10.1007/s11920-019-1057-5
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).

Quanto ao envelhecimento, as principais características que marcam os TAs neste período do ciclo vital são: o medo de envelhecer e as preocupações com a valorização sociocultural do ideal de aparência eternamente jovem (Becker, Diedrichs, Jankowski, & Werchan, 2013Becker, C. B., Diedrichs, P. C., Jankowski, G., & Werchan, C. (2013). I’m not just fat, I’m old: Has the study of body image overlooked “old talk”? Journal of Eating Disorders, 1(1), 1-12. http://dx.doi.org/10.1016/j.maturitas.2015.12.017
http://dx.doi.org/10.1016/j.maturitas.20...
). O segundo aspecto central apontado pelos estudos é a transição para a menopausa, focalizando especificamente as mulheres na faixa de 40 a 60 anos (Baker & Runfola, 2016Baker, J. H., & Runfola, C. D. (2016). Eating disorders in midlife women: A perimenopausal eating disorder? Maturitas, 85, 112-116. https://doi.org/10.1016/j.maturitas.2015.12.017
https://doi.org/10.1016/j.maturitas.2015...
; Mangweth-Matzek et al., 2013Mangweth-Matzek, B., Hoek, H. W., Rupp, C. I., Kemmler, G., Pope Jr., H. G., & Kinzl, J. (2013). The menopausal transition: A possible window of vulnerability for eating pathology. International Journal of Eating Disorders, 46(6), 609-616. https://doi.org/10.1002/eat.22157
https://doi.org/10.1002/eat.22157...
, 2021Mangweth-Matzek, B., Rupp, C. I., Vedova, S., Dunst, V., Hennecke, P., Daniaux, M., & Pope, H. G. (2021). Disorders of eating and body image during the menopausal transition: Associations with menopausal stage and with menopausal symptomatology. Eating and Weight Disorders: Studies on Anorexia, Bulimia and Obesity, 1-7. https://doi.org/10.1007/s40519-021-01141-4
https://doi.org/10.1007/s40519-021-01141...
; Thompson & Bardone-Cone, 2019Thompson, K. A., & Bardone-Cone, A. M. (2019). Menopausal status and disordered eating and body image concerns among middle-aged women. International Journal of Eating Disorders, 52(3), 314-318. https://doi.org/10.1002/eat.23030
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). Os resultados sugerem que esse período, em especial o climatério, pode ter relação com a maior prevalência de TAs e da imagem corporal negativa. Uma possível explicação é que essa etapa possa ser semelhante à puberdade, no sentido de ocorrerem intensas mudanças nos níveis hormonais, na composição corporal e nas concepções acerca do ser mulher. Assim, ambas as fases de transição podem representar períodos de maior vulnerabilidade aos TAs.

Além da análise dos sintomas e dos fatores evolutivos específicos da vida adulta, outra dimensão que tem sido destacada é a presença de comorbidades. Especificamente em mulheres adultas e idosas, é consenso que a presença de comorbidades tende a ser marcante, sendo superior à observada nas adolescentes (Rosa & Santos, 2011Rosa, B. P., & Santos, M. A. (2011). Comorbidade entre bulimia e transtorno de personalidade borderline: Implicações para o tratamento. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 14(2), 268-282. https://doi.org/10.1590/S1415-47142011000200005
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). Transtornos depressivos e ansiosos foram predominantes, mas também se observam relatos de comorbidades físicas relativas à idade avançada (Lapid, 2010Lapid, M. I., Prom, M. C., Burton, C., McAlpine, D. E., Sutar, B., & Rummans, T. A. (2010). Eating disorders in the elderly. International Psychogeriatrics, 22(4), 523-536. https://doi.org/10.1017/S1041610210000104
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; Samuels et al., 2019Samuels, K. L., Maine, M. M., & Tantillo, M. (2019). Disordered eating, eating disorders, and body image in midlife and older women. Current Psychiatry Reports, 21(8), 1-9. https://doi.org/10.1007/s11920-019-1057-5
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; Scholtz et al., 2010Scholtz, S., Hill, L. S., & Lacey, H. (2010). Eating disorders in older women: Does late onset anorexia nervosa exist? International Journal of Eating Disorders, 43(5), 393-397. https://doi.org/10.1002/eat.20704
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; Thompson, DeVinney, Goy, Kuang, & Bardone-Cone, 2021Thompson, K. A., DeVinney, A. A., Goy, C. N., Kuang, J., & Bardone-Cone, A. M. (2021). Subjective and objective binge episodes in relation to eating disorder and depressive symptoms among middle-aged women. Eating and Weight Disorders-Studies on Anorexia, Bulimia and Obesity, 26(3), 1-8. https://doi.org/10.1007/s40519-021-01305-2
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).

Diante do fenômeno cada vez mais expressivo dos TAs em mulheres que estão distantes da faixa etária na qual esses quadros psicopatológicos são comumente encontrados, se faz necessário ampliar o conhecimento nessa área, de modo a aprimorar as estratégias de tratamento. Apesar de crescente, especialmente nos últimos anos, a produção científica a respeito do tema é escassa em comparação com o conjunto de publicações acerca dos TAs. Ademais, o conhecimento produzido tem sido quase que exclusivamente centrado na América do Norte e na Europa. No Brasil, até o momento da revisão de literatura realizada para fundamentar este estudo, não foram encontrados estudos específicos a respeito de TAs em mulheres com idade superior a 30 anos. Além disso, prevalecem as investigações com delineamento quantitativo, o que mostra a necessidade de investir em pesquisas qualitativas, que permitam explorar a perspectiva das mulheres em relação ao adoecer e os significados atribuídos ao convívio com os sintomas de TAs.

Na abordagem qualitativa de pesquisa em saúde, busca-se compreender os significados individuais ou coletivos de determinados fenômenos que influenciam o bem-estar dos indivíduos. Na perspectiva fenomenológica, o campo da saúde é pensado tomando-se como princípio a complexidade e diversidade que envolvem a condição humana, do ponto de vista de quem vivencia os fenômenos do processo saúde-doença (Tombolato & Santos, 2020Tombolato, M. A., & Santos, M. A. (2020). Análise Fenomenológica Interpretativa (AFI): Fundamentos básicos e aplicações em pesquisa. Revista da Abordagem Gestáltica, 26(3), 293-304. https://doi.org/10.18065/2020v26n3.5
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). O foco, assim, é colocado na compreensão de como as pessoas significam e organizam suas vidas, ordenam seu cotidiano, atribuem sentidos a seus vínculos e aos cuidados com sua saúde. O termo vivência é entendido dentro do contexto da pesquisa qualitativa fenomenológica como a totalidade do que foi percebido, modulado pelos significados atribuídos e compartilhados, guardados na memória e que podem ser relembrados pelo sujeito que experimentou, sentiu e pensou (Turato, 2005Turato, E. R. (2005). Métodos qualitativos e quantitativos na área da saúde: Definições, diferenças e seus objetos de pesquisa. Revista de Saúde Pública, 39(3), 507-514. https://doi.org/10.1590/S0034-89102005000300025
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).

Nessa perspectiva, o objetivo deste estudo foi compreender como mulheres adultas (acima de 30 anos) diagnosticadas com TAs vivenciam o adoecer.

Método

Desenho do estudo

Trata-se de um estudo com enfoque qualitativo de pesquisa, descritivo-exploratório, de corte transversal, desenvolvido em conformidade com o enquadre teórico-metodológico da Análise Fenomenológica Interpretativa (AFI). A abordagem qualitativa foi escolhida porque o foco do estudo é investigar a experiência das participantes em sua totalidade, buscando compreender os significados que elas atribuem às suas vivências do adoecimento e do tratamento.

A pesquisa qualitativa se preocupa com o universo dos significados, motivações, aspirações, atitudes, crenças e valores dos sujeitos, privilegiando uma perspectiva compreensivo-interpretativa do fenômeno, que é investigado por meio do vínculo direto e intersubjetivo estabelecido entre pesquisador e participante (Tombolato & Santos, 2020Tombolato, M. A., & Santos, M. A. (2020). Análise Fenomenológica Interpretativa (AFI): Fundamentos básicos e aplicações em pesquisa. Revista da Abordagem Gestáltica, 26(3), 293-304. https://doi.org/10.18065/2020v26n3.5
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). Destarte, a investigação qualitativa de matriz fenomenológica tem determinadas características que são centrais no cenário a ser estudado, como a preocupação com o contexto de vida no qual os sujeitos estão inseridos (mundo circundante), a valorização da descrição densa das narrativas produzidas, que devem ser analisadas em sua profundidade e riqueza de significados, e o interesse do investigador pelo processo em vez de focar os resultados.

