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Resultados preliminares de um programa de tratamento de crises não-epilépticas psicogênicas

Preliminary results of the treatment program of psychogenic nonepileptic seizures

Resumos

Apesar dos avanços no diagnóstico das crises não epilépticas psicogênicas (CNEP), até o presente momento não há tratamentos que sejam padronizados e eficientes. O presente estudo examinou a freqüência de crises e as condições de trabalho e acadêmicas em um grupo de pacientes portadores de CNEP antes e depois de completarem um programa de oito semanas específico, desenvolvido no PROJEPSI (Projeto de Epilepsia e Psiquiatria) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com os objetivos de redução da freqüência de crises e de danos associados ao diagnóstico de CNEP. Ao final do programa de tratamento, 15 pacientes (62,5%) apresentavam-se em remissão e 19 (79,2%) apresentaram melhora do desempenho profissional ou acadêmico. O presente estudo fornece evidências da eficácia do programa de atendimento dos pacientes portadores de CNEP proposto pelo PROJEPSI. O número significativo de pacientes que apresentam remissão e redução do número de crises após a comunicação terapêutica do diagnóstico, do tratamento das comorbidades psiquiátricas e da terapia para redução de danos e crises (TRDC) sugere que o conhecimento da doença por parte dos pacientes, familiares e amigos convidados é essencial ao tratamento.

epilepsia; crises não-epilépticas psicogênicas


In spite of the growing interest in psychogenic nonepileptic seizures (PNES), this diagnosis clearly lacks both standard protocols and efficient treatment. We analyzed seizure frequency, as well as, academic and working performances in a group of PNES patients, both prior and following a specific eight-week program developed at PROJEPSI (Epilepsy and Psychiatry Project) - Institute of Psychiatry, Hospital de Clinicas, School of Medicine, University of Sao Paulo. The program targeted seizure reduction and decrease in losses associated to PNES. Fifteen patients (62.5%) entered prolonged remission and 19 (79.2%) improved academic and professional performances. Our study shows evidence supporting the efficacy of the NES protocol proposed by PROJEPSI. The number of patients presenting with either remission or significant decrease on their seizures following the diagnosis presentation, psychiatric comorbidity treatment and specific therapy aiming to damage and crisis suggests that the knowledge of this condition by patients, family members and friends is key to successful treatment.

epilepsy; psychogenic nonepileptic seizures


PSYCHOGENIC NONEPILEPTIC SEIZURES

Resultados preliminares de um programa de tratamento de crises não-epilépticas psicogênicas

Preliminary results of the treatment program of psychogenic nonepileptic seizures

Renato Luiz MarchettiI; Daniela KurcgantII; Liliana Beccaro MarchettiIII; José Gallucci NetoIV; Mary Ann Von BismarkV; Lia Arno FioreVI

IDoutor em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo. Médico Psiquiatra. Médico Assistente. Coordenador do Projeto de Epilepsia e Psiquiatria (PROJEPSI), Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, SP, Brasil

IIMestre em História da Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Médica Psiquiatra. Médica Assistente. Supervisora do Projeto de Epilepsia e Psiquiatria (PROJEPSI)

IIIPsicóloga. Colaboradora do Projeto de Epilepsia e Psiquiatria (PROJEPSI)

IVMédico Psiquiatra. Médico Assistente. Supervisor do Projeto de Epilepsia e Psiquiatria (PROJEPSI)

VMédica Psiquiatra. Colaboradora do Projeto de Epilepsia e Psiquiatria (PROJEPSI)

VIMestre em Neurologia pela Universidade de São Paulo. Médica Neurologista e Neurofisiologista. Chefe do Laboratório de Neurofosiologia, Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, USP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Renato Luiz Marchetti Instituto de Psiquiatria – Hospital de Clínicas Faculdade de Medicina – USP Säo Paulo, SP, Brasil E-mail: rlmarche@dialdata.com.br

