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Do fluxo e refluxo do mar

De fluxu et refluxu maris

DOCUMENTOS CIENTÍFICOS

Do fluxo e refluxo do mar1 1 Foram utilizadas para esta tradução duas impressões do texto latino, aquela que se encontra no volume 3 das obras de Francis Bacon, editadas por Spedding; Ellis e Heath e publicadas em 1876; a segunda é a que se encontra na edição bilingüe (latim/inglês) de Graham Rees, publicada em 1996 dos escritos filosóficos que F. Bacon compôs entre 1611 e 1619, edição da qual foi retirado o texto latino aqui publicado.

Francis Bacon

O exame das causas do fluxo e refluxo do mar, tentado pelos antigos e posteriormente deixado de lado, retomado pelos mais modernos e, contudo, mais enfraquecido que resolvido pela diversidade de opiniões, é vulgarmente, por conjectura ligeira, referidoà Lua, devido a algum consenso desse movimento com o movimento da Lua. Mas, a quem investiga mais diligentemente mostram-se certos vestígios da verdade que poderiam levar a coisas mais certas. Assim, para que não haja confusão, devemos primeiramente distinguir os movimentos do mar, os quais, embora alguns multipliquem muito inconsideradamente, são realmente cinco movimentos, dos quais um é como se fosse irregular, e os demais são constantes.

Tome-se, como primeiro, aquele movimento inconstante e diferente (das chamadas) correntes. O segundo é o grande movimento do oceano de 6 horas, pelo qual as águas sobem e descem às margens alternadamente duas vezes ao dia, não de forma precisa, mas com diferença tal que constitui o período mensal. O terceiro é o próprio movimento mensal, que nada mais é que o restabelecimento do movimento diurno (do qual falamos) a idêntica situação anterior. Quarto, o movimento quinzenal, pelo qual os fluxos se incrementam nos novilúnios e plenilúnios, mais do que nos quartos. Quinto, o movimento semestral, no qual os fluxos possuem incrementos maiores e notáveis nos equinócios. Mas é acerca daquele segundo grande movimento do oceano de seis horas, ou o diurno, que no momento precipuamente interessa discutir; dos demais, somente de passagem e na medida em que contribuam para a explicação desse movimento.

Primeiramente, portanto, no que se refere ao movimento das correntes, não há dúvida de que, em conformidade com esse movimento, as águas ou são premidas por espaços estreitos, ou alargam-se nos espaços livres ou, sobretudo, nos declives, agitam-se e como que afundam, ou lançam-se e sobem nos lugares proeminentes, ou deslizam no fundo uniforme, ou perturbam-se pelos sulcos e irregularidades do fundo, ou chocam-se com outras correntes e às mesmas misturam-se e reúnem-se, ou ainda são agitadas pelos ventos, principalmente os anuais ou mesmo os constantes, que retornam em determinadas épocas do ano. Não há dúvida de que as águas, a partir dessas e de causas semelhantes, variam o ímpeto e suas agitações tanto pela conseqüência e resultado do próprio movimento, quanto pela velocidade ou medida do movimento, e daí [não há dúvida] de elas constituírem estas que se chamam correntes. E assim, nos mares, tanto a profundidade da fossa ou do canal como também abismos interpostos e rochedos submarinos, assim como as sinuosidades dos litorais e os promontórios das terras, os golfos, os desfiladeiros, as ilhas dispostas de várias maneiras e coisas similares, podem muito e impelem para frente as águas, os movimentos e as agitações delas para todas as direções, para oriente e ocidente, para austral e igualmente para setentrião, e para todos os lados, de acordo com a localização dos obstáculos ou dos espaços livres e declives e igualmente de sua configuração. Deixe-se de lado, portanto, este movimento particular e quase casual das águas, para que ele não venha a atrapalhar a investigação que perseguimos. De fato, convém que ninguém constitua e justifique a recusa daquilo que imediatamente se dirá acerca dos movimentos naturais e universais do oceano, opondo esse movimento das correntes, como se pouco conviesse com essas teses. De fato, as correntes são simples compressões das águas, ou liberações oriundas da compressão; são, como dissemos, particulares e relativas, de acordo com a localização das águas e das terras e ainda da ação dos ventos. E o que dissemos deve ser retido na memória e diligentemente observado porque aquele movimento universal do oceano, do qual agora se trata, é tão calmo e suave que, sob os impulsos das correntes submete-se totalmente e reconduz-se à ordem, cedendo, é levado pela violência dos impulsos e dominado. Mas isso é notável principalmente a partir do seguinte: que o movimento simples do fluxo e refluxo no meio do mar, sobretudo nos mares abertos e extensos, não se percebe,mas somente no litoral. E assim, em nada surpreende se sob as correntes (na medida em que é inferior na força) se esconda e quase se destrua, exceto se esse mesmo movimento, onde ocorressem correntes secundárias, auxilie ou incite algum ímpeto do movimento; contrariamente, onde são adversos, refreia moderadamente.

Portanto, suprimido o movimento das correntes, deve-se dirigir [a investigação] para os outros quatro movimentos constantes: o das 6 horas, o mensal, o quinzenal e o semestral, dos quais somente no de 6 horas se vê o fluxo do mar agir e mover-se; mas o mensal parece só determinar e restituir aquele das 6 horas e, por sua vez, o quinzenal e o semestral aumentá-lo e intensificá-lo. Com efeito, o fluxo e refluxo das águas inunda e esvazia os litorais em lugares determinados e varia segundo a variação das horas e a força e a quantidade das águas, daí que os três movimentos restantes se apresentem como visíveis.

