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Efeito de uso de águas residuárias sobre a vazão de microaspersores

Effect of wastewater use on the microsprinkler discharge

Resumos

Este trabalho serviu de base para se avaliar as características hidráulicas de microaspersores após o uso com águas residuárias tratadas por um reator anaeróbio de manta de lodo UASB (upflow anaerobic sludge blanket) e por uma Lagoa de Polimento, durante o período equivalente a dois anos. Para os microaspersores novos e usados determinou-se, em laboratório, o coeficiente de variação de fabricação, o coeficiente de uso e a curva de vazão versus pressão. O resultado dos testes hidráulicos mostrou que a vazão média dos emissores depois de 750 h de uso com água residuária para a pressão nominal, foi reduzida em 4,97%, em relação ao novo. Não ocorreram grandes variações após o uso com água residuária. O regime de fluxo não mudou, o coeficiente de variação, apesar de ter aumentado, continuou sua classificação, segundo a ASAE, sendo considerado excelente.

águas residuárias; irrigação localizada; vazão


The study was conducted with the objective of evaluating the hydraulic characteristics of microsprinklers after use with wastewater treated by an upflow anaerobic sludge blanket (UASB anaerobic reactor) and a polishing pond during a period equivalent to two years. The hydraulic characteristics determined for the new and used emitters were the following: manufacturing coefficient of variation, coefficient of use and the discharge-pressure head equation. The results indicated no appreciable variations after using wastewater. The value of the mean discharge for nominal pressure was reduced by 4.97% in relation to the new. The flow regime did not change and the variation coefficient increased but continued being of excellent category as per ASAE classification.

wastewater; localized irrigation; discharge


NOTA PRÉVIA

Efeito de uso de águas residuárias sobre a vazão de microaspersores1 1 Parte da Dissertação de Mestrado apresentada pelo primeiro autor a UFCG 2 Rua Coronel Cunha Lima, 67, CEP 58397-000, Areia, PB. Fone: (83) 362-2449. E-mail: c.g.f.s@bol.com.br

Effect of wastewater use on the microsprinkler discharge

Cláudia G. da F. Santos2 1 Parte da Dissertação de Mestrado apresentada pelo primeiro autor a UFCG 2 Rua Coronel Cunha Lima, 67, CEP 58397-000, Areia, PB. Fone: (83) 362-2449. E-mail: c.g.f.s@bol.com.br ; Vera L. A . de LimaI; José de A. de MatosII; Adrianus C. van HaandelIII; Carlos A. V. AzevedoI

IDEAg/CCT/UFCG. CEP 58109-970, Campina Grande, PB. Fone: (83) 310-1055. E-mail: antunes@deag.ufcg.edu.br e cazevedo@deag.ufcg.edu.br

IIDEA/ESAM. CP 137, CEP 58625-900, Mossoró, RN. E-mail: jamatos@esam.br

IIIDEC/CCT/UFCG. E-mail: prosab@uol.com.br

RESUMO

Este trabalho serviu de base para se avaliar as características hidráulicas de microaspersores após o uso com águas residuárias tratadas por um reator anaeróbio de manta de lodo UASB (upflow anaerobic sludge blanket) e por uma Lagoa de Polimento, durante o período equivalente a dois anos. Para os microaspersores novos e usados determinou-se, em laboratório, o coeficiente de variação de fabricação, o coeficiente de uso e a curva de vazão versus pressão. O resultado dos testes hidráulicos mostrou que a vazão média dos emissores depois de 750 h de uso com água residuária para a pressão nominal, foi reduzida em 4,97%, em relação ao novo. Não ocorreram grandes variações após o uso com água residuária. O regime de fluxo não mudou, o coeficiente de variação, apesar de ter aumentado, continuou sua classificação, segundo a ASAE, sendo considerado excelente.

Palavras-chave: águas residuárias, irrigação localizada, vazão

ABSTRACT

The study was conducted with the objective of evaluating the hydraulic characteristics of microsprinklers after use with wastewater treated by an upflow anaerobic sludge blanket (UASB anaerobic reactor) and a polishing pond during a period equivalent to two years. The hydraulic characteristics determined for the new and used emitters were the following: manufacturing coefficient of variation, coefficient of use and the discharge-pressure head equation. The results indicated no appreciable variations after using wastewater. The value of the mean discharge for nominal pressure was reduced by 4.97% in relation to the new. The flow regime did not change and the variation coefficient increased but continued being of excellent category as per ASAE classification.

