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Astronomia, astrofísica e cosmologia para o Ensino Médio

Astronomy, astrophysics and cosmology for the Secondary School

Resumos

Estudos em diversos países, no âmbito do projeto Rose, avaliaram o interesse de estudantes por temas científicos. Em geral, verificou-se que os temas relacionados a astronomia, astrofísica e cosmologia são considerados muito interessantes por alunos em idade escolar. É ainda mais notável que isso se verifica independentemente do sexo. Espera-se, portanto, que iniciativas para estimular o interesse por física e matemática devem envolver os temas em questão. Esse artigo apresenta sistematicamente tópicos interessantes dentro das três áreas, com maior ênfase em cosmologia, visando orientar o professor.

cosmologia; astronomia; astrofísica; projeto Rose


Studies in many countries, as part of the project Rose, evaluated the interest of the students in science subjects. In general, it has been found that topics related to astronomy, astrophysics and cosmology were considered very interesting by students in school years. It is even more remarkable that this interest does not depend on gender. Then, initiatives to stimulate the interest for Physics and Mathematics should involve the subjects in question. This article presents interesting topics of these three areas, with more emphasis on cosmology, and aims to give an orientation to the teacher.

cosmology; astronomy; astrophysics; Rose project


DESENVOLVIMENTO EM ENSINO DE FÍSICA

Astronomia, astrofísica e cosmologia para o Ensino Médio

Astronomy, astrophysics and cosmology for the Secondary School

André Luís Delvas Fróes1 1 E-mail: afroes@ifi.unicamp.br.

Instituto de Física Gleb Wataghin, UNICAMP, Campinas, SP, Brasil

RESUMO

Estudos em diversos países, no âmbito do projeto Rose, avaliaram o interesse de estudantes por temas científicos. Em geral, verificou-se que os temas relacionados a astronomia, astrofísica e cosmologia são considerados muito interessantes por alunos em idade escolar. É ainda mais notável que isso se verifica independentemente do sexo. Espera-se, portanto, que iniciativas para estimular o interesse por física e matemática devem envolver os temas em questão. Esse artigo apresenta sistematicamente tópicos interessantes dentro das três áreas, com maior ênfase em cosmologia, visando orientar o professor.

Palavras-chave: cosmologia, astronomia, astrofísica, projeto Rose.

ABSTRACT

Studies in many countries, as part of the project Rose, evaluated the interest of the students in science subjects. In general, it has been found that topics related to astronomy, astrophysics and cosmology were considered very interesting by students in school years. It is even more remarkable that this interest does not depend on gender. Then, initiatives to stimulate the interest for Physics and Mathematics should involve the subjects in question. This article presents interesting topics of these three areas, with more emphasis on cosmology, and aims to give an orientation to the teacher.

Keywords: cosmology, astronomy, astrophysics, Rose project.

1. Introdução

Há mais de 400 anos atrás, Giordano Bruno morria em uma fogueira no Campo de Fiori, em Roma, por, dentre outras coisas, afirmar que as estrelas do céu eram outros sóis, ao redor dos quais existiam outros sistemas de planetas, que poderiam abrigar vida e seres pensantes. A antiga heresia é hoje ponto indiscutível. O mártir do passado estava além de seu tempo.

O conceito atual sobre o Universo é muito jovem. No ano de 1912 foi provado que boa parte das nebulosas observadas pelos astrônomos eram, na verdade, aglomerados de estrelas fora de nossa galáxia. Portanto, estamos separados em somente 100 anos de um tempo onde não se conhecia a existência de outras galáxias, além da Via Láctea.

Seria o Universo estático, eternamente semelhante ao observado hoje? Não haviam pistas para teorizar em contrário, até a proposição da relatividade geral por Einstein. Uma evolução cosmológica emergia naturalmente das equações. No ano de 1929, Edwin Hubble obteve evidências observacionais de que o Universo está em expansão, o que foi uma robusta evidência para o modelo do Big Bang, proposto poucos anos antes. Ele afirma que o Universo iniciou pequeno e denso, expandindo-se e resfriando-se até atingir seu atual estado.

Em 1998, um novo avanço imprevisto: a descoberta de que o Universo encontra-se em um processo de expansão acelerada. A gravitação como a conhecemos é uma força atrativa e, dessa maneira, esperaríamos um Universo em expansão desacelerada, uma vez que todos os objetos nele contidos atraem-se, freando seu eventual afastamento. A expectativa, entretanto, não se concretizou, e nova física faz-se necessária para explicar os dados observacionais. Um dos grandes temas de fronteira em física, a energia escura, entra em cena.

