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Mercado de capitais: racionalidade versus emoção

Resumos

A flutuação dos preços de mercado dos ativos tem sido objeto de um embate entre duas correntes diferentes de pensamento: de um lado estão os que defendem que os preços se formam aleatoriamente com base em informações novas e que os investidores tomam decisões racionais, dentro dos pressupostos da Teoria de Eficiência de Mercado. De outro lado, há os que consideram que a realidade é muito mais complexa e que ninguém é capaz de levar em conta todas as variáveis na hora de investir e que parte dessa decisão tem também um componente humano ou emocional. Estes últimos são os defensores das teorias ligadas às finanças comportamentais. Este trabalho destaca as principais características de mercados eficientes e apresenta anomalias amplamente discutidas entre os pesquisadores para refutar a eficiência de mercado.

Eficiência de Mercado; Caminhada Aleatória; Finanças Comportamentais; Racionalidade; Caos


The price fluctuation of assets negotiated in capital and financial markets has been the subject of a theoretical dispute between different methodological streams: some researchers understand that prices are determined at random, based on new information, and that investors decide rationally, according to the principles of efficient market theory. On the other hand, other researchers consider that reality is far more complex, so that no one is able to envisage all variables when investing, and that emotional factors play an important role in investors' decision. The latter support the behavioral finance theory. This article points out the main characteristics of efficient markets and presents some anomalies that are widely discussed among researchers to refute market efficiency.

Market Efficiency; Random Walk; Behavioral Finance; Rationality; Chaos


DIVULGAÇÃO DE TRABALHO

Mercado de capitais: racionalidade versus emoção

José Odálio dos SantosI; José Augusto Rodrigues dos SantosII

IProfessor Doutor da Pontifícia Universidade Católica - PUC-SP E-mail: j.odalio@pucsp.br

IIMestrando em Administração pela Pontifícia Universidade Católica - PUC-SP E-mail: rodriguesweb@ibest.com.br

RESUMO

A flutuação dos preços de mercado dos ativos tem sido objeto de um embate entre duas correntes diferentes de pensamento: de um lado estão os que defendem que os preços se formam aleatoriamente com base em informações novas e que os investidores tomam decisões racionais, dentro dos pressupostos da Teoria de Eficiência de Mercado. De outro lado, há os que consideram que a realidade é muito mais complexa e que ninguém é capaz de levar em conta todas as variáveis na hora de investir e que parte dessa decisão tem também um componente humano ou emocional. Estes últimos são os defensores das teorias ligadas às finanças comportamentais. Este trabalho destaca as principais características de mercados eficientes e apresenta anomalias amplamente discutidas entre os pesquisadores para refutar a eficiência de mercado.

Palavras-chave: Eficiência de Mercado; Caminhada Aleatória; Finanças Comportamentais; Racionalidade; Caos.

ABSTRACT

The price fluctuation of assets negotiated in capital and financial markets has been the subject of a theoretical dispute between different methodological streams: some researchers understand that prices are determined at random, based on new information, and that investors decide rationally, according to the principles of efficient market theory. On the other hand, other researchers consider that reality is far more complex, so that no one is able to envisage all variables when investing, and that emotional factors play an important role in investors' decision. The latter support the behavioral finance theory. This article points out the main characteristics of efficient markets and presents some anomalies that are widely discussed among researchers to refute market efficiency.

Keywords: Market Efficiency; Random Walk; Behavioral Finance; Rationality; Chaos.

1 INTRODUÇÃO

Existe ou não racionalidade na formação de preços dos ativos transacionados nos mercados financeiros e de capitais? Que tipo de agentes atuam nesses mercados e quais são suas características? Como suas peculiaridades afetam os preços dos ativos e, por conseguinte, o retorno dos investimentos? Essa é a polêmica que existe hoje quando se discute a eficiência do mercado e a forma de decisão por parte dos investidores. No fundo, trata-se da dicotomia entre a racionalidade e o fenômeno comportamental e como tais referenciais interferem no estudo do mercado financeiro. O objetivo deste texto é reunir parte relevante dos fundamentos teóricos que compõem essa discussão acadêmica.

