Resumos
O uso do método CN (Curve Number) em bacias hidrográficas no Brasil é comum, porém sua precisão pode ser questionável, em especial para bacias com escoamento efêmero, onde as respostas hidrológicas possuem comportamento diferenciado. Este trabalho objetiva estudar as abstrações iniciais das precipitações ocorridas em uma microbacia hidrográfica com escoamento efêmero, propondo um modelo para cálculo da lâmina de abstração, que é uma das variáveis de entrada do método CN. Foram analisados 25 eventos de chuva-escoamento durante o ano hidrológico 2002/2003, determinando-se os valores da abstração inicial para cada evento e, pelo método CN, o armazenamento potencial da microbacia. A abstração (lâmina e tempo) foi correlacionada a variáveis hidrológicas, comprovando a influência destas no seu valor. O modelo foi gerado por regressão múltipla linear em função das variáveis hidrológicas. As características estatísticas do modelo permitem o seu emprego. A razão entre a lâmina de abstração e o armazenamento potencial produziu resultados que mostram uma constante bastante inferior ao valor de 0,2 sugerido pelo método CN, encontrando-se valor médio de 0,0155, além de alta variabilidade nos valores desta constante (0 a 0,081), revelando não ser possível uma boa estimativa da abstração baseada apenas no armazenamento potencial do solo.
modelo hidrológico; método CN; bacia efêmera; escoamento superficial
The curve number - CN Method (SCS-USDA) is widely applied for small watersheds in Brazil, although its precision can be questionable, specially for small watersheds of ephemeral flood that are different from watersheds of perennial flood. The objective of this work is to study the initial abstraction of watershed of ephemeral flood and suggest a mathematical model to calculate this parameter which is an important variable of CN-Method. In all 25 events of rainfall-runoff evaluated during the hydrologic year 2002/2003 in order to determine the initial abstraction values for each event and then, the potential storage of watershed soils was evaluated by the CN-Method. The initial abstraction (depth and time) was correlated to hydrologic variables and their influence on this parameter was studied. The mathematical model was adjusted by linear multiple regression with the hydrologic variables as independent variables. The relationship between depth of initial abstraction and potential storage produced results which are quite different from value suggested for CN-Method. The mean value for the constant was 0.0155 against the 0.20 suggested, with the variability being 0 to 0.081, which did not allow a good estimation of the initial abstraction based upon just potential storage.
hydrologic model; CN-method; ephemeral watershed; runoff
AGROMETEOROLOGIA E CLIMATOLOGIA AGRÍCOLA
Abstração inicial da precipitação em microbacia hidrográfica com escoamento efêmero
Initial abstraction of small watersheds of ephemeral flood
Carlos R. de MelloI; José M. de LimaII; Antônio M. da SilvaIII; Diego LopesIV
IDCS/UFLA. CP 37, CEP 37200-000, Lavras, MG. Fone: (35) 3821-7143. E-mail: crmello@ufla.br
IIDCS/UFLA. Fone: (35) 3829-1332. E-mail: jmlima@ufla.br
IIIDEG/UFLA. Fone: (35) 3829-1386. E-mail: marciano@ufla.br
IVDCS/UFLA. Fone: (35) 3829-1332
RESUMO
O uso do método CN (Curve Number) em bacias hidrográficas no Brasil é comum, porém sua precisão pode ser questionável, em especial para bacias com escoamento efêmero, onde as respostas hidrológicas possuem comportamento diferenciado. Este trabalho objetiva estudar as abstrações iniciais das precipitações ocorridas em uma microbacia hidrográfica com escoamento efêmero, propondo um modelo para cálculo da lâmina de abstração, que é uma das variáveis de entrada do método CN. Foram analisados 25 eventos de chuva-escoamento durante o ano hidrológico 2002/2003, determinando-se os valores da abstração inicial para cada evento e, pelo método CN, o armazenamento potencial da microbacia. A abstração (lâmina e tempo) foi correlacionada a variáveis hidrológicas, comprovando a influência destas no seu valor. O modelo foi gerado por regressão múltipla linear em função das variáveis hidrológicas. As características estatísticas do modelo permitem o seu emprego. A razão entre a lâmina de abstração e o armazenamento potencial produziu resultados que mostram uma constante bastante inferior ao valor de 0,2 sugerido pelo método CN, encontrando-se valor médio de 0,0155, além de alta variabilidade nos valores desta constante (0 a 0,081), revelando não ser possível uma boa estimativa da abstração baseada apenas no armazenamento potencial do solo.
