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Educação Matemática & Ciência da Computação na escola: aprender a programar fomenta a aprendizagem de matemática?* * Este artigo faz parte da pesquisa de doutorado intitulada "O desenvolvimento do raciocínio condicional a partir do uso de teste no Squeak Etoys, do primeiro autor".

Mathematics Education and Computer Science in school: does learning to code foster the learning of Mathematics?

Resumo:

Nesse artigo propõe-se uma discussão para compreender como é possível promover a aprendizagem da matemática quando se aprende a programar. O objetivo é propor que a Educação Matemática possa ser um meio alternativo para a inserção da Ciência da Computação na escola básica. O debate decorre de uma pesquisa de doutorado que investigou como ocorre o desenvolvimento do raciocínio condicional em tal contexto de aprendizagem. São realizadas considerações sobre a importância da inserção da Ciência da Computação na escola e do desenvolvimento do Pensamento Computacional, além de apresentar exemplos de como aprender a programar fomenta a aprendizagem de matemática. O presente estudo também indica a relação intrínseca entre a lógica e a matemática.

Palavras-chave:
Educação matemática; Ciência da computação; Ensino e aprendizagem; Ensino básico

Abstract:

This article proposes a debate that comes from the desire to understand how the learning of mathematics can be promoted when you learn to code. This debate has its origin in doctoral research that investigated how conditional reasoning development occurs in such learning contexts. Throughout this article, we shall provide considerations on the importance of the inclusion of Computer Science teaching in schools and of the development of Computational Thinking. In addition to presenting examples of how learning to code can foster the learning of mathematics, the present study also indicates the intrinsic relationship between logic and mathematics. Thus, this article proposes that mathematics education can be an alternative reason for the inclusion of Computer Science in Elementary School, since learning to code can foster the learning of mathematics and vice versa.

Keywords:
Mathematical education; Computational science; Teaching and learning; Basic education

Introdução

Inicia-se essa discussão apresentando dois "movimentos" que, numa breve análise, podem parecer contrastantes. O primeiro pode ser interpretado como de crise, sendo gerado a partir das dificuldades que os profissionais da educação encontram no ensino e na aprendizagem de matemática e que são evidenciados pelos baixos desempenhos dos nossos estudantes em avaliações como o Programme for International Student Assessment (PISA), O Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF) e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), Prova Brasil, etc. Há uma sensação de que a qualidade da educação matemática no Brasil vem diminuindo com o passar dos anos. Já o segundo movimento pode ser caracterizado como de ascensão e expansão de uma nova área de conhecimento: a ciência da computação. Em função desse fato, a ideia de inseri-la no currículo da escola básica como mais uma disciplina tem ganhado força nesses últimos anos, principalmente entre os especialistas da área. Tal movimento não é novo. Desde o final da década de 1960 pesquisadores, professores e comunidades escolares têm se inspirado na filosofia LOGO de Seymour Papert e cada vez mais experiências são realizadas na educação básica.

No entanto há uma interseção entre esses dois movimentos: a necessidade de mais estudos científicos em ambas as áreas. No primeiro, os resultados das avaliações já justificam a necessidade de mais pesquisas sobre metodologias de ensino e aprendizagem de matemática. Nesse sentido, concorda-se com Fiorentini e Lorenzato (2007)FIORENTINI, D.; LORENZATO, S. Investigação em educação matemática: percursos teóricos e metodológicos. Campinas: Autores Associados, 2007. que afirmam que é preciso estudar, pesquisar e investigar a melhoria da aprendizagem dos estudantes e até as ações dos professores que possibilitem tal melhoria. No segundo, Kay (2002)______. The dynabook revisited: a conversation with Alan Kay. [S.l.: s.n.], [2002]. Disponível em: <http://www.squeakland.org/content/articles/attach/dynabook_revisited.pdf >. Acess em: 3 abr. 2017.
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diz que é difícil compreender o que as crianças fazem com o computador e o que se pode fazer para ajudá-las. Pois nem sempre é claro entender o que elas precisam em determinada idade ou se um problema diz respeito à interface ou a capacidade de processamento da máquina. Dessa maneira, também se justifica desenvolver mais pesquisas nessa área.

Nessa conjuntura, questionou-se: aprender a programar fomenta a aprendizagem de matemática? A partir disso foi desenvolvida uma tese de doutorado (MORAIS, 2016MORAIS, A. D. O desenvolvimento do raciocínio condicional a partir do uso de teste no Squeak Etoys. 2016. Tese (Doutorado em Informática na Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.) que buscou investigar como ocorre o desenvolvimento do raciocínio condicional quando se aprende a programar. Nela constatou-se que sim, aprender a programar fomenta a aprendizagem de matemática e, além disso, indicou a íntima relação entre a Ciência da Computação e a Educação Matemática. Dessa maneira, o objetivo desse artigo é propor que a Educação Matemática possa ser um meio alternativo para a inserção da Ciência da Computação na escola básica, pois aprender a programar fomenta a aprendizagem de matemática e vice-versa.

Para abordar tal questão, esse trabalho está organizado da seguinte forma: (1) discute as relações entre Cultura em Rede e o Digital na escola com a intenção de contextualizar a importância do se aprender a programar; (2) define e expõe que o chamado Pensamento Computacional pode ser uma contribuição significativa para a educação e resultante da inserção da Ciência da Computação na escola básica; (3) apresenta diferentes possibilidades de aprender/ensinar matemática quando se faz uso de linguagens de programação voltadas para crianças, nesse estudo, o Squeak Etoys; (4) tendo como finalidade demonstrar a relação intrínseca entre Ciência da Computação e Matemática, retoma os estudos de Piaget sobre as relações entre lógica e matemática, ademais; (5) propõe que a Educação Matemática pode ser um meio viável para a inserção da Ciência da Computação na escola básica e, por último, nas considerações finais, são apontadas possibilidades de continuidade desse estudo.

A cultura em rede e o digital na escola

Diversas pesquisas (BATTRO; PERCIVAL, 2007BATTRO, A. M.; PERCIVAL, J. D. Hacia una inteligencia digital. Buenos Aires: Academia Nacional de Educación, 2007.; MITRA; RANA, 2001MITRA, S.; RANA, V. Children and the internet: experiments with minimally invasive education in India. The British Journal of Educational Technology, Chichester, v. 32, n. 2, p. 221-232, 2001. Disponível em: <http://www.hole-in-the-wall.com/docs/Paper02.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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; NEGROPONTE, 1995NEGROPONTE, N. A vida digital. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.) asseguram que vivemos numa era digital e que é impossível negar como a humanidade tem se modificado desde o advento dos computadores e da internet. E que há indivíduos, especialmente as crianças, de diferentes culturas e níveis sociais que possuem uma facilidade impressionante para utilizar computadores. Nesse contexto, D'Ambrósio (2011)D'AMBRÓSIO, U. Prefácio In: BAGATINI, F. M. et al. O computador portátil na escola: mudanças e desafios nos processos de ensino e aprendizagem. São Paulo: Avercamp, 2011. p. 6-8. afirma que a educação deve ser reconceituada a partir de dois objetivos maiores: (1) dar oportunidade para que todos desenvolvam seu potencial criativo; (2) preparar as novas gerações para o exercício pleno de cidadania. Ele ainda acrescenta que nenhum desses objetivos pode ser atingido sem a plena inclusão digital.