RESUMO

Apesar dos avanços no diagnóstico das crises não epilépticas psicogênicas (CNEP), até o presente momento não há tratamentos que sejam padronizados e eficientes. O presente estudo examinou a freqüência de crises e as condições de trabalho e acadêmicas em um grupo de pacientes portadores de CNEP antes e depois de completarem um programa de oito semanas específico, desenvolvido no PROJEPSI (Projeto de Epilepsia e Psiquiatria) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com os objetivos de redução da freqüência de crises e de danos associados ao diagnóstico de CNEP. Ao final do programa de tratamento, 15 pacientes (62,5%) apresentavam-se em remissão e 19 (79,2%) apresentaram melhora do desempenho profissional ou acadêmico. O presente estudo fornece evidências da eficácia do programa de atendimento dos pacientes portadores de CNEP proposto pelo PROJEPSI. O número significativo de pacientes que apresentam remissão e redução do número de crises após a comunicação terapêutica do diagnóstico, do tratamento das comorbidades psiquiátricas e da terapia para redução de danos e crises (TRDC) sugere que o conhecimento da doença por parte dos pacientes, familiares e amigos convidados é essencial ao tratamento.

Unitermos: epilepsia, crises não-epilépticas psicogênicas.

ABSTRACT

In spite of the growing interest in psychogenic nonepileptic seizures (PNES), this diagnosis clearly lacks both standard protocols and efficient treatment. We analyzed seizure frequency, as well as, academic and working performances in a group of PNES patients, both prior and following a specific eight-week program developed at PROJEPSI (Epilepsy and Psychiatry Project) – Institute of Psychiatry, Hospital de Clinicas, School of Medicine, University of Sao Paulo. The program targeted seizure reduction and decrease in losses associated to PNES. Fifteen patients (62.5%) entered prolonged remission and 19 (79.2%) improved academic and professional performances. Our study shows evidence supporting the efficacy of the NES protocol proposed by PROJEPSI. The number of patients presenting with either remission or significant decrease on their seizures following the diagnosis presentation, psychiatric comorbidity treatment and specific therapy aiming to damage and crisis suggests that the knowledge of this condition by patients, family members and friends is key to successful treatment.

Key words: epilepsy, psychogenic nonepileptic seizures.

INTRODUÇÃO

As crises não epilépticas (CNE) são crises, ataques ou acessos recorrentes que podem ser confundidos com crises epilépticas (CE) devido à semelhança das manifestações comportamentais, mas que não são conseqüentes a descargas cerebrais anormais. Podem ter origem fisiogênica (CNEF) ou psicogênica (CNEP). As condições médicas que mais freqüentemente se apresentam sob a forma de CNEF são as síncopes, a enxaqueca, os transtornos do sono (sonambulismo, terror noturno, narcolepsia) e as crises de perda de fôlego (nas crianças). Os transtornos mentais que mais freqüentemente se apresentam sob a forma de CNEP são os transtornos dissociativos/conversivos, os transtornos somatoformes e o transtorno de pânico.1 As causas mais comuns de CNEF são regularmente pesquisadas e afastadas por protocolos investigativos menos aprofundados nos centros neurológicos especializados, não constituindo um problema clínico significativo que leva os pacientes ao diagnóstico diferencial por monitoração intensiva pelo vídeo-EEG. As CNEP costumam ser mais freqüentes nesta situação.

Os estudos sobre a prevalência de CNEP apontam resultados variáveis. Cerca de 5 a 33% dos pacientes em atendimento ambulatorial para epilepsia apresentam CNEP.1-3 Estas cifras se elevam para 10 a 58% dentre os pacientes internados para avaliação por epilepsia refratária.1,3-5 A prevalência de CNEP na população geral é estimada entre 2-33/100.000.3 Por sua vez, os dois únicos estudos epidemiológicos realizados nesta área indicam que a incidência anual na população geral de CNEP é 1.4-3/100.000.6,7 Segundo Gates, a metodologia utilizada no diagnóstico de CNEP explica os diferentes dados obtidos.1