Palavras-chave: modelo hidrológico, método CN, bacia efêmera, escoamento superficial
ABSTRACT
The curve number - CN Method (SCS-USDA) is widely applied for small watersheds in Brazil, although its precision can be questionable, specially for small watersheds of ephemeral flood that are different from watersheds of perennial flood. The objective of this work is to study the initial abstraction of watershed of ephemeral flood and suggest a mathematical model to calculate this parameter which is an important variable of CN-Method. In all 25 events of rainfall-runoff evaluated during the hydrologic year 2002/2003 in order to determine the initial abstraction values for each event and then, the potential storage of watershed soils was evaluated by the CN-Method. The initial abstraction (depth and time) was correlated to hydrologic variables and their influence on this parameter was studied. The mathematical model was adjusted by linear multiple regression with the hydrologic variables as independent variables. The relationship between depth of initial abstraction and potential storage produced results which are quite different from value suggested for CN-Method. The mean value for the constant was 0.0155 against the 0.20 suggested, with the variability being 0 to 0.081, which did not allow a good estimation of the initial abstraction based upon just potential storage.
Key words: hydrologic model, CN-method, ephemeral watershed, runoff
INTRODUÇÃO
A busca por um modelo confiável para a estimativa do deflúvio em bacias hidrográficas tem sido objeto de estudos de diversos pesquisadores, em vários países. A maior dificuldade, em especial no Brasil, é a disponibilidade de dados monitorados, notadamente os de vazão (escoamento superficial) em microbacias hidrográficas.
Um dos grandes desafios da ciência hidrológica é a geração de modelos chuva-escoamento que possam ser aplicados a bacias hidrográficas não monitoradas, visando à predição do deflúvio para um evento de precipitação específico. A disponibilidade de dados de precipitação é bastante superior à de vazão, devido à maior quantidade de postos meteorológicos no País, que geram uma malha de informações consideravelmente consistente (Tucci, 1998; Genovez, 2001).
No Brasil, a escassez de informações confiáveis, especialmente em pequenas bacias hidrográficas, tem levado à aplicação de metodologias desenvolvidas para bacias com características fisiográficas (solos e cobertura vegetal, principalmente) e meteorológicas, próprias dos EUA e Europa, resultando na estimativa de valores não confiáveis. Mesmo em algumas regiões americanas detectam-se problemas com a aplicação dos modelos, conforme constatado por Lewis et al. (2000) para o método CN em microbacia hidrográfica da Califórnia, e Baffaut at al. (1997), aplicando-se o modelo WEPP a uma microbacia no Estado da Geórgia.
Além desse aspecto relevante é importante considerar problemas ambientais, sobretudo produzidos por ações antrópicas, os quais, aliados a mudanças climáticas, têm provocado alterações no ciclo da água, transformando cursos dágua perenes em efêmeros, devido ao secamento de nascentes, conduzindo a alteração da dinâmica hidrológica das bacias hidrográficas (Tucci, 1998). Informações sobre o comportamento hidrológico de bacias hidrográficas com escoamento efêmero praticamente não existem no Brasil, tornando necessários a geração e o ajuste de modelos que possam ser aplicados com maior confiabilidade a esse tipo de bacia hidrográfica. Ye et al. (1997) e Owe & van der Griend (1990) demonstraram que na Austrália o comportamento hidrológico de bacias com escoamento efêmero, de baixa produção de água, é consideravelmente diferente de bacias perenes. Na situação de cursos efêmeros as componentes do ciclo hidrológico evapotranspiração e umidade do solo correspondem a mais de 85% do total precipitado na bacia e o escoamento superficial é relativamente reduzido, correspondendo no máximo a 20% do total precipitado. Portanto, no comportamento do deflúvio em microbacias hidrográficas com escoamento efêmero é típico e próprio destas e algumas considerações assumidas por modelos hidrológicos precisam ser revistas, notadamente o parâmetro abstrações iniciais que o método CN considera simplesmente como sendo 20% do armazenamento potencial da bacia.