O referencial teórico-metodológico da AFI foi escolhido porque permite uma análise compreensiva dos significados que cada participante atribui às suas experiências vividas (Smith, Flowers, & Larkin, 2009Smith, J. A., Flowers, P., & Larkin, M. (2009). Interpretative phenomenological analysis: Theory, method and research. Sage.). É uma vertente do método fenomenológico que tem sido muito utilizada no cenário internacional para a compreensão do sofrimento de pacientes com adoecimento crônico. Na investigação de inspiração fenomenológica, o pesquisador não tem constituída uma compreensão prévia acerca do fenômeno que deseja explorar, pois parte de um pré-reflexivo, que são suas inquietações preliminares sobre determinado fenômeno de interesse (Smith et al., 2009Smith, J. A., Flowers, P., & Larkin, M. (2009). Interpretative phenomenological analysis: Theory, method and research. Sage.). Assim, iniciamos este estudo sensibilizados por nossa curiosidade sobre o mundo-vida das mulheres maduras que convivem com os sintomas de AN-BN, e não com base em proposições gerais acerca da realidade a ser investigada. Comprometidos com esse posicionamento teórico-epistemológico, procedemos de forma reflexiva ao longo de todo o processo de investigação.1

Para a condução e relato da pesquisa, foram utilizados os itens incluídos no Critério Consolidado para Relatar Pesquisas Qualitativas (COREQ), para assegurar o rigor na comunicação de estudos qualitativos (Tong, Sainsbury, & Craig, 2007Tong, A., Sainsbury, P., & Craig J. (2007). Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): A 32-item checklist for interviews and focus groups. International Journal of Qualitative Health Care, 19(6), 349-357. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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). Este recurso auxilia o pesquisador a relatar aspectos importantes, como equipe de pesquisa, desenho do estudo, análise dos dados e interpretações dos resultados.

Participantes

Na investigação fenomenológica, o número de participantes não é predeterminado. A etapa de campo é desenvolvida simultaneamente com o movimento analítico e se encerra quando os significados expressos nos relatos mostram suficiência de estruturas essenciais para compreender o fenômeno investigado, de modo que o alcance do objetivo proposto coincide com o desvelamento dos sentidos (Paula, Padoin, Terra, Souza, & Cabral, 2014Paula, C. C., Padoin, S. M. M., Terra, M. G., Souza, I. E. O., & Cabral, I. E. (2014). Modos de condução da entrevista em pesquisa fenomenológica: Relato de experiência. Revista Brasileira de Enfermagem, 67(3), 468-472. https://doi.org/10.5935/0034-7167.20140063
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).

A amostra de conveniência foi composta por mulheres com idade entre 34 e 65 anos, diagnosticadas com TAs (cinco com AN e uma com BN) e que se encontravam em tratamento em um serviço ambulatorial especializado de um hospital público universitário (Tabela 1). No momento da coleta de dados, o referido serviço atendia regularmente 16 pessoas, sendo seis com idade acima de 30 anos. As participantes foram recrutadas pessoalmente no próprio serviço ou por meio de seu contato fornecido pela coordenação, mediante autorização prévia delas. Os critérios de inclusão foram: idade acima de 30 anos, diagnóstico de AN ou BN e vínculo regular com o serviço mencionado. O único critério de exclusão foi apresentar dificuldades expressivas na comunicação, que poderiam comprometer a coleta de dados. Nenhuma das participantes convidadas declinou ou preencheu o critério de exclusão, de modo que o conjunto de entrevistadas representa a totalidade do universo do serviço.

Tabela 1
Características sociodemográficas e clínicas das participantes.

No momento da coleta de dados, nenhuma das participantes estava trabalhando: duas eram aposentadas, duas estavam estudando (graduação e doutorado), uma estava afastada do serviço e outra não trabalhava por opção.

Instrumento

Entrevista fenomenológica

Na investigação fenomenológica, a entrevista é considerada como encontro existencial, em suas dimensões ôntica e ontológica (Paula et al., 2014Paula, C. C., Padoin, S. M. M., Terra, M. G., Souza, I. E. O., & Cabral, I. E. (2014). Modos de condução da entrevista em pesquisa fenomenológica: Relato de experiência. Revista Brasileira de Enfermagem, 67(3), 468-472. https://doi.org/10.5935/0034-7167.20140063
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). O ponto de vista ôntico remete aos fatos que têm relação com a experiência do encontro e que, portanto, dizem respeito à pesquisadora, à entrevistada e ao meio circundante. A dimensão ontológica está relacionada a aspectos como empatia e relação intersubjetiva que fundam as vivências. O pesquisador fenomenológico utiliza a entrevista para ter acesso a estruturas consideradas significativas para a compreensão do ser, buscando construir possibilidades investigativas que permitam desvelá-lo mediante a redução de pressupostos.

Para desvelar os significados atribuídos ao TA e seu tratamento, na perspectiva das pacientes acima de 30 anos, foi utilizada a questão norteadora: “Conte-me como tem sido sua vida desde que você descobriu o transtorno alimentar”. A questão disparadora foi elaborada para responder ao objetivo e com base no referencial da AFI. Foi realizado um pré-teste com outras duas pacientes vinculadas ao serviço ambulatorial, não elegíveis para este estudo (com idade inferior a 30 anos), para testar a adequação da abordagem e da linguagem utilizada na questão norteadora.

A AFI preconiza uma abordagem flexível e dialógica, na qual a pesquisadora assume uma postura acolhedora e de suspensão de juízos prévios para alcançar a redução fenomenológica (Smith et al., 2009Smith, J. A., Flowers, P., & Larkin, M. (2009). Interpretative phenomenological analysis: Theory, method and research. Sage.), deixando-se conduzir pela perspectiva do indivíduo entrevistado. A entrevista deve ser conduzida de maneira empática a fim de evitar induzir a fala dos sujeitos da pesquisa. Assim, tomando como princípio a enunciação da questão norteadora, há flexibilidade para explorar os aspectos relevantes da vivência das participantes, sustentando um vínculo caloroso e empático para favorecer a investigação aprofundada dos assuntos considerados de interesse, bem como as questões pertinentes suscitadas durante a escuta das entrevistadas. De modo geral, as conversas percorreram aspectos da história de vida, suas perspectivas sobre o início dos sintomas vivenciados, sua percepção do diagnóstico e tratamento, bem como planos futuros.

Procedimento

Coleta de dados

O acesso às participantes se deu mediante autorização da coordenação clínica do serviço especializado, que forneceu a relação de pacientes que frequentavam regularmente os atendimentos. Uma vez cumpridos os critérios de elegibilidade, elas foram convidadas pela pesquisadora. Na experiência do encontro com as participantes, antes de iniciar a entrevista, a pesquisadora se apresentava e reiterava alguns aspectos descritos no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), como o uso da gravação, reforçando o sigilo e o anonimato, buscando mitigar possíveis fontes de interferência, de modo que nenhum estímulo externo interferisse na interlocução.