A partir da década de 1980, os conhecimentos sobre as CNEP aumentaram em função do crescente uso da monitoração intensiva vídeo-eletroencefalográfica, o vídeo-EEG. O vídeo-EEG é considerado, atualmente, o "padrão ouro" para o correto diagnóstico das CNEP.8,9

Apesar dos avanços no diagnóstico das CNEP, até o presente momento não há tratamentos que sejam padronizados e eficientes. Os estudos sobre tratamento incluem, em sua maioria, relatos de caso, alguns poucos estudos prospectivos não-controlados e estudos retrospectivos com amostras pequenas de pacientes.9 O presente estudo examinou a freqüência de crises em um grupo de pacientes portadores de CNEP antes e depois de completarem um programa de oito semanas específico, desenvolvido no PROJEPSI (Projeto de Epilepsia e Psiquiatria) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com os objetivos de redução da freqüência de crises e de danos associados ao diagnóstico de CNEP.

MÉTODOS

Diagnóstico de CNEP

Os pacientes, normalmente encaminhados ao PROJEPSI por outros serviços neurológicos por suspeita de CNEP, foram submetidos à monitoração intensiva prolongada por vídeo-EEG no Laboratório de Neurofisiologia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

O diagnóstico foi estabelecido através do seguinte protocolo de diagnóstico diferencial: todos os pacientes permaneceram internados na unidade de vídeo-EEG por períodos variáveis, durante os quais foram realizados os registros simultâneos de comportamento e atividade eletrencefalográfica, com o objetivo de se observarem e identificarem as crises apresentadas. A avaliação foi realizada por equipamento digital Bio-logic® Systems Corp, utilizando software Ceegraph PTI vers. 6.72.06. Os eletrodos foram colocados de acordo com o sistema internacional,10-20 com adição de eletrodos zigomáticos e de eletrocardiograma. Foram inicialmente realizados os EEG de base (vigília e sono) e as provas habituais de indução para crises epilépticas (hiperventilação e fotoestimulação) com os esquemas de drogas antiepilépticas (DAE) habituais mantidos. Em seguida foi realizado o seguinte protocolo seqüencial de indução de CNEP, constando de: sugestão simples, entrevista sugestiva, indução hipnótica com sugestões hipnóticas ou pós-hipnóticas e infusão endovenosa de placebo (solução salina). O protocolo era interrompido assim que ocorria uma CNEP. Após este procedimento, foram retiradas as DAE, de maneira gradativa, e os registros foram continuados para a observação de eventos e ou alterações no EEG por períodos considerados suficientes para a realização dos diagnósticos. Um evento observado durante este protocolo foi definido como CNEP quando não foram evidenciados descargas ou padrões epileptiformes ictais inequívocos antes, durante ou depois da sua ocorrência. Um evento foi definido como CE quando foi acompanhado por descargas ou padrões epileptiformes ictais inequívocos antes, durante ou depois da sua ocorrência. Todos os eventos registrados foram analisados e apresentados aos familiares, para que confirmassem se eram os apresentados no cotidiano dos pacientes.

Os pacientes também foram submetidos a exame neurológico, psiquiátrico, de imagem (ressonância magnética, SPECT interictal e eventualmente ictal) e avaliação neuropsicológica. A avaliação psiquiátrica foi realizada alternativamente por um de três psiquiatras (JGN, MAVB e RLM) com formação e ampla experiência em neuropsiquiatria de epilepsia, através de entrevistas clínicas abertas durante o período de monitoração pelo vídeo-EEG. Em cada caso avaliado foi realizada uma revisão conjunta pelos três avaliadores e chegou-se aos diagnósticos por consenso. Os diagnósticos de transtornos mentais foram definidos de acordo com a DSM-IV.10 A avaliação neurológica foi realizada por epileptologista com ampla experiência em monitoração por vídeo-EEG (LAF).

Pacientes

24 pacientes com o diagnóstico de CNEP procedentes do PROJEPSI (Projeto de Epilepsia e Psiquiatria) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo participaram deste programa de tratamento.