A abstração inicial da precipitação é uma parcela da precipitação total que ocorreu anteriormente à precipitação efetiva, referindo-se àquela quantidade de chuva produzida desde o seu início até que haja início de escoamento superficial na seção de controle. Pode-se dizer que esta parcela infiltrou no solo ou foi retida pela vegetação e obstáculos no terreno (Sheeder et al., 2002).
O método CN, desenvolvido pelo SCS-USDA, tem sido um dos principais métodos aplicados a microbacias hidrográficas no Brasil (Righetto, 1998; Tucci, 2001). Devido ao pequeno número de microbacias monitoradas, não se tem conhecimento sobre a qualidade das estimativas. Este trabalho visa ao estudo da abstração inicial (lâmina e tempo) de uma microbacia hidrográfica de escoamento efêmero, visando ao ajuste de um modelo que possa fornecer boa estimativa deste parâmetro, fundamental para aplicação do citado método, sob condições fisiográficas e hidrológicas do Brasil.
MATERIAL E MÉTODOS
Caracterização geral da microbacia hidrográfica
A microbacia hidrográfica monitorada localiza-se próximo ao AHF (Aproveitamento Hidrelétrico do Funil), a cerca de 11 km da cidade de Lavras, no sul do Estado de Minas Gerais. O clima da região é classificado, pela metodologia de Kopen, como Cwb, com invernos secos e concentração de 80% dos eventos pluviométricos no período de novembro a março. Possui área de 1,5 ha, sendo constituída por 50% de Eucaliptus grandi, com idade aproximada de 7 anos, com braquiária (Brachiaria decumbens) em aproximadamente 40% da área, além de uma pequena área de vegetação típica de várzea (10% restantes). Os solos são: 80% Cambissolo de Gnaisse, 10% Glei Pouco Húmico e 10% Argissolo Vermelho Amarelo ocupando, este último, a parte mais alta da microbacia. Não há curso dágua perene e existem sinais de secamento de nascen-te, demonstrado pela presença de gleização no perfil de solo de encosta da microbacia. A declividade média é de 15% e a ocupação atual é de pastagem extensiva de gado de corte.
Obtenção dos valores de abstração
O método CN possui a seguinte equação básica (Huggins & Burney, 1982; Tucci, 2001):
(1)
em que D é o deflúvio, P a precipitação total, Ai a abstração inicial e S o armazenamento potencial do solo, todos expressos em mm. De acordo com os autores, Ai equivale, em média, a 20% do valor de S. Manipulando-se a equação acima e se isolando S, obtém-se:
(2)
A Eq. 2 foi utilizada para cálculo do fator S em função dos dados de precipitação, deflúvio e abstração.
O valor da lâmina de abstração (Ai) e do tempo de abstração (tabs), segundo Suarez (1995) e Genovez (2001) pode ser obtido por meio da combinação do hidrograma com o respectivo hietograma que produziu o escoamento superficial (Figura 1), de acordo com o seguinte conceito:
- tempo de abstração: intervalo de tempo entre o início da precipitação e o início do escoamento. Com base no hietograma, determina-se o tempo de início da precipitação e com base no hidrograma, o exato momento em que o escoamento atingiu a seção de controle, sendo a diferença entre estes tempos, o tempo de abstração (tabs, na Figura 1);
- lâmina de abstração: lâmina precipitada que ocorreu antes da precipitação efetiva, determinada com base no índice f, o qual representa a infiltração média na microbacia. Assim, dispondo-se do início do escoamento, verifica-se o total precipi-tado antes do mesmo. Na Figura 1, a variável tpch diz respeito ao tempo necessário para que a precipitação atinja seu valor máximo.
