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Existe uma distinção relevante entre valores cognitivos e sociais?

Is there a significant distintion between cognitive and social values?

Resumos

É útil trabalhar com um modelo das práticas de pesquisa científica segundo o qual existem três momentos-chave nos quais é preciso fazer escolhas, a saber, os momentos de: (i) adotar uma estratégia (ou regras metodológicas), (ii) aceitar teorias e (iii) aplicar o conhecimento científico. Os valores sociais podem ter papéis legítimos e importantes no primeiro e no terceiro momentos, porém não no segundo, quando apenas os valores cognitivos e os dados empíricos disponíveis têm papéis essenciais. A distinção entre valores cognitivos e valores sociais é necessária para sustentar este modelo e, portanto, para apoiar a visão de que o conhecimento científico imparcial pode ser o resultado de um processo influenciado por valores sociais, e também para indicar como a pesquisa deve ser conduzida de modo que o ideal de neutralidade seja sustentado mais plenamente. A maior parte deste artigo se dedica a explicar em detalhe como a distinção deve ser traçada.

Valores cognitivos; Valores sociais; Ciência; Controle da natureza; Imparcialidade; Neutralidade; Autonomia; Regras metodológicas; Estratégias; Agroecologia


It is useful to work with a model of the practices of scientific research that proposes that there are three key moments at which choices must be made: the moments of (i) adopting a strategy (or methodological rules), (ii) accepting theories, and (iii) applying scientific knowledge. Social values may have legitimate and important roles at the first and third moments, but not the second, where only cognitive values and available empirical data have essential roles. The distinction between cognitive and social values is needed to maintain this model, and thus to sustain the view that impartial scientific knowledge can be the outcome of a process influenced by social values, and to indicate how research must be conducted if the ideal of neutrality is to be upheld more fully. Most of the article is devoted to explaining in detail how the distinction is to be drawn.

Cognitive values; Social values; Science; Control of nature; Impartiality; Neutrality; Autonomy; Methodological rules; Strategies; Agroecology


ARTIGOS

Existe uma distinção relevante entre valores cognitivos e sociais?

Is there a significant distintion between cognitive and social values?

Hugh Lacey

Professor titular do Departamento de Filosofia do Swarthmore College, Swarthmore, Pensilvânia, EUA. hlacey1@swarthmore.edu

RESUMO

É útil trabalhar com um modelo das práticas de pesquisa científica segundo o qual existem três momentos-chave nos quais é preciso fazer escolhas, a saber, os momentos de: (i) adotar uma estratégia (ou regras metodológicas), (ii) aceitar teorias e (iii) aplicar o conhecimento científico. Os valores sociais podem ter papéis legítimos e importantes no primeiro e no terceiro momentos, porém não no segundo, quando apenas os valores cognitivos e os dados empíricos disponíveis têm papéis essenciais. A distinção entre valores cognitivos e valores sociais é necessária para sustentar este modelo e, portanto, para apoiar a visão de que o conhecimento científico imparcial pode ser o resultado de um processo influenciado por valores sociais, e também para indicar como a pesquisa deve ser conduzida de modo que o ideal de neutralidade seja sustentado mais plenamente. A maior parte deste artigo se dedica a explicar em detalhe como a distinção deve ser traçada.

Palavras-chave: Valores cognitivos. Valores sociais. Ciência. Controle da natureza. Imparcialidade. Neutralidade. Autonomia. Regras metodológicas. Estratégias. Agroecologia.

ABSTRACT

It is useful to work with a model of the practices of scientific research that proposes that there are three key moments at which choices must be made: the moments of (i) adopting a strategy (or methodological rules), (ii) accepting theories, and (iii) applying scientific knowledge. Social values may have legitimate and important roles at the first and third moments, but not the second, where only cognitive values and available empirical data have essential roles. The distinction between cognitive and social values is needed to maintain this model, and thus to sustain the view that impartial scientific knowledge can be the outcome of a process influenced by social values, and to indicate how research must be conducted if the ideal of neutrality is to be upheld more fully. Most of the article is devoted to explaining in detail how the distinction is to be drawn.

Keywords: Cognitive values. Social values. Science. Control of nature. Impartiality. Neutrality. Autonomy. Methodological rules. Strategies. Agroecology.

INTRODUÇÃO

Existe uma distinção entre valores cognitivos e sociais. Colocando de maneira direta: os valores cognitivos são características que as teorias e hipóteses científicas devem ter para o fim de expressar bem o entendimento – ou, como afirma Laudan, eles são atributos que "representam as propriedades de teorias que supomos serem constitutivas de uma 'boa' teoria" (Laudan, 1984, p. xii) – enquanto os valores sociais designam as características julgadas constitutivas de uma "boa" sociedade. Essa distinção é relevante? Ela serve para esclarecer as características centrais do conhecimento e das práticas científicos?

A tradição da ciência moderna respondeu normalmente com um sonoro "sim", e isso reforçou a concepção comumente mantida de que a ciência é "livre de valores". Segundo essa concepção, os valores sociais (ou qualquer outra espécie de valor não-cognitivo) não estão entre os critérios de uma teoria aceitável. Eles nada têm a ver com a avaliação do entendimento expresso pelas teorias científicas; o juízo de aceitar uma teoria é imparcial. Além disso, as características gerais da metodologia científica devem ser determinadas somente em resposta ao interesse de obter um entendimento aprofundado dos fenômenos, e as prioridades e a direção da pesquisa não devem ser sistematicamente moldadas por valores sociais particulares: a metodologia é autônoma. A imparcialidade e a autonomia são tidas como ideais e valores das práticas científicas, que nem sempre podem de fato manifestar-se bem. A neutralidade é usualmente mantida juntamente com elas, no sentido de que a ciência per se não privilegia valores sociais particulares – de que as teorias científicas são cognitivamente neutras: os juízos de valor sociais não estão entre suas implicações; e elas são neutras na aplicação: na aplicação, em princípio, elas podem informar de modo imparcial os interesses do amplo espectro de valores sociais que têm a viabilidade de serem mantidos hoje. Como uma primeira aproximação, essas concepções sintetizam aquilo que se entende por "a ciência é livre de valores". A integridade, a legitimação, o prestígio e o suposto valor universal da ciência foram freqüentemente vinculados à manifestação, em grau elevado, da ciência livre de valores (com uma trajetória de manifestação ainda maior) nas práticas da ciência – pois afirma-se que é a ciência conduzida segundo tais práticas que permitiu as aplicações tecnológicas que tanto transformaram o mundo nos tempos atuais.1 1 A concepção esboçada aqui sobre a ciência livre de valores e seus três constituintes ( imparcialidade, neutralidade e autonomia) encontra-se elaborada em Lacey, 1999; 2002a; cf. também a seção 4 deste artigo.

Apesar de rejeitar alguns dos componentes da ciência livre de valores (Lacey, 1999; 2002a), também penso que existe uma distinção relevante entre os valores cognitivos e os valores sociais. Argumentarei que a distinção é crucial para interpretar apropriadamente os resultados da pesquisa científica e para tornar acessível a reflexão sobre como a neutralidade poderia ser defendida enquanto um valor das práticas científicas, numa época em que muito de sua prática habitual está se tornando cada vez mais subordinado à predominância do capitalismo "global". Minha defesa da distinção, diferentemente do ponto de vista tradicional, não sustenta a manutenção dos valores sociais fora do núcleo da atividade científica, embora continue a endossar a imparcialidade.

Meu argumento é complexo. Na próxima seção, distingo formalmente valores cognitivos de sociais e esclareço as relações entre os juízos factuais e os juízos de valor. Na seção 2, com base no que considero ser o fim da ciência, argumento que estar a serviço de interesses favorecidos por valores sociais não pode ser considerado um valor cognitivo. Isso deixa, entretanto, em aberto que, de fato, o fim da ciência é melhor servido e, desse modo, o grau de manifestação dos valores cognitivos é maximamente aumentado, pela condução da pesquisa segundo uma "estratégia" que torna provável que seus produtos teóricos estarão especialmente bem harmonizados para servir a alguns interesses especiais. Certas características da ciência moderna podem sugerir que isso é efetivamente um fato. Na seção crucial 3, sustento que a ciência moderna é conduzida, na prática, exclusivamente segundo um tipo particular de estratégia (as "estratégias materialistas") e que, por sua vez, isso é explicado e racionalizado por um compromisso generalizado com certos modos especificamente modernos de valorar o controle dos objetos naturais, as relações de reforço mútuo entre eles e a conduta da pesquisa segundo as estratégias materialistas. Essa influência é tão forte que freqüentemente não se aprecia que podem existir certos domínios de fenômenos (por exemplo, na agricultura), que adquirem interesse na medida em que os modos modernos de valorar o controle são contestados, que não podem ser encapsulados nas estratégias materialistas, mas que podem sê-lo em estratégias alternativas. Proponho a agroecologia como uma alternativa importante. O fim da ciência não permite que se ignorem tais alternativas. A partir daí, prossigo para concluir que, a menos que a pesquisa seja conduzida segundo uma variedade de estratégias, o vínculo da ciência moderna com os valores acerca do controle não poderá ser quebrado e, devido a isso, importantes rotas de pesquisa não serão exploradas. Finalmente, na seção 4, colocando as coisas em ordem, identifico três momentos da atividade científica, a saber: (1) adotar uma estratégia, (2) aceitar teorias e (3) aplicar o conhecimento científico. Os valores sociais podem ter papéis legítimos nos momentos (1) e (3), mas em (2) eles não possuem um papel legítimo comparativamente aos valores cognitivos. A relevância da distinção entre os valores cognitivos e os valores sociais vem do lugar central de (2) – o momento em que são feitos os juízos acerca do que conta como conhecimento científico correto. Isso deixa um importante papel para os valores sociais em outros momentos.

Meu argumento freqüentemente faz uso de propostas substantivas que elaborei e defendi em outros lugares. Obviamente, não posso esperar que o leitor as aprove com base na minha palavra. Minha afirmação de que a distinção entre os valores cognitivos e sociais é relevante assenta nos papéis explanatório e justificativo (defendidos em trabalhos citados ao longo do artigo) que ela pode representar. Como não posso oferecer maior detalhe neste artigo, o melhor será lê-lo como uma proposta que sustenta uma caracterização da estrutura da atividade científica que, se bem estabelecida, mostraria a relevância da distinção. Não conheço outro meio mais simples de fazer o argumento.