No entanto, em diferentes estudos, Bona (2010)BONA, A. S. D. Portfólio de matemática: um instrumento de analise do processo de aprendizagem. 2010. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010., Hoffmann e Fagundes (2008)HOFFMANN, D. S.; FAGUNDES, L. C. Cultura digital na escola ou escola na cultura digital? RENOTE: novas tecnologias na educação, Porto Alegre, v. 6, n. 1, p. 1-11, 2008. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/renote/article/download/14599/8501>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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, Morais e Fagundes (2011)MORAIS, A. D.; FAGUNDES, L. C. A inclusão digital da escola ou a inclusão da escola na cultura digital? Diálogo, Canoas, n. 19, p. 97-113, 2011. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.18316/188>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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apresentam uma nuance diferente a essa questão quando defendem a ideia de que há a necessidade de uma inclusão da escola numa cultura digital e não o contrário, compreendendo que a cultura digital é uma sintetização da relação da sociedade com as Novas Tecnologias Digitais (NTD). Sendo assim, tem-se a intenção de discutir sobre o aprender a programar e a aprendizagem de matemática: o foco desse debate está na importância do digital na escola. Ou seja, nas aprendizagens advindas da interação entre sujeito x máquina (as NTD) ao invés daquelas que provêm da interação entre sujeitos mediados por tecnologia. Mas vale ressaltar que compreende-se que tais relações não são excludentes, pelo contrário, são processos concomitantes, visto que a demanda pelo desenvolvimento de NTD aumenta à medida que a interação entre as pessoas é mediada por recursos tecnológicos, portanto ambas são potencializadas.

Nossa sociedade precisa cada vez mais que usuários de tecnologia sejam capazes de desenvolver tecnologias, ou seja, de programar. Consequentemente, há uma grande demanda por profissionais dessa área e uma escassez de programadores no mercado de trabalho. Dessa maneira, nesses últimos cinco anos começaram a surgir uma série de grupos ou clubes de programação no mundo inteiro - tais como Code.org, Programaê (da Fundação Lemann), Code Adademy, Code Club, Community for Learning With Bits (CLWB) (Comunidade para Aprender com Bits), etc - que têm como objetivo disseminar o ensino da Ciência da Computação para crianças.

Mas não é apenas a demanda advinda do mercado de trabalho que mobiliza tais movimentos, avalia-se que o surgimento de novas linguagens de programação voltadas para crianças (e que utilizam recursos multimídias mais avançados) também foram motivadoras. Pode-se citar, como exemplo, o Squeak Etoys e o Scratch. Tais linguagens foram (e são) disseminadas através de programas como One Laptop per Children (OLPC) e, no Brasil, pelo projeto Um Computador por Aluno (UCA). Segundo Papert (1986)PAPERT, S. A. Logo: computadores e educação. São Paulo: Brasiliense, 1986., o surgimento de novas e poderosas linguagens capazes de descrever o pensamento iriam aparecer na medida em que houvessem computadores em abundância. Além disso, esse autor já dizia que essas novas linguagens teriam um importante efeito na forma como descreveríamos nós mesmos e nossa aprendizagem, portanto, usaríamos a programação como uma maneira de expandir a linguagem.

Nesse sentido, quando propôs o primeiro computador com características portáteis em 1968, o Dynabook, Kay (2002)______. The dynabook revisited: a conversation with Alan Kay. [S.l.: s.n.], [2002]. Disponível em: <http://www.squeakland.org/content/articles/attach/dynabook_revisited.pdf >. Acess em: 3 abr. 2017.
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já pensava na "máquina" não só como hardware e software, mas como um meio que poderia comunicar coisas importantes e ideias poderosas. E, nessa perspectiva da linguagem, assim como o livro era uma extensão do meio oral, o computador é uma extensão do meio de impressão. Portanto, se a invenção do livro trouxe novas possibilidades, pois "nem toda ideia pode ser expressa na linguagem falada" (KAY, 2002______. The dynabook revisited: a conversation with Alan Kay. [S.l.: s.n.], [2002]. Disponível em: <http://www.squeakland.org/content/articles/attach/dynabook_revisited.pdf >. Acess em: 3 abr. 2017.
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, p. 5, tradução nossa) o mesmo ocorre na relação entre o livro e o computador. Sendo assim, para o autor, o computador pode ser utilizado como um meio de expressão. "O computador permite capturar ideias importantes, qualquer que seja a forma de sua expressão, e transmiti-los de uma maneira que irá ajudar outras pessoas a entendê-los, e talvez até mesmo adicionar a eles." (KAY, 2002______. The dynabook revisited: a conversation with Alan Kay. [S.l.: s.n.], [2002]. Disponível em: <http://www.squeakland.org/content/articles/attach/dynabook_revisited.pdf >. Acess em: 3 abr. 2017.
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, p. 6, tradução nossa). Assim, Kay (2002)______. The dynabook revisited: a conversation with Alan Kay. [S.l.: s.n.], [2002]. Disponível em: <http://www.squeakland.org/content/articles/attach/dynabook_revisited.pdf >. Acess em: 3 abr. 2017.
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conclui que a relação que um usuário tem com o computador é diferente do seu relacionamento com um livro. Ou pelo menos tem essa possibilidade.

Resnick (2013)RESNICK, M. Learn to code, code to learn. Technology in School, [Burlingame], May 8, 2013. Disponível em: <https://www.edsurge.com/news/2013-05-08-learn-to-code-code-to-learn>. Acesso em: 30 maio 2013.
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também explora a mesma ideia. Para apresentar a discussão sobre o porquê é importante aprender a programar o autor apresenta uma abordagem interessante através dos seguintes questionamentos: é importante que todas as crianças aprendam a escrever? Afinal, por que todos devem aprender a escrever se quando crescem, muito poucos serão jornalistas, novelistas ou escritores profissionais? Segundo ele, da mesma maneira que o ato de escrever envolve novas formas de pensamento, conforme as pessoas escrevem aprendem a organizar e refinar suas ideias, refletindo sobre elas. Portanto, existem poderosas razões para que todos aprendam a escrever. Para o autor "a programação é uma extensão da escrita, saber programar permite "escrever" novos tipos de coisas - contos interativos, jogos, animações e simulações". (RESNICK, 2013RESNICK, M. Learn to code, code to learn. Technology in School, [Burlingame], May 8, 2013. Disponível em: <https://www.edsurge.com/news/2013-05-08-learn-to-code-code-to-learn>. Acesso em: 30 maio 2013.
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, p. 1, tradução nossa).

Para Kay (2002)______. The dynabook revisited: a conversation with Alan Kay. [S.l.: s.n.], [2002]. Disponível em: <http://www.squeakland.org/content/articles/attach/dynabook_revisited.pdf >. Acess em: 3 abr. 2017.
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, a alfabetização não é só sobre a capacidade para ler sinais de trânsito ou receitas médicas, mas significa ser capaz de abordar o mundo das ideias. De acordo com esse autor, na sociedade democrática precisa-se de pessoas que dialoguem com importantes ideias do passado e do presente, isso significa serem capazes de ler, escrever e falar sobre elas. E isso também envolve aprender a programar: tal aprendizagem envolve o desenvolvimento do chamado pensamento computacional.