Monitoramento dos dados hidrológicos
Foram avaliados 25 eventos de chuva-escoamento (hietogramas-hidrogramas) no ano hidrológico 2002/03, de nov/02 a fevereiro/03. Os dados de precipitação foram monitorados por uma estação climatológica compacta completa, marca Davies, com autonomia de energia (painel solar), registrando valores das variáveis climáticas a cada 10 min. O escoamento superficial foi monitorado por um linígrafo automático, marca Global Water, modelo WKL 15, registrando um pulso a cada 10 min, instalado em poço tranquilizador, construído no ponto de leitura de uma calha tipo Parshall, construída conforme Azevedo Netto & Alvarez (1991), com curva-chave previamente calibrada em laboratório. Os dados de umidade do solo foram avaliados em um "grid" aproximado de 20 x 100 m, constituindo-se num total de 12 sensores (blocos de resistência elétrica), instalados na profundidade de 20 cm, a cada 20 m. As leituras de tensão (kPa) foram feitas em intervalo de 2 dias. Em cada ponto foi instalado o tensiômetro e construída a respectiva curva característica, ajustando-se o modelo de van Genucthen, para obtenção dos valores de umidade (van Lier, 2000); esses valores foram trabalhados na forma de umidade relativa, conforme sugerido por Brandes & Wilcox (2000):
(3)
em que qr é a umidade residual, qs, a umidade de saturação e q, o valor de umidade num instante qualquer, todos em cm3 cm-3. Trabalhou-se com a umidade na forma da Eq. 3 por fornecer uma informação mais realista da potencialidade do solo em armazenar água, haja vista que esta reflete uma fração da quantidade máxima de água que o solo é capaz de receber.
Tratamento dos dados
Os dados de Ai e tabs foram correlacionados às variáveis hidrológicas que mais interferem no processo de escoamento superficial, segundo Cruz (1974), Suarez (1995), Perrone et al. (1998) e Tucci (1998), destacando-se a umidade média da bacia hidrográfica antecedente a cada evento de precipitação, a 20 cm de profundidade (q20 cm), a intensidade média de precipitação (IPm) e o tempo necessário para se atingir a intensidade máxima da chuva (tpch). Além disso, os valores de Ai foram utilizados para cálculo de S pela Eq. 2, com o objetivo de se estudar os valores de Ai associados aos de S. Foi então desenvolvido um modelo de regressão múltipla linear do tipo determinístico-empírico ou semi-conceitual, uma vez que este busca a explicação de um fenômeno com base em outras variáveis a ele correlacionadas, conforme citado por Fendrich (1984) e Tucci (1998). Empregou-se o procedimento "Backward", com auxílio da rotina "Proc Reg" do programa SAS for Windows (Statiscal Analyses System, 1985), com objetivo de produzir um modelo matemático capaz de estimar, com boa precisão, os valores de Ai, mediante o conhecimento das variáveis hidrológicas. O procedimento empregado seleciona as variáveis significativas de acordo com o nível de probabilidade estipulado que, no caso, foi de 1% (Mello et al., 2002). Desta forma, o modelo escolhido foi aquele que produziu um bom coeficiente de determinação ajustado e a melhor significância dos coeficientes estimados para as variáveis.
Os dados de umidade média antecedente avaliados a 20 cm, aplicados ao ajuste do modelo e às correlações, foram gerados a partir de um estudo prévio da dependência espacial dos mesmos, por meio da geoestatística baseada em modelos, trabalhando-se com a rotina GeoR do programa R, por intermédio do procedi-mento de ajuste do semivariograma da Máxima Verossimilhança, calculando-se uma média espacial dos valores (Diggle & Ribeiro Jr., 2000; Aubry & Debouzie, 2001; Ribeiro Jr. & Diggle, 2001). Este procedimento foi adotado visando à redução de erros produzidos pela variabilidade espacial dos dados, uma vez que se trata de um dos principais problemas enfrentados quando se trabalha com modelos hidrológicos determinísticos (Tucci, 1998). Nos casos em que não se obteve dependência espacial, adotou-se o valor da média aritmética dos dados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na Tabela 1 apresentam-se os 25 eventos de chuva-escoamento monitorados, com suas respectivas datas.