Na parte 2, descreve-se brevemente, o mercado financeiro e de capitais, seus agentes, funções e será enfatizado o papel fundamental que tem a informação como subsídio para as decisões de investimento. Na parte 3, serão abordados os principais fundamentos da teoria da eficiência de mercado, na qual a informação ocupa um lugar de destaque e é a principal fonte para determinar a formação de preços dos ativos e para garantir os lucros dos investidores. Essa teoria se fundamenta em pressupostos fortemente racionais. A parte 4 aponta que essa racionalidade não é um paradigma aceito por todos os pesquisadores e descreve quais são os principais argumentos utilizados para negar, ainda que parcialmente, os pressupostos de eficiência de mercado e de racionalidade por parte dos agentes econômicos presentes no mercado financeiro.

2 MERCADOS FINANCEIROS E DE CAPITAIS

O mercado financeiro é uma entidade que permeia a economia e que reúne indivíduos ou empresas que se interessam em captar ou emprestar recursos financeiros por motivos e para fins diversos. Isto é, há de um lado um grupo de poupadores, aqueles cuja renda lhes permite satisfazer suas necessidades de consumo imediato e, ainda, reservar parte para aplicar no mercado. De outro, estão aqueles que necessitam de recursos adicionais para fazer frente a suas necessidades imediatas, sejam elas para consumo ou para investimentos produtivos.

Há um terceiro grupo de participantes: os intermediários, instituições responsáveis por criar o mercado, isto é, reunir os diversos tomadores e investidores e propiciar a realização de negócios, pelos quais auferem uma comissão.

De acordo com Ross (2002), os mercados financeiros se dividem em duas categorias básicas: o mercado monetário, composto pelos títulos de dívida a curto prazo, e o mercado de capitais, no qual são transacionados títulos de dívida de longo prazo e as ações.

Resumindo, o mercado financeiro compreende um grupo organizado de intermediários e instituições de apoio - o Sistema Financeiro Nacional - que fazem convergir os interesses de tomadores e emprestadores, levando o capital a fluir pela economia e exercendo as funções apontadas abaixo.

2.1 Funções do mercado financeiro e de capitais

Naik (2001) resume as quatro funções principais do mercado financeiro, descritas a seguir. A primeira seria a de permitir a decisão eficiente entre consumos atual e futuro. Poupadores ou emprestadores são aqueles que abdicam do consumo imediato - isto é, postergam seu consumo - em troca de rendimento futuro. Tomadores são os indivíduos que necessitam antecipar o consumo para satisfazer necessidades pessoais ou para investimento em atividades produtivas. Por essa antecipação, eles se dispõem a pagar juros ou a dividir sua renda futura com aqueles que lhes emprestam tais recursos. O equilíbrio entre a oferta e a demanda por recursos se faz via taxa de juros.

A segunda função, muito importante no contexto de finanças, é o gerenciamento ou compartilhamento de risco. Isto é, empresas ou indivíduos mantêm ativos expostos a riscos e procuram, no mercado, instrumentos que os minimizem, seja pela diversificação de suas carteiras, seja pela transferência do risco a outras empresas ou indivíduos que se dispõem a assumi-los em troca de um prêmio. O mercado financeiro cumpre, nesse caso, um importante papel no sentido de garantir uma oferta constante e volume considerável de ativos e de criar operações que permitam a troca de riscos entre seus participantes. A garantia de ofertas se dá por intermédio das Bolsas de Valores, Bancos, Corretoras e Distribuidoras; pela regulamentação de operações com títulos de dívida e ações por parte dos órgãos reguladores instituídos pelo governo; e pela criação de fundos mútuos e clubes de investimento. A troca de riscos é possível por meio de operações de hedging, transacionadas nas Bolsas de Futuros e em mesas específicas de Bancos e Corretoras. Nesse último, cabe salientar a importante função do especulador, que é o indivíduo disposto a absorver os riscos em troca de retornos mais elevados.

