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Desempenho de crianças com desenvolvimento típico de linguagem em prova de vocabulário expressivo

Performance by children with typical language development in expressive vocabulary test

Resumos

OBJETIVO: obter o perfil de crianças com desenvolvimento típico de linguagem em prova de vocabulário expressivo, e verificar os tipos de desvios semânticos mais utilizados por elas. MÉTODOS: participaram do estudo 400 crianças com desenvolvimento típico de linguagem, entre três anos e seis anos. Foi aplicado protocolo de avaliação lexical com 100 itens. Para cada faixa etária, foi efetuado estudo estatístico, comparando-se as faixas etárias por meio de teste não paramétrico. RESULTADOS: as crianças de cinco e seis anos obtiveram desempenho semelhante e superior às crianças de três e quatro anos quanto ao número de itens nomeados, e o número de itens não nomeados aumentou conforme diminuiu a idade. Não houve diferença estatisticamente significante apenas entre as idades de cinco e seis anos quanto aos itens nomeados e não nomeados. O número total de desvios semânticos das crianças de três anos foi superior às de quatro, que por sua vez foi superior às de cinco e seis anos. Os desvios de maior ocorrência foram os de superextensão e por contigüidade, sendo que as crianças menores tiveram um número maior de ocorrência que as maiores nos dois tipos de desvio. A ocorrência dos desvios de proximidade morfológica, fonológica, antonísia, dêitico, perífrase e designação não verbal foram insignificantes. CONCLUSÃO: com o avanço da idade, maior foi o número de ocorrência do vocábulo esperado e quanto menor a idade, maior a ocorrência de itens não nomeados. Dentre os desvios semânticos, os de maior ocorrência foram superextensão e por relação de contigüidade.

Testes de Linguagem; Desenvolvimento da Linguagem; Vocabulário


PURPOSE: to obtain the profile of children with typical language development in expressive vocabulary test as well as to verify the types of semantic deviations such children used more frequently. METHODS: the study involved 400 normal children aging from three to six years. A lexical assessment protocol with 100 items was applied. A statistical study comparing age groups by means of nonparametric test was conducted for each age group. RESULTS: in relation to the number of items named, five and six-year-old children showed a performance similar and above the showed by three and four-year-old ones, and the numbers of items named increased at the same time that the age diminished. There was no significant statistical difference just between ages of five and six-year-old in relation to named and non-named items. The total number of semantic deviations in three-year-old children was superior to those submitted by four, five and six-year-old ones. Four-year-old children, on their turn, showed more semantic deviations than did five and six-year-old children. Higher-occurrence Deviations were belongs to super-extension and contiguity standards, and younger children showed a higher number of occurrences as compared to the older ones in both types of deviation. The occurrence of other kinds of deviation - morphologic and phonologic proximity, antonymy, deitic, periphasis and non-verbal designation - were insignificant. CONCLUSION: the higher the age, the higher the number of occurrences of expected vocabulary, and the lower the age, the higher the occurrence of non-named items. Among semantic deviations, the most frequent were super-extension and contiguity.

Language Tests; Language Development; Vocabulary


LINGUAGEM

ARTIGO ORIGINAL

Desempenho de crianças com desenvolvimento típico de linguagem em prova de vocabulário expressivo

Performance by children with typical language development in expressive vocabulary test

Simone Rocha de Vasconcellos HageI; Mariana Blecha Pereira II

IFonoaudióloga, Professora Departamento de Fonoaudiologia da Universidade de São Paulo – campus de Bauru, Pós- Doutoranda em Psicologia da Linguagem pelo Departamento de Educação da Universidade de Navarra, Espanha.

IIFonoaudióloga, Mestranda pelo Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Endereço para correspondêcia Endereço para correspondência: Rua Álvaro Lamônica 1-49 Bauru - SP CEP: 17.016-090 Tel: (14) 32358332 / 32358232 E-mail: simonehage@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: obter o perfil de crianças com desenvolvimento típico de linguagem em prova de vocabulário expressivo, e verificar os tipos de desvios semânticos mais utilizados por elas.

