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A sociedade mundial desde a periferia: a sociologia da exclusão de Marcelo Neves

World society seen from its periphery: Marcelo Neves’ sociology of exclusion

Resumo

O artigo apresenta uma interpretação da obra do sociólogo e constitucionalista Marcelo Neves como uma contribuição a uma reflexão sobre o processo de construção do Estado brasileiro desde uma perspectiva pós-colonial, não eurocêntrica. Para isso, apresentamos seu diálogo com a tradição sociológica brasileira representada no “paradigma da formação”. Argumentamos que Neves se afasta do nacionalismo metodológico dessa tradição, com críticas a seus pressupostos e funções ideológicas, mas aproveita algumas das observações sociológicas sobre as periferias descritas por essas teorias – como a infiltração de interesses privados sobre o público e a reprodução de relações sociais profundamente desiguais. Para Neves, a exclusão social surge como peça fundamental a estruturar uma ordem social estável e fundada em formas precárias de cidadania.

Palavras-chave
modernidade periférica; exclusão social; pensamento social brasileiro; sociedade mundial

Abstract

This paper presents the work of Brazilian sociologist and constitutional author Marcelo Neves, interpreting his theoretical contribution as a non-Eurocentric postcolonial approach to the process of nation-building. It portrays how Neves engages with a long-standing tradition of Brazilian social thought. We argue that Neves stands against the epistemological nationalism of such tradition and is critical of its presuppositions and ideological functions. Nevertheless, he draws on insights from these theories about the peripheries of world society – such as the infiltration of private interests into public ones, and the reproduction of inequality. For Neves, social exclusion constitutes a building block in structuring a stable social order established on precarious forms of citizenship.

Keywords
peripheral modernity; social exclusion; Brazilian social thought; world society

Introdução1 1 Agradecemos à/ao revisor/a deste artigo pela atenção dedicada ao nosso trabalho e pelos cuidadosos comentários compartilhados, no rico exercício do diálogo acadêmico. O trabalho do/a revisor/a foi fundamental para a melhoria do manuscrito. Sem ele, o artigo não teria chegado à sua versão atual.

A observação do Brasil pelo mainstream das ciências sociais brasileiras ao longo do século XX foi marcada por um traço distintivo. Sua reflexão, não obstante ser proveniente de diferentes disciplinas e distintos paradigmas, foi dominada pela preocupação em explicar o “problema da formação nacional” – de acordo com o qual Brasil parece ter sido visto quase sempre como uma nação em construção, a ser realizada à medida em que se constituía como “sociedade autônoma” (Ricupero, 200847 RICUPERO, Bernardo. Da formação à forma. Ainda “as ideias fora do lugar”. Lua Nova, v. 73, p. 59-69, 2008.). A depender da esfera da vida social observada, esse processo era descrito como algo em curso ou, em alguns casos-limite, como já realizado.

Assim, se já haveria uma literatura nacional consolidada desde o fim do século XIX, a economia ou a política seriam ainda esferas em vias de estruturação, a esperar a emergência de um mercado interno e um Estado a se constituírem como conglomerados autônomos na economia política mundial. Essa forma de observação foi identificada por Paulo Arantes (1997)1ARANTES, Paulo Eduardo. Providências de um crítico literário na periferia do capitalismo. In: ARANTES, O. B. F.; ARANTES, P. E. (org.). Sentido da formação: três estudos sobre a Antônio Candido, Gilda de Mello e Souza e Lúcio Costa. São Paulo: Paz e Terra, 1997. p. 11-66., referindo-se em particular à obra de Antônio Cândido, como o “problema da formação”, termo que foi, mais recentemente, retomado por Marcos Nobre (2012)43 NOBRE, Marcos. Depois da “formação”: cultura e política da nova modernização. Piauí, n. 74, São Paulo, 2012., que o passou a designar como “paradigma da formação”. Um dos problemas com esse paradigma é que sempre faria referência – mais ou menos explícita – a um modelo de desenvolvimento civilizacional cujos exemplos paradigmáticos seriam as “nações centrais”. O Brasil, por sua vez, como um país pós-colonial subdesenvolvido, seria marcado por um “atraso” em relação às “nações civilizadas”, por um déficit de modernização que deveria ser superado, novamente, por um programa de “formação” nacional.

Assim, a associação entre nacionalismo metodológico e teoria da modernização fez com que o centro das preocupações da nossa ciência social fosse, por bons instantes e ainda siga sendo, em determinados momentos, o “atraso nacional”. Sua tarefa fundamental deveria ser a compreensão das razões pelas quais instituições políticas, jurídicas, econômicas e culturais nacionais apresentariam características que pareciam marcá-las com uma certa “precariedade”, “falta” ou “imperfeição”.

Essa tradição teórica, dominante no desenvolvimento de nossas ciências sociais universitárias desde o fim do século XIX até meados da década de 1970, foi desde então objeto de uma profunda crítica, a partir de diferentes vias. Por um lado, as premissas de tal paradigma foram desafiadas pelas consequências do processo de globalização, que já se tornavam nítidas com o colapso do sistema de Bretton Woods, e que fizeram cada vez menos plausíveis descrições centradas no desenvolvimento de “sociedades nacionais”. Esse processo, que encontrou representação teórica inicialmente na teoria da dependência e desembocou em uma série de trabalhos como os de Marcelo Neves em fins dos 1980 e começo dos 1990, foi ainda mais reforçado pela crescente crítica às teorias da modernização, já presente nos anos noventa, mas que se tornou hegemônica na segunda década dos 2000 (Costa, 20066 COSTA, Sérgio. Desprovincializando a Sociologia: a contribuição pós-colonial. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n. 60, p. 117-134, 2006. https://doi.org/10.1590/S0102-69092006000100007
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). Por outro lado, o paradigma da formação foi associado à ideia de uma “sociologia do desgosto” (Lynch, 201130 LYNCH, Christian Edward C. Saquaremas & Luzias: a sociologia do desgosto com o Brasil. Insight Inteligência, n. 55, p. 21-37, 2011., 36-37) ou a uma “sociologia da singularidade” (Tavolaro, 200553 TAVOLARO, Sergio B. F. Existe uma modernidade brasileira? Reflexões em torno de um dilema sociológico brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 20, n. 59, p. 5-22, 2005., e, revisitando sua posição original, 2014). A tradição “formativa” era acusada de padecer de certo desgosto patológico por tudo que fosse brasileiro, em oposição àquilo que é proveniente dos países ricos do norte global. No senso comum cultural, isso costumou ser associado pejorativamente à expressão “complexo de vira-latas”, originalmente cunhada por Nelson Rodrigues. Com a crescente visibilidade do paradigma crítico pós-colonial, essa associação deixou de ser apenas uma acusação inconsequente, para ser vista como o indicador de um problema epistemológico associado à hegemonia ideológica eurocêntrica (Mignolo; Tlostanova, 200632 MIGNOLO, Walter D.; TLOSTANOVA, Madina V. Theorizing from the borders: Shifting to geo- and body-politics of knowledge. Journal of Asian and African Studies, v. 41, n. 3, p. 205-221, 2006.), uma leitura que se tornou disseminada também no Brasil.

Também a leitura com perspectiva de gênero e raça do paradigma da “formação nacional” evidenciou os pressupostos racistas e funções ideológicas de alguns de seus principais pilares, como a ideia da “democracia racial” e o papel atribuído às mulheres negras nas suas teorias e sua literatura (Gonzalez, 198416 GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, n. 2, p. 223-243, 1984.). O movimento negro e, em especial, o movimento de mulheres negras, cujo desenvolvimento no país esteve intimamente relacionado com dinâmicas transnacionais como a descolonização da África e o panafricanismo, o movimento por direitos civis nos Estados Unidos, a resistência ao apartheid na África do Sul e os processos para a adoção da Convenção da ONU para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e para a Conferência de Durban, foram eficientes e precisos em identificar as contradições do cânone brasilianista e antecipar muitos dos insights sobre a diferença modernidade/colonialidade e interseccionalidade, explicitadas a partir de conceitos como Amefricanidade, América Ladina e Pretuguês e presentes nos discursos e horizontes políticos desses movimentos. De acordo com Pereira (2019, p. 215)44 PEREIRA, Ana Claudia J. Intelectuais negras brasileiras: horizontes políticos. Belo Horizonte: Letramento, 2019., para o movimento de mulheres negras “a diáspora emerge como um recurso disruptivo dos discursos hegemônicos no Brasil como nação miscigenada, reclamando a primazia de laços transnacionais e vinculação a passados e futuros que inscrevem temporalidades próprias”. Como se vê, são muitas as portas de entrada para uma crítica ao eurocentrismo das interpretações hegemônicas do Brasil.