A coleta de dados foi realizada individualmente, entre os meses de março e agosto de 2021, por meio de videochamada com auxílio de plataforma digital (Google Meet) ou por telefone, resguardando-se os princípios de conforto e privacidade das participantes, e respeitando as restrições estabelecidas pelos protocolos sanitários para prevenção do contágio pelo SARS-CoV-2, vírus causador da COVID-19 (Fernández-Aranda et al., 2020Fernández-Aranda, F., Casas, M., Claes, L., Bryan, D. C., Favaro, A., Granero, R., Gudiol, C., Jiménez-Murcia, S., Karwautz, A., Grange, D. L., Menchón, J. M., Tchanturia, K., & Treasure, J. (2020). COVID-19 and implications for eating disorders. European Eating Disorders Review, 28(3), 239-245. https://doi.org/10.1002/erv.2738
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; Lewis, Elran-Barak, Tov, & Zubery, 2021Lewis, Y. D., Elran-Barak, R., Tov, R. G. S., & Zubery, E. (2021). The abrupt transition from face-to-face to online treatment for eating disorders: A pilot examination of patients’ perspectives during the COVID-19 lockdown. Journal of Eating Disorders, 9(1), 1-11. https://doi.org/10.1186/s40337-021-00383-y
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; Miniati et al., 2021Miniati, M., Marzetti, F., Palagini, L., Marazziti, D., Orrù, G., Conversano, C., & Gemignani, A. (2021). Eating disorders spectrum during COVID pandemic: A systematic review. Frontiers of Psychology, 12, 663376. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.663376
https://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.66337...
; Oliveira-Cardoso et al., 2020Oliveira-Cardoso, E. A., Silva, B. C. A., Santos, J. H., Lotério, L. S., Accoroni, A. G., & Santos, M. A. (2020). The effect of suppressing funeral rituals during the COVID-19 pandemic on bereaved families. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 28, e3361. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4519.3361
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; Santos, Sola, Santos, Oliveira-Cardoso, 2023Santos, J. H. C., Sola, P. P. B., Santos, M. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2023). Mudança do atendimento psicológico presencial para modalidade remota: facilitadores e dificultadores na pandemia de COVID-19. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 31, e3901. https://doi.org/10.1590/1518-8345.6468.3901
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; Schlegl, Maier, Meule, & Voderholzer, 2020Schlegl, S., Maier, J., Meule, A., & Voderholzer, U. (2020). Eating disorders in times of the COVID-19 pandemic: Results from an online survey of patients with anorexia nervosa. International Journal of Eating Disorders, 53(11), 1791-1800. https://doi.org/10.1002/eat.23374
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; Sola, Souza, Rodrigues, Santos, & Oliveira-Cardoso, 2023Sola, P. P. B., Souza, C., Rodrigues, E. C. G., Santos, M. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2023). Family grief during the COVID-19 pandemic: A meta-synthesis of qualitative studies. Cadernos de Saúde Pública, 39(2), e00058022. http://doi.org/10.1590/0102-311XEN058022
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). As participantes foram orientadas a buscar um local que permitisse resguardar o sigilo durante a entrevista. Os encontros tiveram duração média de 45 minutos.

Análise dos dados

A entrevista audiogravada foi transcrita na íntegra, respeitando as características da fala e sua sequência. Posteriormente, os dados foram organizados e analisados de acordo com os princípios da AFI. A AFI tem ganhado crescente prestígio na atualidade por fornecer um esquema interpretativo altamente sistematizado, por meio da descrição detalhada dos passos metodológicos sequenciais para análise das entrevistas. Esses passos se encontram detalhados no estudo de Tombolato e Santos (2020Tombolato, M. A., & Santos, M. A. (2020). Análise Fenomenológica Interpretativa (AFI): Fundamentos básicos e aplicações em pesquisa. Revista da Abordagem Gestáltica, 26(3), 293-304. https://doi.org/10.18065/2020v26n3.5
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).

As transcrições foram lidas várias vezes e de forma independente por duas pesquisadoras, sendo uma delas com expertise em análise fenomenológica. Foram feitas notas iniciais e os temas emergentes foram organizados com amparo do software NVivo 12. Temas e subtemas foram identificados por meio de suas similaridades, organizados e analisados em sucessivas rodadas de negociações entre as duas pesquisadoras, com vistas a identificar as convergências no material e chegar a uma lista comum. Essas etapas foram auditadas e, posteriormente, discutidas com um terceiro pesquisador e o grupo de pesquisa, quando se revisou a configuração de temas, ampliando e aprimorando a lista e revendo as interpretações com base no referencial metodológico, de modo a garantir o refinamento do processo de análise (Smith et al., 2009Smith, J. A., Flowers, P., & Larkin, M. (2009). Interpretative phenomenological analysis: Theory, method and research. Sage.).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (número do parecer 3.454.409, CAEE número 11759819.5.3001.5440), e seguiu as diretrizes éticas definidas pela Resolução nº 466 (Conselho Nacional de Saúde [CNS], 2012Conselho Nacional de Saúde. (2012, 12 de dezembro). Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Presidência do Conselho Nacional de Saúde. http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
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). Todas as participantes assinaram o TCLE.

Resultados e discussão

Para desvelar as vivências das mulheres acima de 30 anos em relação aos fenômenos investigados, os dados foram organizados em duas categorias temáticas.

Categoria temática 1: Vivendo antes do adoecer

Essa categoria engloba os relatos que condensam momentos considerados significativos das trajetórias de vida antes do aparecimento dos sintomas. As vivências se descortinaram por meio da rememoração de eventos significados como marcantes para elas. Alguns pesquisadores do campo dos TAs (McCallum & Alaggia, 2021McCallum, L. A., & Alaggia, R. (2021). Achieving recovery through resilience: Insights from adults in midlife living with anorexia nervosa. Qualitative Health Research, 31(4), 619-630. https://doi.org/10.1177/1049732320978202
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; Souza & Santos, 2012Souza, L. V., & Santos, M. A. (2012). Familiares de pessoas diagnosticadas com transtornos alimentares: Participação em atendimento grupal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(3), 325-334. https://doi.org/10.1590/S0102-37722012000300008
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) destacam que conhecer a história de vida pode oferecer uma oportunidade única de compreensão global dos TAs.

As participantes Patrícia, Taís e Denise se mostraram mais reservadas e comedidas em suas narrativas, e preferiram falar pouco sobre suas experiências anteriores ao adoecimento. Patrícia descreveu sua infância como um período difícil, marcado pela presença de um pai “enérgico” e afetivamente distante. Taís relatou conquistas da época da infância relacionadas aos esportes, compartilhando a facilidade e o prazer que sentia ao praticar ginástica olímpica, futebol e tênis. Entretanto, interrompeu seu relato na adolescência, um divisor de águas em sua vida, quando perdeu os movimentos dos membros inferiores em decorrência de uma grave doença inflamatória adquirida. A partir dessa experiência traumática de adoecimento, Taís contou que “não viveu muito” e revelou que não se sentia à vontade para contar mais nada.

Denise compartilhou suas vivências da infância, quando morava em um sítio. Sua narrativa mistura experiências de quando era criança com outras vividas durante a adolescência, colorindo seus relatos com lembranças prazerosas de brincadeiras e jogos compartilhados com as primas. Em contraste com essas experiências e o sentimento de liberdade experimentado na primeira década de vida, Denise teceu relatos em tom sombrio sobre seu momento atual. Disse estar afastada do trabalho e que seria “complicado” retornar algum dia à atividade laboral. Em seguida, referiu-se à sua separação do marido.

As demais entrevistadas conseguiram fornecer relatos mais densos em suas narrativas sobre suas trajetórias de vida anteriores ao acometimento pelo TA. Júlia relatou que cresceu na zona rural (“roça”) e que teve de abandonar a escola logo após concluir a primeira série para cuidar dos irmãos mais novos. Contou que sua mãe era muito exigente e sistemática, não permitia que ela deixasse nenhum vestígio de comida no prato, o que fazia com que ela elaborasse estratégias para não comer, driblando a vigilância materna. Relatou que escondia a comida e depois a dava para os animais da fazenda. Outro aspecto marcante foi sua convivência com uma irmã obesa; Júlia compartilhou lembranças da experiência traumática relacionadas ao seu falecimento, que ela acredita ter sido decisiva para moldar sua percepção sobre o corpo e a alimentação. A entrevistada admitiu que esse trauma, que marcou sua infância, teve efeitos persistentes em sua vida.

Adentrando o cenário da adolescência, Júlia relatou que suas dificuldades com a alimentação se agravaram “desde cedo”, culminando com uma tentativa de suicídio. Por fim, após a transição para a vida adulta, 14 anos atrás, Júlia enfrentou uma série de graves eventos estressores concentrados em um intervalo de apenas quatro meses: o falecimento de seu pai, o suicídio da irmã e o falecimento de uma de suas filhas em decorrência de câncer.