O pensamento computacional

Antes mesmo que Resnick (2012)______. Point of view: reviving Papert's dream. Educational Technology, Englewood Cliffs, v. 52, n. 4, p. 42-46, 2012. Disponível em: <http://web.media.mit.edu/~mres/papers/educational-technology-2012.pdf >. Acesso em: 30 jul. 2015.
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e Kay (2002)______. The dynabook revisited: a conversation with Alan Kay. [S.l.: s.n.], [2002]. Disponível em: <http://www.squeakland.org/content/articles/attach/dynabook_revisited.pdf >. Acess em: 3 abr. 2017.
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, Papert (1986)PAPERT, S. A. Logo: computadores e educação. São Paulo: Brasiliense, 1986. também já indicava que a presença do computador poderia contribuir para os processos mentais de maneira conceitual, não somente como um instrumento, mas influenciando o pensamento das pessoas mesmo quando estas estivessem fisicamente distantes dele. Segundo ele, sua proposta versa sobre o fim da cultura que faz com que a ciência e a tecnologia sejam hostis à vasta maioria dos seres humanos. Dessa maneira, os computadores tanto podem ser os portadores de inúmeras ideias e de sementes de mudança cultural, como podem ajudar na formação de novas relações com o conhecimento como forma de atravessar as tradicionais barreiras que separam a ciência dos seres humanos e do conhecimento que cada indivíduo tem de si mesmo.

Assim, as crianças podem desenvolver o que Papert (1986)PAPERT, S. A. Logo: computadores e educação. São Paulo: Brasiliense, 1986. chamou de pensamento computacional, que segundo Cuny, Snyder e Wing (apud WING, 2010WING, J. M. Computacional thinking: what and why? [Pittsburgh: Carnegie Mellon University's School of Computer Science], 2010. Disponível em: <http://www.cs.cmu.edu/~CompThink/resources/TheLinkWing.pdf>. Acesso em: 14 maio 2016.
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, p. 1) é a capacidade de promover o processo de formulação de problemas do mundo real e solucioná-los. Sousa e Lencastre (2014, p. 257)SOUSA, R. M.; LENCASTRE, J. A. Scratch:uma opção válida para desenvolver o pensamento computacional e a competência de resolução de problemas. In: CARVALHO, A. A. A. et al. (Org.). Atas do 2º encontro sobre jogos e mobile learning. Braga: CIEd, 2014. p. 256-267. Disponível em: <http://hdl.handle.net/1822/29944>. Acesso em: 4 abr. 2017.
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afirmam que além de desenvolver seus próprios sistemas, desenvolvem:

[...] o pensamento abstrato (utilização de diferentes níveis de abstração para perceber os problemas e, passo a passo, soluciona-los), o pensamento algorítmico (expressão de soluções em diferentes passos de forma a encontrar a forma mais eficaz e eficiente de resolver um problema), o pensamento lógico (formulação e exclusão de hipóteses) e o pensamento dimensionável (decomposição de um grande problema em pequenas partes ou composição de pequenas partes para formular uma solução mais complexa).

Além disso, tais pesquisadores assinalam que essas capacidades podem ser transpostas para qualquer área de conhecimento. Nesse sentido, Resnick (2013)RESNICK, M. Learn to code, code to learn. Technology in School, [Burlingame], May 8, 2013. Disponível em: <https://www.edsurge.com/news/2013-05-08-learn-to-code-code-to-learn>. Acesso em: 30 maio 2013.
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ressalta que nesse processo não só se aprende a programar, mas programa-se para aprender. Compreendem-se conceitos matemáticos e informáticos (tais como variáveis e condicionais) e estratégias de resolução de problemas, design de projetos e comunicação de ideias. Estas habilidades não são úteis apenas para os informatas, mas para todos, sem importar a idade, história pessoal, interesses ou ocupação.

Segundo Papert (1986, p. 13)PAPERT, S. A. Logo: computadores e educação. São Paulo: Brasiliense, 1986., o fato fundamental sobre a aprendizagem é que "qualquer coisa é simples se a pessoa consegue incorporá-la ao seu arsenal de modelos; caso contrário tudo pode ser extremamente difícil". Portanto, o que um indivíduo pode aprender e como ele aprende depende dos modelos disponíveis. Para esse autor, isso impõe, recursivamente, a questão de como ele aprendeu tais modelos. Sua concepção de aprendizagem assume uma compreensão genética (no sentido piagetiano), ou seja, refere-se à gênese do conhecimento.

Segundo Papert (1986)PAPERT, S. A. Logo: computadores e educação. São Paulo: Brasiliense, 1986., a essência do computador é sua universalidade: seu poder de simulação pode assumir, atrair e servir de milhares formas e finalidades diferentes. Então, seus esforços sempre foram voltados para transformar o computador em instrumento flexível o bastante para que muitas crianças possam criar modelos de representação para si. De acordo com Valente (1986)VALENTE, J. A. Prefácio. In: PAPERT, S. A. Logo: computadores e educação. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 7-10., as ideias de Papert colocam o aluno numa posição ativa na construção de seu próprio conhecimento: "Segundo a filosofia Logo, o aprendizado acontece através do processo de uma criança inteligente 'ensinar' o computador burro, ao invés de o computador inteligente ensinar a criança burra". (VALENTE, 1986VALENTE, J. A. Prefácio. In: PAPERT, S. A. Logo: computadores e educação. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 7-10., p. 9, grifo do autor). Com esta proposta, Papert inverteu o atual quadro de uso do computador na escola. O computador deixa de ser o meio para transferir informação e passa a ser a ferramenta com a qual a criança pode formalizar os seus conhecimentos intuitivos. Nessa concepção, o programa (a sequência de ações ao computador) que a criança elabora é o espelho que reflete o seu conhecimento sobre um determinado assunto e o seu estilo de pensamento. Este programa, quando usado como objeto de reflexão, se torna uma poderosa fonte de aprendizagem. Nesse sentido, a justificativa para a inserção da programação na escola vai muito além da formação profissional.

Squeak Etoys e Matemática

Em trabalhos anteriores Morais, Fagundes e Mattos (2013)MORAIS, A. D.; FAGUNDES, L. C.; MATTOS, E. B. V. A matemática do Squeak Etoys e educação matemática: uma perspectiva de projetos de aprendizagem. In: CONTRESSO INTERNACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA, TISE, 18., 2013, Porto Alegre. Memorias... Disponível em: <http://www.tise.cl/volumen9/TISE2013/375-383.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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afirmam que é possível ampliar a ocorrência de projetos de aprendizagem de matemática e ciências quando estes estão ligados à criação de jogos eletrônicos, animações, simulações, etc., por meio de softwares que utilizam linguagens de programação voltadas para crianças. Dessa forma, investe-se em proposta de uso de softwares como o Scratch e o Squeak Etoys com a intenção de promover a aprendizagem de matemática. Na pesquisa de doutorado realizada, o software escolhido foi o Squeak Etoys, pois estava presente nos laptops que foram distribuídos à escolas da rede pública no projeto UCA. Além disso, a aprendizagem da matemática sempre esteve presente na idealização do Squeak Etoys, pois ao conhecer o trabalho de Papert com o LOGO, Kay (2002)______. The dynabook revisited: a conversation with Alan Kay. [S.l.: s.n.], [2002]. Disponível em: <http://www.squeakland.org/content/articles/attach/dynabook_revisited.pdf >. Acess em: 3 abr. 2017.
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ficou impressionado ao constatar que as crianças começavam a entender algumas ideias poderosas da matemática e, assim, aprendiam o seu significado. Na sua avaliação, tal aprendizagem foi possibilitada quando elas começaram a realizar algumas programações simples no LOGO. Desde então, ele buscou desenvolver um computador voltado para crianças, no qual seu grande potencial seria auxiliar na aprendizagem de seus usuários, em especial as crianças.