A terceira função do mercado financeiro é permitir a separação entre investidores e a administração das empresas, isto é, pela liquidez do mercado de ações, investidores podem cumprir seu papel de doadores de recursos sem necessariamente estarem obrigados a administrar as companhias nas quais mantêm seus investimentos. Por outro lado, a administração se faz por meio de indivíduos nomeados pelos investidores, sem necessariamente terem participação de capital nas empresas que administram. Sendo assim, cabe ao administrador investir os recursos da empresa em projetos que venham a aumentar a riqueza dos investidores, ou seja, que tenham VPL positivo e taxas de remuneração acima do mercado. O interesse dos investidores é, por outro lado, manter seus recursos em empresas que mantenham uma boa relação de retorno versus risco e, com isso, aumentar sua riqueza. A grande discussão em pauta, no presente, está justamente no equilíbrio de interesses entre os investidores e a administração, relação essa inserida no contexto denominado de governança corporativa. Muitos têm sido hoje os exemplos de empresas e investidores que têm sofrido fortes revezes por conta de decisões tomadas por administradores com o fim único de garantir seus interesses pessoais e que têm ensejado a rigidez de controles e de fiscalização por parte dos órgãos reguladores do mercado, como ocorreu muito recentemente com a publicação da lei Sarbanes-Oxley nos EUA.

Como decorrência dessa última função, Naik (2001) afirma, também, que o mercado financeiro é uma importante forma de avaliação do desempenho da administração corporativa da empresa. Por meio de seus instrumentos, o mercado é capaz, via preço, de demonstrar a aprovação ou não das ações e dos investimentos realizados pela administração. Como decorrência, também pode ser utilizado pelos administradores para "sentir" a reação do mercado a potenciais projetos que estão por realizar e, assim, optar pelo de maior aceitação.

2.2 O mercado e a informação

Naik (2001) aponta que a informação é uma das principais matérias-primas do mercado financeiro, seja ela passado, presente ou expectativas futuras. É por intermédio dela que investidores direcionam seus investimentos; estimam rendimentos futuros; dimensionam o tamanho de seus riscos e qual o prêmio que exigirão para transferí-los a terceiros; determinam os papéis cujo desempenho favorece a mitigação do risco da carteira; entre outras. Informações, também, auxiliam na formação de cenários futuros que poderão viabilizar novos investimentos e, portanto, captação de recursos pelos tomadores. O especulador as utiliza para decidir qual o risco que está disposto a absorver e quanto será o retorno esperado, baseado em previsões formadas a partir de dados atuais e de expectativas sobre o futuro. Administradores, como já foi dito, utilizam informações do mercado para avaliar projetos de investimento e para se auto-avaliarem enquanto gestores de recursos de terceiros. O governo não só as utiliza com o intuito de promover a melhor gestão da coisa pública, como também são uma importante fonte geradora de dados relevantes, que serão utilizados pelos diversos agentes da economia, incluindo os participantes dos mercados financeiros e de capitais.

Mas qual a capacidade que tem o mercado de interpretar corretamente as informações, se é que existem informações que podem ser consideradas como corretas? Como o mercado reage via preço a essas informações? Serão essas as únicas fontes que realmente influenciam na precificação de títulos e ações? Ou a forma de interpretação dessas informações por parte dos indivíduos traça um viés que influencia os preços dos ativos de forma não racional? Essas são questões muito relevantes para o estudo da eficiência do mercado e da forma pela qual investidores realizam suas transações.

3 A EFICIÊNCIA DO MERCADO

Por eficiência entende-se a capacidade que o mercado tem de refletir fatos novos nos preços dos ativos comercializados. De acordo com Ross (2002), "mercados eficientes de capitais são aqueles nos quais os preços correntes de mercado refletem as informações disponíveis. Isso significa que os preços correntes de mercado refletem o valor presente dos títulos, e que não há maneira alguma de obter lucros extraordinários com o uso das informações disponíveis[...] quando um mercado é eficiente em termos de informação, dizemos que os preços contêm essa informação" (grifo do autor).

Por decorrência dessa definição, conclui-se que mudanças de preços acontecem sempre pela incorporação de novos eventos ao preço atual do ativo ou, em outras palavras, são conseqüências do uso eficiente de informações sobre processos aleatórios. Por processos aleatórios entende-se a inexistência de padrões de comportamento dos ativos. Essa é mais uma importante característica da teoria dos mercados eficientes: desempenho passado não é garantia de desempenho futuro. Como não existem padrões, não se pode utilizar informações passadas para prever o futuro. Preços futuros são, como já foi dito acima, influenciados apenas por novas informações que venham a afetar o ativo (como por exemplo, a aprovação de um novo projeto com VPL positivo por parte de uma empresa) e somente a partir do momento em que essa informação é divulgada.