E assim, a respeito do movimento próprio do fluxo e refluxo, deve-se considerá-lo (como estabelecemos) propriamente e em si mesmo. E primeiramente é necessário que se conceda imediatamente o seguinte: o movimento do qual indagamos é um destes dois: ou o movimento de aumento e de diminuição das águas, ou o movimento de progressão [das águas]. Ora, o movimento de aumento e de diminuição julgamos ser tal qual se encontra na água fervente, que se eleva nas caldeiras e em seguida aquieta-se. E o movimento de progressão é tal qual se encontra na água transportada em uma bacia, da qual a que deixa um lado dirije-se ao lado oposto. Mas este movimento de modo algum é do primeiro gênero, principalmente porque acontece que, em diferentes partes do mundo, as marés variam de acordo com as estações, de modo que ocorrem em alguns lugares o fluxo e o aumento das águas, embora em outro lugar nessas horas haja refluxo e diminuição. Por outro lado, se as águas não progredissem de local em local mas fervessem da profundeza, deveriam levantar-se e recolher-se de todo lugar ao mesmo tempo.

Observamos ainda esses dois outros movimentos, semestral e quinzenal, realizarem-se e fazerem-se, ao mesmo tempo, pela totalidade do orbe terrestre. Os fluxos, com efeito, aumentam em todo lugar nos equinócios e não em algumas partes nos equinócios, outras nos trópicos, mas similar é a razão do movimento quinzenal. Portanto, em todas as partes da Terra, as águas se fortalecem na Lua nova e, em nenhuma parte, na meia Lua. E assim realmente as águas são vistas naqueles dois movimentos totalmente elevar-se e baixar, e como que sofrer um apogeu e um perigeu do mesmo modo que os corpos celestes. Mas no fluxo e refluxo do mar, do qual este texto trata, ocorre o contrário: o que é um sinal certíssimo do movimento em progressão. Além disso, se se considerasse que o fluxo das águas é a elevação, faltaria atentar com mais cuidado como isso pode acontecer. Pois produziria o inchaço das águas, ou pelo aumento tão grande das águas, ou pela extensão, ou seja, pela rarefação das águas nessa mesma quantidade, ou pela elevação simples nessa mesma quantidade e no mesmo corpo.

E esse terceiro pode ser imediatamente posto de lado. Se de fato a água, tal qual é, se elevasse, deixaria necessariamente um vazio entre a terra e o mais profundo da água, visto que não existe corpo que entre por baixo. Quanto a isso, se existesse uma nova quantidade de água, seria necessário que a mesma se originasse e brotasse da terra. Mas se, ao contrário, houvesse tamanha extensão, seria, seja por solução em algo menos denso, seja pelo apetite de aproximar-se de outro corpo, que às águas como que evocasse, atraísse e alçasse mais para cima. E certamente esta ebulição ou rarefação ou conspiração das águas com outro corpo de algum dos lugares superiores não poderia parecer indigna de crédito em pequena quantidade e, mesmo acrescendo um bom intervalo de tempo, no qual desse modo os inchaços ou aumentos poderiam reunir-se e acumular-se. E assim aquele excesso de água, que poderia ser notado entre a maré ordinária e aquela maior quinzenal ou também aquela outra mais ampla semestral, nada tem de alheio à razão, pois nem o tamanho do excesso entre o fluxo e o refluxo se equipara, e tem um grande intervalo de tempo para que aqueles aumentos se façam pouco a pouco. É, no entanto, um grande inconveniente que irrompa tanta quantidade de água que conserve aquele excesso que se encontra entre o próprio fluxo e o refluxo e que isso aconteça com tanta velocidade duas vezes ao dia, como se a terra, segundo a famosa tolice de Apolônio, respirasse a cada seis horas, expirando as águas e depois inspirando-as. E que ninguém se deixe levar pelo frívolo experimento de alguém que diz que, em certos lugares de alguma cavidade, há consenso com o fluxo e o refluxo do mar; donde alguém poderia suspeitar que as águas retidas nas profundezas da Terra fervam similarmente; nesse caso, aquele inchaço não poderia ser facilmente referido ao movimento progressivo das águas. Pois a resposta é fácil: o fluxo do mar pode, por sua aproximação, obstruir e preencher muitos lugares fundos e largos da terra frouxa, e verter as águas subterrâneas e também reverberar o ar retido, o qual, numa série que continua desse modo, poderia elevar as águas das fossas, agitando-as. Assim, absolutamente não ocorre em todas as fossas, tampouco aliás em muitas; o que deveria acontecer, se a massa total das águas tivesse por vezes uma natureza ebuliente em conformidade com a agitação do mar. Mas, ao contrário, raramente ocorre a ponto de quase ser tido como milagre, já que certamente é raro que se encontre tais alargamentos e aberturas que se estendem das fossas para o mar sem obstrução ou sem impedimento. Nem é fora de propósito lembrar o que alguns referem: em minas profundas, localizadas não distantes do mar, o ar torna-se denso e ameaça de sufocação nos tempos do fluxo do mar; a partir do que poderia parecer evidente que as águas não fervem (já que nenhuma se percebe assim), mas que o ar faz o contrário. Mas certamente urge que outro experimento não seja desprezado, pois de maior peso, ao qual se deve somente a resposta; e é o que se deve diligentemente observar, e isso deve ser notado não fortuitamente mas zelosamente investigado e encontrado que as águas das costas opostas da Europa e da Flórida, nas mesmas horas de ambos os litorais, refluem e nem deixam o litoral da Europa quando se voltam para o litoral da Flórida ao modo das águas (como dissemos acima) agitadas na bacia mas uniformemente levantam-se e abaixam-se em ambos os litorais. Mas a solução dessa objeção aparecerá claramente no que for dito a seguir sobre o curso e a progressão do oceano. O cerne da questão é que as águas provenientes do mar Índico, impedidas pelos obstáculos das terras do Velho e do Novo Mundo, empurram pelo mar Atlântico de austral para boreal,2 2 "De austral para boreal", ou seja, do sul para o norte, ou ainda, em direção ao norte. de modo que não é admirável que elas se aproximem de ambos os litorais ao mesmo tempo e de igual maneira, como usualmente faz o mar, empurrando as águas com força nas embocaduras e nos canais dos rios, nos quais é muito evidente que o movimento do mar é progressivo com relação aos rios, apesar dos litorais opostos inundarem-se simultaneamente. Mas isso, segundo nosso costume, afirmamos sinceramente e queremos que os homens atentem e lembrem-se do seguinte: se se constatar por experiência que o fluxo do mar aflui nos litorais do Peru e nas costas da China nos mesmos tempos pelos quais fluem para os litorais anteriormente ditos da Europa e da Flórida, essa nossa opinião de que o fluxo e refluxo do mar seja um movimento progressivo deve ser abandonada. Se, de fato, pelos litorais opostos tanto do mar Austral quanto do Atlântico ocorrer o fluxo ao mesmo tempo, não restarão em absoluto outros litorais pelos quais o refluxo se faria naquele mesmo tempo. Mas sobre esse juízo que deve ser feito por experiência (à qual submetemos o caso), falamos como se estivéssemos seguros, pois estimamos claramente que, se o cerne desse assunto nos fosse conhecido para todo o orbe terrestre, este tratado seria suficientemente levado a termo por eqüânimes condições, de tal forma que a uma dada hora determinada aconteça o refluxo em algumas partes do mundo na mesma proporção que o fluxo em outras partes. Pelo que dissemos, fica finalmente estabelecido que esse movimento do fluxo e refluxo é progressivo.