Eu perdi uma filha minha com câncer e essa minha irmã, além de ela ser obesa, ela tentava emagrecer, mas ela não conseguia. Ela entrou em depressão profunda e ela se suicidou. Então, em menos de quatro meses, eu perdi a minha filha, eu perdi o meu pai e eu perdi a minha irmã. Foi nessa época que eu piorei (Júlia).

Laura retratou sua infância como complicada e desprovida de confortos materiais e recursos financeiros. Descreveu-se como uma criança “triste e estranha”, que sofria de terror noturno. Ela evocou sua adolescência como a pior época de sua vida, quando foi vítima de bullying na escola e saiu de casa para morar com a irmã. O início da vida adulta também foi significado como muito frustrante, pois acalentava muitos sonhos que não conseguiu realizar devido à sua condição financeira. Entre tantos relatos de decepções e planos arruinados, ela destacou como uma grande conquista o fato de ter conseguido cursar uma faculdade.

Eu via tudo aquilo e guardava tudo pra mim . . ., se alguém me chamasse de cabelo de Bombril, eu achava que realmente meu cabelo era de Bombril, que eu era um lixo. Se alguém me chamasse de gorda, que eu era gorda, que eu era horrorosa [pausa] e . . . eu achava que a culpada realmente era eu, que eu merecia ser xingada (Laura).

Nas narrativas sobre as circunstâncias atuais de vida de Marina, também emergiu um evento marcante: a morte prematura e recente de seu esposo, de quem ela havia sido a cuidadora principal durante anos de convívio com uma enfermidade crônico-degenerativa. A participante destacou o luto que estava vivenciando como o maior desafio de sua vida, com a situação de viuvez que ela não havia imaginado que poderia passar ainda tão jovem. Além disso, ela caracterizou sua adolescência como um período opaco, dividido entre idas e vindas de internações hospitalares devido ao agravamento de seus sintomas de TA, culminando com a melhora e estabilização do quadro clínico aos 19 anos. Nesse período, destacou - à semelhança de Laura - ter conseguido passar no vestibular em uma faculdade pública, após anos enfrentando grandes dificuldades para manter os estudos devido à recorrência dos sintomas. Marina mencionou ainda um desafio que tem perdurado por toda sua vida: a dificuldade para se manter estável.

O desafio é você se manter estável, conseguir equilibrar isso dentro de você. Eu falo que eu tenho muito uma dualidade dentro de mim, que é razão e emoção. Eu acho que um desafio é manter o equilíbrio de ter a razão, por vezes falando mais alto, e acho que agora o meu maior desafio tem sido esse (Marina).

Apesar de todas as participantes terem sido instigadas a refletir sobre suas conquistas ao longo da vida, a maioria abordou apenas os desafios. Experiências de vida permeadas por dificuldades diversas foram preponderantes, constituindo um painel geral de tonalidade depressiva, permeado por afetos tristes e marcas de desesperança. Outra característica que emergiu com bastante nitidez na costura dos relatos foi a construção de um nexo de mútua influência entre os acontecimentos adversos e o recrudescimento dos sintomas de TAs.

Categoria temática 2: Encontrando-se doente

Este tema foi o que mais incrementou a produção de narrativas das entrevistadas. As vivências destacadas pelas participantes se relacionaram intimamente ao surgimento do TA, à construção da percepção do impacto dos sintomas em seu desenvolvimento e sua influência sobre a percepção de si mesmas como mulheres. Todas ressaltaram inúmeros sofrimentos suscitados pelo transtorno, utilizando de diferentes termos para nomear suas experiências, tais como: sofrido, horrível, estranho, invisível, “isso”, pecado, “um transtorno” - no sentido de uma perturbação que atrapalha a vida e mantém a pessoa estagnada em seu desenvolvimento.

As entrevistadas ressaltaram a sensação de aprisionamento, de falta de liberdade que o TA acarreta, refletida na dificuldade de socialização e na própria percepção empobrecida de si como mulher e como pessoa autônoma. Tirico, Stefano e Blay (2010Tirico, P. P., Stefano, S. C., & Blay, S. L. (2010). Qualidade de vida e transtornos alimentares: Uma revisão sistemática. Cadernos de Saúde Pública, 26(3), 431-449. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000300002
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) concluíram, por meio de uma revisão da literatura, que a qualidade de vida de pessoas com TAs é prejudicada, tanto em comparação aos indivíduos sem nenhum transtorno quanto em comparação a outras psicopatologias (depressão e transtornos ansiosos). Os maiores prejuízos foram localizados pelas participantes na esfera dos relacionamentos interpessoais:

É uma doença que era preferível você ter um câncer. Porque uma doença visível, você cuida, você está vendo ali, você trata. Mas “isso” é na cabeça, é na mente. Tem pessoas que não acreditam, então se torna algo assim difícil, né, porque ninguém entende (Júlia).

De acordo com as participantes, praticamente toda a trajetória de vida foi transpassada pelas dificuldades com o comportamento alimentar, apesar de somente uma ter sido diagnosticada formalmente na adolescência. As demais tiveram seus diagnósticos na vida adulta, sendo que duas delas mais tardiamente, apenas na faixa dos 40 a 50 anos, o que torna o tratamento ainda mais desafiador (Potterton, Austin, Allen, Lawrence, & Schmidt, 2020Potterton, R., Austin, A., Allen, K., Lawrence, V., & Schmidt, U. (2020). “I’m not a teenager, I’m 22. Why can’t I snap out of it?”: A qualitative exploration of seeking help for a first-episode eating disorder during emerging adulthood. Journal of Eating Disorders, 8(1), 1-14. https://doi.org/10.1186/s40337-020-00320-5
https://doi.org/10.1186/s40337-020-00320...
). A literatura referente aos TAs em mulheres que estão fora da curva de idade prevalente mostra-se dividida nesse aspecto, pontuando dois momentos possíveis para o surgimento do transtorno. Alguns autores enfatizam o início na idade adulta mais madura (late onset), enquanto outros alegam que o desenvolvimento dos sintomas é anterior (early onset), embora possam permanecer não diagnosticados (Lapid, 2010Lapid, M. I., Prom, M. C., Burton, C., McAlpine, D. E., Sutar, B., & Rummans, T. A. (2010). Eating disorders in the elderly. International Psychogeriatrics, 22(4), 523-536. https://doi.org/10.1017/S1041610210000104
https://doi.org/10.1017/S104161021000010...
; Scholtz et al., 2010Scholtz, S., Hill, L. S., & Lacey, H. (2010). Eating disorders in older women: Does late onset anorexia nervosa exist? International Journal of Eating Disorders, 43(5), 393-397. https://doi.org/10.1002/eat.20704
https://doi.org/10.1002/eat.20704...
). As histórias de doença das participantes do presente estudo corroboram a hipótese do early onset, isto é, os sintomas emergem precocemente nas trajetórias de vida, porém o caráter “invisível” do sofrimento, como dimensiona a participante Júlia, dificulta que o transtorno seja percebido pela família e em outros espaços de socialização da pessoa.

Foi possível detectar a dificuldade de receber um diagnóstico preciso e na etapa inicial do desenvolvimento do transtorno. Ou esses pródromos são difusos, a ponto de passarem despercebidos inclusive da atenção da família, ou as pacientes foram exitosas durante muitos anos na ocultação de seu problema do olhar das pessoas de seu círculo social, como vimos no relato de Júlia. Uma característica dos TAs que pode dificultar o reconhecimento dos sintomas é o sentimento de vergonha, levando à busca de ocultar do outro os sintomas. No caso da BN, observa-se um persistente sentimento de vergonha intensificado após os episódios purgativos, como os vômitos autoinduzidos. Outra estratégia é buscar normalizar os sintomas, considerando-os como parte de seu “estilo de vida” (Bittencourt & Almeida, 2013Bittencourt, L. D. J., & Almeida, R. A. (2013). Transtornos alimentares: Patologia ou estilo de vida? Psicologia & Sociedade, 25(1), 220-229. https://doi.org/10.1590/S0102-71822013000100024
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). As entrevistadas apontaram que a família não percebia as mudanças no peso e no comportamento alimentar. Entretanto, é importante ressaltar também dois aspectos levantados, que podem concorrer para a dificuldade de diagnóstico: o despreparo dos profissionais de saúde e a dificuldade de acesso aos serviços especializados. “Antes de chegar até o serviço, foi bem complicado, é… muitos profissionais que não estavam familiarizados com o transtorno” (Laura).