A porta escolhida por Marcelo Neves foi a constituição e o constitucionalismo, pois, na tentativa de explorar a história constitucional brasileira, ele se envolveu diretamente nesse debate (Neves, 199242 NEVES, Marcelo. Verfassung und Positivität des Rechts in der peripheren Moderne: Eine theoretische Betrachtung und eine Interpretation des Falls Brasilien. Berlim: Duncker & Humblot, 1992., 1994a39 NEVES, Marcelo. A crise do Estado: da modernidade central à modernidade periférica. Revista de Direito Administrativo, v. 3, p. 64-78, 1994a., 2013). Em grande medida criticando o próprio “paradigma da formação”, Neves se engajou na sua desconstrução criativa, recorrendo a diferentes tradições teóricas, nacionais e transnacionais, para propor uma análise sociológica do processo de formação constitucional brasileiro. Sua originalidade consiste em que ele fez uso de uma teoria que parte de um conceito de sociedade radicalmente cosmopolita para tematizar, ainda na linha da tradição sociológica brasileira, problemas que estavam no centro das preocupações sociológicas e políticas nacionais no curso da tradição do paradigma da formação.

A seguir, desenvolvemos o argumento de que a teoria da constitucionalização de Neves, que faz uso dos conceitos de modernidade periférica, subcidadania e sobrecidadania, oferece uma perspectiva cosmopolita (e em diálogo com a perspectiva pós-colonial) para a descrição da sociedade moderna, que supera alguns dos elementos de provincianismo da teoria dos sistemas de Luhmann. Ao mesmo tempo, propomos que a sua empresa teórica só é possível porque ele dá continuidade crítica e atualizada à tradição do paradigma da formação, rompendo com ele sem, todavia, desprezar algumas de suas intuições: sobretudo aquelas que apontavam para diferenças estruturais entre o Estado brasileiro e os Estados centrais.

Com isso, o nosso objetivo é duplo. Primeiro, pretendemos explicitar o diálogo que Neves trava, a partir de uma reflexão voltada para os processos de constitucionalização, com esses cânones do pensamento social brasileiro associados ao paradigma da formação. Em segundo lugar, visamos contribuir para o debate que tem se formado no ambiente da sociologia brasileira em torno da obra de Marcelo Neves, oferecendo-lhe uma interpretação desde um ponto de vista distinto – e em certa medida oposto – àquelas que atribuem ao constitucionalista tintas colonialistas.

“O Brasil não existe!”: a sociedade moderna como uma sociedade mundial

O paradigma da formação deu origem a descrições diversas, mas convergentes, em alguns pontos fundamentais, sobre a experiência nacional brasileira. Autores tão distintos quanto Caio Prado Jr. (1961)45 PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo: Colônia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1961. e Raymundo Faoro (1958)10 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre: Globo, 1958., Celso Furtado (2005)13 FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005. e Gilberto Freyre (2003)12 FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2003., Antonio Candido (1975)3 CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira (momentos decisivos). Belo Horizonte: Itatiaia, 1975. e Sérgio Buarque de Holanda (1995)18 HOLANDA, Sérgio B. de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. partiram, embora de maneiras distintas, de uma concepção de sociedade orientada por evidente “nacionalismo metodológico” (Beck, 20062 BECK, Ulrich. Weltrisikogesellschaft, Auf der Suche nach der verlorenen Sicherheit. Frankfurt: Suhrkamp, 2006.).2 2 Uma observação interessante feita por Paulo Arantes (1997) é a de que, à exceção de Raízes do Brasil, todas essas “obras fundadoras” trazem a palavra formação no título ou no subtítulo.

Para eles, a sociedade brasileira seria algo distinto da sociedade estadunidense, francesa, portuguesa ou alemã. À ciência social caberia interpretar os traços particulares dessa sociedade (Tavolaro, 201452 TAVOLARO, Sergio B. F. A tese da singularidade brasileira revisitada: desafios teóricos contemporâneos. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 57, n. 3, p. 633-673, 2014.), assim como seus problemas de desenvolvimento, apontando o que a diferenciaria em relação àquelas. Para diversos desses autores,3 3 É importante apontar que autores que se colocaram dentro de uma tradição menos próxima de interpretações culturalistas evitaram algumas essencializações importantes. Esse é o exemplo de Florestan Fernandes, Furtado e Prado Jr. Embora eles também tenham permanecido em grande medida vinculados ao nacionalismo metodológico de seu tempo, não se deixaram levar totalmente pela essencialização de traços “singularistas”. não faltariam evidências de que o Brasil teria um caráter peculiar, idiossincrático – por que não dizer, “singular”. Tal traço, a depender do ponto de vista, poderia ser atribuído a algum traço cultural, decorrente de um “patrimonialismo ibérico”, ou à “miscigenação”, consequente de um processo violento de escravização, estupro e colonização. Em suma, aquilo que faria do Brasil Brasil seria um dado de sua fundação, uma essência particular que deveria ser buscada – e que, na maior parte das vezes, costumava ser explicada em termos negativos – no sentido de ser uma “falta”, “lacuna” ou “atraso” em relação a algo (Neves, 201335 NEVES, Marcelo. Ideias em outro lugar? Constituição liberal e codificação do direito privado na virada do século XIX para o século XX no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 3010, n. 19, p. 4-27, 2013.). Mesmo nos paradigmas em que essa singularidade é colocada em tons pretensamente “positivos”, a exemplo das visões de Freyre (2003)12 FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2003. em relação à miscigenação como uma potencialidade brasileira, ainda assim enxerga-se a persecução a essa particularidade brasileira, que no autor assume também os contornos da romantização e da relativização da violência subjacente às relações interraciais no Brasil que culmina com o não reconhecimento devido às contribuições das mulheres negras para a formação do país. Lélia Gonzalez (1984)16 GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, n. 2, p. 223-243, 1984., dialogando com a figura da “mãe preta” em Freyre, caracterizou essa “positividade” como não mais do que uma “colher de chá” dada pelo autor às mulheres negras – cujo gosto, ao fim e ao cabo, segue amargo.4 4 Vide trecho de “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, em que Gonzalez dialoga com a figura da “mãe preta” em Freyre, com ironia: “nessa hora a gente é vista como figura boa e vira gente. Mas aí ele começa a discutir sobre a diferença entre escravo (coisa) e negro (gente) prá chegar, de novo, a uma conclusão pessimista sobre ambos. É interessante constatar como, através da figura da ‘mãe-preta’, a verdade surge da equivocação (Lacan, 1979, [apud op. cit.]). Exatamente essa figura para a qual se dá uma colher de chá é quem vai dar a rasteira na raça dominante. É através dela que o ‘obscuro objeto do desejo’ (o filme do Buñuel), em português, acaba se transformando na ‘negra vontade de comer carne’ na boca da moçada branca que fala português” (1984, p. 235).

Outros autores apontam para um déficit de racionalização, que levaria à coexistência de elementos modernizantes com elementos pré-modernos, irracionais (Holanda, 199518 HOLANDA, Sérgio B. de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.). Alguns atribuíam ainda à “sociedade brasileira” uma dificuldade de diferenciação entre o público e o privado (DaMatta, 19977 DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.; Faoro, 195810 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre: Globo, 1958.), o que ensejaria uma dificuldade de as instituições jurídicas se diferenciarem a contento, sobretudo graças a certa cultura familista fundada no poder privado patriarcal e que teria evoluído para o patrimonialismo de Estado (Faoro, 195810 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre: Globo, 1958.). Tudo isso parecia se assentar em uma pessoalidade tradicional das relações sociais, avessa à racionalização fundada em relações formais e impessoais (Holanda, 199518 HOLANDA, Sérgio B. de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., p. 139-152).

Segundo as críticas mais conhecidas, essa tendência de buscar a singularidade da sociedade brasileira como uma busca pela explicação de nosso “atraso” consistiria em um equívoco metodológico baseado em três falsos pressupostos, conforme Tavolaro (2014)52 TAVOLARO, Sergio B. F. A tese da singularidade brasileira revisitada: desafios teóricos contemporâneos. DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 57, n. 3, p. 633-673, 2014., revisitando sua posição inicial:

  1. Ela seria baseada em um nacionalismo metodológico que entenderia a sociedade como resultado de um desenvolvimento quase isolado de certo espírito cultural nacional, ignorando que o processo social dificilmente pode ser entendido a partir das artificiais fronteiras imaginadas pela semântica do nacionalismo.