Key words: wastewater, localized irrigation, discharge

INTRODUÇÃO

Com o crescimento populacional, a humanidade se vê compelida a usar com maior intensidade o solo agricultável, o que vem impulsionando o uso da irrigação, não só para complementar as necessidades hídricas das regiões úmidas como, também, para tornar produtivas as áreas áridas e semi-áridas do globo, que constituem cerca de 55% de sua área continental total. Atualmente, mais de 50% da população mundial dependem da agricultura irrigada (Werneck et al., 1999).

Segundo Kemper (1997), as possibilidades de uso da água estão diminuindo em várias regiões do mundo, ao passo que a demanda por água potável está aumentando devido ao crescimento populacional e ao desenvolvimento econômico. Um primeiro passo seria diminuir a poluição, na tentativa de restabelecer a qualidade da água e, com isto, tornar o recurso reutilizável.

Muitos países padecem com a falta de água potável, tanto para o consumo humano como para irrigação e outros fins. Surge, então, a necessidade de substituir o uso de água potável em atividades em que possa ser usada água de qualidade inferior, geralmente efluentes secundários. Em decorrência deste aumento de consumo, a utilização de águas de qualidade inferior na irrigação tornou-se uma realidade. Efluentes de águas residuárias domésticas podem ser uma fonte para a produção agrícola. Considerando-se os nutrientes requeridos pelas plantas e fertilidade do solo, a água residuária poderá suprir em parte a adubação das culturas, permitindo a redução dos custos no processo de produção (Ayers & Westcot, 1991).

Werneck et al. (1999) relatam que a agricultura irrigada é a atividade humana que demanda maior quantidade total de água. Em termos mundiais, estima-se que esse uso responda por cerca de 80% das derivações de água; no Brasil, este valor supera os 60%. Muito embora a irrigação venha sendo praticada há vários milênios, a qualidade da água só começou a ter importância a partir do início do século XX.

O reúso da água na irrigação é uma alternativa que se vem mostrando viável, pelas seguintes razões: em áreas onde as culturas mais necessitam de irrigação, a água é, via de regra, escassa; a agricultura irrigada requer grandes volumes de água, que representam a maior demanda de água nas regiões secas; as plantas podem ser beneficiadas não somente pela água mas, também, dentro de certos limites, pelos materiais dissolvidos nos efluentes, tais como matéria orgânica, nitrogênio, fósforo, potássio e micronutrientes (Pescod, 1992).

A principal vantagem da utilização de águas residuárias na irrigação reside na recuperação de um recurso da maior importância na agricultura – a água; além disso, os constituintes das águas residuárias, ou pelo menos sua maioria, são produtos que podem aumentar a fertilidade dos solos por conter nutrientes essenciais à vida das plantas. Por outro lado, melhoram também a aptidão agrícola dos solos, devido a matéria orgânica que se lhes adiciona com a conseqüente formação de húmus. A reutilização de águas residuárias oferece, ainda, vantagens do ponto de vista da proteção do ambiente, na medida em que proporciona a redução ou mesmo a eliminação da poluição dos meios hídricos habitualmente receptores dos efluentes. Paralelamente, dá-se a recarga dos aqüíferos, beneficiada com a melhoria de qualidade da água derivada da depuração proporcionada aos efluentes através da percolação no solo (Miranda, 1995).

Adin & Sacks (1991) estudando as causas de entupimento em três emissores do tipo gotejador, utilizando águas residuárias, concluíram que: (1) o entupimento é causado principalmente pelos sólidos em suspensão; no entanto, o processo de entupimento é iniciado por material orgânico; (2) o grau de entupimento é mais afetado pelo tamanho das partículas sólidas que por sua densidade na água; (3) o armazenamento de sedimentos nos emissores inicia-se com a deposição de lodos amorfos aos quais outras partículas se aderem; (4) a composição química do sedimento no emissor modifica-se com a estação do ano; (5) o potencial de entupimento pode diminuir através de modificações na configuração interna do emissor e por um tratamento químico da água, com oxidante e floculantes. Os filtros de areia têm papel importante na prevenção do entupimento, em virtude de promover a remoção de partículas com diferentes formas, porém medidas adicionais para a redução do entupimento devem ser tomadas, tais como: eficiente retrolavagem dos filtros, limpeza periódica das linhas e instalação de longas laterais, quando a topografia permitir.