Segue-se agora a investigação: a partir de que causa, e por qual consenso das coisas se origina e se mostra esse movimento do fluxo e refluxo? Pois todos os maiores movimentos (se os mesmos são regulares e constantes), não são isolados ou (usando o termo dos astrônomos) ferinos,3 3 "Ferinos", para significar que seriam solitários, como as feras que vivem isoladas. A idéia é que mesmo o movimento irregular ou próprio dos planetas não ocorre separadamente mas encontra-se em uma espécie de harmonia consensual com todas as demais coisas do universo. A idéia está evidentemente associada à concepção de natureza de Francis Bacon. mas estão em consenso com a natureza das coisas. E assim, aqueles movimentos, tanto os quinzenais de aumento, como os mensais de restituição parecem convir com o movimento da Lua. Mas aquele quinzenal ou equinocial parece convir com o movimento do Sol. Também os aumentos e diminuições das águas parecem convir com os apogeus e perigeus dos corpos celestes. Nem contudo seguir-se-á imediatamente (e quanto a isso queremos advertir) que essas que convêm nos períodos e no curso do tempo, ou ainda no modo de movimento, foram subordinadas pela natureza e que uma tenha a outra como causa. Com efeito, não avançamos até o ponto de afirmar que os movimentos da Lua ou do Sol são postos como causa dos movimentos inferiores que lhe são análogos ou que o Sol e a Lua (como vulgarmente se diz) têm domínio sobre aqueles movimentos do mar (embora cogitações desse tipo facilmente penetrem nas mentes dos homens em virtude da veneração dos corpos celestes); mas também naquele próprio movimento quinzenal (se corretamente observado), ocorreria imediatamente um gênero de complacência admirável e novo, de modo que o movimento das águas sob os novilúnios e os plenilúnios padecem as mesmas coisas, embora a Lua padeça coisas contrárias, e muitas outras poderiam ser aduzidas que destruiriam tais fantasias de dominação e antes conduziriam à conclusão de que aqueles consensos surgiriam das paixões universais da matéria e das primeiras conjunções das coisas, não como se um fosse regido pelo outro, mas porque cada um emanaria das mesmas origens e de causas comuns. Contudo, permanece (de qualquer modo) o que dissemos, a natureza se compraz com o consenso, quase nunca admite alguma coisa única ou solitária. E, desse modo, deve-se observar a respeito do movimento de 6 horas do fluxo e refluxo do mar com quais outros movimentos se constata que ele convém ou consente. E assim, deve-se investigar primeiramente a respeito da Lua, de que modo esse movimento mescla razões e natureza com a Lua. Mas isso absolutamente não vemos ocorrer a não ser na restituição mensal, pois de nenhum modo coincide o curso de 6 horas (o que agora se investiga) com o curso mensal; nem, pelo contrário, constata-se que os fluxos do mar acompanhem as paixões da Lua, pois seja a Lua crescente ou minguante, ou esteja abaixo da Terra ou acima da Terra, ou esteja além do horizonte mais alta ou mais baixa ou posta no meridiano ou em outro lugar, com nenhuma dessas situações o fluxo e refluxo está em consenso.