  2. Ela buscaria produzir explicações fundadas em argumentos que são difíceis de ser generalizados, pois que veriam a realidade social como resultado de características particulares de grupos sociais e não de relações e conceitos teóricos capazes de serem aplicados a qualquer realidade.

  3. Ao buscar o singular e o particular em detrimento do que é generalizável, essas visões teóricas essencializariam aspectos da estrutura social brasileira, vendo como necessidades aquilo que seria resultado de estruturas contingentes – produzidas por e reprodutoras de exclusão – o que Dutra (2016)8 DUTRA, Roberto. Diferenciação funcional e a Sociologia da modernidade brasileira. Política & Sociedade, v. 15, n. 34, p. 77-109, 2016. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15n34p77
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    entende como resultantes da história social da própria modernização.

Em 1991, Neves concluía uma tese de doutorado, publicada logo depois, em que se ocupava diretamente com o debate sobre a formação constitucional brasileira (1992, 2018). Nesse trabalho, realizava um diálogo direto com a tradição do nosso pensamento social proveniente do assim chamado “paradigma da formação”. Por outro lado, recepcionava de forma distinta a diferença já usual desde a década de 1970, proveniente do círculo da CEPAL, entre capitalismo central e periférico, adaptando-a à sua própria perspectiva teórica. Com a distinção entre modernidade central e modernidade periférica, Neves chamava a atenção para a inclusão do Estado brasileiro em uma estrutura social global na qual, muito dificilmente, ele poderia ser compreendido como uma sociedade singular, ao mesmo tempo em que apontava para diferenças estruturais e semânticas entre regiões diversas da mesma sociedade mundial, resultantes de distintos processos sociais. Ou seja, para além da dinâmica econômica e do controvertido conceito de capitalismo global, ele propunha que uma observação sociológica da sociedade, no Brasil, deveria levar em conta a pluralidade da sociedade mundial e as distintas formas que assumiriam as relações entre centro e periferia, e como essas assimetrias atravessavam os diversos sistemas sociais – a economia, mas também a política, a arte, a ciência, a mídia e, entre outros, também o direito.

Neves, dessa forma, não descartava totalmente algumas das lições da tradição que criticava, aquela do “paradigma da formação”. Para ele, haveria ainda uma nítida função teórica e empírica para uma sociologia política do Estado e do direito ocupada com a formação nacional (regional). Isso não implicava, porém, uma opção pelo nacionalismo metodológico, nem uma atualização dos pressupostos e funções ideológicas desse paradigma. Pelo contrário, a observação da modernidade periférica e dos Estados da periferia deveria ser realizada desde um ponto de vista epistemológico radicalmente cosmopolita. Informado pela teoria dos sistemas, Neves reivindica, porém, a necessidade de certa sensibilidade empírica para os processos de convergência e divergência na história de cada Estado e de cada sistema jurídico nacional. Para isso, ele leva em conta que os territórios continuam a ser um elemento fundamental de observação desses dois sistemas na sociedade mundial moderna, sendo possível falar, portanto, em um sistema político-jurídico (constitucional) brasileiro. Em seus próprios termos, “embora a distinção entre centro e periferias tenha fundamentos econômicos, ela pressupõe uma segmentação territorial dos sistemas político e jurídico em Estados” (Neves, 200736 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p. 200). Como é hoje pacífico nos estudos sobre desigualdades, sabe-se inclusive que a determinante explicativa mais relevante para as formas de desigualdades entendidas como “desigualdades globais” é ainda a distinção territorial entre os Estados: a nacionalidade e o passaporte dos indivíduos (Weiß, 2017, p. 23-48, 96-98). Ademais, as desigualdades de renda entre Estados nacionais são mais estáveis historicamente do que a desigualdade de renda interna a diferentes Estados (Therborn, 201154 THERBORN, Göran. Inequalities and Latin America: from the enlightenment to the 21st Century. Berlin: Freie Universität, 2011.), o que sugere uma grande estabilidade nas relações entre os centros e as periferias mundiais, tais como definidos territorialmente pela segmentação do sistema político em Estados.

Neves parte inicialmente da conceitualização de Niklas Luhmann para a sociedade moderna – também sem deixar de trabalhar com essa teoria de modo crítico e desdobrando-a em diferentes direções, conforme explorado abaixo, no tópico 3. Para a teoria dos sistemas, a sociedade moderna só pode ser descrita como uma única sociedade, marcada pela reprodução de lógicas funcionalmente diferenciadas de comunicação, organizadas ao redor de códigos binários que operam de forma reflexiva (Luhmann, 1997b23 LUHMANN, Niklas. Globalization or world society: how to conceive of modern society? International Review of Sociology/Revue Internationale de Sociologie, v. 7, n. 1, p. 67-79, 1997b.). Dessa forma, a “modernização” não é compreendida a partir de diferenças como tradição/racionalidade ou religião/secularização, senão como o resultado da diferença estratificação/diferenciação funcional (Luhmann, 1997a22 LUHMANN, Niklas. Die Gesellschaft der Gesellschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1997a.). Para Luhmann, o que marcaria a sociedade moderna seria o fato de que a vida social se reproduziria primariamente não mais de acordo com hierarquias sociais rígidas (embora hierarquias possam continuar existindo), mas por lógicas funcionais diversas como o direito, a economia, a política, a ciência, a arte (Luhmann, 1997a22 LUHMANN, Niklas. Die Gesellschaft der Gesellschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1997a., p. 743-745). Em outras palavras, o lugar social ocupado por cada indivíduo não mais dependeria primariamente da posição social de seu nascimento ou de um sistema de privilégios, mas das suas relações com os códigos de cada uma dessas lógicas, organizadas como sistemas funcionais (Luhmann 198926 LUHMANN, Niklas. Individuum, Individualität, Individualismus. In: LUHMANN, Niklas (org.). Gesellschaftsstruktur und Semantik: Studien zur Wissenssoziologie der modernen Gesellschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1989. p. 149-258., 1995b). O acesso ao dinheiro, por exemplo, deveria resultar da forma de inclusão ou exclusão no sistema econômico (como comprador ou vendedor, empresário ou trabalhador). Por sua vez, a posição jurídica dependeria da forma como se reproduz o código lícito e ilícito e de como esse indivíduo se comportaria frente a ele etc.

Esse conceito metodologicamente antinacionalista de sociedade é associado, nessa teoria, a uma compreensão radicalmente anti-humanista da socialização. Para Niklas Luhmann, a sociedade não se reproduz por meio da ação dos seres humanos, embora não se negue a ação como um conceito útil para a observação do fenômeno social (Stichweh, 200051 STICHWEH, Rudolf. Systems Theory as an alternative to Action Theory? The rise of communication as a theoretical option. Acta Sociologica, v. 43, n. 5, p. 5-13, 2000.). Nesse contexto, a sociedade consistiria na reprodução de operações comunicativas, uma forma particular de processos em que eventos comunicativos aconteceriam no meio “sentido” de maneira recursiva e potencialmente reflexiva (Luhmann, 2004a19 LUHMANN, Niklas. Einführung in die Systemtheorie. Heidelberg: Carl Auer, 2004a., p. 221-47). Em sua formulação um tanto heterodoxa, os seres humanos estariam, em realidade, “fora da sociedade”, relacionando-se com ela na medida em que seus sistemas psíquicos serviriam para a reprodução da comunicação por meio da linguagem, sem, todavia, serem reduzidos a ela (Luhmann 1995a24 LUHMANN, Niklas. Die Form Person. In: LUHMANN, Niklas (org.). Soziologische Aufklärung 6: Die Soziologie und der Mensch. Wiesbaden: VS Verlag, 1995a. p. 142-154., 2004a, p. 247-256). A interação entre indivíduos, por sua vez, seria apenas um nível da reprodução social, ao lado do qual se podem descrever sistemas mais amplos, tais quais estamentos sociais (classes), organizações (estruturados mediante inclusão ou exclusão como membro) e sistemas funcionais (Luhmann, 1997a22 LUHMANN, Niklas. Die Gesellschaft der Gesellschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1997a., p. 80), os quais se reproduziriam por meio de códigos binários como o dinheiro, a verdade, o poder, o direito etc. (Luhmann, 198727 LUHMANN, Niklas. Soziale Systeme: Grundriß einer allgemeinen Theorie. Frankfurt: Suhrkamp, 1987., p. 602-607, 1997b, p. 748-764).