A eficiência de mercado é categorizada em fraca, semi-forte e forte. O mercado é eficiente na forma fraca quando os preços dos ativos incorporam informações passadas, como, por exemplo, as demonstrações financeiras do período encerrado. A variação dos preços dos ativos ocorre sempre que alguma nova informação surge, modificando assim o retorno esperado até então. É o que se chama de caminhada aleatória ou "random walk". Na forma semi-forte, os preços atuais refletem toda a informação publicamente disponível no momento e o preço se altera imediatamente após o anúncio de novas notícias. Na eficiência forte, os preços incorporam todas as informações disponíveis, sejam elas públicas ou não.

A teoria da eficiência de mercado está fundamentada em quatro grandes premissas. Na primeira, considera que as expectativas dos investidores são racionais (THALER, 2001 e PEROBELLI et al., 2000), isto é, os investidores têm acesso a todas as informações disponíveis sobre o ativo e tomam suas decisões de forma racional. Por exemplo, dentre diversas alternativas de investimento, o indivíduo sempre optará por aquela que lhe garantirá o melhor rendimento futuro ou cuja característica de rentabilidade venha a mitigar os riscos diversificáveis de sua carteira. Isso corresponde a uma visão de um investidor racional, técnico, que sabe fazer contas e interpretar plenamente as informações do mercado.

A segunda premissa, apontada por Germain (2001), é a de que qualquer discrepância entre as taxas de retorno esperadas dos ativos é rapidamente arbitrada, eliminando-se, assim, potenciais ganhos supranormais. Estudos realizados por pesquisadores demonstram a rapidez com que o mercado absorve as novas notícias e como isso reflete nos preços dos ativos. Um exemplo muito claro está apontado em Ross (2002:288), que faz referência a estudos realizados por Szewczyk, Tsetsekos e Zantout (1997) sobre preço das ações de empresas que anunciaram suspensão de dividendos. Segundo esse estudo, o mercado antecipa em até um dia tais anúncios, de forma que o preço das ações cai. A partir do dia seguinte do anúncio, o preço do ativo deixa de sofrer oscilações significativas, demonstrando, assim, que o novo evento já estava "precificado". No dia anterior e no próprio dia do anúncio, o preço poderá oscilar fortemente, até mesmo em função das operações de arbitragem que os investidores estarão realizando, fato que será regularizado a curtíssimo prazo, de forma que os preços médios e os das operações, a partir do dia seguinte ao anúncio, estarão estabilizados em um novo patamar condizente com a nova realidade do ativo. Resumindo, o mercado eficiente funciona de forma a evitar que investidores obtenham uma taxa anormal de retorno. O conhecimento de qualquer nova informação, ao ser divulgada, não propicia vantagens adicionais à grande maioria dos investidores, pois o preço do ativo se ajusta imediatamente, antes mesmo que eles consigam negociá-lo com o uso da informação. Da mesma forma, as empresas emissoras recebem os preços justos pela venda de seus títulos.

Terceiro, um investidor poderia inferir as informações relevantes às perspectivas de um ativo a partir da observação do comportamento de seu preço de mercado (GERMAIN, 2001). Isso corresponde a dirigir um carro olhando pelo retrovisor. A oscilação do preço do ativo no mercado pode dizer ao investidor se o emissor está projetando maiores lucros futuros em função de projetos em implantação ou se já ocorreram outros eventos que já se incorporaram ao preço. É importante notar que se está tratando apenas do passado e o investidor está ciente de que não obterá ganhos anormais com esses eventos, pois o preço corrente do ativo já incorpora todas essas informações analisadas retrospectivamente. É importante deixar muito claro que essa premissa em momento algum dispõe que o futuro pode ser previsto em função do passado. O máximo que se pode esperar do futuro é ter os ganhos normais já embutidos no preço corrente do ativo.

A última premissa diz que todas as alterações nos preços dos ativos que diferem da apreciação normal feita pelos investidores devem ser decorrentes de novas informações (GERMAIN, 2001). Logo, eventos ou informações novas são a única causa de flutuações de preços, principalmente levando-se em conta que o investidor é racional e só admitirá comprar ativos cujos preços reflitam exatamente as condições de rentabilidade já incorporadas e absorvidas pelo mercado.