MÉTODOS: participaram do estudo 400 crianças com desenvolvimento típico de linguagem, entre três anos e seis anos. Foi aplicado protocolo de avaliação lexical com 100 itens. Para cada faixa etária, foi efetuado estudo estatístico, comparando-se as faixas etárias por meio de teste não paramétrico.

RESULTADOS: as crianças de cinco e seis anos obtiveram desempenho semelhante e superior às crianças de três e quatro anos quanto ao número de itens nomeados, e o número de itens não nomeados aumentou conforme diminuiu a idade. Não houve diferença estatisticamente significante apenas entre as idades de cinco e seis anos quanto aos itens nomeados e não nomeados. O número total de desvios semânticos das crianças de três anos foi superior às de quatro, que por sua vez foi superior às de cinco e seis anos. Os desvios de maior ocorrência foram os de superextensão e por contigüidade, sendo que as crianças menores tiveram um número maior de ocorrência que as maiores nos dois tipos de desvio. A ocorrência dos desvios de proximidade morfológica, fonológica, antonísia, dêitico, perífrase e designação não verbal foram insignificantes.

CONCLUSÃO: com o avanço da idade, maior foi o número de ocorrência do vocábulo esperado e quanto menor a idade, maior a ocorrência de itens não nomeados. Dentre os desvios semânticos, os de maior ocorrência foram superextensão e por relação de contigüidade.

Descritores: Testes de Linguagem; Desenvolvimento da Linguagem; Vocabulário

ABSTRACT

PURPOSE: to obtain the profile of children with typical language development in expressive vocabulary test as well as to verify the types of semantic deviations such children used more frequently.

METHODS: the study involved 400 normal children aging from three to six years. A lexical assessment protocol with 100 items was applied. A statistical study comparing age groups by means of nonparametric test was conducted for each age group.

RESULTS: in relation to the number of items named, five and six-year-old children showed a performance similar and above the showed by three and four-year-old ones, and the numbers of items named increased at the same time that the age diminished. There was no significant statistical difference just between ages of five and six-year-old in relation to named and non-named items. The total number of semantic deviations in three-year-old children was superior to those submitted by four, five and six-year-old ones. Four-year-old children, on their turn, showed more semantic deviations than did five and six-year-old children. Higher-occurrence Deviations were belongs to super-extension and contiguity standards, and younger children showed a higher number of occurrences as compared to the older ones in both types of deviation. The occurrence of other kinds of deviation - morphologic and phonologic proximity, antonymy, deitic, periphasis and non-verbal designation - were insignificant.

CONCLUSION: the higher the age, the higher the number of occurrences of expected vocabulary, and the lower the age, the higher the occurrence of non-named items. Among semantic deviations, the most frequent were super-extension and contiguity.

Keywords: Language Tests; Language Development; Vocabulary

Introdução

Todo ser humano detém um léxico mental, que é acessado quando deseja representar, por meio de palavras, um objeto, uma ação, um atributo, um evento 1. Aprender palavras e saber utilizá-las adequadamente é um aspecto fundamental do desenvolvimento da linguagem e está relacionado à aquisição da sintaxe, da morfologia e da fonologia. O sentido de uma frase depende de sua organização sintática, a adequada utilização dos morfemas depende da aquisição de sentido dos mesmos e o acesso ao nome de um objeto depende de habilidades fonológicas, especialmente a memória.

Estudos sobre o desenvolvimento semântico têm por objetivo entender como se dá à aquisição do significado das palavras pelas crianças 1. Por conseqüência, ele também está voltado para o entendimento de como as crianças aumentam seu vocabulário, com que velocidade e, principalmente, quais os fenômenos que caracterizam o uso das palavras durante o período de desenvolvimento lexical nos anos pré-escolares.

A aquisição lexical está relacionada com a capacidade de compreender e produzir vários tipos de significados. As palavras podem ser categorizadas em três tipos, considerando seu significado 2.