Ao assumir tal desafio, Kay (2002)______. The dynabook revisited: a conversation with Alan Kay. [S.l.: s.n.], [2002]. Disponível em: <http://www.squeakland.org/content/articles/attach/dynabook_revisited.pdf >. Acess em: 3 abr. 2017.
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procurou identificar qual seria o novo tipo de argumento que seríamos capazes de fazer com o computador. Afinal, como o uso dos computadores poderia mudar a maneira na qual as ideias são apresentadas e testadas? Essa era a questão em que se concentrava. Para o autor, a simulação seria esse novo tipo de argumento, pois "se você quer falar sobre algo realmente complexo, a simulação é a maneira mais eficiente de argumentação do que uma equação matemática" (KAY, 2002______. The dynabook revisited: a conversation with Alan Kay. [S.l.: s.n.], [2002]. Disponível em: <http://www.squeakland.org/content/articles/attach/dynabook_revisited.pdf >. Acess em: 3 abr. 2017.
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, p. 2, tradução nossa). Como exemplo, Kay (2003)KAY, A. Background on how children learn. Glendale: Viewpoints Research Intitute, 2003. (VPRI memo M-2003-002). Disponível em <http://www.vpri.org/pdf/m2003002_how.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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explora o teorema de Pitágoras. Ele argumenta que a maioria das crianças não entende o significado do teorema de Pitágoras quando ele é ensinado a partir da aplicação da sua equação (a2=b2+c2). No entanto, a ideia por trás de tal teorema é facilmente compreendida quando a criança constrói uma simulação/animação da demonstração geométrica do teorema de Pitágoras (figura 1). Tal proposta conflui com o termo Teorema Visual, proposto por Davis (1993, p. 336 apud LEIVAS, 2012LEIVAS, J. C. P. Pitágoras e van Hiele: uma possibilidade de conexão. Ciência & Educação, Bauru, v. 18, n. 3, p. 643-655, 2012. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1516-73132012000300010>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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, p. 645, grifo do autor):

Figura 1
Demonstração do teorema de Pitágoras

Numerosos teoremas (Pitágoras, por exemplo) podem ser assim apresentados para que conclusões sejam óbvias. Platão sabia disso. [...] Alguns filósofos da matemática dizem que o objeto de uma boa parte da pesquisa é encontrar maneiras de apresentar o material que se "vê através" para a conclusão.

Aprofundando a analogia entre livros x computadores, para Kay (2002)______. The dynabook revisited: a conversation with Alan Kay. [S.l.: s.n.], [2002]. Disponível em: <http://www.squeakland.org/content/articles/attach/dynabook_revisited.pdf >. Acess em: 3 abr. 2017.
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a literatura é uma conversa por escrito sobre ideias importantes, portanto as obras Elementos de Euclides e o Principia Mathematica de Newton pertencem à cultura ocidental de grandes livros, tais como o Dialogues de Platão. No entanto, segundo ele, comete-se o equívoco de pensar que as obras de matemática e de física não fazem parte da literatura. Segundo Kay (2002)______. The dynabook revisited: a conversation with Alan Kay. [S.l.: s.n.], [2002]. Disponível em: <http://www.squeakland.org/content/articles/attach/dynabook_revisited.pdf >. Acess em: 3 abr. 2017.
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, tal fato indica uma contradição, já que a sociedade está amplamente construída por tecnologias que vêm da compreensão da matemática e das ciências.

Desde que Allan Kay propôs o Dynabook, muitas tecnologias que tem o propósito de facilitar as interações dinâmicas entre usuário e computador foram desenvolvidas, principalmente no que diz respeito em relação ao hardware. No entanto, para o autor (KAY, 2002______. The dynabook revisited: a conversation with Alan Kay. [S.l.: s.n.], [2002]. Disponível em: <http://www.squeakland.org/content/articles/attach/dynabook_revisited.pdf >. Acess em: 3 abr. 2017.
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), a ideia mais significativa do Dynabook - que está nas construções que as pessoas podem (ou só podem) fazer com o uso do computador - ainda não foram concretizadas, nem entendidas, ou foram distorcidas.

Obviamente, um monte de alta tecnologia foi desenvolvida desde que comecei a falar sobre o Dynabook. Mas o que é realmente mais significativo sobre a ideia do Dynabook está nas construções que as pessoas, especialmente as crianças, podem fazer com ele, e que eles não podem fazer de outra maneira. Por outras palavras, trata-se da relação entre o computador e o usuário. (KAY, 2002______. The dynabook revisited: a conversation with Alan Kay. [S.l.: s.n.], [2002]. Disponível em: <http://www.squeakland.org/content/articles/attach/dynabook_revisited.pdf >. Acess em: 3 abr. 2017.
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, p. 3, tradução nossa).

Alan Kay (2002)______. The dynabook revisited: a conversation with Alan Kay. [S.l.: s.n.], [2002]. Disponível em: <http://www.squeakland.org/content/articles/attach/dynabook_revisited.pdf >. Acess em: 3 abr. 2017.
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ressalta o fato de não se precisar de tecnologia para aprender ciências e matemática. Mas, assim como na música, ela é um instrumento que amplifica as ideias dos estudantes. Porém, o autor alerta que um professor pode criar as melhores condições para cada criança aprender e o computador pode ajudar imensamente. Além disso, os princípios pedagógicos que fundamentam o Etoys confluem para os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: matemática. Brasília, 1998. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/matematica.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2017.
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), indicando, como objetivos gerais do Ensino Fundamental, que os alunos sejam capazes de: (a) utilizar diferentes linguagens - verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal - como meio para produzir, expressar e comunicar ideias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação; (b) saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos; (c) questionar a realidade, formulando problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação.

Nesse momento emerge a necessidade de se refletir sobre quais os tipos de aprendizagem de matemática são possibilitadas pelo uso do Etoys.

Tartarugas no Etoys

Como o Etoys é um software que se inspira na filosofia LOGO, ele mantém todas as possibilidades de desenvolver trabalhos ao estilo da tartaruga. Dessa maneira, pode-se dizer que ele herda todas as atividades de geometria que são próprias do LOGO e que foram desenvolvidas em diversos estudos e pesquisas. Apenas com esse tipo de figuras é possível contemplar um trabalho que aborde os conteúdos de polígonos irregulares, regulares, estrelados, diagonais, ângulos internos e externos, etc.

