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Infecções do trato urinário: análise da freqüência e do perfil de sensibilidade dos agentes causadores de infecções do trato urinário em pacientes com cateterização vesical crônica

Analysis of the frequency and antimicrobial susceptibilities to urinary tract infections agents in chronic catheterized patients

Resumos

INTRODUÇÃO: As infecções do trato urinário (ITU) ganharam maior importância entre as infecções hospitalares, principalmente a relacionada à sondagem vesical crônica (80% de todas as ITU). OBJETIVOS: Avaliar a freqüência e o perfil de sensibilidade dos agentes causadores de ITU em pacientes cronicamente sondados em acompanhamento ambulatorial. MÉTODO: Dividido em duas etapas: coleta de dados laboratoriais com análises do perfil de sensibilidade dos agentes encontrados por laminocultivo e de prontuários, sendo instituída uma correlação clinicolaboratorial com os dados dos pacientes. RESULTADOS: A amostra do trabalho foi de 109 pacientes, com uma análise de 858 culturas das quais 674 (78,57%) foram positivas. Em relação às culturas de urina, os agentes etiológicos mais comuns encontrados foram a Pseudomonas aeruginosa (42,77% - 288 amostras), seguida por Escherichia coli (13,14% - 89 amostras) e Candida sp. (7,68% - 52 amostras). Segundo as medicações orais de escolha para o tratamento ambulatorial, a sensibilidade do norfloxacino para bacilos gram-negativos variou de 40% a 44,34% e do ciprofloxacino de 35,13% a 51,37%. Os principais fatores de risco foram tempo de cateterização, idade e diagnóstico de base. DISCUSSÃO: A faixa etária predominante dos pacientes foi a da sétima década de vida, o tempo de sondagem foi inferior a três anos e o diagnóstico de base principal a hiperplasia prostática benigna (HPB). O perfil de sensibilidade para os bacilos gram-negativos mostrou uma sensibilidade variável perante antibióticos indicados para a ITU. CONCLUSÃO: Concluímos em nosso estudo que n = 674 (78,57%) das uroculturas dos pacientes sondados são positivas para bactérias ou fungos. O agente mais freqüente de ITU nesses pacientes é a Pseudomonas aeruginosa, seguida da Escherichia coli, o segundo agente mais freqüente.

Infecção urinária; Sondagem vesical de demora; Antimicrobianos; Infecção hospitalar


BACKGROUND: Urinary tract infections (UTI) are gaining a new role of importance in nosocomial infections. The main reason for this increase is the huge number of chronic catheterized patients (corresponding to 80% of all UTI). OBJECTIVES: Analysis of the frequency and antimicrobial susceptibilities to urinary tract infections agents in chronic catheterized patients in outpatient setting. METHOD: Urine cultures of 109 patients mentioned above were analyzed and if positive, it was collected the patient conditions that leads to UTI, the causative agents and the antimicrobial susceptibilities. RESULTS: From the 858 urine cultures analyzed from 109 patients, 674 (78.57%) were positive for pathogens growth. The most common microorganisms found were the Gram-negative bacilli with 618 (92.38%) cultures in which Pseudomonas aeruginosa was found in 288 (42.77%) of them, followed by Escherichia coli with 89 (13.14%) cultures, antibiotic susceptibilities to norfloxacin was 40%-44.34% and to ciprofloxacin was 35.13%-51.37%, main choice to oral treatment. The main predisposed condition for the infection in these patients was: time of catheterization, age and diagnosis. DISCUSSION: In this study, it was determined that conditions predisposed towards UTI are fundamental for orientation, medical treatment and care in the catheterization. The data collection showed that 674 (78.57%) of these patients had infections, with great incidence in the first and second years. CONCLUSION: The non-fermentative Gram-negative bacilli were the most common agents that differentiate them from the infections within the community in which the most frequent agent is Escherichia coli (which was the second agent in this study).