No jornal Valor Econômico de 27.09.02, em uma reportagem intitulada "Dados econômicos dos EUA surpreendem e bolsas sobem", o analista descreve com muita clareza como o preço das ações cotadas na Bolsa de New York flutuou ao sabor de eventos recém-divulgados: "As encomendas de bens duráveis à industria caíram 0,6% em agosto, mas isso foi motivo de alívio para os investidores, que esperavam um número pior (2,5%). Além disso, o número de americanos pedindo auxílio desemprego caiu [...](e) as vendas de novas residências atingiram um nível recorde[...] Tudo isso alimentou esperanças de que o crescimento dos lucros [...] pode finalmente começar a se acelerar. O índice Dow Jones [...] registrou o primeiro ganho em dois pregões consecutivos[...]". Mais abaixo, uma má notícia: "A ação da General Electric - que liderou a alta na quarta-feira - caiu ontem, depois que a companhia disse que só vai alcançar a meta de lucro para o terceiro trimestre por causa de ganhos com a venda de uma unidade e por causa de uma carga tributária menor". Note que o motivo da alta não necessariamente representa uma iniciativa própria da empresa - no caso, a redução da carga tributária - ou mesmo decisões que venham na contramão da expansão dos negócios e que a longo prazo possam afetar a geração de retorno aos acionistas - como a venda da unidade. Estaria sendo racional a análise do investidor? Estariam esses ganhos beneficiando os investidores apenas no curto prazo? A dicotomia entre curto e longo prazos e a preferência dos investidores será um assunto tratado no item quatro deste artigo. Retornando ao exemplo citado, diariamente se vê que jornais, revistas e outras publicações estão repletos de exemplos como esse, que reforçam a teoria de mercados eficientes.

4 CONTROVÉRSIAS ACERCA DA TEORIA DE MERCADOS EFICIENTES

A questão é se realmente se pode afirmar que a flutuação de preços dos ativos pode ser exclusivamente explicada sob o prisma racional. Existem outros fatores que podem influenciar na decisão do investidor e que subitamente pode fazê-lo engendrar um caminho distinto daquele ditado pela eficiência de mercado? Seguem algumas questões levantadas por pesquisadores na atualidade.

De acordo com Barberis (2001), o mercado é formado por pessoas, que cometem erros de processamento das informações, que podem ser influenciadas por outras que visam obter ganhos extraordinários a suas custas. Elas, também, podem, simplesmente, não ter acesso tempestivo a informações ainda que públicas. Além disso, pessoas interpretam informações de acordo com suas crenças e valores, cuja atualização se dá lentamente, isto é, a velocidade de mudança dessas crenças e valores pode ser infinitamente inferior a dos eventos do mercado financeiro. Por conseqüência, transacionam ativos por inércia, super-reagem ou sub-reagem a notícias e podem até mesmo encontrar padrões onde não existem. Com relação a essa última tendência, esse mesmo autor cita o "data mining", ou seja, o uso de ferramenta estatística que busca encontrar padrões que determinaram estratégias lucrativas no passado e que podem ser replicadas no presente a fim de se auferir em ganhos extraordinários. Kahneman e Smith foram os ganhadores do prêmio Nobel de 2002 por suas pesquisas no ramo de finanças ou economia comportamentais, cujo escopo é estudar fenômenos como os citados acima (ALTMAN, 2002). Pedro Malan, Ministro da Fazenda do governo Fernando Henrique Cardoso, em uma reportagem do jornal Valor Econômico de 27.09.02, criticou os analistas de Wall Street pelo que chamou de "preocupações excessivas do mercado com o resultado da eleição". Citando que o mercado exibe um "comportamento de manada", enfatizou: "Os mercados são dirigidos por uma combinação de ganância contagiosa[...]; de medo[...]; e de ignorância".

Em segundo lugar, autores como Andrew Lo e Craig Mackinlay (2001) realizaram pesquisas que refutaram a teoria da caminhada aleatória. Por meio de evidências empíricas, constataram que os preços presentes de ações têm correlação parcial com o desempenho passado, o que tornaria possível a previsibilidade, principalmente a curto prazo. Conseqüentemente, abre-se a possibilidade de investidores terem ganhos anormais "por meio da administração de investimentos ativa e disciplinada[...] os lucros provenientes de uma administração ativa de investimentos não precisam ser decorrentes da ineficiência do mercado, mas podem ser simplesmente a justa recompensa por investidas bem sucedidas em tecnologia financeira" (grifo ao autor).