O programa de tratamento de CNEP foi conduzido no período entre 2003 e 2007. Todos os pacientes concordaram em se submeter ao tratamento, assim como seus familiares e/ou amigos convidados pelos próprios pacientes. A Tabela 1 apresenta as características dos pacientes. Dos 24 pacientes atendidos, 20 (83,3%) eram mulheres. A idade média foi 34,3 anos (intervalo de variação de 19 a 58, mediana = 37, desvio padrão = 9,5). Nestes pacientes as CNEP foram a apresentação pseudoneurológica dos seguintes diagnósticos de transtornos mentais: transtorno conversivo-dissociativo em 20 (83,3%) pacientes, transtorno de somatização em três (12,5%) e transtorno somatoforme sem outra especificação em um (4,2%). A comorbidade psiquiátrica ocorreu em 17 (70.8%) pacientes. Os diagnósticos foram: sete (29,2%) pacientes com transtorno de personalidade emocionalmente instável, dois (8,3%) com transtorno de personalidade histriônico, um (4,2%) com transtorno de personalidade dependente, seis (25%) com transtorno depressivo, três (12,5%) com transtornos ansiosos, um (4,2%) com transtorno por uso de substância, um (4,2%) com transtorno psicótico e um (4,2%) com anorexia nervosa.

Programa de tratamento de CNEP

O programa inclui a comunicação terapêutica do diagnóstico de CNEP, atendimento psiquiátrico e terapia de redução de crises e danos (TRCD).

A comunicação terapêutica do diagnóstico de CNEP foi veiculada aos pacientes e familiares. Ela tem como condição prévia o estabelecimento de aliança terapêutica que tem como bases a empatia diante do sofrimento do paciente e a crença na legitimidade das suas queixas. A comunicação terapêutica visa a substituição de um diagnóstico médico equivocado por um outro diagnóstico médico, que contemple os aspectos médicos e psicológicos e, o convite para um tratamento especializado. Os conteúdos específicos abordados durante este procedimento são: a comunicação da ausência de epilepsia, presença das CNEP, natureza médica do problema, aspectos positivos, sugestão de melhora ou remissão, elaboração das emoções, fornecimento de um manual educativo sobre CNEP e o convite para o atendimento psiquiátrico e a TRCD.

O atendimento psiquiátrico tem como objetivos o manejo de fatores causais e o tratamento farmacológico. O manejo dos fatores causais envolve o afastamento ou atenuação de fatores causais (predisponentes, precipitantes e perpetuantes) eventualmente detectados durante a fase de diagnóstico das CNEP. Envolve procedimentos de orientação e intervenção em crise, o encaminhamento para outros tipos de terapia (casal, família), o encaminhamento ou tratamento de familiares e possivelmente outros recursos. O tratamento farmacológico envolve a retirada das DAE e o tratamento psicofarmacológico das eventuais comorbidades psiquiátricas.

A TRCD é um modelo de terapia desenvolvido no PROJEPSI, que tem como objetivo principal a redução parcial ou completa das CNEP. Este objetivo é expresso aos pacientes e familiares em todos os atendimentos. Os objetivos secundários são a redução de procedimentos iatrogênicos (uso indevido de drogas antiepilépticas, busca desnecessária por consultas médicas, principalmente em caráter de urgência, exames e outros procedimentos investigativos), a melhora das relações interpessoais e a reinserção no trabalho e/ou acadêmica. Ela se estende por um período de oito semanas de atendimentos quinzenais, intercalados entre pacientes (grupos de 3 a 6 pacientes) e familiares, com duração de uma hora e meia, com a participação de uma dupla de terapeutas (DK e LBM).

As estratégias e técnicas utilizadas, junto aos pacientes e familiares, visam o desenvolvimento do conhecimento sobre as CNEP, a reformulação da crença sobre ter epilepsia, o desenvolvimento da consciência da natureza psicogênica das CNEP, da crença na possibilidade de cura, o aprendizado de respostas alternativas ao estresse, a melhora da auto-estima, o desenvolvimento de comportamentos saudáveis, a redução do "ganho secundário" (reforço social positivo para o papel de doente), além da prevenção ou redução de hostilidade por parte da família.