1. VALORES, JUÍZOS DE VALOR E ENUNCIADOS ESTIMATIVOS DE VALOR

Sustentamos vários tipos de valores: pessoais, morais, sociais, estéticos, cognitivos; eles são sustentados segundo perspectivas valorativas mais ou menos coerentes e ordenadas, nas quais eles se reforçam mutuamente entre si.2 2 Para uma descrição mais completa de minhas concepções acerca dos valores, cf. Lacey, 1999, cap. 2 e Lacey & Schwartz, 1996. Com o fito de apresentar algumas das características gerais dos valores, suponhamos que Φ designe um tipo particular de valor, v designe alguma característica que pode (tipicamente) manifestar-se em maior ou menor grau em Φ, e seja X uma pessoa. Então,

X sustenta v como um Φ-valor, se e somente se

(1) X deseja que v se manifeste em grau elevado em Φ;

(2) X acredita que a manifestação em grau elevado de v em Φ é parcialmente constitutiva de um "bom" Φ; e

(3) X está comprometido ceteris paribus a agir para aumentar ou para manter o grau de manifestação de v em Φ.

No caso dos valores sociais, Φ = sociedade (instituições sociais, estruturas sociais), e um valor social (vs) – por exemplo, respeito aos direitos humanos – é uma característica cuja manifestação em grau elevado é valorizada pela sociedade; no caso dos valores cognitivos, Φ = teoria (hipótese) aceita; um valor cognitivo (vc) é uma característica cuja manifestação em grau elevado é valorizada em teorias (hipóteses) aceitas, isto é, em portadores confirmados de entendimento.3 3 Em Lacey, 1999, cap. 3, introduzo uma noção mais geral de "valor cognitivo" que se aplica a crenças mantidas na vida comum e que informa as ações de uma variedade de práticas. A noção mais estrita é suficiente para os propósitos deste artigo; tal como a uso aqui, "valor cognitivo" pode ser considerada como uma abreviação de "valor de uma teoria aceita".

"X sustenta o Φ-valor v" será considerada como equivalente a "X faz o juízo de Φ-valor, V, avaliando que v é uma característica bem manifestada de Φ". (V representa o juízo de valor feito quando v é sustentado como um valor.) Os juízos básicos de valor são em geral de três tipos: "que v é um Φ-valor, uma característica de um 'bom' Φ"; "que v1 é de nível superior (enquanto um Φ-valor) a v2" e "que Φ manifesta v 'num grau suficientemente elevado'". Existem também juízos de valor da forma: "que u tem Φ-valor" ou "que u é um objeto de Φ-valor", que são feitos com base na contribuição de u para a manifestação dos Φ-valores.

Pode-se dizer que uma regra metodológica tem valor cognitivo em virtude de sua contribuição causal para gerar ou confirmar teorias que manifestam em grau elevado os valores cognitivos (vc). Em bases similares, pode-se propor que as práticas científicas que se organizam de modo a manifestar certos valores sociais (Longino, 1990; 2002), ou o cultivo de certas virtudes morais entre os cientistas, possuem valor cognitivo. É também provável que seja um vs para X que o vc (que X sustenta) seja socialmente incorporado: que existam instituições sociais (instituições científicas) que nutrem práticas nas quais chegam a ser aceitas teorias (cada vez mais teorias) manifestando em grau elevado esses vc; e uma teoria (T), que manifesta em grau elevado o vc, pode também ter valor social (para X), em virtude de fazer uma contribuição – na aplicação ou talvez simplesmente por proporcionar entendimento de alguns fenômenos – para a manifestação do vs de X. Assim, "é um objeto de valor social à luz de um conjunto de vs" pode designar uma propriedade de T. Ao afirmar que vc e vs são diferentes, estou comprometido com a afirmação: existe um conjunto de valores cognitivos e "é um objeto de valor social à luz de um conjunto de valores sociais" não é um deles.

Existem vínculos estreitos entre os valores que X sustenta e aqueles incorporados nas instituições das quais X participa; e, pelo menos algumas vezes, o fato de eles serem incorporados nas instituições explica por que X sustenta esses valores em vez de outros. Para aqueles que consideram os valores como preferências subjetivas, a explicação é o fim da estória. Em minha caracterização, os valores não são redutíveis a preferências subjetivas. Outra distinção precisa ser levada em consideração,4 4 McMullin (1983) e Nagel (1961), usando terminologias diferentes, implementam uma distinção similar. a saber, aquela entre o juízo de valor V de X de que v é um Φ-valor e um enunciado acerca do grau de manifestação de v em Φ. Até que grau Φ manifesta v é uma questão de fato. Chamarei os enunciados que expressam tais questões de fato de enunciados estimativos de valor. Eles não são juízos de valor, embora o sejam os enunciados expressando que v manifesta-se em Φ num grau "suficientemente bom"; eles são hipóteses que podem fazer parte de teorias investigadas nas ciências sociais, e isso pode ser avaliado à luz dos dados disponíveis e dos vc.

Existem interconexões profundas entre os juízos de valor e os enunciados estimativos de valor. Em primeiro lugar, é ininteligível que alguém faça V e não seja capaz de avaliar e afirmar enunciados estimativos de valor dos tipos: "Φ manifesta v num grau maior no tempo t1 do que no tempo t2", "uma instituição incorpora v num grau maior no tempo t1 do que em t2, ou num grau maior do que outra instituição" e outros semelhantes. Isso acontece porque, sem tais estimativas, X não poderia saber se o desejo do item (1) é satisfeito ou não, de modo que V não poderia conduzir coerentemente a nenhuma ação (ver o item (3)), mas permaneceria simplesmente uma articulação verbal desprovida de conseqüência comportamental.

Em segundo lugar, em vista do item (2), é um pressuposto de X, ao fazer V, que X apóia que é possível que Φ manifeste v em alto grau (ou num grau maior do que o faz agora); pois é ininteligível afirmar: "v é uma característica de um 'bom' Φ, mas v não pode manifestar-se em grau elevado em Φ". Respeitar os direitos humanos não é um valor social a menos que o respeito pelos direitos humanos possa manifestar-se em grau elevado por toda a parte de uma sociedade humana. A eliminação total da injustiça (enquanto distinta da sua redução drástica) não é um valor social, porque é impossível erradicar totalmente a injustiça. O poder preditivo não é um valor cognitivo a menos que possam existir teorias a partir das quais se possa gerar predições. A certeza não é um valor cognitivo, porque não se podem gerar teorias que são conhecidas com certeza com os métodos científicos que implementamos. Evidência a favor ou contra enunciados de possibilidade relevantes pode ser buscada e obtida em investigações científicas; ela estará baseada, em grande medida, em enunciados estimativos de valor confirmados. A evidência que conta decisivamente contra enunciados de possibilidade constitui ceteris paribus uma razão para rejeitar V. Assim, os juízos de valor podem ser afetados, segundo modos logicamente permissíveis, pelos resultados da investigação científica.

Em terceiro lugar, no item (2), "bom" funciona como uma espécie de lugar vago. Na prática, entretanto, "bom" tende a trazer consigo um ideal de Φ – um fim, objetivo ou rationale geral, fundamental e abrangente para Φ do qual os Φ-valores são constitutivos (ou ao qual estão subordinados). Tais ideais podem não estar bem articulados. De qualquer modo, eles sempre permanecem abertos a uma articulação ulterior e, sem dúvida, ao desenvolvimento e à revisão. Quando os levarmos em conta (na seção 2), as interconexões entre os juízos de valores e os enunciados estimativos de valor (e outros enunciados factuais) tornar-se-ão mais extensas.

2. IDEAIS SOCIAIS E IDEAIS COGNITIVOS (O FIM DA CIÊNCIA)

Consideremos os valores sociais. X poderia articular (como eu faço) como o ideal ou rationale fundamental para a sociedade que ela proporcione estruturas que sejam suficientes para permitir que todas as pessoas vivam normalmente de modos que manifestem valores que, quando combinados por uma vida inteira, geram uma experiência de bem-estar (satisfação, florescimento). Esse ideal, por sua vez, precisa ser complementado por uma caracterização do bem-estar humano (uma visão da natureza humana), e de como ele se entrelaça com os ideais morais de X. Então v é um vs para X somente se X acredita que a manifestação de v é constitutiva de tais estruturas, ou de instituições ou movimentos que visam produzi-las (Lacey, 2002b).

Em geral, independentemente do ideal social que é articulado, sustentar v como um vs pressupõe:

(a) uma maior manifestação de v contribui para a realização mais completa do ideal;

(b) uma maior manifestação de v, e a ação para produzi-lo, não inibe manifestações maiores de outros vs sustentados; e

(c) não existe outra característica, que não possa manifestar-se em grau elevado nas mesmas estruturas que v, cuja manifestação em grau superior contribuiria mais para a realização do ideal.

Esses três pressupostos acrescentam-se ao pressuposto anterior:

(d) é possível que v se manifeste em maior grau (ou que sua manifestação atual em grau elevado se mantenha) na sociedade relevante;

e isso será verdadeiro somente se:

(e) estão disponíveis (ou podem ser criadas) na sociedade as condições que assegurem a disponibilidade de objetos de valor social, que são tais objetos em virtude de sua contribuição causal para a maior manifestação (ou a manutenção) de v.

Todos esses pressupostos estão sujeitos ao input da investigação empírica. Embora eles não impliquem V (o juízo de valor feito quando v é tido como um valor), a evidência favorável a eles proporciona suporte para que alguém faça V, e a evidência contrária a eles indica a necessidade (racional) de rever ou nossos vs ou nossa articulação do ideal social. Isso é relevante, mesmo se alcançar acordo acerca do ideal pareça estar fora de questão. Suponha-se, por exemplo, que se apresente evidência empírica forte de que um arranjo econômico valorizado é um fator causal significativo na perpetuação da fome em grande escala, mostrando assim uma incompatibilidade causal entre dois vs plausíveis. Um dos lados, então, tem que ceder. Não estamos imobilizados por um conflito intratável. Dialeticamente, a investigação empírica pode ser crucial em disputas acerca dos vs (Lacey, 2002b; 2003).