Catheter-associated urinary; tract infections; Urinary tract infections; antibiotics; Nosocomial infections


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL PAPER

Infecções do trato urinário: análise da freqüência e do perfil de sensibilidade dos agentes causadores de infecções do trato urinário em pacientes com cateterização vesical crônica

Analysis of the frequency and antimicrobial susceptibilities to urinary tract infections agents in chronic catheterized patients

Giancarlo LucchettiI; Antônio José da SilvaII; Suely Mitoi Ykko UedaIII; Marjo Cadernuto Deninson PerezIV; Lycia Maria Jenne MimicaV

IMédico-residente da Clínica Médica da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP)

IIMédico-residente da Cirurgia da ISCMSP

IIIProfessora instrutora da Disciplina de Microbiologia do Departamento de Ciências Patológicas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP)

IVProfessor-assistente da Disciplina de Urologia do Departamento de Cirurgia da FCMSCSP

VChefe da Disciplina de Microbiologia do Departamento de Ciências Patológicas da FCMSCSP. Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Giancarlo Lucchetti Av. Juriti, 367 – Apto 131 – Moema CEP 04520-000 – São Paulo-SP Fone/Fax: (11) 5052-1298 E-mail: gian.tln@terra.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: As infecções do trato urinário (ITU) ganharam maior importância entre as infecções hospitalares, principalmente a relacionada à sondagem vesical crônica (80% de todas as ITU).

OBJETIVOS: Avaliar a freqüência e o perfil de sensibilidade dos agentes causadores de ITU em pacientes cronicamente sondados em acompanhamento ambulatorial.

MÉTODO: Dividido em duas etapas: coleta de dados laboratoriais com análises do perfil de sensibilidade dos agentes encontrados por laminocultivo e de prontuários, sendo instituída uma correlação clinicolaboratorial com os dados dos pacientes.

RESULTADOS: A amostra do trabalho foi de 109 pacientes, com uma análise de 858 culturas das quais 674 (78,57%) foram positivas. Em relação às culturas de urina, os agentes etiológicos mais comuns encontrados foram a Pseudomonas aeruginosa (42,77% – 288 amostras), seguida por Escherichia coli (13,14% – 89 amostras) e Candida sp. (7,68% – 52 amostras). Segundo as medicações orais de escolha para o tratamento ambulatorial, a sensibilidade do norfloxacino para bacilos gram-negativos variou de 40% a 44,34% e do ciprofloxacino de 35,13% a 51,37%. Os principais fatores de risco foram tempo de cateterização, idade e diagnóstico de base.

DISCUSSÃO: A faixa etária predominante dos pacientes foi a da sétima década de vida, o tempo de sondagem foi inferior a três anos e o diagnóstico de base principal a hiperplasia prostática benigna (HPB). O perfil de sensibilidade para os bacilos gram-negativos mostrou uma sensibilidade variável perante antibióticos indicados para a ITU.

CONCLUSÃO: Concluímos em nosso estudo que n = 674 (78,57%) das uroculturas dos pacientes sondados são positivas para bactérias ou fungos. O agente mais freqüente de ITU nesses pacientes é a Pseudomonas aeruginosa, seguida da Escherichia coli, o segundo agente mais freqüente.

Unitermos: Infecção urinária, Sondagem vesical de demora, Antimicrobianos, Infecção hospitalar.

ABSTRACT

BACKGROUND: Urinary tract infections (UTI) are gaining a new role of importance in nosocomial infections. The main reason for this increase is the huge number of chronic catheterized patients (corresponding to 80% of all UTI).

OBJECTIVES: Analysis of the frequency and antimicrobial susceptibilities to urinary tract infections agents in chronic catheterized patients in outpatient setting.

METHOD: Urine cultures of 109 patients mentioned above were analyzed and if positive, it was collected the patient conditions that leads to UTI, the causative agents and the antimicrobial susceptibilities.

RESULTS: From the 858 urine cultures analyzed from 109 patients, 674 (78.57%) were positive for pathogens growth. The most common microorganisms found were the Gram-negative bacilli with 618 (92.38%) cultures in which Pseudomonas aeruginosa was found in 288 (42.77%) of them, followed by Escherichia coli with 89 (13.14%) cultures, antibiotic susceptibilities to norfloxacin was 40%-44.34% and to ciprofloxacin was 35.13%-51.37%, main choice to oral treatment. The main predisposed condition for the infection in these patients was: time of catheterization, age and diagnosis.

DISCUSSION: In this study, it was determined that conditions predisposed towards UTI are fundamental for orientation, medical treatment and care in the catheterization. The data collection showed that 674 (78.57%) of these patients had infections, with great incidence in the first and second years.

CONCLUSION: The non-fermentative Gram-negative bacilli were the most common agents that differentiate them from the infections within the community in which the most frequent agent is Escherichia coli (which was the second agent in this study).