Introdução à Álgebra

Ainda é possível realizar uma introdução à álgebra através de um trabalho com variáveis. Por exemplo, após os estudantes construírem os polígonos regulares através do Etoys, é possível explorar a criação de algoritmos genéricos: basta introduzir o uso de variáveis como é apresentado na figura 2. Nela, a medida do lado do quadrado é definida através da variável "lado", e o usuário tem o controle de escolher o tamanho do quadrado que o rato irá desenhar.

Figura 2
Construção de um quadrado

Dessa maneira tem-se uma situação em que a ideia de utilizar uma palavra (um símbolo) para representar um número, possui um resultado prático nesse mundo virtual. Como é possível atribuir diferentes valores para o símbolo "lado", tem-se o desenvolvimento da noção de variável, que muitas vezes só é explorado pela primeira vez no início do ensino médio. A partir disso é possível desenvolver cálculos e operações com essas variáveis, elevando, assim, a complexidade da programação. Por exemplo, na figura 3 apresenta-se um construtor de polígonos genéricos, no qual o usuário tem o controle para escolher qual polígono regular ele deseja que o rato desenhe. Basta determinar o número de lados através da variável "lado".

Figura 3
Construtor de um polígono genérico

Note-se que a construção do script "rato pol" exige o desenvolvimento da relação matemática entre o ângulo de giro do rato e número de lados do polígono. Tendo o trabalho com a linguagem LOGO como referência, já foi constatado que esse tipo de atividade propicia a descoberta de tal relação por estudantes a partir de 10 anos. Ou seja, desde cedo, neste contexto, é possível que as crianças comecem a realizar suas primeiras operações com variáveis.

Triângulos e trigonometria

A partir do trabalho realizado com polígonos é comum explorar o desenho de triângulos não equiláteros. Esse tipo de desenho se torna mais complexo que os polígonos regulares, visto que é preciso o conhecimento de trigonometria. Sem ele, os estudantes realizam tal tarefa num exaustivo processo de tentativa e erro. Acredita-se que este é o momento propício para a introdução da trigonometria para alunos das séries finais do ensino fundamental. Para exemplificar essa possibilidade, a figura 5 exibe um construtor de cataventos criado como atividade de exploração em uma das oficinas de Etoys no Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Julga-se que tal atividade é adequada para estudantes das séries finais do ensino fundamental e médio.

Figura 4
Construtor de cataventos
Figura 5
Algoritmos recursivos: árvores fractal

Fractais e algoritmos recursivos

Num nível avançado é possível utilizar algoritmos recursivos no Etoys e, assim, abordar a construção de fractais. Na figura 5 apresenta-se um fractal que procura simular o crescimento de uma planta. Tal fractal foi inspirado no algoritmo desenvolvido por Pitt (s/d) e acessível no site do The EtoysIllinois Project.

Pode-se dizer que até o momento foram apresentadas atividades de que o Etoys herdou do LOGO, agora serão apresentadas propostas que trazem algumas novidades relacionadas as possibilidades produzidas pelo o desenvolvimento do Squeak Etoys.

Matemática dos movimentos

Allen-Conn e Rose (2003)ALLEN-CONN, B. J.; ROSE, K. Powerful ideas in the classroom using squeak to enhance math and science learning. Tradução Cláudio Gilberto Cesar e Susana Seidel. [Glendale: Viewpoints Research Institute, 2003]. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/soft-livre-edu/arquivos/squeak-ideias-poderosas.pdf >. Acesso em: 4 abr. 2017.
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compartilharam projetos desenvolvidos por crianças no Etoys que permitem investigar um número de ideias poderosas de matemática e ciências e que ilustram conceitos chave a partir de uma perspectiva nova. Por exemplo, no Etoys há a possibilidade de se construir carros que se movimentam de forma autônoma e para isso são utilizados sistemas de referências distintos: (a) na figura 6A observa-se que os comandos "avançar de", "girar de" utilizam o próprio objeto como sistema de referência, enquanto que os comandos (b) "carro → x", "carro → y" e "carro → direção" utilizam a tela do computador como referência. A figura 6B mostra como construir um volante virtual para poder governar o carro por meio do comando direção. O Etoys promove a aprendizagem das coordenadas cartesianas e a diferenciação entre giro e direção a partir da atribuição de valores numéricos (tanto positivos quanto negativos) atribuídos aos comandos.

Figura 6 (A, B e C)
Animação de carros

Além disso, é possível construir um carro inteligente, que só se movimenta sobre a pista em cinza. Tal ação é possível através do comando Teste, que realiza o reconhecimento da pista a partir de execução de uma condicional. Sendo assim o carro vermelho da figura 6C andará pela pista, pois através do comando Teste, a parte dianteira do carro (região amarela) reconhece a estrada cinza em que deve andar.

O conceito de velocidade pode ser investigado quando se realiza uma corrida em que dois carros devem competir entre si. Como nesse caso, é fundamental que eles tenham velocidades variáveis e diferentes: explora-se o comando "incrementar por" associado a um número. Dessa forma, o carro pode andar cada vez mais rápido (atribuindo um incremento positivo), ou parando (incremento negativo), ou com velocidade constante (incremento zero), obtendo, assim, a simulação de uma aceleração a partir do incremento (ou decremento) de uma constante. Além disso, pode-se atribuir incrementos aleatórios, oportunizando o entendimento do conceito de aleatoriedade quando se aplica a número. Para exemplificar, as autoras desenvolveram simulações com as crianças para ilustrar os movimentos dos carros, por meio da plotagem de pontos (figura 7A). Segundo elas, tal plotagem é possível através de comandos que utilizam os conceitos de "média", "moda" e "mediana" da estatística. Pode-se observar na figura 7B que um dos projetos servia para plotar o movimento de bolinhas ao invés de carros.

Figura 7 (A e B)
Aceleração e a velocidade no Etoys

Allen-Conn e Rose (2003)ALLEN-CONN, B. J.; ROSE, K. Powerful ideas in the classroom using squeak to enhance math and science learning. Tradução Cláudio Gilberto Cesar e Susana Seidel. [Glendale: Viewpoints Research Institute, 2003]. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/soft-livre-edu/arquivos/squeak-ideias-poderosas.pdf >. Acesso em: 4 abr. 2017.
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promoveram algumas experiências sobre gravidade com as crianças partindo da crença (das crianças) de que uma bola de 5 quilos chega ao chão antes do que uma bola de espuma. Depois de experimentar e filmar uma série de atividades ao ar livre, incluindo a observação da queda de várias bolas, e mesmo medir o tempo das quedas, constataram que algumas crianças entenderam que a sua intuição inicial estava equivocada, enquanto outros mantiveram sua crença inicial. Sendo assim, propuseram realizar simulações computacionais de tal experimento no Etoys.

Na figura 8A vemos a execução do vídeo da experiência filmado pelas crianças. Em seguida (figura 8B), desenharam no Etoys retângulos para medir a distância entre as bolas. Ao medir a largura dos retângulos (figura 8C) perceberam que a variação tinha um incremento em torno de 30 pixels. Logo em seguida, as crianças conseguiram simular sincronicamente o movimento de uma bola virtual, junto com a do vídeo (figura 8D). Segundo as pesquisadoras, as crianças puderam resolver os conflitos de suas intuições com a ajuda de modelos computacionais e simulações criadas por elas mesmas.