Gilbert et al. (1979) estudaram, durante dois anos, o entupimento em oito tipos de emissores para diferentes tratamentos de água, incluindo filtragem com filtros de tela e de areia com adição de hipoclorito de ácido. Cinco dos oito emissores requereram filtros de tela (200 mesh) e de areia, mais tratamento químico para prevenir entupimento físico e manter vazões superiores a 70% da vazão de projeto e continuaram a operar com vazões superiores a 80% da vazão de projeto apenas com filtro de tela (50 mesh).

Ante a carência de resultados de pesquisa envolvendo águas residuárias em sistemas de irrigação objetivou-se, com este trabalho, estudar os efeitos que esse tipo de água causa sobre a performance hidráulica de microaspersores.

MATERIAL E MÉTODOS

No Laboratório de Engenharia de Irrigação e Drenagem do Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Campina Grande (LEID/DEAg/UFCG), 20 emissores novos, tipo microaspersor, modelo MF Carborundum, com vazão nominal 54 L h-1, foram utilizados para determinação das características hidráulicas, como vazão média, desvio padrão, equação característica, coeficiente de variação de fabricação e regime de fluxo.

Através de uma bancada de testes os emissores foram submetidos às pressões de 50, 100, 150, 200 e 250 kPa. O tempo de ensaio para cada pressão foi de 6 min, coletando-se a água em recipientes com capacidade de 20 L, cujo volume coletado foi pesado em balança digital e, em seguida, transformado em vazão. As vazões consideradas foram resultados da média aritmética de três repetições.

Após caracterização hidráulica, 18 emissores foram selecionados e instalados em campo num sistema experimental que recebia vazão de efluentes de águas residuárias tratadas por um reator anaeróbio do tipo UASB e por uma lagoa de polimento, no Laboratório do Programa de Saneamento Básico (PROSAB), onde se trabalhou por um período de 750 h. Em campo, os microaspersores foram divididos em três tratamentos, em função do efluente que recebia e do sistema de filtragem, qual seja: T1 – água do reator UASB, com sistema de filtragem formado por filtros de areia e tela em série; T2 – água da lagoa de polimento, com filtragem de filtros de areia e tela e, T3 – água da lagoa de polimento com filtragem apenas por filtro de disco. Na Tabela 1 são mostradas as características físicas e químicas da água utilizada no experimento.

Ao final das 750 h de uso com água residuária os microaspersores foram levados para o LEID/DEAg/UFCG e submetidos às mesmas condições do ensaio quando novos, para novamente se determinar as características hidráulicas.

Os efeitos dos tratamentos da água sobre as variáveis hidráulicas dos microaspersores foram avaliados por meio de análise de variância com o teste "F" (Gomes,1978), com o auxílio do programa estatístico ASSISTAT versão 6.2. Com os dados dos emissores novos dos 3 tratamentos usando-se água residuária, formaram-se 6 tratamentos com 6 repetições, sendo os emissores em cada tratamento as repetições. Com o mesmo programa identificou-se a diferença das vazões entre os emissores novos e usados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com a transformação dos volumes em vazão de cada microaspersor novo, obteve-se a vazão média, o desvio padrão e o coeficiente de variação, para cada pressão ensaiada. Para uma pressão nominal de 150 kPa recomendada pelo fabricante, a vazão média verificada para os microaspersores novos foi de 57,53 L h-1, a qual se mostrou superior à vazão nominal (54 L h-1) em 6,1%. O desvio padrão foi de 1,12 L h-1, com coeficiente de variação de fabricação médio (CVF) de 1,9%, considerado excelente, sob o ponto de vista do processo de fabricação, de acordo com a classificação da ASAE (1995).