Valdanha-Ornelas e Santos (2016Valdanha-Ornelas, E. D., & Santos, M. A. (2016). O percurso e seus percalços: Itinerário terapêutico nos transtornos alimentares. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(1), 169-179. https://doi.org/10.1590/0102-37722016012445169179
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) abordaram as trajetórias percorridas por pacientes e seus familiares, que perambulam pelos serviços de saúde e passam de um profissional para outro em busca de ajuda, sem qualquer efetividade até que finalmente conseguem chegar a um serviço especializado. Apenas após uma busca intensa, permeada por frustrações e persistência, as famílias conseguiram ser encaminhadas a um serviço adequado para o problema. As mães das pacientes com TAs entrevistadas contaram que, no início do itinerário de busca de ajuda, desconheciam completamente os sintomas de TAs. As filhas acabavam passando por diversos profissionais de saúde, que investigavam outras condições (por exemplo, problemas de estômago), devido ao despreparo para diagnosticar o problema. Essa experiência também foi descrita por Denise.

Eu achava que era problema no meu estômago, tudo que eu comia me fazia mal, aí eu ia lá e vomitava, achava que era do estômago. Aí, a hora que eu fui ver, já tinha caído nessa, já tinha entrado na anorexia e na bulimia (Denise).

Os profissionais de saúde que atuam na atenção básica muitas vezes não receberam treinamento adequado para identificar e manejar sintomas de TAs, o que acarreta a demora em diagnosticar corretamente e iniciar o tratamento do transtorno (Maia, Campelo, Rodrigues, Oliveira-Cardoso, & Santos, 2023Maia, B. B., Campelo, F. G., Rodrigues, E. C., Oliveira-Cardoso, E. A., & Santos, M. A. (2023). Perceptions of health professionals in providing care for people with anorexia and bulimia nervosa: A systematic review and meta-synthesis of qualitative studies. Cadernos de Saúde Pública, 39, e00223122. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311XEN223122
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). Não foram identificados estudos nacionais que tenham investigado especificamente os conhecimentos e habilidades dos profissionais para atender à demanda dos TAs, contudo, algumas pesquisas internacionais abordam o tema (Girz, Robinson, & Tessier, 2014Girz, L., Robinson, A. L., & Tessier, C. (2014). Is the next generation of physicians adequately prepared to diagnose and treat eating disorders in children and adolescents? Eating Disorders, 22(5), 375-385. https://doi.org/10.1080/10640266.2014.915692
https://doi.org/10.1080/10640266.2014.91...
; Mahr et al., 2015Mahr, F., Farahmand, P., Bixler, E. O., Domen, R. E., Moser, E. M., Nadeem, T., Levine, R. L., & Halmi, K. A. (2015). A national survey of eating disorder training. International Journal of Eating Disorders, 48(4), 443-445. https://doi.org/10.1002/eat.22335
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; Robinson, Boachie, & Lafrance, 2013Robinson, A. L., Boachie, A., & Lafrance, G. A. (2013). “I want help!”: Psychologists’ and physicians’ competence, barriers, and needs in the management of eating disorders in children and adolescents in Canada. Canadian Psychology/Psychologie Canadienne, 54(3), 160-165. https://psycnet.apa.org/doi/10.1037/a0032046
https://psycnet.apa.org/doi/10.1037/a003...
; Seah, Tham, Kamaruzaman, & Yobas, 2017Seah, X. Y., Tham, X. C., Kamaruzaman, N. R., & Yobas, P. K. (2017). Knowledge, attitudes and challenges of healthcare professionals managing people with eating disorders: A literature review. Archives of Psychiatric Nursing, 31(1), 125-136. https://doi.org/10.1016/j.apnu.2016.09.002
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). McCallum e Alaggia (2021McCallum, L. A., & Alaggia, R. (2021). Achieving recovery through resilience: Insights from adults in midlife living with anorexia nervosa. Qualitative Health Research, 31(4), 619-630. https://doi.org/10.1177/1049732320978202
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) analisaram relatos de mulheres mais velhas que, ao buscarem ajuda para seus problemas emocionais, vivenciaram falta de empatia e até discriminação por parte de profissionais. Estes não cogitaram a possibilidade do diagnóstico de TA devido à idade, além de desdenhar das pacientes com comentários indelicados como: “Você está assim deprimida e um pouco insatisfeita com seu peso pela sua idade; coma melhor e faça exercícios.”

Em relação ao surgimento do TA, as participantes formularam suas próprias hipóteses sobre “causas” prováveis. Alguns aspectos levantados foram: mães rígidas, convivência com familiares obesos, comparação com as irmãs, experiências de bullying, realização de dietas alimentares, idealização de pessoas magras e busca por controle em sua vida pessoal. É interessante notar que essas dimensões ônticas elencadas pelas participantes como possíveis eventos vitais que contribuíram para criar as bases que sustentam seus sintomas estão muito próximas do que é descrito na literatura como “fatores etiológicos”. Vale salientar que, nos estudos do campo psicopatológico, considera-se que os TAs têm etiopatogenia multifatorial, ou seja, o desencadeamento do adoecer não pode ser resumido a uma única condição, seja ela biológica, familiar, social ou cultural.

Ah, eu não sei . . . assim, porque eu tenho uma irmã que pesa quase 200 kg, minha irmã é muito gorda, e eu sempre fui taxada que eu era muito magra na época, que era para eu ter cuidado para não engordar, todo mundo falava isso pra mim na minha casa. Eu acho que foi isso, aí fui pondo na minha cabeça, né (Patrícia).

A leitura fenomenológica compreende que narrativas como a de Patrícia se referem à dimensão ôntica. Essa dimensão remete aos fatos, ao que já é dado, o que é comum, estático e conhecido no campo de investigação; ela busca a descrição objetiva, o fenomênico, aquilo que aparece e pode ser captado, sendo passível de observação, mensuração e classificação. Já a dimensão ontológica busca a compreensão, remete ao ser, que é desconhecido e precisa ser desvelado.

O viver se desenvolve em um horizonte amplo de possibilidades - viver “ao modo anoréxico” ou “bulímico” é uma das possibilidades do vir a ser. O ser está lançado e configura-se como movimento, como pura indeterminação. O olhar fenomenológico transpassa o fenomênico, está para além, ao construir a interpretação que desvela sentidos. Por isso é preciso mirar para a dimensão ôntica das falas das participantes, para ter acesso ao horizonte que está além daquilo que aparece, de modo que se possa identificar aquilo que nem todos veem, porque não estar inscrito no horizonte imediato da consciência. O olhar fenomenológico se direciona para aquilo que está por trás e para além das aparências.