2.1. O FIM DAS PRÁTICAS CIENTÍFICAS

Voltemo-nos agora para os valores cognitivos. Um vc é uma característica cuja manifestação é valorizada em teorias (hipóteses) aceitas; é uma característica de teorias aceitas "boas". X, enquanto participante de práticas científicas nas quais as teorias são consideradas, exploradas, desenvolvidas, revisadas e avaliadas, subscreve um ideal do que faz "boa" uma teoria aceita, isto é, um fim, objetivo ou rationale geral, fundamental e abrangente para as teorias das quais os vc são constitutivos. Embora os indivíduos possam diferir em seus juízos acerca do que é constitutivo de uma teoria aceita "boa" (isto é, acerca dos vc), na medida em que exista concordância no sentido de que as teorias visam ser portadoras de entendimento e de conhecimento acerca dos fenômenos, podendo-se (freqüentemente) esperar que elas sejam aplicadas com sucesso nas práticas sociais, as diferenças serão consideradas discordâncias que necessitam de uma solução. O que quer que se possa sustentar acerca da "subjetividade" de outros tipos de valores (e minha caracterização dos valores mantém apenas um pouco), está fora de lugar no que se refere aos vc (Scriven, 1974). Uma vez que as teorias são produtos das práticas científicas, penso ser conveniente posicionar o ideal atribuído às teorias contra o pano de fundo de um ideal das práticas científicas.

Atribuirei a X o ideal ou fim das práticas científicas:

A: (i) de obter teorias que expressam o entendimento empiricamente embasado e bem confirmado dos fenômenos;

(ii) de âmbitos cada vez maiores de fenômenos, e

(iii) onde nenhum fenômeno relevante para a experiência humana ou para a vida social prática – e, em geral, nenhuma proposição acerca dos fenômenos – está (em princípio) excluído do compasso da investigação empírica.

Considero que o entendimento inclui descrições que caracterizam o que são os fenômenos (as coisas); propostas acerca do por que eles são como são; encapsulações das possibilidades (incluindo aquelas até aqui não atualizadas) que eles permitem em virtude de seus próprios poderes subjacentes e das interações nas quais podem entrar; e antecipações de como tentar atualizar essas possibilidades (Lacey, 1998; 1999, cap. 5). Enunciei o fim de modo a abarcar todas as investigações que são ditas "ciências" (incluindo as ciências sociais), bem como aquelas que possuem estreitas afinidades com as ciências. Incluo em "ciência" todas as formas de investigação empírica sistemática, pois não quero nem excluir por definição, por fiat, nem assumir a priori que as formas de conhecimento, que estão em continuidade com formas tradicionais de conhecimento, podem ter um estatuto cognitivo (epistêmico) comparável àquela da ciência moderna. Assim, não restrinjo "teoria" àquilo que possui estrutura matemático-dedutiva ou que contém representações de leis, mas incluo também todas as estruturas razoavelmente sistemáticas (talvez até estruturas ricamente descritivas ou narrativas) que expressam entendimento de algum domínio de fenômenos.5 5 Enunciar o fim como fiz está, obviamente, aberto a controvérsia. Laudan (1977), por exemplo, enuncia o fim em termos de "solução de problemas". Observo simplesmente que grande parte de meu argumento pode ser rearticulada no contexto de outras caracterizações dos fins da ciência.

Segue-se que v é um vc somente se é uma característica das teorias, cuja sólida aceitação promove A; portanto, somente se é constituinte de uma teoria que expressa um entendimento correto, empiricamente fundado, de um âmbito de fenômenos. Os vc (isto é, obter as teorias que os manifestem) são constituintes dos fins cognitivos das práticas científicas. Então, no mínimo, os vc devem de fato – tal como revelado nos estudos interpretativos que, entre outras coisas, explicam por que eles deslocaram as articulações historicamente anteriores dos vc (Laudan, 1984) – ter o papel dos fins cognitivos na tradição (ou tradições) da investigação científica e tornam-se manifestos em teorias cuja aceitação é presentemente livre de controvérsias.6 6 Outra questão pode aqui ser levantada. Pode-se colocá-la em uma forma quase paradoxal: mesmo admitindo que os vc são distintos de outros tipos de valores, será o mesmo conjunto de vc implementado de modo apropriado independentemente do domínio de investigação (por exemplo, física ou social) ou da estratégia (cf. a seção 4) adotada na pesquisa? Ou seria possível argumentar que os vc são em algum sentido relativos à estratégia adotada? Acredito que essa questão precisa ser mais explorada, e a resposta poderia ter impacto em minhas concepções correntes. Peter Machamer, em seu comentário à minha conferência, levantou o que penso ser uma questão relacionada. Ele escreve: "...a confiabilidade relevante do conhecimento reside na certificação por normas sociais públicas". Considero que isso implica que um discurso que visa identificar valores cognitivos já expressa certos valores sociais, de modo que – de maneira aparentemente paradoxal – qualquer distinção não trivial traçada entre os valores cognitivos e os valores sociais será de fato "relativa a" esses valores sociais particulares. Ambas questões são importantes, mas não posso tratá-las no âmbito deste artigo. Além disso, se se deseja sustentar uma noção robusta de entendimento, então devem existir razões fortes pelas quais outros candidatos que foram propostos, como, por exemplo, "ser um objeto de valor social à luz de algum vs", não estão incluídos entre os vc.

Como já indicamos, v é um vc somente se é possível que as teorias manifestem v em grau elevado; conseqüentemente, somente se estiverem disponíveis regras metodológicas que permitem que sua manifestação seja promovida. Existem também contrapartidas dos pressupostos (a)-(c), feitos ao sustentar vs, que o fim A torna inteligíveis. No presente argumento, entretanto, irei me deter apenas na contrapartida do pressuposto (b) – não existem efeitos colaterais indesejáveis em sustentar v como um vc:

P: (a) Obter uma maior manifestação de v em uma teoria não é incompatível com outro vc também obter maior manifestação de v naquela teoria; e

(b) requerer que v se manifeste em uma teoria aceita não inibe a consideração (como potencialmente dignas de aceitação) de teorias que poderiam manifestar bem algum dos outros vc.

Nada do que foi dito aqui acerca das condições de vc – exceto talvez ter incluído (b) em P – vai além do "modelo reticulado" de Laudan, e tudo que afirmei é influenciado por seu modelo (cf. Laudan, 1984).

P é suficiente para eliminar uma ampla gama de candidatos a vc.7 7 A gama inclui "interferências externas" comumente identificadas que têm sido consideradas ameaças à autonomia da conduta da ciência: aceitação por consenso, crenças populares, consistência com os pressupostos de valores sociais específicos, consistência com as interpretações bíblicas ou com os princípios do materialismo dialético. A consistência com as interpretações bíblicas, por exemplo, colide com a adequação empírica, com a redução ao mínimo das hipóteses ad hoc e com o poder de encapsular as possibilidades permitidas pelos fenômenos atuais. A eliminação não é feita a priori, mas é empiricamente embasada e dialeticamente ordenada. Considere-se o candidato que, para mim, é importante eliminar: ser um objeto de valor social à luz do vs especificado (que denominarei OVS). OVS não é um vc. A pesquisa científica implementou, em alguns campos (de forma mais ou menos explícita), variedades deste ao custo de inibir teorias interessantes, que em outros tempos mostravam manifestar bem os vc mais comumente prezados. Esses vc incluem: adequação empírica, poder explicativo, consiliência, redução ao mínimo das hipóteses ad hoc, poder de encapsular possibilidades dos fenômenos, e posse de recursos interpretativos que permitam a explicação dos êxitos e fracassos das teorias anteriores (Lacey, 1999, cap. 3). Poder-se-ia propor, entretanto, que pode existir um conjunto particular de vs para o qual esse tipo de inibição não ocorreria ou não ocorre. Isso é algo que só poderia ser estabelecido empiricamente.

2.2. ENTENDIMENTO E UTILIDADE

Desde o nascimento da ciência moderna existe controvérsia acerca da relação entre o entendimento e a utilidade. Houve por vezes uma tendência a colocar a utilidade – que as teorias científicas têm a propriedade de OVS para certos vs concernentes ao controle dos objetos naturais – entre os fins da ciência. (A influência baconiana nunca esteve ausente da tradição científica moderna.) Entretanto, na maioria das visões, o entendimento é um pré-requisito para a utilidade; uma condição necessária para que uma teoria tenha a propriedade OVS é que ela manifeste o vc em um alto grau, de modo que a partir do fim, tido como sendo a utilidade, não obtenhamos critérios que podem ser relacionados com aquilo que constitui entendimento correto. A utilidade nos conduz a enfatizar certas linhas de investigação, requerendo que sejam tratadas as possibilidades que, por exemplo, podem aumentar nossa capacidade de controlar objetos naturais, e que outras linhas sejam negligenciadas, por não se poder esperar que elas dêem origem a teorias que têm a probabilidade de serem objetos de valor social à luz do vs mantido. Quando a investigação é conduzida desse modo, todas as teorias que acabam sendo aceitas terão a propriedade de OVS para esses vs. Essas teorias possuem OVS porque, desde o início do processo de investigação, somente as teorias que o tivessem seriam consideradas (mesmo que provisoriamente), para que pudessem ser corretamente aceitas. Estabelece-se que uma teoria efetivamente (e não apenas potencialmente) pode ter a propriedade da utilidade a partir do fato de que ela é aceita (para um certo domínio de fenômenos) devido a manifestar o vc em um grau elevado.