Ao se avaliar a dependência espacial dos dados de umidade antecedente medidos a 20 cm, verificou-se que apenas os dois primeiros eventos (04 e 21/11) possuem dependência espacial obtendo-se, desta forma, a média espacial da umidade. Para os demais eventos, não foi detectada dependência espacial, caracterizado pelo efeito pepita puro. Trabalhou-se, então, com a média aritmética dos dados. Esta não dependência espacial está associada ao fato de que houve redução da variabilidade dos dados, devido ao aumento da umidade do solo, a medida em que se entrou na época chuvosa, numa tendência de uniformização da umidade do solo na bacia. A Figura 2 mostra os semivariogramas obtidos para os 2 primeiros eventos, com o modelo exponencial ajustado, e um exemplo de efeito pepita puro (evento 14/12).
Na Tabela 2 são apresentados alguns parâmetros estatísticos básicos das variáveis correlacionadas e estudadas. Destaca-se que o tempo de abstração (tabs) e o tempo necessário para se atingir a precipitação máxima (tpch) possuem coeficientes de variação muito altos, com grande amplitude dos dados. Esta alta variabilidade ocorreu devido ao fato dessas variáveis, em especial a última, dependerem da precipitação e esta, por natureza, apresenta alta variabilidade. A lâmina de abstração (Ai) também apresentou coeficiente de variação consideravelmente alto. Tal variabilidade dos dados responde pelo comportamento das correlações, apresentadas na Tabela 3, entre Ai e tabs com as variáveis citadas na metodologia.
Observa-se que a lâmina de abstração inicial se correlaciona significativamente com o tpch (a 1%) e com a intensidade média da precipitação (a 5%), não havendo correlação com a umidade antecedente. Isto significa, numa primeira análise, que as características da precipitação têm peso considerável no comportamento das abstrações iniciais, sugerindo que, quando se aplica a Eq. 1 do método CN, deve-se considerar aspectos comportamentais da precipitação, explicitados pelo hietograma e não apenas o total precipitado, como considerado pelo método CN. Avalia-se também que o comportamento da precipitação tem peso preponderante no de Ai (Figura 1). Assim, por exemplo, se a precipitação efetiva ocorrer logo no início do evento, sua abstração inicial será zero, independentemente da umidade antecedente.
Pode-se observar que a variável tempo de abstração apresentou significância apenas com a variável tpch, o que é devido à proximidade de ambas (Figura 1) e o comportamento semelhante da variabilidade e dos valores extremos dos dados. No entanto, verifica-se que o comportamento do tempo de abstração (Fig. 3A) foi influenciado pelas condições de umidade antecedente (Fig. 3B). Observa-se que no início dos eventos de escoamento superficial na microbacia (início de novembro), o tabs foi bastante alto e a umidade antecedente consideravelmente pequena porque, quanto menor a umidade antecedente (maior a capacidade de armazenamento da bacia hidrográfica), menor a tendência de escoamento e mais tempo será necessário para se atingir o início do mesmo. O valor do tabs voltou a aumentar acompanhado pelo abaixamento da umidade antecedente próximo ao dia 10 de dezembro, repetindo o comportamento anterior. Na seqüência, a umidade antecedente aumentou consideravelmente, acarretando um valor de tabs baixo. No final de janeiro, os valores de tabs chegaram próximos a zero (0). Suarez (1995) encontrou comportamento semelhante do tabs em seu trabalho para uma microbacia hidrográfica florestal na região de Viçosa, MG. Esta tendência foi provocada pela alta umidade inicial do solo, produzindo uma resposta mais rápida da bacia aos eventos de precipitação (Fig. 3D). A falta de correlação estatística entre tabs e Ai, especialmente tabs, com a umidade inicial, está relacionada ao fato de ter-se obtido, em algumas situações, valores muito altos para tabs e, em outras, valores muito baixos, mostrando uma grande oscilação dos resultados, apesar de haver certa tendência de abaixamento e estabilização quando a umidade inicial torna-se mais alta. Esta situação provocou um coeficiente de variação e amplitude dos dados de tabs muito altos e em contra-partida, a umidade inicial apresentou um coeficiente de variação e amplitudes muito inferiores aos obtidos para o tabs. Isto explica a dificuldade estatística de se obter correlação dos dados, apesar de se verificar, graficamente, a influência de um sobre o outro (Steel & Torrie, 1976). Além deste aspecto, o tabs também é influenciado diretamente pelo comportamento da intensidade de precipitação, da mesma forma que Ai, ou seja, quanto antes a intensidade efetiva ocorrer, menor será o tabs.