Além de metodologicamente antinacionalista e anti-humanista, tal conceito de sociedade se afasta radicalmente de qualquer concepção da socialização que dê centralidade ao conceito de cultura como traço distintivo do fenômeno social. Para Luhmann, sobretudo na sociedade moderna, torna-se crescentemente irrelevante a cultura como conceito descritivo da sociedade como um todo, dado que o que a reproduz são as distintas lógicas funcionais estruturadas por meio de códigos diferentes, sem que haja nenhuma coordenação central a lhes dar um sentido englobante (Luhmann, 2004b20 LUHMANN, Niklas. Sinn, Selbstreferenz und soziokulturelle Evolution. In: BURKART, R.; RUNKEL, G. (org.). Luhmann und die Kulturtheorie. Frankfurt: Suhrkamp, 2004b. p. 241-289.). Isso não implica que o conceito de cultura não venha a ter alguma relevância para a observação de contextos mais específicos, como na ideia de uma “cultura organizacional” ou, ainda, da cultura de grupos sociais específicos, sentido em que seria possível falar de uma “cultura queer” ou uma “cultura afro-latina” na música, por exemplo. A rigor, contudo, existiriam na modernidade tantas culturas quanto sistemas (Luhmann, 1997a22 LUHMANN, Niklas. Die Gesellschaft der Gesellschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1997a., p. 590-91): sejam eles sistemas psíquicos, interações entre indivíduos, organizações ou sistemas funcionais. Como cada sistema produz formas de auto-observação que se condensam em semânticas e que ganham certa independência, todo sistema poderia produzir uma certa semântica cultural ou identidade, na forma de uma memória operativa. Contudo, essas semânticas dependem sempre, pelo menos em alguma medida, do nível estrutural de reprodução que observam (Luhmann, 198029 LUHMANN, Niklas. Gesellschaftsstruktur und semantische Tradition. In: LUHMANN, Niklas (org.). Gesellschaftsstruktur und Semantik 1: Studien zur Wissenssoziologie der modernen Gesellschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1980. p. 9-71.).

Como resultado, a associação entre uma sociologia estrutural-funcionalista e argumentos que insistam na existência de uma particularidade ou singularidade da sociedade brasileira se torna, claramente, problemática. É desafiador compatibilizar, igualmente, um conceito estrutural-funcionalista de sociedade mundial, de um lado, com algum tipo de culturalismo, de outro, como sugere equivocadamente Souza (2013)48 SOUZA, Jessé. Niklas Luhmann, Marcelo Neves e o ‘culturalismo cibernético’ da moderna teoria dos sistemas. Em: BACHUR, J. P.; DUTRA, R. (org.). Dossiê Niklas Luhmann. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013. p. 149-182.. Em termos técnico-teóricos, pode-se dizer, como insiste Neves, de forma irônica, que “o Brasil não existe” (Neves, 201833 NEVES, Marcelo. Constituição e direito na Modernidade Periférica: uma abordagem teórica e uma interpretação do caso brasileiro. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018., p. 380); ao menos não como uma unidade social delimitável sociologicamente. Em lugar disso, pode-se falar na existência de processos comunicativos, estruturas sociais, semânticas e sistemas, tais quais a organização estatal (o Estado da República Federativa do Brasil), em uma sociedade mundial hipercomplexa. E, claro, podemo-nos referir de forma coloquial (não precisa sociologicamente) ao artefato semântico “Brasil”, como um recurso retórico, como um conjunto de significados culturais que, como tal, permanece extremamente difícil de ser definido de forma unitária.

O “caso brasileiro”, a que Neves se refere e ao qual se dedica, inclusive para reinterpretar e criticar a formulação de Luhmann, é desdobramento do fato de que os sistemas políticos e jurídicos assumem uma forma de diferenciação segmentária no nível mundial, na sociedade moderna. Com efeito, é um fato evidente por si só que todo o território do globo é dividido em Estados definidos juridicamente, ao menos desde o século XIX. E, embora haja profundas diferenças entre os diversos Estados, havendo aqueles altamente estruturados e aqueles que existem quase apenas como declarações normativas, todos eles, sem exceção, têm algum nível de reconhecimento jurídico e político na sociedade mundial. Tratar de constitucionalismo é também tratar de experiências nacionais e locais, mesmo numa sociedade mundial.

Apesar de descartar qualquer possibilidade de aceitar um conceito de “sociedade brasileira”, Neves tampouco aceita de forma acrítica a descrição oferecida pela teoria dos sistemas. Em lugar disso, ele propõe uma posição crítica em relação ao conceito de sociedade mundial de Niklas Luhmann, apontando para inconsistências que resultariam, igualmente, de certo provincianismo metodológico. Essas inconsistências residiriam sobretudo no fato de que a diferenciação funcional da sociedade mundial não se daria empiricamente da mesma forma em toda a superfície do globo. Seja porque ela interage com outras estruturas de diferenciação, seja porque suas estruturas resultariam de processos evolutivos que assumem trajetórias altamente distintas a depender da forma como se deu a integração das respectivas regiões no processo de diferenciação funcional. Sobretudo o processo de colonização europeu seria responsável por produzir assimetrias entre Estados nacionais, com impactos em diferentes aspectos da reprodução de outros sistemas funcionais que se tornam extremamente estáveis na sua reprodução para muito além da relação de colonização.

Nesse sentido, a contribuição de Neves tem especial originalidade ao evitar o tal “complexo de vira-latas” ao mesmo tempo em que evita o seu reflexo, o complexo de complexo de vira-latas. Este último, em referência bem-humorada, consistiria em negar a possibilidade de formular uma sociologia sobre diferenças comparativas entre distintas formas evolutivas no interior da sociedade mundial por razões político-ideológicas ou moralizantes. Ou seja, por razões que não sejam fundadas na observação sociológica ela mesma, mas em uma decisão pré-teórica e política, talvez uma tentativa ela mesma de evitar o próprio “complexo de vira-latas”. Nesse sentido, chamamos de pré-teórica uma decisão prévia à reflexão teórica em sua relação com a realidade empírica, orientada por uma politização que se impõe antes mesmo da observação de fatos, dados e a reflexão conceitualmente mediada acerca deles. O “complexo do complexo” se negaria mesmo a reconhecer a existência de distinções empíricas teoricamente mediadas, passíveis de serem expressas tanto fenomenologicamente quanto por meio indicadores quantitativos. Em outras palavras: como consequência de uma tomada de posição política, moral e ideológica, teme-se a comparação entre Estados periféricos e Estados centrais, que afinal têm entre si diversas regularidades comparativas na forma de desigualdades econômicas, educacionais, esportivas, artísticas, na resiliência dos aparatos organizacionais etc. O temor parece ser o de que considerar teoricamente a existência fática dessas regularidades e assimetrias entre centro e periferia implicaria a admissão de uma inferioridade (moral?). Mas, do ponto de vista sociológico, torna-se no mínimo contraintuitivo negar a existência de tais hierarquias e sua conhecida regularidade. Aliás, reconhecer tais hierarquias torna possível, inclusive, o exercício crítico, também voltado àqueles que delas se beneficiam. E, certamente, a existência de hierarquias sociais (políticas, econômicas, jurídicas, científicas) não necessariamente implica qualquer inferioridade em um sentido moral.

A crítica às sociologias da singularidade e às teorias formuladas dentro do paradigma da formação não pode se orientar pelas suas possíveis consequências políticas como uma suposta “inferiorização da experiência nacional”. Pelo contrário, a crítica deve se orientar aos problemas e limites científicos de uma teoria ou paradigma. Afinal, uma decisão política, ou moral, sobre as implicações de uma distinção teórica apoiada em evidências (como a distinção entre centro e periferia) não pode ser obstáculo para a descrição de processos sociais e a reflexão sociológica sobre eles. Certamente, a tese da singularidade brasileira é frágil empírica e teoricamente, mas no contexto do paradigma da formação houve diversas intuições e contribuições importantes sobre a existência de estruturas sociais hierárquicas e assimétricas entre nós, que devem ser levadas em conta teoricamente, ainda que, muitas vezes, a explicação oferecida para a existência dessas relações, ou mesmo as conclusões retiradas a partir dessas observações, fossem extremamente problemáticas e tivessem também implicações ideológicas – como, por exemplo, a ideia da “democracia racial” brasileira ou a ideia de um “atraso cultural” nacional.