1. Palavras com significado lexical: refere-se às palavras utilizadas para designar classe de objetos, pessoas, animais, ações e características (são os nomes, os verbos e os adjetivos).

Essa categoria é denominada também de palavras com significado aberto, pois a adequada utilização delas depende da aquisição e da reorganização dos traços semânticos que compõem o significado de uma palavra.

2. Palavras com significado gramatical: são as palavras como as preposições, conjunções, advérbios e pronomes. As preposições e as conjunções expressam relações de significado particulares entre seres, objetos e eventos, sendo classificadas como tendo significado relacional abstrato. Já o significado dos pronomes e dos advérbios depende do contexto ou da situação lingüística; dessa forma, são classificados como tendo significado contextual. Seus referentes dependem dos interlocutores, do tempo, do lugar. São os chamados termos dêiticos.

3. Palavras com significado figurado: são as palavras cujo significado vão além do sentido literal, envolve habilidades metalingüísticas relacionadas com a capacidade de abstração.

As gírias e as metáforas são bons exemplos do uso de palavras com significado figurado: "não esquenta a cabeça"; "sua pele é um pêssego".

As palavras com sentido lexical, ou seja, os substantivos, os verbos e os adjetivos são em maior número, independente da língua falada. As primeiras 50 palavras adquiridas pelas crianças são, em sua grande maioria, palavras dessa categoria, como nomes de pessoas, de animais, de alimentos e bebidas, de roupas, de utensílios domésticos, de brinquedos, verbos (comer, beber, cair, levar, subir, descer, sentar, chorar), adjetivos (quente/ frio, limpo/sujo, pequeno/grande, bonito/feio) 3-5.

As crianças em processo de aquisição de linguagem, em especial, aquisição lexical, podem cometer uma série de desvios semânticos em função de elas não terem ainda bem organizado o conjunto de traços de significação que diferenciam o uso de uma palavra de outra nos diferentes contextos lingüísticos 4 . O termo desvio tem o sentido de representar a falta de correspondência entre o significado da palavra da linguagem adulta e o significado dessa mesma palavra na linguagem da criança.

Os desvios semânticos freqüentemente descritos na literatura a respeito do processo de aquisição lexical inicial são: superextensão, subextensão, antonísia, desvio por relações de contigüidade, desvio por proximidade morfológica e fonológica 4,6,7.

Denomina-se superextensão quando se utiliza uma palavra do mesmo campo semântico da palavra referente, atribuindo-lhe um traço de significação que não possui, ou seja, amplia-se o campo semântico da palavra. Exemplo: "cachorro" para vaca, cavalo ou gato; "fechar" para apagar a luz, para desligar a tv; "desenhar" para escrever palavra. Já a subextensão é a utilização de uma palavra para representar somente um subconjunto de traços de significação que a palavra possui. Neste caso, reduz-se o campo semântico da palavra. Exemplo: "cortar" para cortar somente com faca; "ursinho" só para os ursos de pelúcia; "abrir" para abrir porta, caixa, mas não para abrir um livro 4,6,7.

Desvio semântico por antônimo ou antonísia ocorre quando se substitui a palavra referente por seu antônimo. Exemplos: "apagar" para acender a luz; "fechar" para abrir a porta. Já o desvio semântico por relação de contigüidade é a substituição de uma palavra por outra, por haver entre elas alguma relação de sentido. Essa relação pode ser: a parte pelo todo e vice-versa, o contingente pelo conteúdo e vice-versa, a matéria pelo objeto e vice-versa, o lugar pela marca, o produto pela marca, o gênero pela espécie e vice-versa, o possuidor pelo possuído. Exemplo: prato por "comida"; padre por "homem".; olho por "pestana"; carro por Fusca; lanchonte por "Mc Donalds" 4,6,7.

O desvio semântico por proximidade morfológica ocorre quando se substitui a palavra referente por outra criada, mediante processo de derivação ou composição. Exemplo: "farmacêutico" por farmaceiro. E o desvio semântico por proximidade fonológica ocorre quando a substituição acontece em função da semelhança fonológica entre as palavras. Exemplo: "empalhado" por empanado; "esmaltado" por asfaltado 4,6,7.