No decorrer das últimas décadas, as pesquisas estabeleceram os seguintes fatores de risco para o desenvolvimento dos TAs: traços ou exposição ao perfeccionismo, idealização da magreza, problemas com alimentação na infância, padrões alimentares disfuncionais, preocupações exageradas com corpo e peso, histórico familiar de problemas alimentares (Erriu, Cimino, & Cerniglia, 2020Erriu, M., Cimino, S., & Cerniglia, L. (2020). The role of family relationships in eating disorders in adolescents: A narrative review. Behavioral Sciences, 10(4), 71. https://doi.org/10.3390/bs10040071
https://doi.org/10.3390/bs10040071...
; Hilbert et al., 2014Hilbert, A., Pike, K. M., Goldschmidt, A. B., Wilfley, D. E., Fairburn, C. G., Dohm, F. A., Walsh, B. T., & Weissman, R. S. (2014). Risk factors across the eating disorders. Psychiatry Research, 220(1-2), 500-506. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2014.05.054
https://doi.org/10.1016/j.psychres.2014....
; Keel & Forney, 2013Keel, P. K., & Forney, K. J. (2013). Psychosocial risk factors for eating disorders. International Journal of Eating Disorders, 46(5), 433-439. https://doi.org/10.1002/eat.22094
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). Há evidências de que o ambiente social e o meio familiar também influenciam o início e a manutenção dos sintomas, pois geralmente se mostram insuficientes em prover modelos de relacionamentos afetivos positivos, que favorecem o desenvolvimento emocional saudável (Leonidas & Santos, 2022Leonidas, C., & Santos, M. A. (2022). Saldo não liquidado do legado transgeracional: O processo de separação-individuação na gênese precoce dos transtornos alimentares. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, 25(2), 10-19. http://dx.doi.org/10.1590/1809-44142022-02-02
http://dx.doi.org/10.1590/1809-44142022-...
; Moura, Santos, & Ribeiro, 2015Moura, F. E. G. A., Santos, M. A., & Ribeiro, R. P. (2015). A constituição do vínculo mãe-filha e sua relação com os transtornos alimentares. Estudos de Psicologia (Campinas), 32(2), 233-247. https://doi.org/10.1590/0103-166X2015000200008
https://doi.org/10.1590/0103-166X2015000...
; Santos & Pessa, 2022Santos, M. A., & Pessa, R. P. (2022). Clínica dos transtornos alimentares: Novas evidências clínicas e científicas. In S. S. Almeida, T. M. B. Costa, & M. F. Laus (Orgs.), Psicobiologia do comportamento alimentar (pp. 177-206; 2. ed.). Rio de Janeiro: Rubio.; Siqueira, Santos, & Leonidas, 2020Siqueira, A. B. R., Santos, M. A., & Leonidas, C. (2020). Confluências das relações familiares e transtornos alimentares: Revisão integrativa da literatura. Psicologia Clínica, 32(1), 123-149. https://dx.doi.org/10.33208/PC1980-5438v0032n01A06
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; Treasure, Parker, Oyeleye, & Harrison, 2020Treasure, J., Parker, S., Oyeleye, O., & Harrison, A. (2020). The value of including families in the treatment of anorexia nervosa. European Eating Disorders Review, 29(3), 393-401. https://doi.org/10.1002/erv.2816
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; Valdanha-Ornelas & Santos, 2016Valdanha-Ornelas, E. D., & Santos, M. A. (2016). O percurso e seus percalços: Itinerário terapêutico nos transtornos alimentares. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(1), 169-179. https://doi.org/10.1590/0102-37722016012445169179
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; Valdanha-Ornelas et al., 2021Valdanha-Ornelas, E., Squires, C., Barbieri, V., & Santos, M. A. (2021). Family relationships in bulimia nervosa. Psicologia em Estudo, 26, e47361. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v26i0.47361
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).

Uma das coisas que desencadeou muitas coisas na minha vida foi por volta de 10, 11 anos de idade, que minha mãe me levou, acho que em um endocrinologista, pra fazer a primeira dieta ali. Eu era criança, eu não sabia lidar com aquilo (Marina).

Ainda em relação à dinâmica das relações familiares e ao ambiente social, foram mencionados aspectos relacionados ao isolamento, ao ocultamento do transtorno, ao fato de se sentir um fardo para a família e de perceber os familiares descrentes na existência do TA. Esses achados vão ao encontro da literatura (Gil et al., 2022Gil, M., Simões, M. M., Oliveira-Cardoso, E. A., Pessa, R. P., Leonidas, C., & Santos, M. A. (2022). Percepção de familiares de pessoas com transtornos alimentares acerca do tratamento: uma metassíntese da literatura. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 38, e38. https://doi.org/10.1590/0102.3772e38417.pt
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). Holtom-Viesel e Allan (2014Holtom-Viesel, A., & Allan, S. (2014). A systematic review of the literature on family functioning across all eating disorder diagnoses in comparison to control families. Clinical Psychology Review, 34(1), 29-43. https://doi.org/10.1016/j.cpr.2013.10.005
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) apontam um funcionamento familiar prejudicado nos TAs, sendo que os próprios indivíduos com TA tinham uma percepção de maior disfuncionalidade da família do que seus pais. Valdanha-Ornelas e Santos (2016Valdanha-Ornelas, E. D., & Santos, M. A. (2016). O percurso e seus percalços: Itinerário terapêutico nos transtornos alimentares. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(1), 169-179. https://doi.org/10.1590/0102-37722016012445169179
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) abordam o aspecto da incompreensão e incredulidade de familiares acerca do TA. Esse ceticismo não se restringe ao período inicial do diagnóstico, mas persiste no decorrer do tratamento, o que intensifica a angústia e sentimento de desamparo das pacientes, que sentem que seu sofrimento é continuamente invalidado e desacreditado. Por fim, o estudo de An, Han e Li (2021An, M., Han, X., & Li, X. (2021). Assessing the burden of parents caring for a family member with an eating disorder in China. Social Behavior and Personality: International Journal, 49(5), 1-11. http://dx.doi.org/10.2224/sbp.10237
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) evidencia a perspectiva de pais acerca da percepção de sobrecarga em cuidar de um(a) filho(a) com TA. A maior carga percebida foi associada com a longa duração do transtorno, renda familiar baixa e maior tempo de interação entre cuidador familiar e paciente.

Em relação ao tratamento, os relatos das entrevistadas focalizaram predominantemente questões objetivas, tais como o longo tempo de tratamento e a relação com os profissionais da equipe do serviço ambulatorial que frequentavam na época em que as entrevistas foram realizadas. O serviço especializado foi considerado adequado, seja como um recurso de apoio para o manejo de seus sintomas, seja do ponto de vista de seu funcionamento geral.

Ao abordar os relacionamentos interpessoais de pessoas com TAs, Leonidas e Santos (2013Leonidas, C., & Santos, M. A. (2013). Redes sociais significativas de mulheres com transtornos alimentares. Psicologia: Reflexão e Crítica, 26(3), 561-571. https://doi.org/10.1590/S0102-79722013000300016
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) relatam que pacientes em tratamento consideraram os profissionais do serviço especializado, especialmente nutricionistas e psicólogas, como fontes de apoio e relações significativas para a manutenção de sua qualidade de vida. Souza e Santos (2013Souza, L. V., & Santos, M. A. (2013). Proximidade afetiva no relacionamento profissional-paciente no tratamento. Psicologia em Estudo (Maringá), 18(3), 395-404. https://doi.org/10.1590/S1413-73722013000300002
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, 2015Souza, L. V., & Santos, M. A. (2015). Histórias de sucesso de profissionais da saúde no tratamento dos transtornos alimentares. Psicologia: Ciência e Profissão, 35(2), 528-542. https://doi.org/10.1590/1982-370300132013
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) analisaram narrativas de profissionais de saúde que trabalham com TAs, abordando como se dá o relacionamento entre profissional e paciente. Os resultados do estudo apontam a importância de focar a qualidade do vínculo, em vez de olhar apenas para os sintomas e as características psicopatológicas dos TAs. Essa abordagem afetiva e compreensiva se mostrou essencial para um melhor prognóstico e obtenção de sucesso no tratamento. Ademais, para os médicos, psicólogos e nutricionistas, a proximidade é também benéfica do ponto de vista de sua formação profissional, pois acabam construindo conhecimento e aprendendo com seus pacientes: “É o local onde a gente vai, onde a gente conversa, desabafa, onde você conta o que você está passando e é aconselhada, é onde o remédio do psiquiatra é trocado, onde tem os nutricionistas, tem tudo” (Júlia).

Também foram mencionadas algumas dificuldades enfrentadas no decorrer do tratamento. Os principais pontos críticos foram: a rotatividade de alguns membros da equipe, característica do hospital-escola no qual o serviço está localizado, e também as recaídas e os momentos complicados do próprio transtorno, como a temida internação.

Outra dificuldade que eu senti muito foi da terapia, a questão da mudança . . . Eu entendo que é um serviço de estagiários e tudo, mas essa… Na hora que você cria vínculo, você tem que mudar de terapeuta (Marina).

Outro aspecto abordado nos relatos foram os sintomas vivenciados pelas participantes. Os sintomas mais proeminentes foram: restrição ou compulsão alimentar, abulia, distorção da imagem corporal e adoção de comportamentos purgativos, tais como vômitos, uso de laxantes e excesso de atividades físicas. “Eu estou numa fase assim, onde eu não tenho vontade de nada, eu estou comendo um mínimo pra mim sobreviver” (Júlia).