Key words: Catheter-associated urinary, tract infections, Urinary tract infections, antibiotics, Nosocomial infections.

Introdução

As infecções do trato urinário (ITU) estão no grupo dos quatro tipos mais freqüentes de infecções hospitalares(16), sendo caracterizadas pela invasão de microrganismos em qualquer tecido da via urinária.

As causas de retenção urinária podem ser congênitas ou adquiridas. Nas causas congênitas temos o estreitamento congênito do meato em meninos e, nas meninas, as válvulas da uretra posterior e as junções ureterovesicais e ureteropélvicas. Entre as causas adquiridas as mais freqüentes são bexiga neurogênica, prostatismo, cálculo ureteral, fibrose ou tumor maligno retroperitoneal e gravidez.

Entre as ITUs, são de suma importância aquelas que acometem os pacientes em uso crônico de sonda vesical(11). Tais pacientes apresentam dificuldade de eliminação da urina e, conseqüentemente, retenção urinária que, se não tratada adequadamente, pode cursar com inúmeras outras complicações como a pielonefrite(8, 9).

Durante os procedimentos invasivos com sondagem vesical, o paciente está mais propenso a adquirir ITU. Assim, o desenvolvimento da infecção depende de múltiplos fatores envolvidos na relação bactéria-hospedeiro:

• fatores bacterianos como a virulência e a aderência aos receptores uroteliais(17);

• fatores do hospedeiro: fatores como flora bacteriana normal, pH ácido vaginal, pH urinário, alta concentração de uréia, ácidos orgânicos e o ato da micção que remove as bactérias da parede vesical, bem como fatores genéticos e alterações anatomofuncionais do trato urinário, normalmente dificultam a aderência de uropatógenos ao urotélio e encontram-se reduzidos(12);

• fatores predisponentes: técnicas de assepsia e de sondagem vesical, e tempo de sondagem.

Na contaminação pela via periuretral há diferenças entre os sexos quanto à forma de colonização. Em pacientes do sexo feminino, em torno de 70% das ITUs ocorrem quando, a partir da colonização do períneo e uretra, as bactérias alcançam a bexiga, através do muco periuretral que engloba e envolve o cateter. Já nos pacientes do sexo masculino, somente em um terço dos que desenvolveram bacteriúria relacionada ao cateter foi possível demonstrar as colonizações uretral e retal prévia pelo mesmo microrganismo. No homem, aparentemente, a maior parte das ITUs são causadas por contaminação do cateter e/ou sistema coletor, através das mãos dos profissionais de saúde ou do próprio paciente(15, 17, 22). A elevada freqüência de contaminação de pacientes em uma mesma unidade, por um mesmo microrganismo, demonstra a importância das mãos como fontes carreadoras responsáveis pelas infecções cruzadas e pelos surtos de ITU, revelando a necessidade de uma boa higienização no atendimento a um paciente(15).

Na via intraluminal a bacteriúria pode ocorrer, do lúmen do cateter vesical a partir da bolsa coletora de urina, ou quando da desconexão (desaconselhável explicitamente) do sistema fechado, em dois locais:

• no tubo de drenagem do saco coletor com a finalidade de esvaziar o recipiente;

• na junção do cateter vesical e tubo coletor: nessas condições as bactérias penetram nos locais citados, se multiplicam e, por via retrógrada, os alcançam em torno de 24 a 48 horas(15).

Alguns conceitos básicos relacionados com a ITU devem estar bem esclarecidos para que as intervenções sejam efetivas. Entre eles está o conceito de bacteriúria, que pode ser e/ou não significativa para indicar a presença de infecção. Bacteriúria significa a presença do microrganismo no trato urinário e é detectada através da cultura de urina, passando a ser significativa de acordo com o método de coleta. Quando colhida através de jato médio urinário e assepsia, o critério de 100.000 ou mais unidades formadoras de colônia por mililitro (UFCs/ml) tem se mostrado suficientemente satisfatório para diferenciar contaminação de bacteriúria verdadeira(7, 8).

Contagens de colônia que superem 100.000 UFCs/ml de amostras colhidas assepticamente por aspiração de cateter, em local apropriado do tubo de drenagem, têm sido consideradas como bacteriúria significativa. A explicação e a justificativa para tal aceitação se baseiam nos estudos de iniciação de colonização, em pacientes com urina previamente estéril submetidos a cateterização vesical. Estudos comprovaram que, em curto espaço de cateterização vesical, a urina previamente estéril torna-se colonizada por bactérias.