Assuntos verdadeiramente fascinantes, capazes de motivar um jovem a buscar compreender os mistérios do Universo. Em contraste, o que ensinamos na escola? Em muitos casos, somente fórmulas para "decorar", e descrever problemas físicos do dia a dia que, embora devam fazer parte do currículo por sua importância, não são exatamente os que fazem os olhos de uma pessoa brilhar. Afinal, por quanto tempo um carro movendo-se de A até B com uma dada velocidade inicial e aceleração constante conseguiria capturar a atenção de um jovem de 15 anos?

Quando confrontados com o problema de estimular estudantes a escolherem carreiras relacionadas às ciências e à engenharia, pesquisadores noruegueses decidiram estudar a relevância de diversos temas sob o ponto de vista dos jovens, pois chegaram à conclusão de que não seria possível motivá-los sem conhecer profundamente seus interesses. O resultado foi o projeto Rose[1] (Relevance of Science Education), uma colaboração internacional onde todos seguem diretrizes análogas que permitem a comparação imediata de seus resultados, avaliando também as diferenças sociais e culturais envolvidas.

Foi elaborado um formulário[2], onde jovens no fim do ensino fundamental, com a idade de 15 anos, preenchem um questionário. Boa parte dele é dedicado à pergunta "o que quero aprender? ", onde os alunos marcam quatro gradações, desde "não interessado" a "muito interessado" (escala de Lickert de quatro gradações). Diversas possibilidades de temas são apresentadas, em todas as áreas da ciência. Portanto, o interesse pode ser comparado, dentre as áreas de interesse e dentre os temas específicos em cada área.

A partir dos resultados, esperava-se gerar uma discussão capaz de melhorar os currículos educacionais, que em muitos casos se mostram uma barreira para o aumento da relevância da educação científica. Além disso, a pesquisa internacional permitiria verificar e respeitar as diferenças culturais e a igualdade de gêneros e promover a relevância pessoal e social da educação.

Em uma pesquisa com estudantes finlandeses[3], por exemplo, verifica-se que os temas relacionados à astronomia, à astrofísica e à cosmologia foram considerados interessantes pela grande maioria dos jovens em idade escolar, e o mais notável, igualmente para ambos os sexos. Um resultado semelhante foi verificado na Noruega[2], onde as discussões subsequentes tiveram como consequência a inserção dos temas na grade curricular obrigatória do segundo ano do ensino médio[4]. Lá, todos os alunos possuem computadores em sala de aula, e os livros didáticos de papel são acompanhados por materiais complementares online, tais como vídeos no formato de desenhos animados, sempre acompanhados por perguntas ao final, estimulando a interação. Mesmo assuntos considerados avançados são tratados com os jovens de maneira divertida, como o espectro da luz emitida pelo Sol e outros temas de astrofísica.

Pesquisadores ingleses, no estudo da Ref. [5], avaliaram dezenas de temas, e dentre os dez mais interessantes entre meninos figuravam: "Qual a sensação de viver sem peso no espaço", "Buracos negros, supernovas e outros objetos do espaço", "Como meteoritos, cometas e asteroides podem causar catástrofes na Terra" e "A possibilidade de existir vida fora da Terra". Portanto, quatro temas dentre os 10 mais interessantes são correlatos às áreas astronomia, astrofísica e cosmologia. Os autores notam, entretanto, que mesmo não figurando na lista dos dez tópicos mais interessantes para meninas, os temas não estavam mal colocados, tendo se destacado especialmente o tema "Buracos negros, supernovas, e outros objetos espetaculares no espaço".

No Brasil, o projeto Rose foi implementado por um grupo da USP[6, 7]. Os temas em questão demonstraram-se de interesse, especialmente para os meninos. Os mais destacados foram, além dos quatro citados no estudo Inglês: "Como caminhar orientado pelas estrelas". O tema "Buracos negros, supernovas e outros objetos do espaço" não demonstrou-se tão alto no interesse dos jovens quanto o verificado em outras localidades. Fica a dúvida se há realmente menor interesse, ou se há um indício de algo mais grave: a completa desinformação dos estudantes sobre o tema, de maneira que eles nem tenham elementos para compreender a pergunta.

Não seria a hora de cogitar uma reestruturação semelhante em nosso currículo, permitindo fugir um pouco mais do absolutamente concreto e do dia a dia, estimulando nos jovens a criatividade e o interesse pela ciência e pela área de exatas como um todo? Não possui o Brasil uma grande carência de engenheiros, para sustentar a produção industrial e o desejado crescimento econômico? O avanço da ciência não é uma prioridade?