Esses desvios podem ocorrer por uma série de fatores. Alguns podem ocorrer pelo fato de a criança não resgatar da memória a forma fonológica correta da palavra, outros por analogia (a criança ouve e fala padaria, confeitaria e diz "lancheria"), outros podem ocorrer em função de as palavras serem usadas sempre num mesmo contexto (mesa por "comida"). Certos desvios, especialmente a superextensão, podem ocorrer pelo fato de as palavras compartilharem de traços perceptivos (livro por revista) ou funcionais (travesseiro por almofada). E, por fim, os desvios podem ocorrer por propósitos comunicativos: a criança superextende ou subextende o significado de uma palavra pelo fato de não ter adquirido uma mais apropriada 6.

Os desvios descritos fazem parte do processo de aquisição lexical inicial, desaparecendo ou diminuindo significativamente conforme a criança aumenta seu vocabulário nos anos posteriores 8.

Estudos sobre quais palavras (e o tipo de seus significados) fazem parte do vocabulário infantil e, principalmente, quais os desvios naturais que ocorrem no período de desenvolvimento lexical nos anos pré-escolares, têm importante implicação para a avaliação lingüística nos estudos de crianças com alterações de linguagem 9,10, já que a linguagem é um bom preditor de inteligência e das habilidades acadêmicas formais e apresenta forte correlação com déficits de inteligência e déficit em habilidades escolares 11.

Dentre as manifestações encontradas em crianças com alterações de linguagem estão justamente as dificuldades com o léxico: elas podem ser lentas em adquirir novas palavras, apresentar constantes substituições de palavras por outras, descrições funcionais, uso de jargões e não nomeações 12-14. A dificuldade pode estar na evocação lexical, fazendo com que usem gestos representativos, dêiticos e perífrases para referir-se a um objeto, pessoa ou ação 15-17. No Brasil diversos trabalhos têm sido feitos com base na avaliação do vocabulário de crianças com alterações de linguagem, seja no âmbito da expressão ou compreensão 18-21, usando versões adaptadas de instrumentos, como o PPVT- Peabody Picture Vocabulary Test e o CDI' S - Macarthur Communicative Development Inventories de Desenvolvimento Comunicativo, ou ainda, instrumentos originalmente brasileiros, como o ABFW- Teste de linguagem infantil nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática e o ADL- Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem, o que estimula a criação de outros com base na língua portuguesa falada no Brasil.

Neste contexto, este estudo teve o objetivo de obter o perfil de crianças com desenvolvimento típico de linguagem em prova de vocabulário expressivo, e ainda, verificar os tipos de desvios semânticos mais utilizados por elas.

MÉTODOS

Foram avaliadas 405 crianças de creches e escolas de educação infantil públicas e privadas sem histórico de alterações no desenvolvimento da audição e linguagem e considerados bons falantes pelos cuidadores. O histórico da criança foi obtido por meio do cadastro das escolas e creches. Dessas 405, 400 fizeram parte da pesquisa, na medida em que cinco apresentavam dificuldades fonológicas não compatíveis com a idade cronológica, detectadas por meio da prova de fonologia do ABFW 22 e análise de amostra de fala espontânea. Estes procedimentos serviram para a seleção das crianças com desenvolvimento típico de linguagem, juntamente com seu histórico. Das 400 crianças, 100 tinham entre três anos e três e onze meses, 100 entre quatro anos e quatro anos e onze meses, 100 entre cinco anos e cinco anos e onze meses e 100 entre seis anos e seis anos e onze meses, com a mesma proporção de meninos e meninas.

As crianças selecionadas foram submetidas a um protocolo que continha 100 itens lexicais e que foram acessados por meio de cinco figuras temáticas. Tanto o protocolo, como as figuras foram criados por fonoaudiólogo com pós-graduação em lingüística. As figuras foram desenhadas por fonoaudiólogo com habilidade em desenho e coloridas por profissional especializado da área de comunicação visual.