Inclusão/exclusão ou centro e periferia: evitando confusões conceituais

Ainda na formulação inicial do seu trabalho, Marcelo Neves parte de uma adaptação do conceito de centro e periferia, tal qual proposto pela teoria da dependência – mas o faz afastando-se expressamente dos pressupostos metodológicos dessa teoria, fundados no materialismo histórico e na teoria de classes, assim como em uma teoria da ação. Ao contrário do que é sugerido pela teoria da dependência, Neves não vê a distinção entre centro e periferia como resultante de um processo de “exploração” econômica ou projeto de imperialismo geopolítico (Cardoso; Faletto, 19794 CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. Dependency and development in Latin America. Berkeley: University of California Press, 1979.; Neves, 1994c41 NEVES, Marcelo. Entre subintegração e sobreintegração: a cidadania inexistente. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 37, n. 2, p. 253-276, 1994c., 1994a). Para ele, a distinção entre centro e periferia seria mais bem explicada como o resultado de um processo de evolução social da sociedade mundial fundado na emergência da diferenciação funcional a partir da expansão colonial europeia. “O advento da sociedade moderna está intimamente vinculado a uma profunda desigualdade econômica no desenvolvimento inter-regional, trazendo consequências significativas na reprodução de todos os sistemas sociais, principalmente no político e no jurídico, estatalmente organizados” (Neves, 200736 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p. 171).

A diferença entre centro e periferia teria surgido, assim, como resultante da segmentação dos sistemas político e jurídico mundiais e como desdobramento da própria forma como se estruturou a sociedade mundial moderna, cristalizando relações assimétricas globais extremamente estáveis (Neves, 200736 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p. 171-173). As assimetrias globais teriam, portanto, explicações multicausais e complexas, relacionadas à diferenciação funcional. Para Neves, o centro é beneficiado (não só) economicamente de suas relações com a periferia, mas, à diferença das teorias da ação, esse é resultado de um processo contingente de emergência de diferenças sociológicas relevantes. Nesse sentido, poder-se-ia até mesmo dizer que a formulação de Neves não é tão diversa (consideradas todas as suas consequências) da formulação da teoria da dependência. Mas, como ele parte de outros pressupostos, seria artificial usar categorias como “imperialismo” e “exploração” para explicar a emergência das assimetrias globais. Para uma sociologia sistêmica, trata-se muito mais de entender o “como” do que entender o “porquê” ou “o quê” (Luhmann, 1997a22 LUHMANN, Niklas. Die Gesellschaft der Gesellschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1997a., p. 989). Nesse sentido, imperialismo e exploração podem ser apenas uma forma de descrever, no nível da ação, manifestações de processos de modernização e sua história contingente de formação.

O par centro/periferia – formulação que já estava presente na obra de Luhmann, mas de maneira ainda imprecisa –, ganha uma dimensão nova e mais importante na obra de Neves. Ele se torna útil como uma maneira de descrever como, em uma única, mesma e sincrônica sociedade mundial, existem desigualdades, contradições e assimetrias, assim como elas se reproduzem e se estabilizam. Nossa interpretação desse conceito na obra de Neves, portanto, se afasta de análises que entendem haver na “negatividade” da modernidade periférica qualquer referência a um “atraso” ou “desvio”. Para Neves, assim como para Luhmann, não se trata de explorar a distinção centro/periferia como uma questão de “sociedades tradicionais” versus “sociedades modernas”, ou, mesmo, como uma diferença de antes/depois. Por isso, não faz sentido insistir em uma oposição entre “pré-moderno/moderno” como duas formas de diferenciação social, sendo uma típica das sociedades “avançadas” e outra das “periféricas” (Souza, 201348 SOUZA, Jessé. Niklas Luhmann, Marcelo Neves e o ‘culturalismo cibernético’ da moderna teoria dos sistemas. Em: BACHUR, J. P.; DUTRA, R. (org.). Dossiê Niklas Luhmann. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013. p. 149-182., p. 167). Também não há, na diferenciação entre um centro e uma periferia, um conteúdo normativo cuja meta seria a “institucionalização do padrão de cidadania da modernidade central ou ‘positiva’” (Gonçalves, 201014 GONÇALVES, Guilherme L. Rechtssoziologische Interpretationen des Rechtsdiskurs in Lateinamerika: eine postkoloniale Kritik. Juridikum Zeitschrift für Kritik, v. 21, p. 311-320, 2010.; 201315 GONÇALVES, Guilherme L. Pós-colonialismo e teoria dos sistemas: notas para uma agenda de pesquisa sobre o direito. In: BACHUR, J. P.; DUTRA, R. (ed.). Dossiê Niklas Luhmann. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013. p. 249-278., p. 266); muito menos, uma submissão às categorias e aos padrões de funcionamento da modernidade central como forma de justificar uma atualização da relação colonial.

De fato, Neves não propõe que a autodescrição interna da modernidade central seja de todo inútil a uma reflexão iniciada desde a margem – mesmo porque a própria condição periférica está intrinsecamente conectada à existência de um centro e determinada por ela e vice-versa. Trata-se, em lugar disso, de levar em conta diferenças que condicionam o funcionamento da sociedade, inclusive do sistema global da ciência, fazendo observar as hierarquias e assimetrias políticas, econômicas, jurídicas e, também, científicas que estruturam as organizações e sistemas funcionais da modernidade.

O conceito de sociedade mundial implica que a modernidade não é uma exclusividade do centro e não pode ser descrita tendo apenas a “velha Europa” como ponto de referência, mas que ela só existe porque há uma sociedade mundial sincrônica, com muitas modernidades, mas estruturada de forma assimétrica. Neves fundamenta-se no fato empírico da exclusão social e da vasta desigualdade presentes nos Estados da periferia – e entre centro e periferia – para, em crítica a Luhmann, apontar as limitações empíricas de uma sociologia da modernidade escrita desde a Europa (a teoria dos sistemas sociais) e sua desatenção em relação às assimetrias e hierarquias de uma sociedade mundial altamente desigual. Com efeito, é a partir da tese de Luhmann de que a sociedade moderna se constitui como uma sociedade mundial – única e sincrônica – que à teoria dos sistemas sociais é conferida plasticidade o suficiente para abrigar a ideia de que as periferias da sociedade mundial são tão modernas quanto o seu centro.

Para Neves, o processo de colonização teria possibilitado a exteriorização da exclusão social para fora e a interiorização da inclusão social para dentro dos sistemas políticos diferenciados territorialmente no que ele chama de modernidade central. No centro, a inclusão social se torna a forma primária de relação entre as pessoas (como endereços de comunicação) e os sistemas funcionais diferenciados e a exclusão dos sistemas apenas uma forma secundária e temporária dessa relação. Por sua vez, essa distinção teria dado origem a uma “bifurcação” correspondente: uma ampla região do globo onde Estados seriam incapazes de reproduzir essas condições de inclusão social (Neves, 200736 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p. 172). Nesse sentido, a referência a uma “bifurcação evolutiva” entre uma modernidade central e periférica, criticada por Dutra (2016)8 DUTRA, Roberto. Diferenciação funcional e a Sociologia da modernidade brasileira. Política & Sociedade, v. 15, n. 34, p. 77-109, 2016. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15n34p77
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, tampouco é a diferença central para a reprodução da própria distinção. Com efeito, a diferença “centro/periferia” seria uma forma contingente de descrição de processos sociais estruturais fundados em outra diferença: a diferença entre inclusão e exclusão e a forma como elas se reproduzem na sociedade moderna, graças ao processo de segmentação territorial dos Estados e à estabilização de instituições políticas e constitucionais nesses contextos.5 5 Como já apontamos anteriormente, é conhecido pela sociologia o fato de que a determinante mais relevante a explicar desigualdades de renda, educacionais e sociais de modo geral na sociedade mundial contemporânea é, ainda hoje, a territorialidade estatal, o passaporte do indivíduo, por assim dizer. Sobre isso, ver Anja Weiß (2017).