Outro ponto, levantado por Musto (2001), refere-se à real confiabilidade nos números apresentados nas demonstrações financeiras das empresas, pois essas tendem a ajustar seus balanços de final de exercício visando a outros interesses distintos dos acionistas, como crédito e remuneração dos administradores. Em outras palavras, nem sempre as informações divulgadas por meio das demonstrações financeiras anuais refletem a real situação econômica da empresa e seus projetos futuros, pois necessidades internas, muitas vezes descoladas dos interesses dos acionistas - principalmente dos minoritários - podem interferir em sua elaboração. Informações incorretas gerarão expectativas falsas e, portanto, precificação errônea dos ativos. Ainda com relação a essa questão, Ball (1991) cita a decisão de retenção de lucros, que pode se chocar com as expectativas anteriores do mercado quanto à lucratividade do papel (nesse caso em termos de fluxo de caixa para o investidor). Os defensores do mercado eficiente poderão dizer que, nesse caso, os preços se formaram com base nas informações passadas ou publicamente disponíveis, ainda que "contaminadas", o que estaria de acordo com as formas fraca e possivelmente semi-forte de eficiência. Mas o mesmo não seria verdadeiro para a forma forte. Além disto, estar-se-ia entrando em uma esfera não racional de argumentação, e, por conseqüência, inserindo na análise um comportamento egoísta por parte daqueles que deveriam garantir informações verdadeiras ao mercado.

A quarta questão refere-se à dicotomia entre curto e longo prazos, explorada por Marsh (2001). A característica do investidor é ser imediatista - quer receber dividendos no menor prazo possível - o que só é possível se a administração trabalhar visando a lucros de curto prazo e, portanto, inibindo ou até mesmo abortando projetos com prazos de maturação mais longos. Isso reforça a falta de racionalidade com que o investidor realiza suas aplicações, pois visando ao curto prazo ele está, na verdade, comprometendo seus lucros futuros a longo prazo. No sentido figurado, ele estaria "dando um tiro em seu próprio pé".

A quinta e última controvérsia corresponde ao questionamento levantado por Dechow et al. (2001) quanto à independência dos analistas de mercado. Esses profissionais são uma importante fonte de informação e de formação de opiniões para o mercado, e por isso deveriam ser o mais independentes e imparciais possível. Todavia, essa independência e imparcialidade são seriamente comprometidas pelas estratégias de suas instituições, pelas funções que esses profissionais efetivamente exercem e por interesses próprios. O analista se torna, na realidade, um importante fator para alavancar negócios em suas instituições, nas quais, muitas vezes, coexistem serviços de subscrição e de corretagem, ao mesmo tempo. Além disso, são portadores de informações confidenciais, nem sempre à disposição do grande público, e que por isso adquirem valor. Além do mais, analistas, também, são indivíduos, que interpretam negócios e investimentos baseados em análises técnicas e em seu conjunto muito particular de crenças e valores, dentre os quais existe o receio de se tornar um profissional marcado como excessivamente pessimista ou otimista. No artigo do jornal Valor Econômico de 27.09.02, Mohamed El-Erian, administrador de fundos de investimento, tece o seguinte comentário a respeito dos analistas de Wall Street com relação às suas interpretações pessimistas quanto ao risco Brasil: "Muitos analistas estão cometendo o mesmo erro que cometeram na Argentina. Mas, no caso da Argentina, esse erro os levou a ser otimistas demais[...]. No caso do Brasil, os analistas estão cometendo o mesmo erro pelo outro lado". Isto é, muitos analistas avaliaram a crise Argentina como um fenômeno apenas conjuntural, com pequena duração e conseqüências menores para o mercado financeiro, o que se revelou mais tarde um grande erro de avaliação e levou muitos clientes a perdas irreparáveis. O medo de cometer o mesmo tipo de erro de avaliação os levou a exacerbar os efeitos da crise brasileira, con si derando-a como estrutural e recomendando a seus clientes transferir seus recursos a países ou a títulos com menor risco - o que o Sr. El-Erian considerava ser outro grande erro. Na Gazeta Mercantil de 08.10.02 consta que "milhares de analistas de Wall Street estão com a cabeça a prêmio. Citigroup, Crédit Suisse, First Boston e Merril Lynch parecem resignados a manter seus analistas em empresas separadas por conta de acusações de parlamentares, autoridades e investidores[...] de que os bancos de investimento lucraram com as estimativas irreais de seus analistas". Essa última citação demonstra como a falta de independência desses analistas pode afetar seriamente a credibilidade dos agentes do mercado, dado que suas recomendações buscaram trazer lucros a certas unidades de negócios das instituições para as quais trabalhavam, em detrimento dos clientes a quem deveriam aconselhar.