E assim, deixando de lado a Lua, investiguemos acerca dos outros consensos.É evidente que o movimento diurno é o mais breve de todos os movimentos celestes e executado no menor intervalo de tempo (isto é, no intervalo de 24 horas). E assim, tem-se como conseqüência que esse movimento do qual falamos (que é mais breve do que o diurno por três quartos) refere-se aproximadamente a este movimento que é o mais breve entre os movimentos celestes; mas esta questão não é tão relevante. Mas aquilo que de longe nos interessa mais é que de este movimento seja distribuído de tal modo que responda às razões do movimento diurno; de modo que, embora o movimento das águas seja mais lento que o movimento diurno em partes quase inumeráveis, no entanto é comensurável. Com efeito, o intervalo de 6 horas é a quarta parte do movimento diurno, e esse intervalo (como dissemos) encontra-se nesse movimento do mar com essa diferença que coincide com a medida do movimento da Lua. E assim enraizou-se profundamente em nós, quase como um oráculo, que esse movimento é do mesmo gênero que o movimento diurno.

Portanto, utilizando isso como fundamento, continuemos a investigar o restante; e estabelecemos que toda a dificuldade pode ser resolvida por uma tríplice investigação. A primeira é: esse movimento diurno ficaria contido no limite do céu ou desceria e penetraria nas regiões inferiores? A segunda é: os mares seriam regularmente transportados de oriente para ocidente do mesmo modo que o céu? A terceira: de onde e de que modo ocorreria a reciprocação de 6 horas das marés, que coincide com a quarta parte do movimento diurno, coincidindo a diferença com as razões do movimento lunar?

Assim, no que se refere à primeira investigação, julgamos que o movimento de rotação ou de conversão de oriente para ocidente não é propriamente um movimento celeste, mas claramente cósmico e, além disso, o movimento primário em grandes correntes, que é descoberto desde o alto céu até as águas profundas, com a mesma inclinação, mas com a impetuosidade (ou seja, com a velocidade e o retardamento) muito diferente, de tal modo que, sendo a ordem minimamente perturbada, [o movimento] é diminuído pela rapidez à medida que os corpos se aproximam do globo terrestre. Parece, por outro lado, que se pode tomar primeiramente como argumento convincente que esse movimento não se limitaria ao céu, porque ele valeria e vigiria, com suas devidas diminuições, por tanta extensão do céu quanta se interpõe entre o céu estelar e a Lua (extensão que é muito mais ampla do que a da Lua até a Terra), de modo que não é verossímil que a natureza deixe subitamente de lado um tal consenso, que continua por tanta extensão e que se repõe gradativamente. Mas que assim aconteça nos céus, mostra-se a partir de duas dificuldades, que se seguiriam de outro modo. Pois, visto que é evidente aos sentidos que os planetas perfazem o movimento diurno, exceto se se coloca esse movimento como natural e próprio em todos os planetas, deve-se recorrer necessariamente ou ao arrastamento4 4 "Raptam primis mobilis", literalmente, "o rapto do primeiro móvel" para significar que o primeiro móvel como que arrastaria (com violência) os demais corpos celestes, o que seria obviamente contrário à natureza, entendida por Bacon como consenso cooperativo. do primeiro móvel, o que é completamente contrário à natureza, ou à rotação da Terra, o que também é imaginado muito arbitrariamente quanto às razões físicas. Portanto, é assim nos céus. Porém, depois que desce do céu, esse movimento é, além disso, discernido evidentissimamente nos cometas pouco elevados que, embora sejam inferiores ao orbe lunar, no entanto, rodam evidentemente de oriente para ocidente, pois, embora tenham seus movimentos isolados e irregulares, no entanto, ao executá-los, compartilham nesse momento o movimento do éter e são levados para a mesma conversão; quase não são contidos pelos trópicos, nem têm espirais regulares, mas avançam de quando em quando em direção aos pólos, embora não menos rodem na consecução de oriente para ocidente. E embora este movimento obtenha grandes diminuições (visto que quanto mais desce em direção à Terra, por menores círculos será a conversão e mais lentamente) permanece de todo modo vigoroso, de modo que possa vencer grandes espaços em breve tempo. Pois tais cometas circunvolucionam em torno de toda órbita da Terra e do ar inferior no intervalo de 24 horas, com uma diferença de uma ou duas horas. Por outro lado, depois que chegasse a essas regiões numa descida contínua, para as quais a Terra conduz não somente por comunicação de sua natureza e virtude (a qual reprime e freia o movimento circular), mas também por emissão material das partículas de sua substância nas exalações e vapores densos, este movimento enfraquece enormemente e quase se destrói, mas nem por isso se esgota totalmente ou acaba, mas permanece lânguido e como que latente. Começa a ser reconhecido pelos que navegam nos trópicos que, em mar aberto, aonde o movimento do ar é percebido muito bem, e o próprio ar (como o céu) roda por círculos maiores e, por isso, mais velozmente, sopra uma aura perpétua e perene de oriente para ocidente, de tal modo que aqueles que querem usar o Zéfiro, freqüentemente o procurem e busquem fora dos trópicos. E assim, esse movimento também não se extingue no ar inferior, mas se torna vagaroso e obscuro, de modo que dificilmente é percebido fora dos trópicos. E todavia também além dos trópicos, em nossa Europa, com o céu sereno e tranqüilo, observa-se no mar uma certa aura que é do mesmo gênero; e ainda pode-se suspeitar que aquilo que experimentamos aqui na Europa, onde o sopro do Euro é violento e seco, embora, ao contrário, o do Zéfiro5 5 O Euro é o vento que sopra do leste e, portanto, do continente para o Atlântico; o Zéfiro sopra de oeste e, portanto, do Atlântico para o continente. No caso, os termos designam os pontos cardeais leste e oeste respectivamente. seja próspero e úmido, não só depende de que aquele sopre do continente e este do oceano, mas também de que o sopro do Euro, embora esteja na mesma direção do movimento próprio do ar, incite e irrite esse movimento [do ar] e, por causa disso, dissipe e rarefaça o ar. Mas o sopro do Zéfiro, que está em direção oposta ao movimento do ar, dirige o ar para si e, por essa razão, inspira. Nem se deve desprezar aquilo que recolhido pela observação comum, que as nuvens que se movem no alto, movem-se freqüentemente de oriente para ocidente, embora os ventos em torno da Terra soprem, ao mesmo tempo, em sentido oposto. Que os ventos nem sempre fazem isso, a causa é que às vezes são contrários, alguns altos, outros baixos; aqueles que sopram no alto (se fossem opostos) perturbariam o verdadeiro movimento do ar. É suficientemente evidente, portanto, que este movimento não estaria contido nos limites do céu.