O papel da utilidade (OVS) na seleção de teorias (quando ela tem um papel) está no momento em que se escolhem os tipos de teorias a serem provisoriamente consideradas e exploradas, e não quando se faz a escolha dentre as teorias provisoriamente consideradas e desenvolvidas (cf. a seção 4). O que se descobre no curso da investigação é que as teorias manifestam o vc em grau elevado; que elas também manifestem OVS é simplesmente uma conseqüência das restrições impostas à investigação desde o início. Se nenhuma teoria se consolidasse sob essas restrições, descobriríamos desse modo que não há teorias que manifestam OVS. OVS não desempenha nenhum papel juntamente com o vc no momento em que as teorias são aceitas (cf. a seção 4). Mesmo se os cientistas estivessem interessados apenas em investigar teorias úteis, não se seguiria daí que todas as teorias que podem expressar entendimento devem manifestar OVS. Pode-se colocar a utilidade entre os fins da ciência (e incluir OVS entre os vc) somente entrando em conflito com A. Apresso-me em acrescentar que concluir que OVS não é um vc poderia ser bastante trivial, se a tradição científica não tivesse tornado disponível um corpo extenso e expansível de entendimento científico, legitimado em virtude de estar expresso em teorias que foram corretamente aceitas para certos domínios de fenômenos, com respeito aos quais elas manifestam os vc no mais alto grau disponível (Lacey, 1999, p. 62-6). A "utilidade" foi bem servida por esse conhecimento.

3. ESTRATÉGIAS, REGRAS METODOLÓGICAS, METAFÍSICA E VALORES SOCIAIS

Poder-se-ia responder: mesmo se, para todo vs, OVS não for um vc, ainda assim pode existir um conjunto de vs tal que a regra metodológica (MR-OVS) seja um objeto de valor cognitivo elevado.

MR-OVS: Considerar e desenvolver somente as teorias que estão sujeitas a restrições, de modo que, se corretamente aceitas, elas também manifestem OVS (ser um objeto de valor social à luz do vs especificado).

Se os registros históricos apoiassem a tese de que segui-la seria o único modo de promover a realização do fim da ciência A, então a distinção entre vc e vs não teria muita importância.

Para refutar tal resposta, noto que A nos impulsiona em duas direções que, na prática científica efetiva, podem estar em tensão. Um impulso é no sentido de colocar o esforço de pesquisa onde podemos esperar obter, de modo rápido e eficiente, um sucesso prontamente reconhecível. O outro é no sentido de envolver-se em pesquisa acerca de fenômenos que foram pouco investigados, onde – uma vez que a pesquisa científica se erige sobre suas realizações passadas – as teorias podem parecer subdesenvolvidas, carentes de sofisticação interna, sem serem muito gerais no escopo. Mais adiante argumentarei que é importante que a ciência, enquanto instituição difundida por todo o mundo, reaja a ambos impulsos. Penso, entretanto, que o primeiro impulso dominou a ciência moderna, o que de fato conduziu a que se tomasse uma regra metodológica do tipo que acabamos de enunciar como sendo um objeto de elevado valor cognitivo. Além disso, a adoção dessa regra metodológica possibilitou algumas reações no sentido do outro impulso, tal como refletido no surgimento regular de novos ramos da ciência "moderna" (Lacey, no prelo). Contudo, argumentarei que o que foi "omitido" é de grande importância.

3.1. AS ESTRATÉGIAS MATERIALISTAS E A REGRA METODOLÓGICA PARA CONDUZIR A PESQUISA SEGUNDO ESSAS ESTRATÉGIAS

Antes de enunciar a regra metodológica do tipo MR-OVS que tenho em mente, introduzirei primeiramente outra, MR-M, que funciona em íntima conexão com ela, mas que, frente a ela, não vincula a atividade da ciência a nenhum valor social.

MR-M: Considerar e desenvolver somente teorias que instanciam princípios gerais da metafísica materialista acerca da constituição e modo de operação do mundo.

Considero que a metafísica materialista afirma que o mundo (os fenômenos e as possibilidades que eles permitem) pode ser adequadamente representado por categorias que podem ser implementadas segundo variedades apropriadas do que denomino estratégias materialistas, SM (Lacey, 1998; 1999; 2002a); de modo que adotar MR-M é equivalente a adotar a regra metodológica MR-SM:

MR-SM: Considerar e desenvolver somente teorias que satisfazem as restrições de SM, isto é, que representam os fenômenos e encapsulam possibilidades em termos que apresentam sua legiformidade e, assim, usualmente em termos de serem geradas ou geráveis a partir da lei e/ou estrutura, processo e interação subjacentes, dissociando-se de todo lugar que possam ter em relação aos arranjos sociais, às vidas e experiências humanas, dissociando-se de todo vínculo com o valor e de quaisquer possibilidades sociais, humanas e ecológicas, que também possam estar abertas para eles; e (reciprocamente): selecionar e procurar por dados empíricos que possam ser expressos usando as categorias descritivas que são geralmente quantitativas, aplicáveis em virtude de operações de medida, instrumentais e experimentais – de modo que eles possam ser postos em relação evidencial com teorias consideradas e desenvolvidas sob as restrições.

Nessa caracterização, a metafísica materialista não implica o fisicalismo, nem qualquer forma de reducionismo ou determinismo, e seu conteúdo concreto não está fixado. Suas articulações desenvolvem-se com o desenvolvimento e as mudanças de SM – e, portanto, com as decisões (que estão adequadas ao "modelo reticulado" de Laudan) acerca de quais versões de MR-SM seguir num dado momento num dado campo – e assim não está atada a nenhuma versão particular de SM, e certamente não às versões mecanicistas ultrapassadas.

Embora a ciência moderna tenha sido conduzida, na prática, exclusivamente sob variedades de SM (Lacey, 1998; 1999), irei sugerir que elas constituem apenas uma estratégia (embora uma especialmente importante) dentre as várias que poderiam ser adotadas na investigação empírica sistemática. De A não se segue que qualquer uma delas deva ser em geral priorizada na investigação. A referência a A não proporciona uma direção à pesquisa, não define o que conta como pesquisa útil ou relevante, nem proporciona respostas concretas para: quais as questões a colocar, quais os quebra-cabeças a resolver, quais classes de possibilidades cumpre tentar identificar, que tipo de explicações cumpre explorar, que categorias cabe implementar, tanto nas teorias (hipóteses) quanto nos relatos observacionais, que fenômenos observar, medir e experimentar, quem são os participantes apropriados na atividade de pesquisa, quais são suas qualificações requeridas, experiências de vida e virtudes? Nenhuma dessas questões pode ser abordada sem a adoção de uma estratégia (Lacey, 1999, cap. 5; 2002a),8 8 O que denomino "estratégias" tem muito em comum com as "tradições de pesquisa" de Laudan (1977), com os "sistemas de referência" de Kitcher (1993, p. 57) e com a "forma do conhecimento" de Hacking (1999, p. 170-1). cujas principais funções são restringir os tipos de teorias (hipóteses) que podem ser consideradas num dado domínio de investigação (de modo a permitir a investigação) e as categorias que elas podem implementar – assim especificando os tipos de possibilidades que podem ser explorados no curso da investigação – e selecionar os tipos relevantes de dados empíricos a buscar e as categorias descritivas apropriadas a usar para fazer relatos observacionais. Classes diferentes de possibilidades podem requerer estratégias diferentes para sua investigação (ver abaixo).

Uma vez que, em SM, as categorias intencionais e baseadas em valores são deliberadamente excluídas do uso na formulação das teorias, hipóteses e dados, onde estes são implementados, não pode haver nenhum juízo de valor entre as implicações formais das teorias e hipóteses. Seguir MR-SM é suficiente, portanto, para assegurar a neutralidade cognitiva (cf. a Introdução). Esta é uma característica do projeto das SM. Não pode haver dúvida de que conduzir a pesquisa segundo essas estratégias foi fecundo, e que A foi promovido numa extensão extraordinária; existem muitas teorias, que expressam o entendimento de um número e variedade cada vez maiores de fenômenos, desenvolvidas segundo SM, que manifestam vc em grau elevado. Além disso, as SM provaram ser amplamente adaptáveis, e novas variedades delas desenvolveram-se com o desenvolvimento da pesquisa: essas variedades deram expressão ao mecanicismo, à legiformidade expressa matematicamente, às várias formas de leis matemáticas (pressupondo o espaço e o tempo newtonianos e o espaço-tempo relativista; deterministas e probabilísticas; com e sem reducionismo fisicalista; funcionais e compositivas), modelagem computacional, estruturas moleculares e atômicas etc. Assim, pode haver pouca dúvida de que a pesquisa que segue MR-SM é indefinidamente expansível e podemos esperar que A continuaria a ser promovido por ela. No mínimo, então, MR-SM' tem valor cognitivo elevado, onde MR-SM' difere de MR-SM pela eliminação do "somente" da formulação deste último.

3.2. OS LIMITES DA PESQUISA CONDUZIDA SEGUNDO AS ESTRATÉGIAS MATERIALISTAS

Entretanto, não se segue que – mesmo em princípio – todos os fenômenos possam ser entendidos em termos das categorias permitidas por MR-SM. Isso acontece porque, em SM, os fenômenos são investigados de modo dissociado de todo contexto de valor, e assim nenhuma das possibilidades que podem derivar de tais contextos é considerada. Explicações rotineiras da ação humana (incluindo as ações envolvidas na pesquisa científica e nas práticas aplicadas), e as tentativas de antecipá-la, evitam tal dissociação. Elas implementam categorias (por exemplo, categorias intencionais e valorativas, incluindo aquelas usadas nos enunciados estimativos de valor) que são inadmissíveis em SM, e as teorias que as contêm podem manifestar o vc em grau elevado (Lacey & Schwartz, 1996; Lacey, no prelo).