Para tanto, são utilizados vários recursos e técnicas: durante os encontros são abordados temas específicos, tais como diferenças entre epilepsia e CNEP, uso indevido de drogas antiepilépticas, e temas mais abrangentes, tais como sentimentos de raiva e ressentimento através da discussão do manual educativo. A consciência da natureza psicogênica das CNEP é desenvolvida através do uso dos "diários de crise". Eles são fornecidos aos pacientes, que são estimulados a estabelecerem relações entre situações estressantes e as crises. Os pacientes e familiares aprendem técnicas de relaxamento, são estimulados a comunicarem seus sentimentos, a lidarem com a raiva e a solucionar problemas, o que impulsiona respostas alternativas às crises. Através das "tarefas de casa" e o uso intensivo de técnicas de qualificação, trabalha-se a auto-estima. O papel de doente é desestimulado através do uso de procedimentos de extinção. Também se ensina à família a lidar com o paciente, auxiliando no controle das crises, sem super-proteção ou hostilidade.

O próprio grupo tem o papel de reforçar positivamente o controle de crises.

Análise dos dados

Foi registrada a freqüência semanal de CNEP após a comunicação "terapêutica", quando os pacientes e familiares foram convidados a participarem do programa, e a freqüência após oito semanas de TRDC. Foram também avaliadas as condições de trabalho e acadêmicas após o programa, de maneira semi-quantitativa, em quatro graus de adaptação crescente, segundo os critérios a seguir:

1. permanece a maior parte do tempo em casa, sem realizar qualquer atividade;

2. permanece em casa grande parte do tempo, realizando tarefas e atividades mínimas;

3. permanece em casa grande parte do tempo, mas realiza várias tarefas e atividades; ou realiza atividades e trabalhos fora de casa, inclusive com remuneração; ou iniciou algum curso não profissionalizante;

4. realiza plenamente suas atividades em casa, ou no trabalho, ou na escola.

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta os resultados do programa de tratamento. Dos 24 pacientes que iniciaram o programa de tratamento, nove (37,5%) deixaram de ter crises após a comunicação terapêutica. Destes, sete continuaram em remissão ao final do programa de tratamento, um voltou a ter crises (na freqüência de uma crise semanal) e um desistiu da TRCD (ela continuava sem crises por ocasião da desistência). Quinze pacientes (62,5%) continuaram com crises após comunicação terapêutica. Destes, oito apresentavam-se em remissão ao final do programa de tratamento e sete continuavam a apresentar crises. Assim, ao final do programa de tratamento, 15 pacientes (62,5%) apresentavam-se em remissão e oito (33,3%) continuavam a apresentar crises.

Dos 24 pacientes que iniciaram o programa de tratamento, 19 (79,2%) apresentaram melhora do desempenho profissional ou acadêmico. Destes, 10 voltaram a trabalhar e/ou estudar. O retorno destas atividades foi realizado de forma bastante satisfatória pelos pacientes. Outros sete pacientes, que antes cuidavam das próprias casas, continuaram a exercer esta função, mas cinco deles passaram a participar destas atividades de maneira mais plena. Não há informações sobre a paciente que abandonou o programa de tratamento. Uma outra paciente, cuja comorbidade psiquiátrica é um transtorno psicótico, foi encaminha ao hospital-dia de sua região. Uma outra paciente, cuja comorbidade psiquiátrica é anorexia nervosa, não voltou a trabalhar e/ou estudar, mas continua a ser atendida pelo programa de hospital-dia para anorexia nervosa. Os demais quatro pacientes, que não retornaram às atividades profissionais e/ou de estudo, encontram-se em licença médica, em função do diagnóstico equivocado de epilepsia. Outro dado interessante é que destes quatro pacientes, três são do sexo masculino.

DISCUSSÃO

Martin et al. estimaram o custo ao longo da vida de uma pessoa com CNEP em testes diagnósticos, procedimentos e medicamentos em U$100.000.11 Também calcularam que de US100 a US900 milhões são gastos anualmente nos EUA com a população de pacientes com CNEP.