Para Luhmann, que observa a modernidade desde a sua experiência na Europa ocidental, o próprio surgimento do indivíduo moderno (e, com ele, do individualismo) resulta de um processo de fragmentação das concepções unificantes de solidariedade social fundadas em uma moral comum (Luhmann, 198926 LUHMANN, Niklas. Individuum, Individualität, Individualismus. In: LUHMANN, Niklas (org.). Gesellschaftsstruktur und Semantik: Studien zur Wissenssoziologie der modernen Gesellschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1989. p. 149-258.). Em lugar de vínculos concretos e pouco contingentes com um grupo social definidos por nascimento, surgem vínculos que dependem da história individual de cada indivíduo, de seu acesso a bens públicos e privados, como educação, saúde, dinheiro, afeto etc., os quais dependem de prestações dos respectivos sistemas funcionais (Luhmann, 1995b25 LUHMANN, Niklas. Inklusion und Exklusion. In: LUHMANN, Niklas (org.). Soziologische Aufklärung 6: Die Soziologie und der Mensch. Opladen: Westdeutscher Verlag, 1995b. p. 237-264.). Isso não quer dizer que o nascimento não condiciona esse acesso, por óbvio. Mas apenas que o ponto de origem (familiar) das biografias individuais é, por sua vez, condicionado pelos critérios de acesso às prestações de sistemas funcionais e de acordo com os critérios dos respectivos sistemas (Dutra, 20139 DUTRA, Roberto. Funktionale Differenzierung , soziale Ungleichheit und Exklusion: eine theoretische Analyse und eine Interpretation des Falls Brasilien. 2013. Berlim: Humboldt Universität zu Berlin, 2013., p 82-85). Assim, para se ter dinheiro, é preciso adquirir dinheiro de acordo com as regras do mercado; para se ter educação formal é preciso percorrer um currículo escolar; para se ter direito, é preciso protocolar uma ação judicial de acordo com as regras do próprio direito. Tudo isso depende de decisões individuais tomadas dentro de um quadro prévio de contingência e condicionamento (Dutra, 20139 DUTRA, Roberto. Funktionale Differenzierung , soziale Ungleichheit und Exklusion: eine theoretische Analyse und eine Interpretation des Falls Brasilien. 2013. Berlim: Humboldt Universität zu Berlin, 2013., p. 85-96). Essa estrutura impulsiona por sua vez a individualização e faz com que cada um possa dispor de várias personas, uma como cliente, outra como trabalhador, outra como aluno, outra como professora, como cientista ou como usuário da ciência etc., as quais, no conjunto, formam uma individualidade.

A exclusão social passa a ser percebida na sociedade moderna, por sua vez, como um desafio – ao menos no nível das autodescrições internas dos sistemas sociais, já que não mais existem justificativas para que seja negado por princípio o acesso à educação, à saúde, à economia ou ao direito. E, como grande parte da reprodução da sociedade moderna depende, precisamente, da inclusão nesses sistemas (Farzin, 200611 FARZIN, Sina. Inklusion/Exklusion: Entwicklungen und Probleme einer systemtheoretischen Unterscheidung. Bielefeld: Transcript, 2006.), a exclusão é vista como algo problemático. Todavia, um dos problemas que acompanha o princípio inclusivo da modernidade é que a exclusão, enquanto fato empírico causado pela própria sociedade moderna, não é de modo algum extinto, mas, bem ao contrário, é potencializado de uma forma que não existia em sociedades estamentais.

A sociedade moderna, segundo Luhmann, trata o problema da exclusão como uma inclusão total ainda por se realizar – ou potencialmente realizável a depender do esforço ou da sorte individual. E é nesse sentido que se fala em uma “semântica totalitária da inclusão” (Luhmann, 1997a22 LUHMANN, Niklas. Die Gesellschaft der Gesellschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1997a., p. 625-27). Como a inclusão é uma exigência para o funcionamento adequado dos sistemas funcionais, afinal de contas não há economia sem consumidores, direito sem ações judiciais ou ciência sem cientistas, a inclusão social se torna também um mandamento normativo na forma de direitos fundamentais. Por isso é que “semântica totalitária da inclusão” se articula na noção moderna de cidadania (Neves 1994b40 NEVES, Marcelo. A crise do Estado: da modernidade central à modernidade periférica. Revista de Direito Administrativo, v. 3, p. 64-78, 1994b., 200637 NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil (O Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins Fontes, 2006.). O conceito de cidadania se desdobra, por sua vez, como resultado de uma dinâmica de politização de problemas de exclusão social que expande a forma e a função dos direitos fundamentais na direção da estruturação do moderno Estado de Bem-Estar (Luhmann, 200021 LUHMANN, Niklas. Die Politik der Gesellschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 2000., p. 423; Neves, 200637 NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil (O Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins Fontes, 2006.). O Estado de Bem-Estar, para Luhmann, resulta do fato de que não há diferenciação funcional sem inclusão. “A realização do princípio da inclusão no campo funcional da política leva ao surgimento do Estado de Bem-Estar” (Luhmann, 198128 LUHMANN, Niklas. Politische Theorie im Wohlfahrtsstaat. Munique: Günter Olzog Verlag, 1981., p. 27).

Evidentemente, formas radicais de exclusão de parcelas importantes dos indivíduos continuam a existir. Um dos motivos para isso é o fato de que o arranjo produzido pela modernidade central para compensar a exclusão produzida pela diferenciação funcional com mais inclusão – o Estado de Bem-Estar – encontrou terreno favorável apenas em poucos Estados da sociedade moderna (Luhmann, 200021 LUHMANN, Niklas. Die Politik der Gesellschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 2000., p. 428). No Resto (Hall, 199317 HALL, Stuart. The West and the Rest. Formations of Modernity. Londres: Polity Press, 1993.) da sociedade mundial, a exigência funcional de inclusão é inclusive incorporada a textos constitucionais, mas não encontra o mesmo nível de realização estrutural que nos países centrais (Neves, 1994b40 NEVES, Marcelo. A crise do Estado: da modernidade central à modernidade periférica. Revista de Direito Administrativo, v. 3, p. 64-78, 1994b., p. 260-62). Nesses casos, a exclusão social é um dado que marca a reprodução da sociedade, com consequências importantes para a reprodução dos códigos e programas dos distintos sistemas funcionais que, embora sejam mundiais, dependem de condições sociais que variam regionalmente.

Nesses contextos, a exclusão de um sistema social se acumula com outras formas de exclusão de outros sistemas funcionais: aquele que não tem acesso a documentos de identidade, não terá acesso à escola (Luhmann, 1995b25 LUHMANN, Niklas. Inklusion und Exklusion. In: LUHMANN, Niklas (org.). Soziologische Aufklärung 6: Die Soziologie und der Mensch. Opladen: Westdeutscher Verlag, 1995b. p. 237-264., p. 250-58).6 6 É crucial perceber que há uma mudança relevante na posição de Luhmann acerca do significado da exclusão social, após seu contato com o trabalho de doutorado de Marcelo Neves, para o qual escreveu o prefácio na edição alemã. Em todos seus textos subsequentes, Luhmann trata a exclusão social não mais como um problema residual das sociedades modernas, mas como um problema potencialmente desestruturante para a diferenciação funcional. Sem acesso à educação, dificilmente se terá acesso à economia, por meio de formas de emprego assalariado. Sem acesso ao dinheiro torna-se mais difícil ter acesso ao conhecimento científico, à arte, à informação. Sem acesso à informação política e ao dinheiro necessário para se pagar advogados, torna-se difícil ter acesso a formas de acionar o direito. E, sem direitos, torna-se também improvável que se tenha acesso razoável a procedimentos políticos eleitorais capazes de possibilitar a participação em processos coletivos de decisão, inclusive acerca das condições para produzir inclusão (Luhmann, 1995b25 LUHMANN, Niklas. Inklusion und Exklusion. In: LUHMANN, Niklas (org.). Soziologische Aufklärung 6: Die Soziologie und der Mensch. Opladen: Westdeutscher Verlag, 1995b. p. 237-264.).

Para Neves, essa constatação é verdadeira. Mas daí ele tira uma consequência ainda mais radical, desdobrando a teoria dos sistemas sociais em novas direções, intrinsecamente motivado pelos efeitos das formas modernas de exclusão sobre o funcionamento dos sistemas sociais. De acordo com o autor, desse processo de acumulação de formas distintas de exclusão resultaria a emergência de formas de socialização que destoam da forma moderna de diferenciação funcional tal qual descrita por Luhmann (Neves, 1994b40 NEVES, Marcelo. A crise do Estado: da modernidade central à modernidade periférica. Revista de Direito Administrativo, v. 3, p. 64-78, 1994b., 2006, 2001). A exclusão social difusa associada a relações de dependência dos indivíduos, como pessoas, das prestações e recursos produzidos pelos sistemas funcionais impede que se difunda a cidadania como forma primária de inclusão nas estruturas da política e do direito (Neves, 1994b40 NEVES, Marcelo. A crise do Estado: da modernidade central à modernidade periférica. Revista de Direito Administrativo, v. 3, p. 64-78, 1994b., 2006, p. 248-49).