As participantes relataram também a sintomatologia referente às comorbidades psiquiátricas, tais como ansiedade e depressão, entretanto sem apontar um diagnóstico formal. A apresentação conjunta de sintomas pode dificultar o diagnóstico e o tratamento adequado tanto do TA quanto de outros transtornos concomitantes (DeSocio, 2019DeSocio, J. E. (2019). Challenges in diagnosis and treatment of comorbid eating disorders and mood disorders. Perspectives in Psychiatric Care, 55(3), 494-500. https://doi.org/10.1111/ppc.12355
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). Ademais, compreender a ocorrência de comorbidades nos TAs é importante, especialmente no contexto das faixas etárias mais avançadas, uma vez que a literatura aponta como uma possível especificidade dessas pacientes a presença de maior número de comorbidades (Lapid et al., 2010Lapid, M. I., Prom, M. C., Burton, C., McAlpine, D. E., Sutar, B., & Rummans, T. A. (2010). Eating disorders in the elderly. International Psychogeriatrics, 22(4), 523-536. https://doi.org/10.1017/S1041610210000104
https://doi.org/10.1017/S104161021000010...
; Samuels et al., 2019Samuels, K. L., Maine, M. M., & Tantillo, M. (2019). Disordered eating, eating disorders, and body image in midlife and older women. Current Psychiatry Reports, 21(8), 1-9. https://doi.org/10.1007/s11920-019-1057-5
https://doi.org/10.1007/s11920-019-1057-...
; Scholtz et al., 2010Scholtz, S., Hill, L. S., & Lacey, H. (2010). Eating disorders in older women: Does late onset anorexia nervosa exist? International Journal of Eating Disorders, 43(5), 393-397. https://doi.org/10.1002/eat.20704
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; Thompson et al., 2021Thompson, K. A., DeVinney, A. A., Goy, C. N., Kuang, J., & Bardone-Cone, A. M. (2021). Subjective and objective binge episodes in relation to eating disorder and depressive symptoms among middle-aged women. Eating and Weight Disorders-Studies on Anorexia, Bulimia and Obesity, 26(3), 1-8. https://doi.org/10.1007/s40519-021-01305-2
https://doi.org/10.1007/s40519-021-01305...
).

Um achado positivo foi que a maioria das entrevistadas relatou a percepção de mudanças na sintomatologia ao longo do tempo, sendo que metade delas considerou que houve melhoras em seus sintomas. Os achados vão ao encontro da literatura, que sugere que os sintomas são semelhantes, porém menos severos em idades mais avançadas (Henriksen et al., 2020Henriksen, C. A., Mackenzie, C. S., Fergusson, P., & Bouchard, D. R. (2020). Does age impact the clinical presentation of adult women seeking specialty eating disorder treatment? The Journal of Nervous and Mental Disease, 208(9), 742-745. https://doi.org/10.1097/NMD.0000000000001160
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; Mangweth-Matzek et al., 2014aMangweth-Matzek, B., Hoek, H. W., Rupp, C. I., Lackner-Seifert, K., Frey, N., Whitworth, A. B., Pope, H. G., & Kinzl, J. (2014a). Prevalence of eating disorders in middle-aged women. International Journal of Eating Disorders, 47(3), 320-324. https://doi.org/10.1002/eat.22232
https://doi.org/10.1002/eat.22232...
; McCallum & Alaggia, 2021McCallum, L. A., & Alaggia, R. (2021). Achieving recovery through resilience: Insights from adults in midlife living with anorexia nervosa. Qualitative Health Research, 31(4), 619-630. https://doi.org/10.1177/1049732320978202
https://doi.org/10.1177/1049732320978202...
; Scholtz et al., 2010Scholtz, S., Hill, L. S., & Lacey, H. (2010). Eating disorders in older women: Does late onset anorexia nervosa exist? International Journal of Eating Disorders, 43(5), 393-397. https://doi.org/10.1002/eat.20704
https://doi.org/10.1002/eat.20704...
).

De forma geral, a idade foi significada tanto como um fator facilitador como dificultador em relação ao tratamento dos TAs. Como aspectos facilitadores, as entrevistadas consideraram ter adquirido maior amadurecimento do pensamento e uma bagagem de experiências vividas e lições aprendidas. McCallum e Alaggia (2021McCallum, L. A., & Alaggia, R. (2021). Achieving recovery through resilience: Insights from adults in midlife living with anorexia nervosa. Qualitative Health Research, 31(4), 619-630. https://doi.org/10.1177/1049732320978202
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) destacaram a importância da resiliência adquirida no decorrer do longo tempo de tratamento dos TAs, denominando esse conjunto de experiências de “sabedoria”.

Entretanto, a idade também foi vista como um fator de dificuldade, representando maior desesperança frente à possibilidade de obter melhoras no quadro clínico, devido ao fato de conviverem tantos anos com o TA. McCallum e Alaggia (2021McCallum, L. A., & Alaggia, R. (2021). Achieving recovery through resilience: Insights from adults in midlife living with anorexia nervosa. Qualitative Health Research, 31(4), 619-630. https://doi.org/10.1177/1049732320978202
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) mencionam o duplo estigma que as mulheres dessa faixa etária vivenciam, pois além de terem um diagnóstico de TA, estão em uma idade associada socialmente à improdutividade, além de não se esperar a manifestação desse problema em idade avançada. Ademais, além do estigma social, foi relatado também o estigma internalizado, perceptível em falas como: “eu já deveria ter melhorado a essa altura”.

Pra mim é mais difícil. No meu caso, eu penso que é mais difícil, assim, no caso de sarar, devido à idade, né. E devido a já ter outros problemas, então, se torna mais difícil. Eu acho que, para os jovens, é mais fácil, eles são jovens, né (Júlia).

Denise conta que um fator agravante de seus sintomas foi o marido ter decidido se separar, pondo fim a um casamento de muitos anos.

É . . . justo na hora em que eu mais precisava, ele separou de mim. Eu estava muito doente ainda, aí ele se separou de mim, eu sofri muito. Mas aí já passou, já passou tudo, sabe. Agora eu estou bem assim, mas foi um dos momentos mais difíceis da minha vida (Denise).

As participantes manifestaram desesperança em relação ao futuro. Algumas referiram não ter qualquer plano ou desejo de realizar algo para si, enquanto outras demonstraram ainda nutrir sonhos e metas. As mais velhas, Patrícia e Júlia, relataram o desejo de obter melhora em seus sintomas de TA. Contudo, ambas deixaram claro que será muito difícil devido à sua idade.

No futuro eu gostaria de ficar boa. De ser uma pessoa normal, poder sentar na mesa, colocar o prato e comer. Ser convidada por alguém pra jantar, almoçar, ou para um churrasco. Poder comer normal como as outras pessoas, não ficar me escondendo (Júlia).

Laura e Denise afirmaram não fazer planos, nem ter desejos projetados no futuro. Laura mencionou que não atribui essa falta de perspectivas ao TA em si, mas a outros motivos que preferiu não revelar. Mas fez uma ressalva, ao dizer que, em outras fases da vida, já havia realizado coisas que achava impossíveis devido ao transtorno. Essa fala convergiu com o relato de Marina. Já Denise afirmou não pensar em nada, somente em ficar magra. Porém, ao finalizar a entrevista, ela mencionou sentir falta de seu antigo emprego e o fato de que acreditava que não poderia retornar ao trabalho em decorrência do TA.

Em relação à sintomatologia de TAs, a literatura aponta que as mulheres mais velhas, que convivem com um diagnóstico de TA há muito tempo, têm sintomas basicamente similares aos das mais jovens, todavia sua apresentação clínica tende a ser menos severa. O que se observou no presente estudo foram vivências de maiores prejuízos no funcionamento social e no bem-estar psicológico, conforme o avanço da idade e a cronificação do TA.

Acerca das especificidades em mulheres acima de 30 anos, a literatura aponta três dimensões principais: gravidez, menopausa e envelhecimento. Esses tópicos não foram abordados pelas participantes do presente estudo, entretanto, as pesquisas mostram que, ao compararmos mulheres adultas com adolescentes, esses aspectos se destacam. Neste estudo, as preocupações quanto ao envelhecimento se mostraram especialmente por meio de reflexões e dúvidas quanto às possibilidades de recuperação e superação dos sintomas. O avanço da idade é claramente significado como uma barreira ou fator dificultador para obtenção de progressos no tratamento. Outro fator de distinção diz respeito às mudanças de papéis e responsabilidades familiares, que são compatíveis com o processo do envelhecimento, e não necessariamente vinculadas aos TAs.