Segue-se na ordem a segunda investigação: as águas seriam levadas regular e naturalmente de oriente para ocidente? Quando dizemos "águas", entendemos águas acumuladas, ou seja, massas de águas, que evidentemente são tantas partes da natureza, quantas podem estar em consenso com a arquitetura e estrutura do universo. E julgamos claramente que esse mesmo movimento compete à massa das águas e nela está contido, mas é mais lento que o movimento no ar, embora, devido à densidade do corpo, seja mais visível e aparente. E assim, das muitas coisas que possam ser aduzidas, contentamo-nos por ora com três experimentos, igualmente amplos e relevantes, que demonstram que a assim ocorre. O primeiro é que o movimento e o fluxo das águas encontram-se manifestos desde o oceano Índico até o oceano Atlântico, e ele é mais rápido e mais forte em direção ao estreito de Magalhães, onde se encontra a saída para o ocidente; grande, do mesmo modo, na parte oposta do orbe das terras do mar Scytico para o mar Britânico. Essas sucessões das águas giram evidentemente de oriente para ocidente. No que se deve primeiramente advertir que somente nesses dois lugares os mares são acessíveis e podem completar um círculo inteiro; quando, ao contrário, nas regiões centrais do mundo pelo duplo obstáculo do Velho e Novo Mundo, separam-se e são compelidos (como na foz dos rios) para aqueles dois leitos profundos dos oceanos gêmeos Atlântico e Austral, oceanos que se estendem de austral para setentrião;6 6 Isto é, de sul para o norte. o que é indiferente para o movimento de progressão de oriente para ocidente. De modo que verdadeiramente se apreende o movimento verdadeiro das águas a partir daquelas que chamamos as extremidades da Terra, onde não são impedidos, mas chegam ao fim. Deste modo é o primeiro experimento. O segundo, entretanto, é como se verá a seguir.

Suponha-se que o fluxo do mar na embocadura do estreito de Hércules7 7 "As colunas de Hércules" é a antiga denominação do estreito de Gibraltar. ocorra numa determinada hora exata; fica evidente que o fluxo se aproxima ao cabo de São Vicente mais lentamente do que àquela embocadura; ao cabo do Fim da Terra mais lentamente do que ao cabo de São Vicente; à Ilha do Rei mais lentamente do que ao cabo do Fim da Terra; à ilha Hechas mais lentamente do que à Ilha do Rei, à embocadura do canal Inglês mais lentamente do que a Hechas; ao litoral da Normandia mais lentamente do que à embocadura do canal. Até esse ponto ordenadamente, à Gravelinga, porém, na ordem diretamente inversa (com um grande salto), quase que à mesma hora que à embocadura do estreito de Hércules. Aproximemos este segundo experimento do primeiro, pois estimamos (como já foi dito) que no mar Índico e no mar Scytico os verdadeiros cursos das águas correm diretamente de oriente para ocidente, acessíveis e íntegros; e nas cavidades profundas do mar Atlântico e Austral [são] forçados, desviados e refratados pelo obstáculo das terras, que se estendem longitudinalmente de austral a boreal e nunca, a não ser nas extremidades, dão livre saída às águas. Contudo, essas águas acumuladas, que são causadas do mar Índico para boreal e, ao contrário, do mar Scytico para austral, diferem imensamente pelos espaços por causa da força diferente e da grande quantidade de águas. Portanto, todo o oceano Atlântico até o mar Britânico cede ao impulso do mar Índico; e apenas a parte superior do mar Atlântico, exatamente aquela que está próxima à Dinamarca e à Noruega, cede ao impulso do mar Scytico. E é necessário que isso ocorra assim. Com efeito, as duas grandes ilhas do Velho e do Novo Mundo configuraram-se casualmente e estenderam-se de tal modo que são amplas para setentrião e estreitas para austral. Portanto, os mares, ao contrário, ocupam grandes espaços para austral, mas pequenos espaços para setentrião (nas costas da Europa, Ásia e América). E aquela grande quantidade de água que vem do oceano Índico e desvia-se para o mar Atlântico é capaz de compelir e empurrar o curso das águas em contínua sucessão até as proximidades do mar Britânico, sucessão que vai em direção ao boreal. Mas aquela muito menor porção das águas que vem do mar Scytico, as quais têm praticamente a saída livre no seu próprio curso em direção ao ocidente para as costas da América, não é capaz de compelir o curso das águas em direção ao austral, a não ser àquela meta de que falamos, certamente próximo do estreito Britânico. É necessário, porém, que nesses movimentos opostos exista finalmente alguma meta, onde ocorram e agitem-se e onde, na proximidade, subitamente se mude a ordem de acesso, como dissemos ocorrer próximo a Gravelinga, isto é, o limite do Índico e do Scytico. Muitos observaram que uma certa corrente violenta se forma causada pelos fluxos próximos da Holanda, não apenas em virtude (do que chamamos) inversão da ordem das horas no fluxo, mas também por experimento particular e visível. Porque, se essas coisas são assim, voltamos ao seguinte, que é necessário ocorrer que, onde as partes do Atlântico e os litorais mais se estendem para austral e se aproximam do mar Índico, aí mais o fluxo se antecipa, como aquele que nasce do movimento verdadeiro do mar Índico; mas onde [se estende] mais para boreal (até o limite comum, onde se afastam da corrente contrária do mar Scytico), ali mais se retarda e subseqüentemente. Mas este experimento do avanço do estreito de Hércules ao estreito Britânico demonstra claramente que isso ocorre assim. Portanto, consideramos que também o fluxo nas costas da África antecipa-se ao fluxo em torno do estreito de Hércules e, alterada a ordem, que o fluxo na Noruega antecipa o fluxo da Suécia, mas isso não conhecemos nem por experimento nem por relato.