Presentemente, enquanto não existe evidência forçosa de que essas teorias são redutíveis ou substituíveis por teorias construídas segundo SM, adotaram-se variedades de SM nas ciências do comportamento, na ciência cognitiva e nas neurociências, antecipando que se encontrarão reduções ou substituições. Esse é um exemplo de como a ciência que segue MR-SM responde ao impulso (o segundo impulso de A) de apreender novos tipos de fenômenos. Embora teorias nesses campos tenham sido aceitas corretamente para alguns domínios de fenômenos (principalmente experimentais), a sua extensão a fenômenos característicos da ação humana permanece simplesmente como uma antecipação com fraca garantia empírica (mas freqüentemente fomentada por teorias metafísicas materialistas da mente). A conjectura de que o entendimento adequado da ação humana pode ser produzido segundo SM é digna de ser explorada e eu não excluo a priori sua eventual confirmação, mas ela somente pode ser rigorosamente testada contra os produtos de pesquisas conduzidas segundo estratégias (chamemo-las "estratégias intencionais" SI) que não fazem a dissociação feita por SM. Limitar a pesquisa àquela conduzida segundo SM inibiria a exploração de teorias nas quais, por exemplo, a adequação explicativa poderia tornar-se manifesta em grau elevado. Assim, a promoção de A – por exemplo, em conexão com a investigação de fenômenos de valor – requereria a implementação de estratégias (por exemplo, SI) segundo as quais tais teorias poderiam ser consideradas e avaliadas (Lacey, 1999, cap. 9; 2001b; no prelo).

Por que, então, a pesquisa conduzida segundo SM tem sido tão dominante – a ponto de a adoção dessas estratégias ter sido freqüentemente vista como essencial para a pesquisa científica, ao passo que a pesquisa que não as adota (como em algumas ciências sociais) é vista como não muito "científica"? O que explica isso? E que justificativa racional pode ser dada para isso? O apelo à metafísica materialista não o justifica (mas cf. Bunge, 1981), pois faltam-lhe as credenciais cognitivas (empíricas) necessárias. Poderia acontecer que o primeiro impulso de A fosse tão forte que, na medida em que SM continue a expandir-se para novos campos, os cientistas se contentassem em ficar limitados a obter o entendimento que eles agora confiam estar obtendo? E, antecipando que outras versões ainda mais sofisticadas de SM se tornarão disponíveis, eles poderiam deixar para o futuro os fenômenos que, por ora, permanecem inexplorados segundo essas estratégias? Há, claramente, algo com alcance explicativo nessa sugestão, mas – argumentarei agora – ela não pode ser mantida como uma justificação, quando se leva em conta a aplicação das teorias científicas.

3.3. A IMPORTÂNCIA DE CONSIDERAR AS APLICAÇÕES

Já indiquei que as teorias podem ser avaliadas não apenas por seu valor cognitivo mas também por seu valor social. Podem elas, na aplicação, informar projetos valorizados em vista do vs especificado? A resposta tradicional é que toda teoria que é de algum modo aplicável pode informar projetos de qualquer vs viável e, assim, também aqueles dos vs especificados – as teorias são neutras (cf. a Introdução).9 9 Kitcher e Longino questionam a neutralidade de modos diferentes. Kitcher o faz levantando questões acerca de como a ciência se liga ao florescimento humano (Kitcher, 1993, p. 391; 1998, p. 46) e desenvolveu isso com suas recentes reflexões sobre os aspectos cognitivos e sociais da relevância dos resultados científicos (Kitcher, 2001, cap. 8); Longino (1990; 2002) faz isso em parte ao questionar se existe uma distinção relevante entre valores cognitivos e sociais. Isso não pode ser sustentado. Como se mostrou acima, as teorias desenvolvidas segundo SM são de fato cognitivamente neutras. Mas elas não precisam, por isso, ser neutras na aplicação. Para exemplificar, as sementes transgênicas são incorporações de conhecimento teórico corretamente aceito e desenvolvido segundo versões (biotecnológicas) de SM. Enquanto objetos tecnológicos, porém, elas não possuem papel significativo nos projetos daqueles que têm por objetivo cultivar agroecossistemas sustentáveis e produtivos, nos quais a biodiversidade é protegida e, ao mesmo tempo, promove-se o fortalecimento da comunidade local. Conseqüentemente, elas têm pouco valor social para os muitos movimentos rurais de base por toda a América Latina (e alhures) que sustentam esses valores. Suas aplicações não apresentam equanimidade. Entretanto, não falta input científico aos projetos que visam promover esses últimos valores. As teorias que os informam são consolidadas por pesquisas conduzidas segundo estratégias agroecológicas (SAE), estratégias nas quais uma multiplicidade de variáveis (concernentes à produção de sementes, à correção biológica, à biodiversidade e ao bem-estar e atuação da comunidade local) são investigadas de modo simultâneo e interativo.10 10 As afirmações meramente formuladas neste parágrafo são todas elaboradas e documentadas em detalhe numa série de artigos recentes (Lacey, 2000a; 2001a; 2002c; 2002d; 2003; cf. também 1998; 1999, cap. 8). Minha caracterização de S AE deve muito a Altieri (1995). Seu papel é aqui ilustrativo; o impulso de meu argumento geral não depende da concordância com o que afirmo acerca deles. As ilustrações poderiam ser obtidas rapidamente a partir das considerações envolvendo S 1 (cf. Lacey, no prelo) e da pesquisa nas ciências sociais (Lacey, 2002b).

O que se inclui no âmbito dos vs, pelos quais uma teoria pode ter valor social, é uma questão de fato, aberta à investigação empírica. Apesar de acreditar que existe uma medida da neutralidade na aplicação entre as teorias confirmadas segundo SM, tomadas como um todo, quando as SM são exploradas de modo praticamente exclusivo, elas possuem valor social de modo geral e especialmente à luz de perspectivas valorativas que destacam um conjunto de valores sociais concernentes aos modos especificamente modernos de valorizar o controle dos objetos naturais (mvc). Esses valores dizem respeito ao âmbito de controle, à sua centralidade na vida diária, e a que os mvc não estejam relativamente subordinados a outros valores morais e sociais – de modo que, por exemplo, a expansão de tecnologias por mais e mais esferas da vida, até tornarem-se os meios de resolver cada vez mais problemas, é especialmente valorizada em alto grau, e o tipo de desordem ecológica e social causada por isso é simplesmente considerada como o preço do progresso.11 11 Cf. Lacey, 1999, cap. 6; 2002a, para completar os detalhes deste enunciado sumário. Nesses trabalhos, arrolo explicitamente os valores que em conjunto constituem mvc, exploro os pressupostos de sua legitimação e forneço evidência para todas as asserções que seguem em 3.4. As teorias confirmadas segundo SM tendem a ser especialmente pertinentes para informar projetos valorizados à luz dos mvc (e, em muitos casos, como no caso dos transgênicos, somente eles).

3.4. AS ESTRATÉGIAS MATERIALISTAS E SEUS VÍNCULOS COM OS MODOS ESPECIFICAMENTE MODERNOS DE VALORIZAR O CONTROLE

Esse fato contribui para explicar a predominância da pesquisa conduzida segundo SM e o tipo de privilégio epistêmico atribuído às teorias corretamente aceitas segundo essas estratégias, pois os mvc são amplamente sustentados nas sociedades modernas e reforçados por suas relações com outros valores que se manifestam em grau elevado em instituições sociais contemporâneas poderosas (na atualidade, geralmente vinculadas ao capital, ao mercado e ao aparato militar). A explicação que eu proponho, entretanto, não é aquela simples de que as SM são adotadas com o fim de gerar as aplicações que promovem os interesses cultivados pelos mvc. (Nas investigações particulares, elas são freqüentemente adotadas por razões bastante diferentes.) Antes, é porque existem vários modos nos quais sustentar mvc e adotar SMreforçam-se mutuamente entre si (Lacey, 1999, cap. 6; 2002a). Eles envolvem: (i) a promoção de mvc é satisfeita pela expansão do entendimento obtido segundo SM, e dela depende. (ii) Existem estreitas afinidades entre o controle experimental e o controle tecnológico (cf. Dupré, 2001, p. 10-1), e o entendimento, obtido segundo SM, é dependente de alcançar com êxito o controle experimental. (iii) Engajar-se na pesquisa segundo SM fomenta um interesse na manifestação mais completa dos mvc, uma vez que seu desenvolvimento depende freqüentemente da disponibilidade de instrumentos que sejam produtos de avanços tecnológicos ligados aos mvc, e algumas vezes os próprios objetos tecnológicos proporcionam modelos ou mesmo tornam-se objetos centrais para a investigação teórica. Finalmente, (iv) dadas as formas correntes de institucionalização da ciência, nas quais as instituições que proporcionam as condições materiais e de financiamento para a pesquisa tendem a fazê-lo porque esperam que as aplicações "úteis" para elas virão em breve, quaisquer valores promovidos pela pesquisa segundo SM (por exemplo, a satisfação da curiosidade e outros valores associados com a pesquisa "básica") tendem a manifestar-se hoje em dia no interior de perspectivas valorativas que também incluem mvc.

É em virtude dessas relações que se reforçam mutuamente que as teorias corretamente aceitas segundo SM tornam-se objetos de valor social à luz dos mvc. (Desenvolvendo a minha notação anterior, essas teorias manifestam OMVC; e com respeito a outros vs – por exemplo, aqueles dos movimentos rurais referidos acima – elas podem não manifestar OVS significativamente.) Obviamente, é uma condição para que manifestem OMVC em grau elevado, e uma base para esperar a eficácia de suas aplicações, que seu valor cognitivo seja confirmado segundo SM.

Que as SM tornaram-se as estratégias de pesquisa de uso predominante assenta no fato de que as teorias, que se tornaram corretamente aceitas segundo SM, também manifestam OMVC12 12 Cf. Lacey, 1999, caps. 5 e 6; 2002a, para o argumento detalhado em favor dessa explicação e contra outras explicações propostas. e, assim, são efetivamente produtos da seguinte regra metodológica (uma instância de MR-OVS):

MR-OMVC: Considerar e desenvolver somente (de modo praticamente exclusivo) teorias que seguem restrições de modo que, se corretamente aceitas, elas também manifestem OMVC.

MR-OMVC é a regra metodológica que foi referida no início desta seção e que é amplamente tomada como um objeto de elevado valor cognitivo entre os praticantes da ciência moderna.