As CNEP acarretam graves conseqüências sociais e psicológicas. O paciente e a sua família enfrentam os mesmos problemas que os pacientes portadores de epilepsia: o estigma, a baixa escolarização, o desemprego, as dificuldades no relacionamento interpessoal e a exclusão social.12 Do ponto de vista médico, os pacientes ficam expostos a procedimentos iatrogênicos, tal como o uso de doses elevadas de drogas antiepilépticas (DAE),13 punções venosas, uso de DAE endovenosas e entubação endotraqueal.14 Além disso, a comorbidade com transtornos depressivos e ansiosos é alta15,16 e a qualidade de vida desses pacientes é pior que os pacientes portadores de epilepsia de difícil controle.17

Vários estudos apontam que o diagnóstico precoce e apropriado das CNEP, seguido por um tratamento adequado, pode levar a remissão em 19 a 52% dos casos ou melhora do quadro em 75 a 95% dos casos, ou seja, uma diminuição expressiva da utilização do sistema de saúde e dos custos envolvidos.11,15,18-21 O atendimento das famílias dos pacientes portadores de CNEP também contribui para o tratamento.22

Apesar das graves conseqüências econômicas e sociais das CNEP e dos avanços no seu diagnóstico, até o presente momento não há tratamentos que sejam padronizados e eficientes. Os estudos sobre o tratamento de CNEP incluem em sua maioria, relatos de caso, alguns poucos estudos prospectivos não-controlados e estudos retrospectivos com pequenas amostras de pacientes9 ou concentram-se sobre as comorbidades psiquiátricas, tais como os distúrbios de humor, ansiedade e de personalidade.21

O principal motivo para poucos avanços no tratamento é o fato das CNEP ocuparem um espaço de diagnóstico fronteiriço entre a neurologia e a psiquiatria, o que contribui para que os pacientes sejam diagnosticados incorretamente e tratados inadequadamente.9,23

O presente estudo fornece evidências da eficácia do programa de atendimento dos pacientes portadores de CNEP proposto pelo PROJEPSI. O número significativo de pacientes que apresentam remissão e redução do número de crises após a comunicação terapêutica do diagnóstico, do tratamento das comorbidades psiquiátricas e da terapia para redução de danos e crises (TRDC) sugere que o conhecimento da doença por parte dos pacientes, familiares e amigos convidados é essencial ao tratamento.

Tal como sugere o estudo de Zaroff e colaboradores, a escolha pelo atendimento em grupo teve o intuito de aumentar os contatos sociais dos pacientes, diminuindo o isolamento social.24 LaFrance & Barry \ressaltam que o formato psicoeducativo dos encontros garante uma interação de poucos confrontos entre os participantes e a equipe de atendimento.25 As CNEP, suas repercussões e seus problemas associados são discutidos e esclarecidos pelos próprios componentes do grupo e pelos terapeutas. Procura-se enfatizar as estratégias para lidar e evitar as crises. O contato dos pacientes, além de melhorar a socialização, possibilita o reconhecimento do problema no outro, o que parece ser benéfico.

O diagnóstico correto e a comunicação adequada podem por si só levar a redução e cessação de crises.26 A comunicação deve ser clara, sem ambigüidades e acolhedora. Alguns estudos apontam que a comunicação hesitante e ambivalente pode influenciar de forma negativa a evolução do quadro.27 Entretanto, a comunicação do diagnóstico é uma condição necessária, mas não suficiente para a redução e cessação das crises. Um estudo longitudinal de dez anos apontou que somente 30% dos pacientes alcançaram a cessação total de crises.28

Received Nov. 30, 2007; accepted Dec. 14, 2007.

Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP

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  • Endereço para correspondência:

    Renato Luiz Marchetti
    Instituto de Psiquiatria – Hospital de Clínicas
    Faculdade de Medicina – USP
    Säo Paulo, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      14 Dez 2007
    • Recebido
      30 Nov 2007
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