O terceiro experimento é o seguinte: os mares fechados de um dos lados, que chamamos golfos, se se estendem por certa inclinação de oriente para ocidente, a qual está na mesma direção que o verdadeiro movimento das águas, possuem fluxos vigorosos e fortes; mas se se estendem na direção oposta, possuem fluxos lânguidos e imperceptíveis. Com efeito, o mar da Eritréia possui um fluxo bem grande, assim como o Golfo Pérsico, que está mais diretamente dirigido para o ocidente, possui um fluxo ainda maior. O mar Mediterrâneo, o maior dos golfos, e cujas partes são o Tirreno, o Ponto e a Propóntide,8 8 O Ponto é hoje chamado de Dardanelos; trata-se de um longo estreito que separa o sudeste da Europa da Ásia Menor, ligando o mar Egeu ao mar de Mármara. "Propóntide" é a antiga designação do mar de Mármara, um pequeno mar do Mediterrâneo oriental, que separa o sudeste da Europa e a Ásia Menor. e similarmente o mar Báltico, os quais estão todos voltados para o oriente, quase estão privados da maré e possuem fluxos fracos. E essa diferença se evidencia, principalmente, nas partes do Mediterrâneo que se voltam por algum tempo para o oriente ou se inclinam para setentrião (como no Tirreno e naqueles mares dos quais falamos), seguem tranqüilamente sem muita maré. Depois de voltarem-se para o ocidente, o que ocorre no mar Adriático, recuperam um fluxo notável; e a isso acrescenta-se que, no Mediterrâneo, aquele tênue refluxo (tal qual é encontrado) começa do oceano, e o fluxo começa do lado oposto, de modo que a água segue mais o curso a partir do oriente do que o refluxo do oceano. Utilizemos agora apenas esses três experimentos para a segunda investigação.

Poderia, contudo, ser acrescentada uma certa prova em conformidade com o que foi dito, mas de uma natureza mais difícil; e ela procede, como requer o argumento desse movimento de oriente para ocidente, o qual atribuímos às águas, não só a partir do consenso do céu (do que já falamos), onde esse movimento está no vigor e na potência máxima, mas também a partir da Terra, onde imediatamente parece cessar, de tal modo que essa inclinação ou movimento seja verdadeiramente cósmico e a todos penetre desde as partes mais altas do céu até as mais interiores da Terra. De fato, pensamos que essa conversão de oriente para ocidente ocorre evidentemente (como de fato se constata) sobre os pólos austral e boreal. Muito verdadeiramente, porém, o trabalho de Gilbert9 9 Bacon está fazendo referência ao De mundo nostro sublunari philosophia nova (Nova filosofia de nosso mundo sublunar) de William Gilbert, onde é desenvolvida uma teoria da verticidade da Terra, isto é, uma tentativa de explicação de por que a Terra gira sobre pólos fíxos. nos mostrou que toda a Terra e a natureza (que chamamos terrestre) não abrandada, mas rígida e, como ele próprio afirma, robusta, tem a direção ou a vertigem latente, mostrando-se, contudo, por vários experimentos selecionados, na direção austral e boreal. Contudo, atenuamos totalmente essa observação, e a corrigimos, de modo que isso se afirme apenas das concreções externas na superfície da Terra, e absolutamente não penetre nas entranhas da própria Terra (com efeito, que a Terra seja, entrementes, um magneto é produzido por uma fantasia precipitada, pois é impossível ocorrer que as partes mais interiores da Terra sejam semelhantes a alguma substância que o olho humano vê, desde que tudo que está ao nosso alcance se expande e se beneficia ou desgasta pelo Sol e pelos céus, de forma que de nenhum modo possam estar de acordo com aquelas coisas que se localizam onde a força dos céus não penetra); mas trata-se agora de que os revestimentos superiores ou as concreções da Terra parecem concordar com as conversões do céu, do ar e das águas, até onde coisas sólidas e delimitadas podem agir em consenso com os líquidos e os fluidos, isto é, de modo que não retornem sobre os pólos, mas dirijam-se e vertam em direção aos pólos. Pois, visto que em todo globo que gira, e gira sobre pólos fixos e não tem um movimento do centro, há uma certa participação de uma natureza móvel e fixa; uma vez que a capacidade de girar está associada a uma natureza consistente e que se determina a si mesma, no entanto, essa capacidade e inclinação de direcionar-se a si mesma permanece, é intensificada e concentrada, de modo que a direção e a verticidade para os pólos nos corpos rígidos seja a mesma coisa que a rotação sobre os pólos nos fluidos.