Considerações finais

Esta pesquisa buscou explorar o campo por meio de um caminhar no sentido de se aproximar do fenômeno investigado, utilizando para tanto a escuta fenomenológica das narrativas de mulheres que convivem há muitos anos com os sintomas de TAs. Considera-se que o objetivo de compreender as vivências de mulheres maduras em relação ao transtorno foi alcançado com a entrevista fenomenológica, com a qual se pretendeu compreender as experiências convergentes, com o propósito de captar um fenômeno que tem grande relevância na prática assistencial.

Foi possível entender que as histórias das mulheres entrevistadas são permeadas por um padrão comum de dificuldades que se manifestam na alimentação, mas que estão muito longe de se limitarem a essa esfera. O sofrimento no âmbito relacional e social também se mostrou pregnante nas narrativas produzidas, o que é condizente com a literatura, que aponta prejuízos em diversas áreas do viver. As pesquisas conduzidas com mulheres mais velhas sugerem que o funcionamento social se mostra ainda mais disfuncional nos TAs crônicos.

Foi possível compreender os significados atribuídos ao contexto dos eventos vitais que cercam o adoecimento e o tratamento, na ótica singular das entrevistadas. Suas narrativas, focadas nas próprias percepções, sentimentos e concepções sobre os acontecimentos narrados, permitiram que o tema fosse acessado pela perspectiva de quem vive e sofre um modo de existir que muitas vezes se mostra incompreensível para o mundo circundante. Especialmente a incompreensão percebida nas famílias emergiu como fator de intenso sofrimento, incrementando vivências de desamparo. Essa invalidação do padecimento acentua vivências dolorosas de intolerância e solidão, intensificando a sensação de isolamento social. Assim, considera-se que o método fenomenológico mostrou ser uma ferramenta apropriada para uma compreensão pormenorizada e global das vivências de TAs na vida adulta.

Nesse contexto investigativo, a cronicidade dos TAs é um aspecto que despontou como importante ingrediente para se compreender a singularidade das vivências e a persistência dos desafios que os profissionais enfrentam na continuidade do tratamento. Todas as entrevistadas relataram ter experiência imersiva prolongada de muitos anos de convivência com o problema. A análise da literatura mostra que muitas mulheres mais velhas convivem com o diagnóstico ao longo de praticamente toda a vida. Assim, os TAs se afiguraram como processos crônicos nesses casos e extremamente resistentes ao tratamento, o que confere contornos únicos às vivências das pacientes.

A disparidade entre o surgimento dos primeiros sintomas e o estabelecimento do diagnóstico formal foi um ponto que chamou a atenção. Cotejando os relatos das participantes, depreende-se que o diagnóstico tardio tem implicações marcantes. É fundamental contemplar essa problemática na formação do profissional de saúde, visando à diminuição do número de pessoas com TAs que são subdiagnosticadas no sistema de saúde ou que recebem diagnóstico tardio. Com isso, elas perdem a chance de receber tratamento adequado e de forma tempestiva devido à falta de identificação precoce do problema e à proposição de diagnósticos equivocados. Para tanto, é preciso que conhecimentos e habilidades acerca da avaliação e do manejo desses transtornos constituam um tópico de maior destaque na formação dos profissionais de saúde, não apenas dos que compõem a equipe multiprofissional dos serviços especializados, mas daqueles que atuam nos níveis de atenção primária e secundária.

Ainda quanto ao processo de diagnóstico, aponta-se a relevância de, no momento da busca por serviços primários de saúde, o profissional de saúde considerar a possibilidade de o transtorno aparecer em qualquer faixa etária. É compreensível que alguns sintomas de TA suscitem ainda dúvidas durante a avaliação, podendo ser confundidos como decorrentes de outras psicopatologias ou doenças físicas. Esse cenário desfavorável é mais comum conforme a idade avança, ao passo que em adolescentes a suspeita de TA via de regra surge mais facilmente no processo de avaliação e diagnóstico diferencial.

Quanto aos tratamentos, as participantes entendiam que o serviço especializado oferecia um espaço adequado ao manejo dos sintomas, assim como um importante ponto de apoio. A literatura mostra a relevância do estabelecimento de um bom vínculo para fortalecer a aliança terapêutica com essas pacientes, contribuindo tanto para o bem-estar pessoal como para o sucesso do tratamento. Contudo, um questionamento acerca da proposta de tratamento foi levantado: seria suficiente aplicar o modelo padrão, reconhecido como indicado para indivíduos com TA, ou seria necessário explorar outros recursos terapêuticos, mais condizentes com as necessidades observadas nos quadros crônicos?

Essa pergunta é consistente com o momento do ciclo vital em que os efeitos da cronicidade parecem afetar a vivência dos TAs de modo particular, porquanto seria lógico concluir que os tratamentos podem requerer adaptações. A adoção de uma abordagem focada na redução de danos e melhoria da qualidade de vida, e não na remissão de sintomas, pode ser uma estratégia adequada. Outro aspecto destacado pelas participantes, entre outros elementos vivenciais que emergiram nas falas, foram as comorbidades, que se mostraram mais evidenciadas a partir da vida adulta. Todas as entrevistadas mencionaram sintomas ou transtornos psicopatológicos comórbidos aos TAs, com destaque para depressão e ansiedade. Portanto, foi possível verificar uma congruência com as evidências da literatura acerca desse tópico.

Com base nas considerações apresentadas, podem ser sumarizadas sugestões e implicações para a prática clínica no campo dos TAs com mulheres adultas ou idosas: a necessidade de treinamento de profissionais na avaliação e manejo de sintomas; atenção ao diagnóstico diferencial de TAs, independentemente da idade, especialmente em mulheres na atenção primária; compreensão do momento de vida e das características próprias a cada estágio do processo maturacional; possibilidade de inserir adaptações no tratamento, considerando os efeitos e prejuízos cumulativos decorrentes da cronicidade.

Considera-se relevante apontar as fortalezas e limitações desta pesquisa, com o propósito de valorizar suas potencialidades e minimizar possíveis vieses. Uma limitação observada é a amplitude de idade entre as participantes (34 a 65 anos), compreendendo um largo espectro de mudanças, visto que o momento de vida de uma pessoa com 30 anos é subjetivado de forma muito diferente daquele vivenciado por alguém com 60 anos, apesar de elas serem mais semelhantes comparativamente à adolescência.

Por fim, pode-se pensar no convite a novas pesquisas nessa área, que possibilitem compreender os possíveis efeitos da cronicidade na convivência prolongada com os TAs, analisar até que ponto as abordagens de tratamento vigentes para jovens são adequadas para mulheres acima de 30 anos diagnosticadas com TAs em contextos socioculturais distantes dos países da América do Norte e da Europa. Conhecer as vivências dessas mulheres em relação ao adoecer e ao tratamento mostra-se uma área de pesquisa em expansão, todavia ainda resta muito a ser explorado nesse campo, especialmente no contexto brasileiro e latino-americano.

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  • 1
    A compreensão abrangente de um fenômeno, evento ou situação deriva da exploração da totalidade da situação, buscando sustentar uma atitude fenomenológica, que exige a suspensão de pressupostos teóricos, ontológicos e epistemológicos - a chamada “redução fenomenológica”. Por isso, o recorte do estudo necessariamente tem de ser bem delimitado, ainda que esse procedimento possa permitir o acesso a uma quantidade considerável de dados que precisam ser ordenados. Entende-se que a garantia de rigor na análise dos dados é dada pela reflexividade em todas as etapas da pesquisa e pela descrição densa e minuciosa dos procedimentos utilizados (Tombolato & Santos, 2020Tombolato, M. A., & Santos, M. A. (2020). Análise Fenomenológica Interpretativa (AFI): Fundamentos básicos e aplicações em pesquisa. Revista da Abordagem Gestáltica, 26(3), 293-304. https://doi.org/10.18065/2020v26n3.5
    https://doi.org/10.18065/2020v26n3.5...
    ).
  • 5
    Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil (CNPq), Bolsa de Produtividade em Pesquisa, categoria 1A.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2022
  • Aceito
    19 Abr 2023
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