Em realidades marcadas por formas difundidas de exclusão social, emergiriam formas correspondentes à posição assimétrica dos indivíduos no acesso aos sistemas. Do lado da inclusão precária e ampla exclusão social, emergiria a subintegração e a forma social da subcidadania, a qual seria caracterizada pela dependência dos indivíduos em relação às prestações dos sistemas funcionais pela negativa de acesso (Neves, 1994b40 NEVES, Marcelo. A crise do Estado: da modernidade central à modernidade periférica. Revista de Direito Administrativo, v. 3, p. 64-78, 1994b., p. 260-263, 200637 NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil (O Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins Fontes, 2006., p. 248). Essa posição faria com que indivíduos excluídos socialmente tivessem pouca capacidade de adquirir significado para a reprodução dos códigos, aparecendo socialmente como corpos passíveis de serem tratados como objetos para a manutenção das relações de radical assimetria constituídas pela diferença inclusão/exclusão.

Ao contrário do que entende Rudolf Stichweh, para quem a existência de graus elevados de exclusão não teria significado relevante para a operação dos sistemas funcionais, consistindo no que ele chama de “buracos negros de exclusão” (Stichweh, 200550 STICHWEH, Rudolf. Inklusion und Exklusion, Studien zur Gesellschaftstheorie. Bielefeld: Transcript Verlag, 2005., p. 58-60), para Neves, a exclusão social produz, além da subintegração e da subcidadania, um lado marcado pelo acesso privilegiado a recursos e processos de reprodução dos sistemas funcionais, a que ele chama de lado da sobreintegração, organizada socialmente como sobrecidadania (Neves, 1994a39 NEVES, Marcelo. A crise do Estado: da modernidade central à modernidade periférica. Revista de Direito Administrativo, v. 3, p. 64-78, 1994a., 1994b, 2015, p. 124-125, 2006, p. 248-251, 2011, p. 172-173). Do lado da sobrecidadania, as relações sociais seriam marcadas por uma capacidade de fazer uso dos processos, estruturas e códigos dos sistemas funcionais para a reprodução de condições de sobreintegração (ou super-inclusão).

Tal como tenho formulado, subintegração e sobreintegração implicam a insuficiente inclusão, seja, respectivamente, por falta de acesso (de integração positiva) ou de dependência (de integração negativa), constituindo posições hierárquicas faticamente condicionadas (não classificações baseadas em princípios), a saber, o fato de ser integrado nos sistemas funcionais “por baixo” ou “por cima”. Em ambas as direções (para “baixo” ou para “cima”) trata-se de limitação e unilateralidade na capacidade de imputação dos sistemas sociais em suas referências a pessoas

(Neves, 200637 NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil (O Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins Fontes, 2006., p. 253).

Tanto a subintegração quanto a sobreintegração são faces da inclusão insuficiente, ou da exclusão sistêmica: “tanto os subcidadãos quanto sobrecidadãos são carentes de cidadania” (Neves, 200637 NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil (O Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins Fontes, 2006., p. 253-254). As relações de sobrecidadania e subcidadania bloqueariam, segundo Neves, a reprodução das estruturas dos sistemas funcionais, mais especificamente do direito, como mecanismo de imunização da sociedade contra suas próprias tendências de desdiferenciação (Neves, 200138 NEVES, Marcelo. From the autopoiesis to the allopoiesis of law. Journal of Law and Society, v. 28, n. 2, p. 242-264, 2001.). “Não há um funcionamento satisfatório da Constituição como ‘acoplamento estrutural’ entre direito e política, ou seja, como mecanismo de interpenetração e interferência entre dois sistemas autônomos”, mas, sim, “um bloqueio recíproco, principalmente no sentido da politização desdiferenciante do sistema jurídico”, o que o Neves descreveu como um relacionamento destrutivo entre “Têmis” (direito) e “Leviatã” (política) (2006, p. 173-174). Em outras palavras, o controle e a limitação exercidas pela aplicação do código lícito/ilícito como o segundo código do sistema político não são verificados, e a própria constituição não se desenvolve como horizonte normativo do sistema político.7 7 Neves descreve esse processo de reprodução do constitucionalismo nas periferias da sociedade mundial e seus desdobramentos sociológicos sobre o direito como “constitucionalização simbólica” (Neves, 2007).

Os sobrecidadãos podem fazer uso de recursos tais quais o dinheiro, o conhecimento e o poder para bloquear o funcionamento do sistema jurídico, produzindo redes de contato paralelas às estruturas reflexivas da política, da economia e do próprio direito. Assim, esses códigos se reproduziriam não de acordo com estruturas reflexivas, mas de acordo com a diferença entre inclusão e exclusão, que reprogramaria o funcionamento da economia, da política, do direito etc. Da mesma forma, a subcidadania se alastraria, produzindo uma massa de indivíduos a quem seriam negados direitos e a quem restariam apenas deveres: uma assimetria que se reproduziria amplamente na forma de uma forma distinta de diferenciação, típica do que Neves chama então de “modernidade periférica”.8 8 Chamam a atenção as semelhanças entre a descrição de Neves da “condição periférica” e a descrição de Partha Chatterjee (2004) das estruturas políticas indianas. Para Chatterjee, a política moderna, desde os centros europeus, funciona a partir da distinção fundamental entre Estado e Sociedade Civil. Na realidade pós-colonial indiana, contudo, ele identifica a existência de um complexo político em que as elites coloniais locais se autodescrevem como sociedade civil e se apropriam do Estado, enquanto a grande maioria da população é excluída do sistema político, adquirindo o significado de um conjunto de corpos a serem governados (Chatterjee, 2004, p. 27-52). Nesse sentido, embora haja diferenças profundas entre as realidades regionais distintas da América Latina (mais próxima à realidade brasileira) e a realidade indiana, pode-se dizer que há, sim, semelhanças estruturais que poderiam ser exploradas.

Para Neves, a modernidade periférica não é, portanto, a explicação de si mesma. O que a caracterizaria não é uma especificidade regional, ou uma característica social específica de “Estados periféricos”. Ela não resultaria de alguma forma de singularidade, seja ela compreendida culturalmente, moralmente ou mesmo como resultante de uma especificidade econômica, jurídica, artística ou religiosa. Não haveria, por assim dizer, uma essência da periferia, uma “perifericidade” do “ser periférico”. Nem mesmo poder-se-ia falar em subdesenvolvimento oposto ao desenvolvimento dos Estados centrais, uma perspectiva por sinal ainda dominante na disciplina econômica e que implica uma sequência pré-determinada de “desenvolvimento”. Bem ao contrário, sua explicação resulta de uma comparação funcional que procura reconstruir a reprodução da estrutura social no contexto de um Estado periférico. Seu foco não está direcionado ao “quê” faz da modernidade periférica, periférica, mas à pergunta sobre “como” se reproduz a sociedade mundial e como observá-la desde as periferias. E os processos que definem o contexto periférico são aqueles marcados pela reprodução da diferença inclusão/exclusão. A territorialidade das periferias dependeria não de uma marca cultural, de uma característica geográfica, de um traço na nacionalidade, mas das estruturas de reprodução do Estado, unidade de análise fundamental para compreender a produção de inclusão na sociedade mundial moderna e que teria emergido historicamente como uma superorganização a estruturar o sistema jurídico e político num dado território.

Certamente, seria necessário levar em conta as condicionantes do sistema político internacional para a reprodução das diferenças entre centro e periferia no nível global, entre os Estados da sociedade mundial. Essa é uma necessidade que Neves considera abertamente. E parece-nos que esse tem sido o objeto de suas preocupações mais recentes (Neves, 201734 NEVES, Marcelo. From transconstitutionalism to transdemocracy. European Law Journal, v. 23, p. 380-394, 2017.). Nesse sentido, ele vem apontando como as hierarquias globais se reproduzem, também no nível da política internacional. Embora não se possa desprezar as dinâmicas estatais de reprodução dos mecanismos de exclusão, sobrecidadania e subcidadania. Para o escopo desse texto, nos atemos à caracterização conceitual de sua compreensão da diferença conceitual entre inclusão/exclusão e centro/periferia.