Falta a terceira investigação: de onde e como se faz a reciprocação de seis horas das marés, que coincide com o quadrante do movimento diurno, com a diferença que apontamos? Para entender isso, suponha-se que a totalidade do globo terrestre se recobrisse completamente de água, como no dilúvio universal. Estimamos que as águas, recobrindo a totalidade do globo, sem haver impedimento, sempre avançando pôr-se-ão em movimento de oriente para ocidente, todos os dias, numa certa distância (e esta certamente não grande, pela dissolução e enfraquecimento das forças desse movimento nos confins da Terra), visto que as águas não serão impedidas nem retidas de nenhuma parte por um obstáculo de terra. Suponha-se, de outro modo, concentrar-se a terra em uma única ilha que se estendesse longitudinalmente entre austral e setentrião, e cuja forma e lugar [que ocupa] freia e obstrui maximamente o movimento de oriente para ocidente; consideremos que as águas continuarão momentâneamente seu curso natural e retilíneo, ma retornarão refluindo em sentido oposto daquela ilha a intervalos iguais; portanto, apenas um único fluxo diário ocorrerá e similarmente um único refluxo repartidos cada um deles em cerca de 12 horas. Suponha-se agora (o que é verdadeiro e é o próprio fato) que a terra está dividida em duas ilhas, ou seja, no Velho e no Novo Mundo (com efeito, a Terra Austral, por sua localização, faz pouca diferença, como tampouco a Groelândia e a Nova Zelândia), e que ambas as ilhas se estendem por quase três regiões do mundo, entre as quais fluem dois oceanos, o Atlântico e o Austral, que somente têm passagem em direção aos pólos; estimamos seguir-se necessariamente que esses dois obstáculos insinuem e comuniquem a natureza da dupla reciprocação universal pela imensa mole de água e se produza no quadrante do movimento diurno, de modo que, como as águas são evidentemente refreadas de ambos os lados, o fluxo e o refluxo do mar espalha-se duas vezes ao dia, certamente em períodos de 6 horas, já que duplo é o avanço e, do mesmo modo, dupla a repercussão. Com efeito, essas duas ilhas, se se estendessem à semelhança de cilindros ou de colunas pelas águas em dimensões iguais e com litorais regulares, demonstrar-se-ia facilmente esse movimento, que agora parece com tanta variedade de disposição de terra e de mar confundir-se e obscurecer-se, e a partir de onde ele ocorreria. E não é difícil conjecturar qual rapidez é coerente atribuir a este movimento das águas, e quanto espaço ele poderia perfazer em um único dia. Com efeito, se forem tomados (na avaliação disso) alguns litorais desses que são menos montanhosos ou com menor declive e estão próximos de mar aberto, e se tomar a medida do espaço de terra que intermedeia o limite do fluxo e o limite do refluxo, e seja esse espaço quadruplicado por causa das marés quaternárias de cada dia, e esse número seja, por sua vez, duplicado em virtude das marés nos litorais opostos de cada oceano, e a esse número seja acrescentado algo em excesso, por causa da altitude de todos os litorais, que sempre se elevam em alguma extensão a partir da própria profundeza do mar, este cálculo produzirá aquela distância que o globo de água poderia perfazer em um dia, se estivesse livre de obstáculo e sempre se movesse progressivamente em círculo ao redor da Terra, a qual seguramente não é nada grande. Por outro lado, sobre aquela diferença que coincide com as proporções do movimento da Lua e produz um período mensal, julgamos ocorrer que o intervalo de 6 horas não é a medida exata da reciprocação, do mesmo modo que também o movimento diurno dos planetas não se restitui exatamente em 24 horas, e isto vale sobretudo para a Lua. Portanto, a medida do fluxo e refluxo não é a quarta parte do movimento das estrelas fixas, que é de 24 horas, mas a quarta parte do movimento diurno da Lua.

INVESTIGAÇÕES 10 10 O termo " mandata" (aqui traduzidos como investigações) expressa um procedimento que faz parte da história natural baconiana. Os mandata constituem "esboços de experimentos calculados para completar dados incompletos, esboços que constituem uma história designata ou uma história que está por nascer" (Rees, 1996a,p.xxv, nota 37), portanto, uma história em processo de gestação. Como se vê aqui, trata-se de propostas de investigações que podem conduzir não apenas a completar os dados observacionais, mas acima de tudo são conduzidas no sentido de confirmar ou infirmar a hipótese proposta na investigação, neste caso, a hipótese de Bacon.

Investigue-se: a hora do fluxo nas proximidades das costas da África precede a hora do fluxo próximo ao estreito de Hércules? Investigue-se: a hora do fluxo próximo da Noruega precede à hora do fluxo perto da Suécia e esta, do mesmo modo, precede à hora do fluxo nas proximidades da Groelândia?