As crianças foram solicitadas pelos pesquisadores a nomear objetos, ações, pessoas, atributos representados nas figuras temáticas, a saber, quarto, cozinha, zoológico, praça e rua. As palavras são da categoria significado lexical, envolvendo 80 substantivos pertencentes a oito campos semânticos (pessoas, veículos, animais, bebidas/alimentos, utensílios domésticos, vestuário, partes do corpo, lugares), 10 adjetivos e 10 verbos. A solicitação foi feita por meio de perguntas como: "o que é isso?" para os objetos; "quem é ele? para as pessoas; "o que ele está fazendo?" para as ações; "como é/está?" para os adjetivos. A coleta de dados foi feita na própria escola ou creche, sendo que a análise das respostas foi feita pelos pesquisadores com base nos seguintes critérios de análise:

(1) Vocábulo esperado: utilização da palavra registrada no protocolo ou seu sinônimo. Ex. guarda - guarda ou guarda - policial

(2) Não nomeação: quando a criança não nomeia ou afirma que não sabe.

(3) Desvio semântico por relação de contigüidade: substituição da palavra esperada por outra, envolvendo as seguintes relações de sentido: a parte pelo todo, o contingente pelo conteúdo, a matéria pelo objeto, o lugar pela marca, o produto pela marca, o gênero pela espécie, o possuidor pelo possuído, e vice-versa. Exemplo: padre ® homem, prédio ® apartamento, lanchonete ® Mc Donalds.

(4) Desvio semântico por superextensão: utilização de palavra do mesmo campo semântico da palavra esperada, atribuindo-lhe um traço semântico que não possui. Exemplo: cachorro ® vaca; fralda ® cueca;

(5) Desvio semântico por proximidade morfológica: utilização de um vocábulo criado, mediante processo de derivação ou composição. Exemplo: lanchonete ® lancheria;

(6) Desvio semântico por proximidade fonológica: utilização de palavra que tem fonologia semelhante à palavra esperada. Exemplo: empanado ® empalhado.

(7) Desvio semântico por antônimo (antonísia): utilização de palavra antônima à palavra esperada. Exemplo: frio ® quente;

(8) Designação por dêitico: utilização de um pronome ou advérbio para nomear a figura. Exemplo: trem ® aquilo;

(9) Designação por perífrase: substituição da palavra esperada por frase ou palavras que designam função, ação ou lugar. Exemplo: jacaré ® tem lá no zoológico; avião® de voar.

(10) Designação não verbal: utilização de gestos ou onomatopéias para designar a figura. Exemplo: igreja ® (coloca as mãos justapostas);

As definições dos desvios semânticos foram baseadas em Clark 4, Barrett 6 e Celdrán 7.

Esta pesquisa teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sagrado Coração (parecer nº 35/2001). Todos os sujeitos envolvidos consentiram na realização desta pesquisa e a divulgação de seus resultados conforme resolução 196/96.

Os resultados foram apresentados considerando as medidas de posição e o valor do teste com o respectivo nível descritivo (p-valor). Para cada faixa etária, foi efetuado estudo estatístico, comparando-se as faixas etárias, seguindo as variáveis descritas - teste não paramétrico de Kruskal-Wallis. Foi considerado significativo valor de p<0,05.

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RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta as medidas descritivas de vocábulos esperados, ou seja, o número de vezes que as crianças nomearam as figuras utilizando-se da palavra correspondente no protocolo ou sinônimo. As crianças de cinco e seis anos obtiveram desempenho semelhante e superior às crianças de quatro anos, que por sua vez, obtiveram desempenho superior às de três anos, havendo diferença estatisticamente significante entre as idades, excetuando-se entre cinco e seis anos (3<4<5~6).

A Tabela 2 refere-se ao número de itens não nomeados. As crianças de três apresentaram maior ocorrência de não nomeações em relação às crianças de quatro, que por sua vez obtiveram maior número de ocorrências que as de cinco e seis anos. A ocorrência de não nomeações aumentou conforme diminuiu a idade, não havendo diferença estatisticamente significante apenas entre cinco e seis anos (3>4>5~6).