Essas controvérsias mostram, portanto, o outro lado da moeda, isto é, que o mercado não é tão racional e bem informado como demonstram os estudos acerca da teoria da eficiência de mercado. É, na verdade, formado por indivíduos que buscam por resultados de forma muito peculiar, baseados em realidades construídas em função de sua experiência de vida, da possibilidade de acesso a informações e de interesses pessoais.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando a introdução a este texto, foram reunidos de forma simplificada, os argumentos que municiam o embate entre essas duas diferentes visões acerca do funcionamento do mercado de capitais. Como pano de fundo, tem-se o choque entre diferentes correntes metodológicas, cada uma delas com seus pressupostos conceituais que lhe são característicos. De um lado, o pensamento racional, que torna técnica e padronizada a ação dos agentes de mercado, que coloca a análise de dados acima das limitações ou idiossincrasias humanas. Estudos estatísticos demonstram como o comportamento dos preços segue padrões aleatórios, mas baseados em premissas recorrentes: informações disponíveis, democraticamente, ao mercado geram análises padronizadas e expectativas comuns a todos e desencadeiam movimentos de preços presentes que antecipam os resultados estimados futuros. As imprecisões nos modelos decorrem, exclusivamente, do fato de os mercados não estarem todos no mesmo nível de eficiência: alguns trabalharão dentro de uma eficiência fraca, outros na semi-forte e na forte. Por conseqüência, pesquisadores podem embutir o comportamento do mercado em fórmulas matemáticas e estatísticas, nas quais um pequeno número de variáveis pode ser suficiente para explicar os resultados obtidos.

De outro lado, há correntes de pensamento que se caracterizam por pressupor que a realidade não pode ser tão racionalmente determinada, pois o nível de complexidade das relações internas aos mercados não permite que os investidores analisem todo o conjunto de variáveis existentes para tornar exclusivamente racional sua decisão de investir. Tais variáveis são ora objetivas - como informações disponíveis, taxas de juros, e outras-ora subjetivas, como as características de personalidade do investidor, efeito manada, etc. Thomaz Wood (1995) discute a relação entre a teoria do caos e finanças da seguinte forma: "Estudos recentes têm levado em conta as relações não lineares entre as variáveis financeiras e os complexos mecanismos de retroalimentação do sistema. Segundo estes estudos, as séries temporais de valores de ações têm componentes tanto deterministas - gerados por leis caóticas vindas da infra-estrutura do mercado - quanto componentes randômicos, ligados à constante chegada de informações aos agentes". Citando a pesquisa feita por Larrain (1991) a respeito da evolução do preço das ações, Wood escreve que "a questão maior para os teóricos e matemáticos do Caos é determinar se há um modelo particular pelo qual os sistemas se dirigem à desordem e à turbulência [...] O trabalho sugere que, na prática, coexistem estruturas não lineares - capazes de bifurcações periódicas e comportamento violento - com estruturas macroeconômicas bem comportadas". Todavia, se o conjunto desses fatores, em última instância, forma uma corrente que demonstra a eficiência de mercado é uma questão ainda a ser analisada por pesquisadores. Entretanto, serão esses pesquisadores totalmente independentes, livres de idéias preconcebidas e desejosos de aceitar realidades distintas de suas crenças pessoais? Será, também, a realidade um objeto de estudo estático, que não se modifica nem mesmo pela simples presença do pesquisador?

Recebido em 09.02.04

Aceito em 05.07.04

NOTA:

Endereço dos autores:

Pontifícia Universidade Católica - PUC

Rua Monte Alegre, 984 - Perdizes

São Paulo - SP - 08141-520

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jun 2011
  • Data do Fascículo
    Abr 2005

Histórico

  • Aceito
    05 Jul 2004
  • Recebido
    09 Fev 2004
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