Investigue-se: a hora do fluxo na costa do Brasil precede à hora do fluxo na costa da Nova Espanha e da Flórida?

Investigue-se: a hora do fluxo no litoral da China não se encontraria na mesma ou quase na mesma hora do fluxo no litoral do Peru, na mesma ou quase na mesma hora do refluxo nas costas da África e da Flórida?

Investigue-se: de que modo a hora do fluxo nas costas peruanas difere da hora do fluxo nas proximidades do litoral da Nova Espanha e, particularmente, de que modo se dão as diferenças dos horários dos fluxos em ambas as costas do Istmo na América; e inversamente de que modo a hora do fluxo nas costas peruanas corresponde à hora do fluxo nas proximidades das costas da China?

Investigue-se acerca das magnitudes dos fluxos nos diferentes litorais, não somente acerca dos períodos mas das horas, pois, embora geralmente as magnitudes dos fluxos sejam causadas pelas inclinações dos litorais, contudo comunicam-se também com a razão do movimento verdadeiro do mar, segundo esteja no mesmo sentido ou no sentido oposto.

Investigue-se acerca do mar Cáspio (que contém imensas quantidades de águas enclausuradas, sem nenhuma saída para o oceano), se suas águas sofrem o fluxo e refluxo, ou algo semelhante; se realmente se sustenta nossa conjectura de que as águas no Cáspio possam ter um único fluxo ao dia, não duplo, tal que os litorais orientais desse mar se esvaziam, quando os ocidentais se inundam.

Investigue-se: os aumentos do fluxo nos novilúnios e plenilúnios, e também nos equinócios, ocorrem simultaneamente nas diferentes partes do mundo? Quando, porém, dizemos simultaneamente, entendemos não na mesma hora (pois as horas, como dissemos, variam segundo a progressão das águas nos litorais), mas no mesmo dia.

RESTRIÇÕES

A investigação não alcança a explicação plena do consenso do movimento mensal no mar com o movimento da Lua; que isso se faça por subordinação, ou por causa concomitante.

CONJUÇÕES

A presente investigação está ligada a outra investigação: a Terra se moveria com movimento diurno? Pois se a maré do mar fosse como a máxima diminuição do movimento diurno, seguir-se-ia que o globo terrestre estaria imóvel ou, pelo menos, mover-se-ia com um movimento muito mais lento do que aquele das próprias águas.

NOTAS

Traduzido do original em latim por Adriano Machado Ribeiro e Letizio Mariconda

Revisão técnica de Roberto Bolzani Filho

  • 1
    Foram utilizadas para esta tradução duas impressões do texto latino, aquela que se encontra no volume 3 das obras de Francis Bacon, editadas por Spedding; Ellis e Heath e publicadas em 1876; a segunda é a que se encontra na edição bilingüe (latim/inglês) de Graham Rees, publicada em 1996 dos escritos filosóficos que F. Bacon compôs entre 1611 e 1619, edição da qual foi retirado o texto latino aqui publicado.
  • 2
    "De austral para boreal", ou seja, do sul para o norte, ou ainda, em direção ao norte.
  • 3
    "Ferinos", para significar que seriam solitários, como as feras que vivem isoladas. A idéia é que mesmo o movimento irregular ou próprio dos planetas não ocorre separadamente mas encontra-se em uma espécie de harmonia consensual com todas as demais coisas do universo. A idéia está evidentemente associada à concepção de natureza de Francis Bacon.
  • 4
    "Raptam primis mobilis", literalmente, "o rapto do primeiro móvel" para significar que o primeiro móvel como que arrastaria (com violência) os demais corpos celestes, o que seria obviamente contrário à natureza, entendida por Bacon como consenso cooperativo.
  • 5
    O Euro é o vento que sopra do leste e, portanto, do continente para o Atlântico; o Zéfiro sopra de oeste e, portanto, do Atlântico para o continente. No caso, os termos designam os pontos cardeais leste e oeste respectivamente.
  • 6
    Isto é, de sul para o norte.
  • 7
    "As colunas de Hércules" é a antiga denominação do estreito de Gibraltar.
  • 8
    O Ponto é hoje chamado de Dardanelos; trata-se de um longo estreito que separa o sudeste da Europa da Ásia Menor, ligando o mar Egeu ao mar de Mármara. "Propóntide" é a antiga designação do mar de Mármara, um pequeno mar do Mediterrâneo oriental, que separa o sudeste da Europa e a Ásia Menor.
  • 9
    Bacon está fazendo referência ao
    De mundo nostro sublunari philosophia nova (Nova filosofia de nosso mundo sublunar) de William Gilbert, onde é desenvolvida uma teoria da verticidade da Terra, isto é, uma tentativa de explicação de por que a Terra gira sobre pólos fíxos.
  • 10
    O termo "
    mandata" (aqui traduzidos como
    investigações) expressa um procedimento que faz parte da história natural baconiana.
    Os mandata constituem "esboços de experimentos calculados para completar dados incompletos, esboços que constituem uma história designata ou uma história que está por nascer" (Rees, 1996a,p.xxv, nota 37), portanto, uma história em processo de gestação. Como se vê aqui, trata-se de propostas de investigações que podem conduzir não apenas a completar os dados observacionais, mas acima de tudo são conduzidas no sentido de confirmar ou infirmar a hipótese proposta na investigação, neste caso, a hipótese de Bacon.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      2007
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