A Tabela 3 representa o somatório dos desvios apresentados pelas crianças. Mais uma vez não houve diferença estatisticamente significante somente entre as idades de cinco e seis anos, mas vale ressaltar que o número de desvios das crianças de três anos foi superior às de quatro, que por sua vez foi superior às de cinco e seis anos.

Os desvios de maior ocorrência foram os de superextensão e contigüidade, sendo que as crianças menores tiveram um número maior de ocorrência que as maiores nos dois tipos de desvio, havendo diferença estatisticamente significante entre as idades, excetuando-se entre cinco e seis anos para o desvio supertextensão (3>4>5~6). Para o desvio por relação de contigüidade não houve diferença estatisticamente significante entre três e quatro anos e entre cinco e seis anos, mas houve entre três/quatro e cinco/seis (3~4>5~6). Esses achados estão descritos na Tabela 4.

A ocorrência dos desvios de proximidade morfológica, fonológica, antonísia, dêitico, perífrase e designação não verbal foram insignificantes, cujos valores máximos ficaram entre (1) e (2).

DISCUSSÃO

Os 100 vocábulos representados nas cinco figuras temáticas pertencem à categoria de palavras com significado lexical, não só por ser aquela categoria que contém um número maior de palavras, mas por representar uma boa amostra do vocabulário infantil 3-5. Havia uma preocupação se pranchas temáticas, que apresentam vários estímulos numa mesma figura, levariam à dispersão e à falta de interesse das crianças de três anos, entretanto, somente 21 crianças (total=100) nomearam menos que 80 itens, sendo que nenhuma nomeou menos que 53 itens. Houve diferença estatisticamente significativa entre as diferentes idades quanto à utilização dos vocábulos esperados, excetuando-se entre as idades de cinco e seis anos (Tabela 1), mas mesmo entre estas idades, houve maior ocorrência do vocábulo esperado para a idade de seis anos. Em relação à não nomeação (tabela 2), ao contrário, quanto menor a idade, maior a ocorrência de itens que não foram nomeados, dados que confirmam evolução do vocabulário em crianças com desenvolvimento típico de linguagem 4,8.

As crianças em processo normal de desenvolvimento de linguagem podem cometer uma série de desvios em função de não terem ainda bem organizados o conjunto de traços semânticos que diferenciam uma palavra de outra nos diferentes contextos lingüísticos 4. A partir disso, a Tabela 3 apresentou o somatório dos desvios apresentados pelas crianças da amostra, revelando diferença estatisticamente significante entre as idades, excetuando-se entre as idades de cinco e seis anos. Pode-se constatar que determinados desvios semânticos ocorrem na amostra de vocabulário das crianças da amostra, mas diminuem conforme a idade da criança aumenta.

Dentre os desvios semânticos, os de maior ocorrência foram superextensão e contigüidade. Algumas das superextensões observadas foram: jardim ® bosque, melancia ® melão, fralda ® cueca, leão ® tigre , fechar (janela) ® tampar, curto (pescoço) ® baixo, patins ® patinete. Superextensões ocorrem pelo fato de as palavras compartilharem de traços perceptivos ou funcionais 6. São desvios típicos do processo de aquisição lexical, quando a criança na falta de um termo mais apropriado busca outro do mesmo campo semântico que já domina.