Figura 8 (A, B, C e D)
Modelo computacional no Etoys da experiência de gravidade

Allan Kay costuma explorar tal exemplo em suas palestras, para exemplificar que com o uso dos computadores, crianças da escola básica podem compreender raciocínios matemáticos que só são estudados nas disciplinas de cálculo de cursos de graduação. Sendo assim, Allen-Conn e Rose (2003, p. v)ALLEN-CONN, B. J.; ROSE, K. Powerful ideas in the classroom using squeak to enhance math and science learning. Tradução Cláudio Gilberto Cesar e Susana Seidel. [Glendale: Viewpoints Research Institute, 2003]. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/soft-livre-edu/arquivos/squeak-ideias-poderosas.pdf >. Acesso em: 4 abr. 2017.
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afirmam que "Squeak é muito mais que um processador de textos - é um processador de ideias. É uma linguagem, uma ferramenta e um ambiente de criação de meios."

Geometria dinâmica

No Etoys é possível fazer construções com régua e compasso virtual, pois nele está incorporado o software de geometria dinâmica Dr. Geo II. Pode-se aplicar com crianças, desde a escola básica, a pesquisa desenvolvida por Leivas (2012)LEIVAS, J. C. P. Pitágoras e van Hiele: uma possibilidade de conexão. Ciência & Educação, Bauru, v. 18, n. 3, p. 643-655, 2012. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1516-73132012000300010>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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, que utiliza os níveis de van Hiele para compreensão do teorema de Pitágoras. Promovendo, assim, o início do processo dedutivo matemático apoiado em aspectos visuais da representação geométrica. Na figura 9 apresentam-se algumas construções geométricas encontradas no site Ofset.org.

Figura 9
Construções geométricas feitas no Dr. Geo II

A Matemática como objeto ou artifício de aprendizagem no Etoys

Foram apresentadas algumas atividades que possibilitam a aprendizagem de matemática no Etoys. Ao refletir sobre elas, pensa-se que tais atividades contemplam a aprendizagem de conceitos chave do ensino de matemática. Além disso, avalia-se que os estudantes deste nível de ensino podem explorar melhor aquelas atividades que envolvam o sistema de coordenadas cartesianas, bem como o uso da lógica proposicional presente nos algoritmos.

Em tais atividades identificam-se duas maneiras de promover a aprendizagem da matemática pelos estudantes através do uso do Etoys. A primeira maneira seria a partir de atividades que exploram diretamente objetos matemáticos, cujo tema é a própria matemática. Tendo as seguintes atividades como exemplos: desenhar triângulos, polígonos, mosaicos, criar figuras simétricas, medianas no Dr. Geo.

Já a segunda maneira, seria explorar a matemática que se aprende ao se programar no Etoys, no qual o objeto criado pelo estudante não seja necessariamente matemático. Sendo assim, a aprendizagem matemática serve como um artifício para se aprender algo, visto que o objetivo do estudante não seria aprender matemática, mas produzir algo no Etoys e, indiretamente, aprende-se outras coisas tais como matemática, física, biologia e etc. Os projetos desenvolvidos e apresentados por Allen-Conn e Rose (2003)ALLEN-CONN, B. J.; ROSE, K. Powerful ideas in the classroom using squeak to enhance math and science learning. Tradução Cláudio Gilberto Cesar e Susana Seidel. [Glendale: Viewpoints Research Institute, 2003]. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/soft-livre-edu/arquivos/squeak-ideias-poderosas.pdf >. Acesso em: 4 abr. 2017.
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são exemplos deste tipo de aprendizagem de matemática, assim como aqueles no estudo de Morais, Fagundes e Mattos (2013)MORAIS, A. D.; FAGUNDES, L. C.; MATTOS, E. B. V. A matemática do Squeak Etoys e educação matemática: uma perspectiva de projetos de aprendizagem. In: CONTRESSO INTERNACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA, TISE, 18., 2013, Porto Alegre. Memorias... Disponível em: <http://www.tise.cl/volumen9/TISE2013/375-383.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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.

O Desenvolvimento do Raciocínio Lógico a partir do uso do Etoys

Como já foi apresentado em estudos anteriores (MORAIS; FAGUNDES; BASSO, 2013aMORAIS, A. D.; FAGUNDES, L. C.; MATTOS, E. B. V. A matemática do Squeak Etoys e educação matemática: uma perspectiva de projetos de aprendizagem. In: CONTRESSO INTERNACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA, TISE, 18., 2013, Porto Alegre. Memorias... Disponível em: <http://www.tise.cl/volumen9/TISE2013/375-383.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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, 2013b)MORAIS, A. D. . Squeak Etoys & lógica: refletindo sobre o uso do comando teste em sala de aula. In: CONTRESSO INTERNACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA, TISE, 18., 2013, Porto Alegre. Memorias... [Porto Alegre]: TISE, 2013b. Disponível em: <http://www.tise.cl/volumen9/TISE2013/542-545.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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a necessidade de investigar a aprendizagem das operações lógicas emergiu dos projetos de programação desenvolvidos no Squeak Etoys numa experiência piloto com estudantes da 8ª série do Ensino Fundamental. Sendo assim a aprendizagem da lógica no Squeak Etoys ocorre não como objeto, mas como um artifício de aprendizagem.

Ao refletir sobre o ensino/aprendizagem da lógica na educação básica, avalia-se que tem sido contemplada nos currículos de matemática ou em livros didáticos de forma pontual. Porque tal fato ocorre? Será que os educadores matemáticos não se consideram responsáveis pela aprendizagem da lógica? ou, talvez, pensam que ensinar lógica não seria fazer educação matemática? Ou, ainda, seria uma consequência do fracasso do movimento da matemática moderna?

Independentemente das razões que induzem a tal fato, sabe-se que tal conhecimento é fundamental para o desenvolvimento da própria matemática demonstrativa, das ciências, da informática entre outras, portanto é relevante. Além disso, avalia-se que tal situação possa ser modificada quando a escola está incluída na cultura digital e, nesse contexto, imbuída da importância de que seus estudantes saibam como produzir tecnologia e não serem apenas consumidores. Quando isso ocorre o ensino/aprendizagem da lógica ganha significado e torna-se relevante e necessário para o estudante, pois - em função de sua onipresença no ato de programar - serve de base para que eles consigam compreender e produzir tecnologia. Dessa maneira, julgou-se relevante resgatar como a aprendizagem da lógica está relacionada com a matemática e pensa-se que os estudos de Piaget podem contribuir nesse sentido.