O vínculo entre SM e mvc não somente explica, como também proporciona a maior parte das bases racionais (se é que existem) para a predominância dada à pesquisa segundo SM. Assim, sugiro não apenas que adotar MR-M é equivalente a adotar MR-SM, mas também que adotar MR-SM é equivalente a adotar MR-OMVC. Dar primazia à pesquisa conduzida segundo SM não deriva simplesmente do compromisso de promover A. A pesquisa conduzida dessa maneira permitiu que A fosse promovido até um grau notável enquanto, ao mesmo tempo, seus produtos informaram os processos que tanto fortificaram a manifestação dos mvc nas principais instituições socioeconômicas contemporâneas. A racionalização da predominância da pesquisa conduzida segundo SM depende da aprovação racional de mvc (reforçada talvez pelo compromisso com outros vs, tais como os do mercado; cf. Lacey, 2002d).

3.5. A NECESSIDADE DE UMA MULTIPLICIDADE DE ESTRATÉGIAS

Muitas pessoas, talvez surpresas pela manifestação crescente dos mvc, que parece fazer parte da trajetória das formas econômicas predominantes correntes, assumem irrefletidamente que os mvc contêm um conjunto de valores universais, de modo que não reconhecem diferença entre ser aplicável a serviço dos mvc e estar a serviço de todas as perspectivas de valor viáveis. Tanto os mvc como a metafísica materialista estão profundamente alojados na consciência irrefletida das pessoas instruídas das nações industriais avançadas e seus aliados em outras nações, tanto que lhes parece difícil conceber que qualquer uma delas possa ser seriamente questionada. Assim, parece que a pesquisa científica é idêntica àquela conduzida segundo SM, e a promoção de A reduz-se a empreender a pesquisa segundo SM.

Contrariamente a isso, mostrei acima que algumas vezes, por exemplo, no que concerne à pesquisa na agricultura, existe uma escolha de estratégias a ser feita, pois faltam a SM os recursos necessários para explorar certas classes de possibilidades. Em tais situações, a promoção de A exigiria que a pesquisa fosse feita, no interior do corpo coletivo das instituições científicas, tanto segundo SM quanto segundo estratégias competidoras, cuja fecundidade potencial tem algum suporte empírico. Quando as estratégias competidoras não são desenvolvidas, então, como acabei de sugerir, o fator chave é a aprovação dos mvc. Obviamente, para aqueles que rejeitam mvc, isso não conta como uma legitimação e não põe barreiras racionais para que adotem estratégias diferentes, que prometem proporcionar conhecimento e identificar possibilidades que podem informar projetos enraizados em seus próprios valores (por exemplo, adotar SAE em vista de seus vínculos com os valores das organizações rurais.)13 13 Para os que aderem a mvc, os valores dos movimentos contestatórios não são comumente tidos como viáveis, uma vez que se considera que eles representam ou visões sociais odiosas ou ideais insustentáveis – e os que contestam usam de ataques similares (Lacey, 2002b; 2002c).

3.6. EFICÁCIA E LEGITIMAÇÃO

É suficientemente claro que, em SM, identificam-se possibilidades tais que, quando realizadas em objetos tecnológicos ou outras intervenções, é provável que aumentem os interesses de mvc e vs ligados a eles (nem sempre só a eles). Geralmente, a aplicação pressupõe a eficácia: que uma certa intervenção ou um objeto tecnológico com um projeto específico funcionará efetivamente, que ele terá o desempenho pretendido. As teorias corretamente aceitas segundo SM podem ser tomadas como uma fonte abundante de aplicações eficazes de valor à luz de mvc, enquanto as teorias desenvolvidas segundo as estratégias competidoras, qualquer que seja a eficácia que elas possam engendrar, tendem a promover vs competidores. O papel de mvc é ainda mais amplo, entretanto, como ficará claro quando levarmos em conta que a aplicação envolve a aceitação de hipóteses não apenas acerca da eficácia, mas também acerca de questões que subjazem à legitimação.

A legitimação envolve a consideração não apenas do valor social que será diretamente promovido por uma aplicação eficaz, mas requer também o respaldo de hipóteses como as seguintes:

Nenhum efeito colateral negativo sério (NEN): Não existem efeitos – de magnitude, probabilidade de ocorrência e intratabilidade significativas – de valor social negativo causados pela aplicação.

Nenhum modo "melhor" (NMM): Não existe outro modo, com valor social potencialmente maior, de realizar os fins imediatos da aplicação (ou fins competidores com valor social maior).14 14 Todos os detalhes desta seção foram ilustrados em detalhe em meus trabalhos recentes sobre a inter-relação entre ética e filosofia da ciência nas controvérsias atuais sobre os transgênicos e sobre as promessas da agroecologia. Ver as referências na nota 10. Com relação à eficácia: a pesquisa e a prática aplicada mostram que algumas safras transgênicas são produtivas (sendo equivalentes ou maiores do que as alternativas convencionais), resistentes a herbicidas e pragas específicas etc. E os proponentes dos transgênicos sustentam (e os críticos negam) relativamente a NEN, que plantar e consumir safras e produtos transgênicos não farão diretamente mal à saúde humana e ao ambiente; e relativamente a NMM, que não existem outras formas de agricultura (intensiva não-transgênica) que possam ser suficientemente produtivas para satisfazer as necessidades mundiais de alimento nas próximas décadas.

Na prática, a importância de NEN é geralmente reconhecida e nenhuma aplicação é introduzida sem alguma atenção a ela. Convém notar três aspectos inter-relacionados. Primeiro, a sua formulação é, usualmente, uma atribuição dos estudos de análise de risco. Isso envolve a feitura de conjecturas (baseadas em considerações teóricas ou sugeridas por observações) acerca de possíveis efeitos colaterais negativamente avaliados e então o planejamento de estudos – nos quais problemas específicos, normalmente abertos à investigação segundo SM, são colocados – para determinar sua probabilidade, tratabilidade etc. Esses são problemas cujas respostas não são estabelecidas simplesmente por estimativas de valor cognitivo à luz dos dados empíricos disponíveis; questões de valor social estão também essencialmente envolvidas (cf. a seção 4, que trata da "aprovação" de hipóteses). Além disso, as questões acerca da generalidade das respostas propostas e dos riscos desconhecidos estão sempre pairando no cenário; e esse tipo de estimativa de risco não tem os meios para explorar os efeitos das aplicações, enquanto objetos de valor social sob condições socioeconômicas específicas. Em segundo lugar, NEN tem uma forma lógica existencial negativa. A evidência para ela é, em grande medida, o insucesso em identificar empiricamente contra-exemplos bem embasados. (Ela pode também obter suporte evidencial de teorias nas quais ela pode estar imbricada.) Mas a ausência de contra-exemplos identificados não é a mesma coisa que o insucesso em identificá-los. Um insucesso relevante é um insucesso após ter sido conduzida a investigação apropriada, e "apropriada" é um termo impregnado de valor. Como NEN não pode ser formulada usando apenas as categorias de SM, a ausência de investigação empírica sistemática que desenvolva as teorias nas quais ela está contida pode fazer da tentativa de identificar contra-exemplos uma tarefa bastante fortuita. Em terceiro lugar, onde mvc são sustentados, e privilegia-se a pesquisa conduzida segundo SM, uma vez que a estimativa de risco padrão foi empreendida, o "ônus da prova" é totalmente transferido para os críticos. Entretanto, com freqüência, em vista do modo pelo qual a ciência é institucionalizada, não estão disponíveis as condições para que eles assumam o ônus. A conseqüência é que NEN pode continuar sem ser questionada, muito embora, se estivessem disponíveis as condições, uma crítica cognitivamente bem fundamentada teria a possibilidade de ser desenvolvida. NEN entra na agenda, porém, e as estimativas de risco padrão são a resposta; e, em numerosos casos, isso é bastante adequado.

Onde SM são predominantes, NMM nem mesmo faz parte da agenda relativamente a algumas inovações tecnológicas. Onde um modo alternativo proposto está ligado a vs que estão em tensão com mvc, a tensão tende a ser tomada como suficiente para rejeitar esses vs e afastar completamente a alternativa. Quando isso acontece, não se considera seriamente se a condução da pesquisa segundo estratégias vinculadas com esses vs poderia gerar conhecimento que abriria proficuamente novas possibilidades que (diferentemente daquelas identificadas em SM) podem servir para promover os interesses nutridos pelos vs.15 15 Isso acontece nas polêmicas sobre os transgênicos, nas quais as possibilidades da agroecologia são freqüentemente descartadas exatamente nessas bases; e isso, obviamente, vai contra a imparcialidade. (cf. a nota 10 para referências e documentação; cf. também a nota 13). Sobre o aspecto fecundo de S AE, ver especialmente Altieri, 1995, e as referências em Lacey, 2002c. Um dos maiores riscos gerados pela implementação em grande escala da agricultura transgênica intensiva é que ela iniba as condições necessárias tanto para a pesquisa como para a prática da agroecologia. Agir vigorosamente, afirmando a legitimidade com base em NEN, pode fazer com que NMM se torne verdadeira. Isso é inconsistente com tomar A como expressão do fim da ciência. A não se ajusta facilmente a limites impostos ao escopo da neutralidade na aplicação – mesmo quando aquela neutralidade está subordinada somente a um valor de tão ampla aceitação como mvc. Nem a neutralidade na aplicação, nem a avaliação adequada de NEN e NMM podem ser realizadas sem que a pesquisa seja conduzida segundo uma variedade de estratégias, vinculadas respectivamente a diferentes vs.