O desvio semântico por relação de contigüidade também apresentou um número maior de ocorrência. Os mais freqüentes foram: guarda ® homem; padre ® homem; prédio ® cidade; jardim ® grama; carro ® fusca; calça ® roupa. Esse tipo de desvio ocorre quando se substitui uma palavra por outra, envolvendo relações de sentido como a parte pelo todo, o contingente pelo conteúdo, a matéria pelo objeto, o lugar pela marca, o produto pela marca, o gênero pela espécie, o possuidor pelo possuído, e vice-versa. Esse tipo de substituição gerou dúbias interpretações durante a análise dos dados, já que o termo usado para substituir a nomeação esperada poderia ser parte da figura mostrada e ou uma categoria superior, e dessa forma, poderiam ser interpretados como adequados. Por exemplo, muitas vezes a figura do "padre" foi nomeada como "homem" (uso de uma categoria superior, já que todo padre é homem) e "jardim" como grama (uso da parte pelo todo, já que todo jardim tem grama). O que levou esse tipo de nomeação a ser considerado desvio (lembrando sempre que desvio aqui não tem conotação de alteração) é o fato de as crianças insistirem na nomeação, mesmo o avaliador retomando a pergunta: "sim, é um homem, mas quem é esse homem?". "Sim, é grama, mas a grama está fazendo parte do que?". Quando o vocábulo esperado não era utilizado, concluía-se que o termo mais apropriado não tinha ainda sido adquirido.

Os desvios por proximidade fonológica, morfológica, antonísia, dêiticos, perífrases e designações não verbais apresentaram baixíssima ocorrência. Estabelecendo uma relação entre idade e os diferentes tipos de desvios citados, pode-se observar: a partir dos quatro anos nenhuma criança fez uso de designações não verbais e a partir dos cinco anos nenhuma fez uso de perífrases. Esses dados podem servir como parâmetro para a avaliação de crianças com alterações de linguagem, já que suas dificuldades lexicais frequentemente se manifestam num número grande de substituições de palavras por outras por meio de descrições funcionais, perífrases, dêiticos e ainda, substituições por gestos representativos 12-17.

O desvio semântico por antonísia atingiu essencialmente os adjetivos: frio por quente; curto por comprido, aberto por fechado e vice-versa, ocorrendo em seis crianças (Total=400). Os desvios por proximidade morfológica foram três no total ("lancheria" para lanchonete, "missador" para padre, "guardeiro" para guarda), ocorrendo em sete crianças (Total=400). Esse tipo de desvio mostra a habilidade delas em utilizar processos de derivação ou composição ao criar uma palavra para designar um referente cujo nome específico ainda não se domina, habilidade esta perfeitamente pertinente em crianças em processo de aquisição lexical 4,6,7.

Finalizando, se apresentar marcos evolutivos do desenvolvimento do vocabulário é difícil, em função de uma série de variáveis, mais difícil ainda é criar um procedimento que efetivamente possa dar conta desta evolução. Entretanto, se os fonoaudiólogos tiverem sempre em mente que qualquer procedimento criado não esgotará as diversas possibilidades de uso das palavras que o ser humano é capaz de produzir e entender, mas caracterizará tão somente o desempenho de alguém numa determinada situação lingüística, a elaboração de procedimentos para avaliação do vocabulário não se torna tão utópica.

CONCLUSÃO

Conforme houve o avanço da idade, maior foi o número de ocorrência do vocábulo esperado e quanto menor a idade, maior a ocorrência de itens não nomeados. Em ambas as situações, não havendo diferença estatisticamente significante apenas entre as idades de 5 e 6 anos. O somatório dos desvios semânticos diminuiu na amostra estudada, conforme as crianças avançavam na idade.

Dentre os desvios semânticos, os de maior ocorrência foram superextensão e por relação de contigüidade, mas ainda numa freqüência baixa, considerando o total de nomeações e o total de crianças.

Os desvios por proximidade fonológica, morfológica, antonísia, dêiticos, perífrases e designações não verbais apresentaram ocorrência insignificante. Estabelecendo uma relação entre idade e os diferentes tipos de desvios citados, pode-se observar que a partir dos quatro anos nenhuma criança fez uso de designações não verbais e a partir dos cinco anos nenhuma fez uso de perífrases.

AGRADECIMENTOS

À Fonoaudióloga Juliana de Paula Almeida pela valiosa colaboração na coleta de dados das crianças de três e quatro anos.

Recebido em: 03/10/06

Aceito em: 13/11/06

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      13 Nov 2006
    • Recebido
      03 Out 2006
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