A relação entre lógica e matemática para Piaget

De acordo com Piaget (1972)PIAGET, J. Comentários sobre educação matemática. Tradução Eduardo Britto Velho de Mattos. In: HOWSON, A. G. (Ed.). Developments in mathematical education: proceedings of the 2nd International Congress on Mathematical Education, Exeter, August 29th September 2nd, 1972 . London : Cambridge University Press, 1973. p. 79-87. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/psicoeduc/piaget/educacao-matematica/>. Acesso em: 4 abr. 2017.
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, a orientação dada à educação matemática depende do modelo epistemológico do professor, ou seja, ela deriva da interpretação adotada em relação ao desenvolvimento psicológico ou da aquisição das operações e das estruturas lógico-matemáticas. Segundo esse autor os professores precisam melhorar seus conhecimentos em psicologia, pois ao desconhecerem algumas de suas descobertas a respeito do desenvolvimento cognitivo das crianças, tendem a dar ênfase em coisas complicadas ao invés de ajudar no desenvolvimento dos mesmos e facilitar a realização de vocações criativas nos alunos, ao invés de considerá-los simplesmente como instrumentos de recepção.

Para assinalar uma indicação a respeito do caminho que os professores poderiam seguir, Piaget (1972, p. 1)PIAGET, J. Comentários sobre educação matemática. Tradução Eduardo Britto Velho de Mattos. In: HOWSON, A. G. (Ed.). Developments in mathematical education: proceedings of the 2nd International Congress on Mathematical Education, Exeter, August 29th September 2nd, 1972 . London : Cambridge University Press, 1973. p. 79-87. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/psicoeduc/piaget/educacao-matematica/>. Acesso em: 4 abr. 2017.
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realiza a seguinte afirmação:

Nós acreditamos, ao contrário, que existe, como uma função do desenvolvimento global da inteligência, uma espontânea e gradual construção das estruturas lógico-matemáticas elementares e que essas estruturas 'naturais' ('naturais' no mesmo sentido em que falamos dos números 'naturais') são muito mais próximas das que estão sendo utilizadas na matemática 'moderna' do que as que são utilizadas na matemática tradicional.

Porém ele diz que é preciso revisar a relação entre linguagem e ação. Para esse autor a lógica não surge da linguagem, mas de uma fonte mais profunda e que pode ser encontrada na coordenação das ações. O autor comenta que as ações são suscetíveis à repetições e depois a generalizações, antes mesmo do surgimento da linguagem, formando assim esquemas de assimilação. Tais esquemas se auto-organizam de acordo com certas leis e parece impossível negar a relação entre eles e as leis da lógica.

Dois esquemas podem ser coordenados ou dissociados (reunião), um pode ser parcialmente incluído no outro (inclusão), ou somente ter uma parte em comum com o outro (intersecção); as partes de um esquema ou a coordenação de dois ou mais esquemas podem permitir uma ordem invariante de sucessões, ou certas permutações (tipos de ordem), assim como correspondência um-a-um, um-a-muitos ou muitos-a-um (bijeção, etc.). (PIAGET, 1972PIAGET, J. Comentários sobre educação matemática. Tradução Eduardo Britto Velho de Mattos. In: HOWSON, A. G. (Ed.). Developments in mathematical education: proceedings of the 2nd International Congress on Mathematical Education, Exeter, August 29th September 2nd, 1972 . London : Cambridge University Press, 1973. p. 79-87. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/psicoeduc/piaget/educacao-matematica/>. Acesso em: 4 abr. 2017.
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, p. 2).

Dito de outra maneira, a lógica operatória como se conhece é assim em função da lógica da ação dos sujeitos, visto que ela comanda a construção de certas identidades e que vão além da percepção de certas estruturas. Dessa maneira um dos equívocos da educação matemática é negligenciar o papel das ações e sempre retornar ao nível da linguagem. Para Piaget (1972)PIAGET, J. Comentários sobre educação matemática. Tradução Eduardo Britto Velho de Mattos. In: HOWSON, A. G. (Ed.). Developments in mathematical education: proceedings of the 2nd International Congress on Mathematical Education, Exeter, August 29th September 2nd, 1972 . London : Cambridge University Press, 1973. p. 79-87. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/psicoeduc/piaget/educacao-matematica/>. Acesso em: 4 abr. 2017.
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atividades com objetos são indispensáveis para a compreensão da matemática.

Dessa interação entre o sujeito e o objeto decorrem dois tipos de experiências: a experiência física que a partir da sua ação o sujeito descobre as propriedades da realidade externa tais como a cor, a forma ou ainda comparações entre pesos, densidades etc. Há ainda a experiência lógico-matemática que consiste em relações criadas por cada indivíduo, tais como as relações de comparação (A=B, A>B ou A<B) ou relações de pertinência. Tais propriedades são extrínsecas aos objetos e são retiradas da coordenação das ações executadas pelos sujeitos.

Segundo Piaget (1972, p. 2)PIAGET, J. Comentários sobre educação matemática. Tradução Eduardo Britto Velho de Mattos. In: HOWSON, A. G. (Ed.). Developments in mathematical education: proceedings of the 2nd International Congress on Mathematical Education, Exeter, August 29th September 2nd, 1972 . London : Cambridge University Press, 1973. p. 79-87. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/psicoeduc/piaget/educacao-matematica/>. Acesso em: 4 abr. 2017.
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o desenvolvimento do pensamento dedutivo depende desse segundo tipo de experiência por duas razões.

A primeira é que as operações mentais ou intelectuais, que participam dos processos de raciocínio dedutivo subsequentes, originam-se das ações. São ações interiorizadas e, uma vez que tenham sido interiorizadas e coordenadas, será o suficiente. Então experiências lógico-matemáticas na forma de ações materiais não serão mais necessárias e a dedução interiorizada será suficiente. A segunda razão é que as coordenações das ações e a experiência lógico-matemática, enquanto se interiorizam, proporcionam a criação de uma variedade particular de abstração que corresponde precisamente à abstração lógica e matemática.

Segundo Piaget (1972)PIAGET, J. Comentários sobre educação matemática. Tradução Eduardo Britto Velho de Mattos. In: HOWSON, A. G. (Ed.). Developments in mathematical education: proceedings of the 2nd International Congress on Mathematical Education, Exeter, August 29th September 2nd, 1972 . London : Cambridge University Press, 1973. p. 79-87. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/psicoeduc/piaget/educacao-matematica/>. Acesso em: 4 abr. 2017.
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pode-se observar o desenvolvimento espontâneo de operações dedutivas com suas características de conservação, reversibilidade, etc. Elas permitem a elaboração da lógica elementar de classes e relações. No entanto a criança não pode raciocinar a partir de puras hipóteses, expressadas verbalmente e, para atingir dedução coerente, ela precisa aplicar seu raciocínio em objetos manipuláveis (no mundo real ou na sua imaginação). Por essas razões, tal nível Piaget chama de 'operações concretas', diferenciando-as das operações formais. Estas operações concretas são intermediárias entre as ações do estágio pré-operatório e do estágio de pensamento abstrato, que ocorre mais tarde.

Sendo assim Piaget (1972)PIAGET, J. Comentários sobre educação matemática. Tradução Eduardo Britto Velho de Mattos. In: HOWSON, A. G. (Ed.). Developments in mathematical education: proceedings of the 2nd International Congress on Mathematical Education, Exeter, August 29th September 2nd, 1972 . London : Cambridge University Press, 1973. p. 79-87. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/psicoeduc/piaget/educacao-matematica/>. Acesso em: 4 abr. 2017.
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afirma que as noções essenciais que caracterizam a matemática moderna são mais próximas das estruturas de pensamento "natural" do que os conceitos usados na matemática tradicional.