Analisando-se o tpch (Fig 3C) confrontado com o tabs (Fig. 3A), observa-se que, quanto maior for este, maior será o tabs, com a intensidade média de precipitação tendendo a um comportamento semelhante.
Propõe-se, então, um modelo matemático para predição da abstração inicial em função das variáveis já destacadas. Na Tabela 4 tem-se os parâmetros (coeficientes) das variáveis testadas e sua significância. Para se gerar um modelo linear não há necessidade de correlação entre as variáveis independentes e a dependente, individualmente, sendo importante a significância do parâmetro estimado para uma variável gerada pela combinação de outras variáveis individuais (Haan, 1979; Sá, 2002). A correlação é significativa para direcionar quais variáveis ou suas combinações podem ter maior relação com o fenômeno.
Portanto, o modelo possui a seguinte forma:
(4)
em que Ai é obtido em mm, q20 cm expresso em decimal, tpch, em minutos e IPm em mm h-1.
A Figura 4 mostra a precisão do modelo em comparação com os valores reais, por meio da dispersão dos pontos em torno da reta 1:1 (bissetriz).
O modelo gerado apresenta, além de boa significância estatística dos parâmetros, uma precisão considerável, haja vista a boa distribuição dos pontos ao redor da reta 1:1. Esta situação o qualifica para predição dos valores de Ai, levando-se em conta variáveis hidrológicas que interferem no fenômeno de escoamento superficial.
A Figura 5 apresenta o comportamento dos valores da relação Ai/S para os eventos analisados, onde é possível se constatar a grande variabilidade dos valores, sem tendência clara.
A razão entre a abstração inicial e o armazenamento potencial apresentou valor médio de 0,0155, ou seja, a abstração corresponde, em média, a apenas 1,55% do valor de S. Este valor é muito inferior aos 20% sugerido pelo método CN. Os valores máximo e mínimo da relação foram, respectivamente, 0 (zero) e 0,081, e o coeficiente de variação foi de 142,13%. Esta grande variabilidade sugere que, para obtenção de Ai, não se deve considerar apenas o armazenamento potencial, mas é imprescindível que se verifique a influência de variáveis hidrológicas no processo, especialmente a precipitação. Ressalta-se que se o método CN for aplicado à microbacia analisada não produzirá bons resultados se nenhum tipo de ajuste for desenvolvido, mostrando que uma microbacia de escoamento efêmero precisa ser melhor estudada no tocante ao seu comportamento hidrológico, em especial suas respostas hidrológicas a eventos de precipitação. Este trabalho foi desenvolvido com base no comportamento hidrológico de apenas uma microbacia, e como praticamente não há informações sobre a abstração inicial em microbacias hidrográficas, sobretudo efêmeras, não foi possível se comparar a influência das características fisiográficas da microbacia no comportamento da abstração inicial.
CONCLUSÕES
1. A abstração inicial correlacionou-se significativamente com algumas características da precipitação.
2. Apesar de não haver boa correlação estatística com a umidade antecedente média medida a 20 cm, pôde-se detectar influência desta no comportamento da lâmina e do tempo relativo à abstração inicial.
3. A princípio, a abstração inicial não deve ser calculada apenas com base no valor do armazenamento potencial S, devendo ser considerada a influência de outros parâmetros hidrológicos.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo suporte financeiro desta pesquisa, à CAPES e CNPq, pela concessão de bolsa, respectivamente, aos primeiro, segundo e terceiro autores.
LITERATURA CITADA
Protocolo 79 - 6/5/2003 Aprovado em 24/10/2003
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Ago 2004 -
Data do Fascículo
Dez 2003