3.7. IMPARCIALIDADE DA ACEITAÇÃO DE TEORIAS, MAS NÃO AUTONOMIA DA METODOLOGIA

Uma regra metodológica possui valor cognitivo se ela contribui para promover A. Como foi mostrado acima, MR-SM' tem claramente valor cognitivo em conexão com a exploração de muitos fenômenos e possibilidades. MR-SM, na medida em que engloba MR-SM', contribui para promover A (i-ii); mas na medida em que a ultrapassa em virtude do "somente", tende a debilitar A (iii). Por outro lado, adotar SAE promove (iii); e também (i) e (ii), mesmo se quantitativamente numa extensão muito menor do que adotar SM.16 16 Acredito que S M tem uma importância especial nas práticas científicas (Lacey, 1999, cap. 10); mas, com o objetivo de promover A, elas devem ser complementadas por outras estratégias. Estratégias como S AE valem-se dos resultados da pesquisa conduzida segundo S M de numerosos modos indispensáveis. Elas não devem ser vistas como alternativas completas a S M, mas mais como um conjunto interconectado de abordagens locais, cada uma das quais valendo-se dos resultados de S M onde for conveniente. Existem certas classes de possibilidades que, até onde sabemos no momento presente e podemos esperar no futuro previsível, se forem genuinamente realizáveis, não podem ser identificadas pela pesquisa conduzida segundo SM – por exemplo, objetos potenciais de valor social, dados vs específicos (por exemplo, aqueles dos movimentos rurais), e aqueles que poderiam ser identificados segundo outra estratégia (SAE). Sustentar esses vs é o que torna especialmente interessante adotar essas estratégias, assim como (se eu estiver certo) sustentar mvc é o que embasa a aceitação exclusiva de SM. O conflito acerca de vs influencia, portanto, quais são as regras metodológicas a seguir, e assim a autonomia da metodologia (cf. a Introdução) não pode ser sustentada. Mas a imparcialidade, como um ideal atingível pelas teorias aceitas, não é afetado. Muitas teorias, desenvolvidas seguindo-se MR-SM, foram corretamente aceitas para classes bastante amplas de fenômenos em virtude de manifestarem vc em grau elevado. Isso não é afetado pela equivalência, na prática, entre MR-SM e MR-OMVC. Uma lógica similar aplica-se quando se escolhem outras estratégias.

4. OS MOMENTOS DA ATIVIDADE CIENTÍFICA

A partir dessa discussão emerge um modelo de atividade científica no qual é útil distinguir (analiticamente, não temporalmente) três momentos da atividade científica: M1 – adotar uma estratégia; M2 – aceitar teorias; e M3 – aplicar o conhecimento científico.

Aceitar uma teoria (T) é julgar que T não precisa de testes subseqüentes, e que T pode ser tomada como dada na pesquisa em andamento e na prática social. Segundo a imparcialidade (complementando agora, com conteúdo positivo, a caracterização negativa dada na Introdução), T é corretamente aceita para um domínio específico de fenômenos se e somente se manifesta os vc em grau elevado e se, dados os "padrões" correntes para "medir" o grau de manifestação dos vc, não existe perspectiva plausível de obter um grau maior (Lacey, 1999, cap. 10; 2002a). Dado A como o fim da ciência, e dado que são as teorias que expressam o entendimento dos fenômenos, não existe papel racionalmente destacado para vs em M2; o fato de que T pode manifestar em grau elevado algum OVS não conta racionalmente a favor nem contra sua aceitação correta.

Em M1 e M3, entretanto, vs possuem papéis legítimos e com freqüência racionalmente indispensáveis. Em M3, uma aplicação é obviamente feita porque visa servir a interesses específicos e, assim, promover a manifestação de vs específicos, e os juízos sobre sua legitimação dependem da multiplicidade de juízos de valor. Em M1, uma estratégia pode ser adotada (como vimos) – sujeita, no final das contas, à pesquisa que se mostra fecunda em gerar teorias que se tornam corretamente aceitas em M2 – em vista de relações de reforço mútuo entre adotá-la e sustentar certos vs, assim como o interesse em promover aqueles valores. (Algumas vezes a estratégia pode ser adotada por outras razões). A adoção de uma estratégia define os tipos de possibilidades que podem ser identificados na pesquisa – (em casos importantes) possibilidades que, se identificadas e atualizadas, serviriam os interesses cultivados segundo os vs ligados à adoção da estratégia. Adotar uma estratégia não implica per se que possibilidades desses tipos existam e, se assim for, o que elas são concretamente; tais questões somente podem ser resolvidas em M2, onde a imparcialidade deveria ser mantida.

Assim, geralmente não se pode considerar que a neutralidade na aplicação vigore; na aplicação, em M3, as teorias tendem a servir especialmente bem os vs ligados à estratégia segundo a qual eles são aceitos. Não obstante, penso que a neutralidade na aplicação deveria permanecer uma aspiração das instituições científicas, mas agora entendida como: A deve ser desenvolvida de modo que o conhecimento científico seja produzido de tal maneira que os projetos valorizados à luz de qualquer vs viável possam ser informados, mais ou menos imparcialmente, por conhecimento científico bem estabelecido. Em geral, a ausência de fato da neutralidade na aplicação será testemunho do fato de que A foi desenvolvido amplamente em resposta ao primeiro impulso que identifiquei anteriormente. O desenvolvimento completo de A requer a adoção de estratégias múltiplas. Duvido que isso possa acontecer sem que se reconheça como legítimo o papel de vs em M1, e sem que se proporcione às estratégias ligadas aos vs de grupos menos dominantes as condições materiais e sociais apropriadas para seu desenvolvimento (Lacey, 2002c; 2002d).

4.1. OS PAPÉIS DOS VALORES EM MOMENTOS DIFERENTES

Antes de concluir, pode ser útil elaborar alguns pontos pertinentes ao papel de vs em diferentes momentos. Em primeiro lugar, embora OVS, independentemente dos vs que se possa considerar, não tenha um papel lógico apropriado comparável aos vc em M2, ainda assim vs podem ter vários papéis nesse momento. Eles incluem: (1) instituições que manifestam certos vs podem ter valor cognitivo; (contingentemente) elas podem proporcionar as condições necessárias para a aceitação de teorias de acordo com a imparcialidade; (2) vs podem ser parte da explicação causal de por que estão disponíveis teorias aceitas para certos domínios de fenômenos, mas não para outros; (3) o teste adequado de teorias – e particularmente a especificação dos limites dos domínios de fenômenos para os quais elas são corretamente aceitas – pode requerer a comparação crítica com teorias desenvolvidas segundo uma estratégia competidora que tem relações de reforço mútuo com um vs particular; (4) uma vez que uma teoria pode não ser neutra na aplicação ou pode prejudicar os pressupostos de uma perspectiva de valor, o compromisso com vs (que não são servidos pela aplicação da teoria ou cujos pressupostos são prejudicados) pode conduzir a elevar os "padrões" de "medida" do grau de manifestação dos vc; (5) sustentar vs específicos pode capacitar-nos a diagnosticar quando uma teoria está sendo aceita em desacordo com a imparcialidade, quando (por exemplo) um OVS está de fato secretamente desempenhando um papel em M2 juntamente com vc.17 17 Longino (1990; 2002) implementa itens parecidos com alguns de (1)-(5) de modo a argumentar contra uma distinção relevante entre o cognitivo e o social. Não posso tratar aqui de seus argumentos, mas para isso ver Lacey, 1999, cap. 9.

Em segundo lugar, aceitar/rejeitar não é a única posição tomada de modo relevante em relação a T na atividade científica. T pode ser provisoriamente considerada, desenvolvida com vistas a seu desenvolvimento ou revisão, submetida a teste, sustentada como mais promissora ou como "salvando os fenômenos" melhor do que as alternativas existentes, usada instrumentalmente em outras investigações etc. Algumas dessas posições devem claramente ser adotadas em estágios iniciais dos processos de pesquisa que produzem uma teoria corretamente aceita. (Algumas teorias nunca são candidatas à aceitação – teorias "ideais", alguns "modelos" matemáticos.) O modelo de atividade científica proposto aqui pode ser elaborado para incluir outros momentos e sub-momentos de modo a corresponder a essas posições. Em alguns deles vs podem ter papéis apropriados. Uma vez que uma estratégia tenha sido adotada em M1, por exemplo, existe um momento em que são escolhidos os problemas específicos para a investigação. Mesmo aqueles que aprovam a autonomia (e que não reconhecem que existe uma questão de escolha de estratégia) admitem prontamente um papel para vs nesse momento.

Em terceiro lugar, sustentei que a aplicação é um momento importante M3 da atividade científica, tanto que os vs servidos pela aplicação podem também ter um papel no momento M1 em que uma estratégia é adotada. Assim, os vs têm um papel no núcleo da atividade científica, e não vejo boa razão para querer retirar-lhes esse papel. Em M3, os vs também desempenham vários papéis ligados à legitimação das aplicações. A legitimação requer atenção a NEN e NMM, e espera-se que os cientistas, enquanto cientistas, façam juízos acerca deles (Lacey, no prelo). Esses juízos não são redutíveis àqueles da aceitação de teorias. Direi que os cientistas aprovam (ou não aprovam) hipóteses dos tipos NEN e NMM. Aprovar uma teoria ou hipótese envolve apelo tanto a vc como a vs.18 18 A categoria "valor chamado a oferecer soluções para problemas levantados pelos cientistas" não proporciona uma base para a distinção entre vc e vs. Mesmo assim, a distinção entre vc e vs é importante no contexto de avaliação de NEN e NMM. Ela subjaz ao modo pelo qual discordâncias acerca da aprovação podem ser racionalmente formuladas e ajuda a explicar por que freqüentemente não o são (para referências, cf. a nota 10). Aqueles que querem manter os vs fora do núcleo da atividade científica não consideram os juízos de aprovação como juízos propriamente científicos. Essa é uma afirmação bastante pouco plausível (Machamer & Douglas, 1999; Douglas, 2000). Os cientistas resolvem problemas ligados a NEN e NMM – e espera-se que o façam.

Aprovar T é julgar que T tem valor cognitivo suficiente (isto é, é suficientemente provável que seja verdadeira ou que se torne corretamente aceita); que a possibilidade de que seja falsa ou de que a pesquisa futura conduza a sua rejeição, e as possíveis conseqüências (conseqüências negativas sérias, do ponto de vista dos vs especificados) de agir com base em T se isso acontecesse, não deveriam ser consideradas boas razões para não se engajar em ações informadas por T. A aprovação de T é uma condição necessária (mas não suficiente) para a legitimação de sua aplicação. A aceitação implica a aprovação (Lacey, 1999, p. 71-74), mas não podemos razoavelmente esperar a aceitação como uma condição geral da aprovação: nós temos que agir na ausência não apenas da certeza, mas também de conhecimento que satisfaça os altos padrões necessários para a correta aceitação. Isso é particularmente relevante onde questões tais como NEN e NMM são pertinentes. Quando aprovamos sem aceitação, os vs estão sempre em jogo, quer sejam reconhecidos conscientemente ou não, e os juízos dos cientistas podem diferir em virtude dos diferentes vs que sustentam (Douglas, 2000). A aprovação é um momento importante da atividade científica. Negar aprovação a T, quando outros cientistas a aprovam, traz a obrigação de especificar quais são os testes ulteriores necessários (Lacey, 2002b; 2002c; 2002d). Se nenhum teste pode ser especificado após decorrido um intervalo de tempo adequado, então T foi testada segundo os padrões mais elevados e rigorosos disponíveis. A ciência não pode fazer mais.