Para definir a ITU é necessário o cumprimento de uma série de critérios diagnósticos e, essencialmente, que se tenha juízo crítico suficiente para interpretar o mais uniformemente possível tal evento. Esses critérios diagnósticos já foram estudados e padronizados pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC) de Atlanta nos EUA(3).

Em vista de todos os aspectos abordados – a vulnerabilidade do paciente sondado crônico, a ITU, as vias de acesso do agente patogênico ao trato urinário do paciente, a obtenção do diagnóstico de ITU, bem como o perfil de sensibilidade – o profissional de saúde poderá adotar uma abordagem mais resolutiva quanto a esse paciente, no que tange a questões de prevenção e terapêutica das infecções do trato urinário, possibilitando, portanto, avaliar o perfil dos pacientes com cateterização vesical crônica.

Objetivo

Avaliar a freqüência e o perfil de sensibilidade dos agentes causadores de ITU em pacientes cronicamente sondados e em acompanhamento no ambulatório de Urologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Metodologia

Este trabalho foi dividido em duas etapas:

• Coleta de dados laboratoriais: foram analisadas todas as uroculturas encaminhadas do ambulatório de Urologia, no período entre janeiro e dezembro de 2001, de pacientes dos sexos masculino e feminino com sondagem vesical de demora e várias patologias.

Foram 858 amostras de urina colhidas da conexão do cateter através da aspiração com agulha e seringa estéreis e colocadas em laminocultivo (Uribac® da Probac, um sistema de cultura em lâmina para o diagnóstico dos principais agentes de infecções urinárias, que permite a quantificação dos agentes e evita a contaminação por outros agentes) e enviadas ao laboratório para análise. Os critérios para a solicitação desses exames foram turvação da urina observada no saco coletor, queixa do paciente (febre, desconforto, mal-estar, náuseas etc.), longo tempo de sondagem vesical, presença de secreção no meato uretral e controle de tratamento com antimicrobianos.

Os laminocultivos foram processados e analisados de acordo com os padrões do laboratório, sendo realizados a identificação do microrganismo e o perfil de sensibilidade. Caso houvesse o crescimento de mais de um agente, cada amostra era analisada individualmente (contaminação ou agente responsável pela infecção). Na contaminação eram solicitadas novas amostras e na infecção os agentes eram isolados seguindo-se a rotina do laboratório de microbiologia.

As uroculturas encaminhadas do laboratório de microbiologia eram processadas da seguinte forma:

– avaliação dos pedidos e identificação dos frascos;

– encaminhamento à estufa a 37°C e avaliação do crescimento em 24 horas e 48 horas.

Caso houvesse a multiplicação dos microrganismos, era avaliado o número de colônias e feita a sua quantificação; realizada a coloração de Gram e, seguindo as características observadas de morfologia e tipo de parede, realizada a série bioquímica apropriada. Se houvesse mais de uma colônia, eram realizados o isolamento e em seguida o antibiograma. O padrão do antibiograma obedece às normas do National Committee for Clinical Laboratory Standards (NCCLS) de 2001(13).

Por outro lado, caso a amostra fosse negativa, o exame era liberado como negativo após 48 horas, e na identificação de leveduras essas eram liberadas com a quantificação do número de colônias. Para a realização do teste de sensibilidade foi utilizado o método de Kirby-Bauer ou método de disco difusão-ágar, que consiste na semeadura da bactéria (0,5 da escala de Mac Farland, aproximadamente 1,5 x 108 UFC/ml) em placas de ágar Mueller-Hinton e colocação dos discos de antimicrobianos a uma distância de 3cm.

As placas preparadas dessa forma eram então incubadas durante 24 horas a 37ºC e, posteriormente, feita a leitura dos halos de inibição. Caso houvesse cepas de bactérias multirresistentes, a resistência era confirmada através de nova incubação das bactérias em placas de Mueller-Hinton com fitas de E-test (fitas com doses logarítmicas e escalonadas de antimicrobianos, com a possibilidade de obtenção da concentração inibitória mínima [CIM])(13).

Neste estudo foram consideradas como positivas as uroculturas com contagem de colônias > 105 UFC/ml. Já amostras com contagens de colônias inferiores foram consideradas negativas, evitando assim possíveis contaminações ou colonizações.