A educação matemática como meio para introduzir a ciência da computação

Dessa forma, aprender linguagens de programação visual como Scratch, Etoys, etc. são importantes para o desenvolvimento dos estudantes, pois potencializam o que Piaget (1972)PIAGET, J. Comentários sobre educação matemática. Tradução Eduardo Britto Velho de Mattos. In: HOWSON, A. G. (Ed.). Developments in mathematical education: proceedings of the 2nd International Congress on Mathematical Education, Exeter, August 29th September 2nd, 1972 . London : Cambridge University Press, 1973. p. 79-87. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/psicoeduc/piaget/educacao-matematica/>. Acesso em: 4 abr. 2017.
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chamava de experiências físicas e lógico-matemáticas: sendo as primeiras, enquanto os estudantes criam os seus projetos (sejam animações ou simulações) e as segundas, à medida que os algoritmos envolvidos são produzidos. Exemplos desse fato foram analisados e relatados em estudos tais como os de Morais, Fagundes e Basso. (2013aMORAIS, A. D.; FAGUNDES, L. C.; MATTOS, E. B. V. A matemática do Squeak Etoys e educação matemática: uma perspectiva de projetos de aprendizagem. In: CONTRESSO INTERNACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA, TISE, 18., 2013, Porto Alegre. Memorias... Disponível em: <http://www.tise.cl/volumen9/TISE2013/375-383.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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, 2013b)MORAIS, A. D. . Squeak Etoys & lógica: refletindo sobre o uso do comando teste em sala de aula. In: CONTRESSO INTERNACIONAL DE INFORMÁTICA EDUCATIVA, TISE, 18., 2013, Porto Alegre. Memorias... [Porto Alegre]: TISE, 2013b. Disponível em: <http://www.tise.cl/volumen9/TISE2013/542-545.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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.

Segundo Fioreze et al. (2013, p. 268)FIOREZE, L. A. et al. Análise da construção dos conceitos de proporcionalidade com a utilização do software geoplano virtual. Ciência & Educação, Bauru, v. 19, n. 2, p. 267-278, 2013. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1516-73132013000200003>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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: "O uso dos recursos digitais para a aprendizagem dos conceitos de Matemática abre um leque de possibilidades para o planejamento das atividades do professor". Logo, é fundamental que o professor de matemática vislumbre a possibilidade de promover a aprendizagem de matemática aos seus estudantes quando lhes ensina a programar. E que isso ocorra seja qual for o conteúdo do projeto. Não se tem dúvidas que os professores percebam tal fato quando o projeto envolve unicamente conceitos de matemática, mas o que é relevante que ele tome consciência de que ela também é potencializada mesmo quando o conteúdo não é matemático - seja de alguma área científica ou não, para fim acadêmico ou não - porque desenvolve o raciocínio dedutivo dos estudantes.

Não faz parte do objetivo desse artigo afirmar que o desenvolvimento da lógica ou do raciocínio dedutivo seja responsabilidade exclusiva do professor de matemática, afinal esse deve ser um dos compromissos gerais da educação e, portanto, de todas as áreas do conhecimento. Porém, diante do crescente desejo de inserir a ciência da computação na escola básica, pensa-se que o educador matemático pode ser o profissional responsável por tal introdução, pois, afinal a aprendizagem da matemática e da lógica (pela criança) estão intrinsecamente relacionadas desde sua gênese.

Além disso, pode-se observar a proximidade entre matemática e ciência da computação de diversas maneiras. Em sua tese Dalla Vecchia (2012)DALLA VECCHIA, R. A modelagem matemática e a realidade do mundo cibernético. 2012. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2012. investiga a Modelagem Matemática em ambientes produzidos com as Tecnologias Digitais. Nela, o autor analisa através da lógica proposicional os algoritmos de programação criados para fazer objetos se movimentar na tela: um utilizando coordenadas cartesianas e outro, polares. Segundo Dalla Vecchia (2012)DALLA VECCHIA, R. A modelagem matemática e a realidade do mundo cibernético. 2012. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2012., tal fato indica que a linguagem está associada a conceitos matemáticos, portanto a linguagem de programação Scratch possui uma base notadamente matemática.

Outro exemplo é quando analisamos as atividades propostas, por exemplo, no site SC Unplugged - que apresenta uma série de jogos e Puzzles para ensinar ciência da computação à crianças. Números binários, grafos, o conceito de aleatoriedade e a representação de figuras através de pixels (como pontos no plano) são conteúdos de matemática. Afinal, reconhecer padrões e desenvolver métodos de representação e generalização são ações fundamentais do fazer e aprender matemática. Não é a toa que ao propor o desenvolvimento do pensamento computacional, Papert (2008)PAPERT, S. A. . A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008. inspirou-se nos cinco passos de resolução de problemas definidos por Polya.

Considerações finais

As questões apresentadas nesse artigo decorrem de uma pesquisa de doutorado que partiu do desejo de compreender como se pode promover a aprendizagem da matemática quando se aprende a programar. Nela foi realizada uma revisão de literatura para encontrar estudos que abordassem a aprendizagem da lógica quando se aprende a programar no Squeak Etoys (ou Scratch) numa perspectiva genético-piagetiana. Porém não foram encontrados estudos que investigassem tal intersecção, indicando um campo de pesquisa em aberto e importante para a compreensão desse tipo de aprendizagem. Embora, a referida pesquisa de doutorado tenha investigado como ocorre o desenvolvimento do raciocínio condicional quando as crianças aprendem a programar, o assunto não foi esgotado, visto que há uma série de operações lógicas e de conceitos da área da ciência da computação que podem ser investigados.

Além disso, tem-se convicção de que é preciso formar estudantes que sejam capazes de produzir (ou compreender como se produz) tecnologia para a escola estar incluída numa cultura digital, mas o educador matemático precisa estar consciente que isso também implica aprender matemática. Portanto há uma oportunidade de abordar os conceitos de matemática de novas formas, no qual o conteúdo será contextualizado e significativo para as crianças. Assim, faz-se necessário o desenvolvimento de novas experiências em sala de aula, de metodologias de ensino de matemática para que mais educadores se aventurem a ensinar matemática partir da programação.

  • *
    Este artigo faz parte da pesquisa de doutorado intitulada "O desenvolvimento do raciocínio condicional a partir do uso de teste no Squeak Etoys, do primeiro autor".

Referências

  • ALLEN-CONN, B. J.; ROSE, K. Powerful ideas in the classroom using squeak to enhance math and science learning Tradução Cláudio Gilberto Cesar e Susana Seidel. [Glendale: Viewpoints Research Institute, 2003]. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/soft-livre-edu/arquivos/squeak-ideias-poderosas.pdf >. Acesso em: 4 abr. 2017.
    » https://www.ufrgs.br/soft-livre-edu/arquivos/squeak-ideias-poderosas.pdf
  • BATTRO, A. M.; PERCIVAL, J. D. Hacia una inteligencia digital Buenos Aires: Academia Nacional de Educación, 2007.
  • BONA, A. S. D. Portfólio de matemática: um instrumento de analise do processo de aprendizagem. 2010. Dissertação (Mestrado em Ensino de Matemática) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2016
  • Aceito
    08 Set 2016
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