Considerações finais

A contribuição de Neves para a sociologia no Brasil é importante por diferentes motivos. Primeiramente, ele oferece uma interpretação original da teoria dos sistemas e da tradição sociológica brasileira, fazendo uso de uma teoria pós-nacionalista para a compreensão do processo de diferenciação do direito e da política no Brasil. Ademais, ele aponta para causas estruturais dos desafios de institucionalização do Estado, prescindindo de atribuir a esses problemas qualquer caráter cultural particular ou singularidade histórica. Mais importante é que, para além de sua originalidade, o trabalho de Neves oferece quatro vantagens adicionais, conforme analisamos acima.

Primeiramente, ele não despreza como irrelevantes as contribuições empíricas de uma longa tradição de reflexão sobre a formação e evolução das estruturas sociais no Brasil e, assim, faz uso criativo da tradição sociológica brasileira e de suas observações, sem cometer os erros metodológicos e as presunções que foram comuns a muitas daquelas contribuições. Ele observa formas de corrupção estrutural e déficits de reflexividade do direito e da política, mas não faz relações de correspondência disso simplesmente com o caráter nacional, uma lacuna de racionalização ou com uma cultura familista ibérica. Para ele, o processo de estabilização institucional brasileira se imbrica às formas territorialmente delimitadas de reprodução de relações sociais excludentes em uma sociedade mundial altamente interdependente e assimétrica.

Em segundo lugar, ele não se deixa levar por uma superpolitização simplificadora da realidade social, apontando soluções abrangentes para um problema que, por definição, é estruturalmente complexo. Em outras palavras, ele não nega a realidade para que a realidade se adeque a uma agenda política a que muitos reduzem a crítica anticolonial. Antes disso, propõe uma teoria que leve em conta a marca da colonização na política, no direito e no Estado nas periferias da sociedade mundial, como é o caso brasileiro, ao mesmo tempo em que procura descrever problemas sociais observados em sua complexidade. Com isso, Neves não se junta a teorias que apontam o “atraso” ou a “inadequação” das periferias mundiais em relação a um modelo europeu. Mas incorpora um argumento comparativo inevitável na sociedade mundial moderna. Não há espaço, em sua formulação, para uma teoria da modernização em etapas. Mas tampouco ignoram-se as assimetrias estruturais que produzem interdependências hierárquicas entre Estados, suas relações econômicas e a reprodução de diversos sistemas, como o científico, o educacional etc.

Em terceiro lugar, Neves argumenta pela própria inviabilidade ou implausibilidade de elementos centrais da teoria dos sistemas sociais, em sua versão luhmanniana, recusando enfaticamente algumas de suas teses centrais – como a tese do primado da diferenciação funcional como forma de reprodução da sociedade moderna. O alvo das críticas de Neves, em última medida, não é tanto a periferia ou o constitucionalismo nas periferias. Antes, ele parte de uma observação periférica para denunciar e rechaçar o eurocentrismo presente na descrição da modernidade levada a cabo por Niklas Luhmann. Dessa forma, ele oferece uma sociologia constitucional (ainda mais) cosmopolita que parte do conceito de sociedade mundial sem se limitar ao modelo europeu. Em Neves, o modelo europeu é apresentado como apenas mais uma das formas como a modernidade se estruturou no globo – o que faz dela, inclusive, provinciana e bastante limitada territorialmente.

Por fim, o uso altamente heterodoxo que ele faz da teoria dos sistemas serve como prevenção metodológica a uma longa tradição de soluções “nacional-desenvolvimentistas”, que atribuem aos sistemas político e jurídico e ao “protagonismo” de grupos sociais modernizantes a tarefa de “desenvolver” o Brasil – algo que seguia quase que logicamente do “paradigma da formação”. Para Neves, o “problema” do Estado brasileiro não é de modo algum uma questão de desenvolvimento. Nem é o problema da “corrupção sistêmica”, capaz de ser combatida por intrépidos agentes moralizadores. Antes, a questão fundamental de contextos sociais periféricos é a exclusão social estrutural que se reproduz em diferentes dinâmicas da sociedade, estabilizando-se por meio de mecanismos institucionais igualmente complexos e transversais, num contexto global em que centro e periferia são interdependentes e reciprocamente implicados. Se o primeiro passo para tratar de um “problema” é conhecê-lo, a consciência sobre sua complexidade é uma boa contribuição nessa direção.

  • 1
    Agradecemos à/ao revisor/a deste artigo pela atenção dedicada ao nosso trabalho e pelos cuidadosos comentários compartilhados, no rico exercício do diálogo acadêmico. O trabalho do/a revisor/a foi fundamental para a melhoria do manuscrito. Sem ele, o artigo não teria chegado à sua versão atual.
  • 2
    Uma observação interessante feita por Paulo Arantes (1997)1ARANTES, Paulo Eduardo. Providências de um crítico literário na periferia do capitalismo. In: ARANTES, O. B. F.; ARANTES, P. E. (org.). Sentido da formação: três estudos sobre a Antônio Candido, Gilda de Mello e Souza e Lúcio Costa. São Paulo: Paz e Terra, 1997. p. 11-66. é a de que, à exceção de Raízes do Brasil, todas essas “obras fundadoras” trazem a palavra formação no título ou no subtítulo.
  • 3
    É importante apontar que autores que se colocaram dentro de uma tradição menos próxima de interpretações culturalistas evitaram algumas essencializações importantes. Esse é o exemplo de Florestan Fernandes, Furtado e Prado Jr. Embora eles também tenham permanecido em grande medida vinculados ao nacionalismo metodológico de seu tempo, não se deixaram levar totalmente pela essencialização de traços “singularistas”.
  • 4
    Vide trecho de “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, em que Gonzalez dialoga com a figura da “mãe preta” em Freyre, com ironia: “nessa hora a gente é vista como figura boa e vira gente. Mas aí ele começa a discutir sobre a diferença entre escravo (coisa) e negro (gente) prá chegar, de novo, a uma conclusão pessimista sobre ambos. É interessante constatar como, através da figura da ‘mãe-preta’, a verdade surge da equivocação (Lacan, 1979, [apud op. cit.]). Exatamente essa figura para a qual se dá uma colher de chá é quem vai dar a rasteira na raça dominante. É através dela que o ‘obscuro objeto do desejo’ (o filme do Buñuel), em português, acaba se transformando na ‘negra vontade de comer carne’ na boca da moçada branca que fala português” (1984, p. 235).
  • 5
    Como já apontamos anteriormente, é conhecido pela sociologia o fato de que a determinante mais relevante a explicar desigualdades de renda, educacionais e sociais de modo geral na sociedade mundial contemporânea é, ainda hoje, a territorialidade estatal, o passaporte do indivíduo, por assim dizer. Sobre isso, ver Anja Weiß (2017)55 WEIß, Anja. Soziologie globaler Ungleichheiten. Berlim: Suhrkamp, 2017..
  • 6
    É crucial perceber que há uma mudança relevante na posição de Luhmann acerca do significado da exclusão social, após seu contato com o trabalho de doutorado de Marcelo Neves, para o qual escreveu o prefácio na edição alemã. Em todos seus textos subsequentes, Luhmann trata a exclusão social não mais como um problema residual das sociedades modernas, mas como um problema potencialmente desestruturante para a diferenciação funcional.
  • 7
    Neves descreve esse processo de reprodução do constitucionalismo nas periferias da sociedade mundial e seus desdobramentos sociológicos sobre o direito como “constitucionalização simbólica” (Neves, 200736 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007.).
  • 8
    Chamam a atenção as semelhanças entre a descrição de Neves da “condição periférica” e a descrição de Partha Chatterjee (2004)5 CHATTERJEE, Partha. The politics of the governed: reflections on popular politics in most of the world. Nova York: Columbia University Press, 2004. das estruturas políticas indianas. Para Chatterjee, a política moderna, desde os centros europeus, funciona a partir da distinção fundamental entre Estado e Sociedade Civil. Na realidade pós-colonial indiana, contudo, ele identifica a existência de um complexo político em que as elites coloniais locais se autodescrevem como sociedade civil e se apropriam do Estado, enquanto a grande maioria da população é excluída do sistema político, adquirindo o significado de um conjunto de corpos a serem governados (Chatterjee, 20045 CHATTERJEE, Partha. The politics of the governed: reflections on popular politics in most of the world. Nova York: Columbia University Press, 2004., p. 27-52). Nesse sentido, embora haja diferenças profundas entre as realidades regionais distintas da América Latina (mais próxima à realidade brasileira) e a realidade indiana, pode-se dizer que há, sim, semelhanças estruturais que poderiam ser exploradas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2022
  • Aceito
    18 Fev 2023
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