• Análise dos prontuários: através do Serviço de Arquivo Médico (SAME) da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo foi realizada a correlação clinicolaboratorial; foram levantados e avaliados prontuários de 109 pacientes. Nesses prontuários foram pesquisados dados referentes a possíveis fatores associados à infecção, como doença de base, tempo de sondagem vesical (uso contínuo), procedimentos realizados e terapêutica proposta. Esses dados foram pesquisados levando-se em conta trabalhos e protocolos internacionais relacionados à infecção urinária associada ao cateter(3, 4, 10, 14, 19).

O projeto deste trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Resultados

Características das amostras

Obtivemos um total de 858 culturas de pacientes sondados crônicos, das quais 674 (78,57%) foram consideradas positivas e 184 (21,43%) consideradas negativas.

As freqüências dos agentes etiológicos foram relacionadas de acordo com a incidência nos principais microrganismos isolados. Esses dados são mostrados na Tabela 1. Observamos que a Pseudomonas aeruginosa obtida de 288 amostras (42,77%) foi o principal agente isolado, seguida da Escherichia coli isolada de 89 amostras (13,14%), estes dois agentes representam (55,91%). A Candida sp. é o terceiro agente isolado proveniente de 52 amostras (7,8%).

Quando analisamos os agentes segundo os principais grupos de microrganismos, observamos um predomínio dos bacilos gram-negativos não-fermentadores da glicose isolados em 331 uroculturas (49,2%), seguido das enterobactérias em 287 amostras (42,56%) e de um baixo número de leveduras e cocos gram-positivos, que representam 56 amostras (8,3%). Esses dados são mostrados na Figura 1.


No entanto, ao analisar o perfil de sensibilidade dos principais agentes, observamos uma sensibilidade baixa a antibióticos de escolha primária, de fácil administração (medicamentos orais) e baixo custo, como o norfloxacino e o ciprofloxacino. Antimicrobianos como a gentamicina apresentam uma baixa cobertura para os bacilos gram-negativos não-fermentadores da glicose, com uma sensibilidade que varia de 55,47% a 63,15%, sendo maior para a E. coli, ou seja, 86,84% de sensibilidade. Os dados obtidos são mostrados nas Figuras 2 e 3.



Características dos pacientes

A amostra final constou de 109 pacientes sondados crônicos com infecção do trato urinário, no período de janeiro a dezembro de 2001, sendo que desses pacientes 102 são do sexo masculino (93,5%) e sete são do feminino (6,4%).

Em relação à faixa etária, há um predomínio das uroculturas positivas em pacientes com mais de 60 anos, nos quais observamos 77 amostras (70,6%). Esses dados são mostrados na Figura 4.


Quando avaliamos as patologias de base que levaram o paciente ao ambulatório de urologia, observamos que a hiperplasia prostática benigna (HPB) e a estenose de uretra, observadas em 62 pacientes, correspondem a 56,7% das doenças. Esses dados são apresentados na Tabela 2.

O tempo de uso da sonda vesical de demora também constitui fator de risco para a infecção urinária associada ao cateter. Neste artigo avaliamos o uso contínuo dessas sondas, que chegou a mais de sete anos em nove pacientes (8,3%). A maior parte dos 46 pacientes (42,1%) avaliados neste estudo apresentou infecção até o terceiro ano de sondagem. Contudo, quando avaliamos esse fator de risco, a dificuldade em determinar o tempo de uso da sonda foi maior que nos demais fatores devido à falta de anotação nos prontuários avaliados, portanto, em 34 pacientes (31,2%) não foi possível avaliar esse fator. Os dados completos são mostrados na Tabela 3.

Discussão e conclusão

A observação de alguns dados relevantes dos resultados, como o alto número de positividade dos antibiogramas, a alta taxa de resistência dos microrganismos frente a alguns antibióticos e a elevada incidência de HPB como diagnóstico de base dos pacientes sondados crônicos, permite que sejam discutidas algumas possibilidades para melhor abordagem desses pacientes.

Segundo dados epidemiológicos 35% a 45%(15) de todas as infecções hospitalares adquiridas são ITUs, sendo que 80% estão relacionadas ao uso do cateter vesical de demora (principal veículo de transmissão)(14). Entre os pacientes submetidos à cateterização vesical, 10% deles são portadores prévios de bactérias. Daqueles sem bactérias na fase pré-sondagem, 10%-20% desenvolverão bacteriúria durante a cateterização e, nesse grupo, 20%-30% (2%-6% de todos os pacientes sondados) apresentarão sintomas de ITU.