O coeficiente de variação dos emissores usados, foi denominado coeficiente de uso (Vu). Após ensaios realizados em laboratório, os microaspersores usados em campo com água residuária tratada, por 750 h de funcionamento, apresentaram vazão média de 54,67 L h-1, para pressão nominal de 150 kPa, com desvio padrão de 2,54 L h-1. Esta vazão média foi inferior à dos novos em 4,97% mas sua classificação, de acordo ASAE (1995), continuou sendo considerada excelente; portanto, conforme os resultados obtidos, os emissores podem ser considerados com bom desempenho e, mesmo depois de usados com água residuária, reduziram pouco em relação à vazão média dos emissores novos. Mesmo com o uso equivalente há dois anos, os emissores não proporcionaram grande desgaste; no entanto, o coeficiente de uso aumentou consideravelmente em relação ao coeficiente de variação dos emissores novos, para a mesma pressão, acarretando desuniformidade na distribuição da água.

A partir dos dados de vazão e pressão, confeccionou-se a curva característica para os emissores novos e usados, com suas respectivas equações. Para os emissores novos a equação foi, q = kH0,497 (R2 = 0,99), enquanto para os usados a equação foi, q = kH0,445 (R2 = 0,98). Pelos valores dos expoentes das equações, observa-se que tanto dos emissores novos como dos usados, segundo Karmeli & Smith (1978), o regime de fluxo do referido emissor é considerado totalmente turbulento.

A Figura 1 mostra a curva vazão versus pressão para os emissores novos e usados. Constatou-se pouca redução na vazão média dos emissores usados em relação aos novos. Comparando-se as vazões médias, observa-se que foram próximas em quase toda a faixa de pressão, fato que demonstra que, apesar do uso dos microaspersores com água residuária tratada e com um sistema de filtragem no sistema de irrigação com filtros de areia e tela em série, equivalente a aproximadamente 2 anos de uso para uma cultura como a goiaba numa região como Campina Grande, a vazão média não sofreu alteração.


As análises de variância e as médias observadas para as vazões dos microaspersores novos e usados com água residuária, estão resumidas na Tabela 2. Observou-se que os tratamentos apresentaram efeito significativo ao nível de 1% de probabilidade.

Os valores médios dos tratamentos da Tabela 2 demonstraram que os microaspersores novos apresentaram diferença significativa em relação aos emissores usados, fato este explicado porque houve a cimentação da matéria orgânica e das algas presentes na água residuária, verificada através de seccnionamento das tubulações ao final do experimento, e que estas se foram aderindo na passagem da água do emissor, afetando a sua uniformidade.

CONCLUSÕES

1. Os coeficientes de variação dos microaspersores novos e usados foram de 1,9 e 4,6, respectivamente, para a pressão nominal de 150 kPa.

2. A vazão média dos microaspersores depois de usados com água residuária para a pressão nominal de 150 kPa, foi reduzida em até 4,97%.

3. A utilização de água residuária tratada provinda de reatores como, por exemplo, o UASB, e de lagoas de polimento sobre os microaspersores, causou desuniformidade de aplicação de água nos microaspersores, ocasionada por algas e material em suspensão, que se foram acumulando na passagem no bocal dos microaspersores.

LITERATURA CITADA

Protocolo 175 - 21/11/2002 – Aprovado em 31/10/2003

  • Ayers, R.S.; Westcot, D.W. A qualidade da água na agricultura. Campina Grande: UFPB. 1991, 218p. Traduçăo de: Water quality for agriculture
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  • Gomes, F.P. Curso de estatística experimental. 8. ed. Săo Paulo: Nobel, 1978. 430p.
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  • Werneck, J.E.F.L.; Ferreira, R.S.A.; Christofidis, D. O estado das águas no Brasil. Perspectivas de gestăo e informaçăo de recursos hídricos. Geneva: Organizaçăo Meteorológica Mundial. 1999, 334p
  • 1
    Parte da Dissertação de Mestrado apresentada pelo primeiro autor a UFCG
    2 Rua Coronel Cunha Lima, 67, CEP 58397-000, Areia, PB. Fone: (83) 362-2449. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      31 Out 2003
    • Recebido
      21 Nov 2002
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