5. CONCLUSÃO

Estou de fato interessado em que os produtos teóricos da ciência possuam credenciais cognitivas corretas. Compartilho esse interesse com a concepção tradicional. Mas não desejo manter os valores (não cognitivos) fora da ciência. Os valores já se encontram na ciência. Minhas recomendações são no sentido de uma reforma. Quero incluir mais valores – no lugar apropriado, e, com isso, atenuar a influência dos valores que já se encontram na ciência. Sem dúvida, minhas recomendações podem permitir que alguns tipos indesejáveis ponham o pé para dentro da porta (portando-se como amigos), mas o modelo de atividade científica que proponho fornece muitos recursos para fechar-lhes a porta. Esse modelo nos permite entender certos fenômenos da atividade científica corrente e sugerir recomendações acerca de como melhorá-la. Ele requer a distinção entre os valores cognitivos e os valores sociais, e reflete simultaneamente interesses cognitivos e políticos.19 19 Sou grato a Peter Machamer por seu comentário a minha conferência. Ele me estimulou a esclarecer várias partes deste artigo.

Traduzido do original em inglês por Pablo Rubén Mariconda

Apresentado na mesa redonda "Ciência, Valores e Objetividade" (com a participação de Larry Laudan e Peter Machamer), no 6o Encontro do Colóquio Pittsburgh-Konstanz sobre Filosofia da Ciência. Out. de 2002, Pittsburgh, EUA.

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  • 1
    A concepção esboçada aqui sobre a
    ciência livre de valores e seus três constituintes (
    imparcialidade,
    neutralidade e
    autonomia) encontra-se elaborada em Lacey, 1999; 2002a; cf. também a seção 4 deste artigo.
  • 2
    Para uma descrição mais completa de minhas concepções acerca dos valores, cf. Lacey, 1999, cap. 2 e Lacey & Schwartz, 1996.
  • 3
    Em Lacey, 1999, cap. 3, introduzo uma noção mais geral de "valor cognitivo" que se aplica a crenças mantidas na vida comum e que informa as ações de uma variedade de práticas. A noção mais estrita é suficiente para os propósitos deste artigo; tal como a uso aqui, "valor cognitivo" pode ser considerada como uma abreviação de "valor de uma teoria aceita".
  • 4
    McMullin (1983) e Nagel (1961), usando terminologias diferentes, implementam uma distinção similar.
  • 5
    Enunciar o fim como fiz está, obviamente, aberto a controvérsia. Laudan (1977), por exemplo, enuncia o fim em termos de "solução de problemas". Observo simplesmente que grande parte de meu argumento pode ser rearticulada no contexto de outras caracterizações dos fins da ciência.
  • 6
    Outra questão pode aqui ser levantada. Pode-se colocá-la em uma forma quase paradoxal: mesmo admitindo que os
    vc são distintos de outros tipos de valores, será o mesmo conjunto de
    vc implementado de modo apropriado independentemente do domínio de investigação (por exemplo, física ou social) ou da estratégia (cf. a seção 4) adotada na pesquisa? Ou seria possível argumentar que os
    vc são em algum sentido relativos à estratégia adotada? Acredito que essa questão precisa ser mais explorada, e a resposta poderia ter impacto em minhas concepções correntes. Peter Machamer, em seu comentário à minha conferência, levantou o que penso ser uma questão relacionada. Ele escreve: "...a confiabilidade relevante do conhecimento reside na certificação por normas sociais públicas". Considero que isso implica que um discurso que visa identificar valores cognitivos já expressa certos valores sociais, de modo que – de maneira aparentemente paradoxal – qualquer distinção não trivial traçada entre os valores cognitivos e os valores sociais será de fato "relativa a" esses valores sociais particulares. Ambas questões são importantes, mas não posso tratá-las no âmbito deste artigo.
  • 7
    A gama inclui "interferências externas" comumente identificadas que têm sido consideradas ameaças à
    autonomia da conduta da ciência:
    aceitação por consenso, crenças populares, consistência com os pressupostos de valores sociais específicos, consistência com as interpretações bíblicas ou
    com os princípios do materialismo dialético. A consistência com as interpretações bíblicas, por exemplo, colide com a
    adequação empírica, com a
    redução ao mínimo das hipóteses ad hoc e com o
    poder de encapsular as possibilidades permitidas pelos fenômenos atuais.
  • 8
    O que denomino "estratégias" tem muito em comum com as "tradições de pesquisa" de Laudan (1977), com os "sistemas de referência" de Kitcher (1993, p. 57) e com a "forma do conhecimento" de Hacking (1999, p. 170-1).
  • 9
    Kitcher e Longino questionam a
    neutralidade de modos diferentes. Kitcher o faz levantando questões acerca de como a ciência se liga ao florescimento humano (Kitcher, 1993, p. 391; 1998, p. 46) e desenvolveu isso com suas recentes reflexões sobre os aspectos cognitivos e sociais da
    relevância dos resultados científicos (Kitcher, 2001, cap. 8); Longino (1990; 2002) faz isso em parte ao questionar se existe uma distinção relevante entre valores cognitivos e sociais.
  • 10
    As afirmações meramente formuladas neste parágrafo são todas elaboradas e documentadas em detalhe numa série de artigos recentes (Lacey, 2000a; 2001a; 2002c; 2002d; 2003; cf. também 1998; 1999, cap. 8). Minha caracterização de S
    AE deve muito a Altieri (1995). Seu papel é aqui ilustrativo; o impulso de meu argumento geral não depende da concordância com o que afirmo acerca deles. As ilustrações poderiam ser obtidas rapidamente a partir das considerações envolvendo S
    1 (cf. Lacey, no prelo) e da pesquisa nas ciências sociais (Lacey, 2002b).
  • 11
    Cf. Lacey, 1999, cap. 6; 2002a, para completar os detalhes deste enunciado sumário. Nesses trabalhos, arrolo explicitamente os valores que em conjunto constituem
    mvc, exploro os pressupostos de sua legitimação e forneço evidência para todas as asserções que seguem em 3.4.
  • 12
    Cf. Lacey, 1999, caps. 5 e 6; 2002a, para o argumento detalhado em favor dessa explicação e contra outras explicações propostas.
  • 13
    Para os que aderem a
    mvc, os valores dos movimentos contestatórios não são comumente tidos como viáveis, uma vez que se considera que eles representam ou visões sociais odiosas ou ideais insustentáveis – e os que contestam usam de ataques similares (Lacey, 2002b; 2002c).
  • 14
    Todos os detalhes desta seção foram ilustrados em detalhe em meus trabalhos recentes sobre a inter-relação entre ética e filosofia da ciência nas controvérsias atuais sobre os transgênicos e sobre as promessas da agroecologia. Ver as referências na nota 10. Com relação à eficácia: a pesquisa e a prática aplicada mostram que algumas safras transgênicas são produtivas (sendo equivalentes ou maiores do que as alternativas convencionais), resistentes a herbicidas e pragas específicas etc. E os proponentes dos transgênicos sustentam (e os críticos negam) relativamente a
    NEN, que plantar e consumir safras e produtos transgênicos não farão diretamente mal à saúde humana e ao ambiente; e relativamente a
    NMM, que não existem outras formas de agricultura (intensiva não-transgênica) que possam ser suficientemente produtivas para satisfazer as necessidades mundiais de alimento nas próximas décadas.
  • 15
    Isso acontece nas polêmicas sobre os transgênicos, nas quais as possibilidades da agroecologia são freqüentemente descartadas exatamente nessas bases; e isso, obviamente, vai contra a
    imparcialidade. (cf. a nota 10 para referências e documentação; cf. também a nota 13). Sobre o aspecto fecundo de S
    AE, ver especialmente Altieri, 1995, e as referências em Lacey, 2002c. Um dos maiores riscos gerados pela implementação em grande escala da agricultura transgênica intensiva é que ela iniba as condições necessárias tanto para a pesquisa como para a prática da agroecologia. Agir vigorosamente, afirmando a legitimidade com base em
    NEN, pode
    fazer com que
    NMM se torne verdadeira.
  • 16
    Acredito que S
    M tem uma importância especial nas práticas científicas (Lacey, 1999, cap. 10); mas, com o objetivo de promover A, elas devem ser complementadas por outras estratégias. Estratégias como S
    AE valem-se dos resultados da pesquisa conduzida segundo S
    M de numerosos modos indispensáveis. Elas não devem ser vistas como alternativas completas a S
    M, mas mais como um conjunto interconectado de abordagens locais, cada uma das quais valendo-se dos resultados de S
    M onde for conveniente.
  • 17
    Longino (1990; 2002) implementa itens parecidos com alguns de (1)-(5) de modo a argumentar contra uma distinção relevante entre o cognitivo e o social. Não posso tratar aqui de seus argumentos, mas para isso ver Lacey, 1999, cap. 9.
  • 18
    A categoria "valor chamado a oferecer soluções para problemas levantados pelos cientistas" não proporciona uma base para a distinção entre
    vc e
    vs. Mesmo assim, a distinção entre
    vc e
    vs é importante no contexto de avaliação de
    NEN e
    NMM. Ela subjaz ao modo pelo qual discordâncias acerca da aprovação podem ser racionalmente formuladas e ajuda a explicar por que freqüentemente não o são (para referências, cf. a nota 10).
  • 19
    Sou grato a Peter Machamer por seu comentário a minha conferência. Ele me estimulou a esclarecer várias partes deste artigo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2003
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