No entanto, agravando mais essa situação, estima-se que a colonização da urina na bexiga ocorrerá em torno de 50% após 10-14 dias de cateterização(18), mesmo com assepsia adequada e sistema fechado de drenagem(15). Há um consenso de que o risco de um indivíduo saudável adquirir bacteriúria, após uma única cateterização vesical, varie de 0,5% a 8%, sendo a média de 1%-2%. Em pacientes longamente acamados e gravemente debilitados essas taxas se elevam de 15% a 30%. O risco de adquirir bacteriúria ocorre em torno de 5% por dia de permanência do cateter (risco acumulado). Tal dado literário é comprovado com a grande positividade de culturas (78,57%) encontrada em nossa amostra.

Os bacilos gram-negativos são os principais agentes causadores de ITU, como relatado na literatura, principalmente a E. coli(15, 22). Os dados observados em nossos resultados mostram a P. aeruginosa como o principal agente causador de infecção urinária nos pacientes cronicamente sondados, confirmando dados da literatura(2). Isto ocorre devido às características desse agente oportunista que necessita de um ambiente com grande quantidade de água para se multiplicar (bolsa coletora de urina nos pacientes com sondagem vesical de demora).

Também é importante lembrar que os bacilos gram-negativos não-fermentadores da glicose formam um biofilme, sendo necessária a remoção de todo o sistema (sonda vesical) para o tratamento adequado da infecção.

De fundamental importância para qualquer procedimento e/ou tratamento adequado é um diagnóstico preciso e precoce(20, 22). Assim, é necessário que o profissional de saúde esteja atento aos sinais e sintomas clínicos apresentados pelo paciente, bem como a uma escolha correta dos exames a serem solicitados(19). Conhecidas as formas de obtenção do diagnóstico, podemos analisar as amplas variações de sensibilidade aos antibióticos nas diferentes cepas de determinada espécie bacteriana causadora de ITU. Ao escolher o fármaco é essencial obter informações sobre o padrão de sensibilidade do microrganismo infectante(6, 17).

As indicações de escolhas de agentes específicos para o tratamento das infecções urinárias inevitavelmente provocam discussões e controvérsias devido às diferenças nos pontos de vista e nas experiências clínicas pessoais. Além disso, pode haver vários agentes igualmente eficazes para a escolha, tornando-a por vezes um tanto arbitrária. Os padrões de sensibilidade dos microrganismos podem variar amplamente, dependendo do hospital ou das clínicas em que foram isolados(6, 17).

Como tratamento para as infecções urinárias em pacientes cronicamente sondados devemos lembrar sempre que existe:

• tratamento medicamentoso que deve ser baseado no uso racional de medicamentos, em que são avaliados a eficácia da medicação, os efeitos colaterais, a facilidade de administração e o custo;

• tratamento não-medicamentoso, como troca de sonda, correção da patologia de base e retirada dos fatores de risco(1, 21).

Por fim, é pertinente destacar ainda a grande incidência de HPB como doença de base desses pacientes, o que torna discutível até que ponto a sondagem crônica deva ser utilizada para tal patologia, já que esse procedimento traz grandes morbidades, como infecções de repetição, além de intensificar as dificuldades no convívio social. Assim sendo, outros tratamentos devem ser questionados, como as ressecções cirúrgicas, e alternativas quanto à sondagem crônica (sondagens intermitente e de alívio, cateter impregnado com antimicrobianos, entre outros)(5).

Discutidos todos os aspectos citados anteriormente, fica evidente que uma série de novos estudos deve ser realizada, buscando não apenas traçar o perfil de sensibilidade, como também dar continuidade, através de análises comparativas entre protocolos de tratamento preestabelecidos e resultados obtidos por trabalhos dessa natureza.

Agradecimentos

Agradecemos ao Núcleo de Apoio à Publicação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (NAP-SC) o suporte técnico-científico à publicação deste artigo.

Primeira submissão em 13/10/04

Última submissão em 02/09/05

Aceito para publicação em 15/12/05

Publicado em 20/12/05

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  • Endereço para correspondência
    Giancarlo Lucchetti
    Av. Juriti, 367 – Apto 131 – Moema
    CEP 04520-000 – São Paulo-SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      15 Dez 2005
    • Recebido
      15 Dez 2005
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