Com tal motivação em mente, segue um texto elaborado para utilização do professor. Ele fornece um caminho natural, de nossa vizinhança imediata até o incomensuravelmente grande, e do presente até o mais remoto passado. Os temas do projeto Rose "Buracos negros, supernovas e outros objetos do espaço" e "a possibilidade de existir vida fora da Terra" e "Como meteoritos, cometas e asteroides podem causar catástrofes na Terra" são tratados na primeira parte. Não se trata de um material pedagógico, uma vez que é intencionalmente conciso, embora ele possa ser reconstruído com tal intenção. Em uma última seção, é apresentado um aprofundamento à cosmologia moderna e aos recentes problemas da matéria escura e da energia escura, dois dos grandes problemas da física atual. Para aprofundamento em outros temas relevantes, e complementares, referimos o leitor interessado a outras publicações da Revista Brasileira de Ensino de Física[8-10].

Os temas tratados aparecem ocasionalmente na mídia, e que por certo o educador de ciências será confrontado com perguntas partindo dos estudantes. Afinal, eles são candidatos naturais a quem os jovens dirigirão suas dúvidas. Este artigo certamente será de auxílio em tais momentos. Além disso, confiamos que iniciativas individuais de professores e pesquisadores possam dar origem a palestras, cursos extra curriculares, projetos de extensão universitária, ou mesmo abrindo breves espaços em suas aulas para os temas, que certamente serão muito benéficos aos estudantes, que, não mais entediados por inúmeras equações, poderão passar ver o mundo com outros olhos. Olhos curiosos e inquiridores.

2. Astronomia, astrofísica e cosmologia

O céu sempre exerceu fascínio sobre o homem, moderno ou antigo. Sempre representou uma fronteira distante e inalcançável. O céu diurno abriga o poderoso Sol, em uma imensidão azul. As nuvens, com suas formas em constante transformação, movem-se em diferentes velocidades, eventualmente dando origem à chuva. A Lua muitas vezes está visível, mas é na noite em que ela impera, com suas fases. Na escuridão, aparecem miríades de estrelas, especialmente concentradas em uma faixa no céu, atualmente bem pouco visível em nossas cidades poluídas.

Milênios de observações astronômicas contínuas permitiram que diversas civilizações possuíssem conhecimentos astronômicos impressionantes, mesmo utilizando instrumentos muito simples para observações e mesmo para transmitir o conhecimento acumulado para novas gerações. Eles compreenderam que as estrelas visíveis no céu e a trajetória do Sol poderiam ser associadas às estações do ano e às transformações no clima. Perceberam também movimentos cíclicos muito mais sutis, como os dos planetas. Complexos calendários foram elaborados com base em tais conhecimentos.

É da natureza humana não somente observar, mas também explicar, tudo aquilo que a rodeia. Os antigos utilizaram os elementos de que dispunham em sua época para criar complexos modelos para o Universo, que formam os mitos e lendas de que temos conhecimento nos dias de hoje. Eles estavam fundamentados nas religiões e na filosofia da época. Como todo o bom modelo, ele permitia extrapolações, e o curso das estrelas foi também utilizado para explicar o comportamento e o destino dos homens, com profundas consequências políticas e sociais.

O que coloca o cientista moderno muito à frente de seus antecessores, no sentido da formulação de uma teoria precisa, é justamente a tecnologia. Um satélite científico pode mapear milhões de galáxias em poucas horas, e cobrir todo o céu noturno em poucos dias. Seu alcance vai inimaginavelmente além de nossa visão comum. Eles também observam o espectro eletromagnético muito além da faixa da luz visível, incluindo o infravermelho, ultravioleta, raios X e Gama. Atualmente são elaborados experimentos para abrir janelas de observação independentes da radiação eletromagnética, por exemplo detectando ondas gravitacionais. Graças a isso, existe um modelo astronômico muito bem estabelecido.

A Terra orbita em torno do Sol, juntamente com os outros planetas, planetas anões, asteroides e demais objetos em nossa vizinhança imediata. O Sol tem um raio 100 vezes maior do que o da Terra, e concentra quase toda a massa do sistema solar. Júpiter é o segundo maior objeto do sistema solar, com um raio aproximadamente 10 vezes maior do que o da Terra, e sozinho concentra mais massa do que todos os outros planetas combinados. A influência gravitacional do Sol se estende até dezenas de milhares de vezes a distância entre a Terra e o Sol, e em grande parte desconhecemos os objetos que existem nessa região, pelo fato de eles não emitirem luz, o que torna sua detecção mais difícil. Dezenas de pequenos objetos, como asteroides e cometas, viajam pelo sistema solar, e o impacto com outros objetos é extremamente comum. A própria Terra é frequentemente bombardeada por eles, fato que de alguma maneira é escondido pela vegetação e pela atividade geológica característica da Terra. Entretanto, visualizar uma foto da Lua ou de Marte deve ser suficiente para convencer qualquer cético de que o risco que tais objetos representam para nossa civilização não deve de maneira nenhuma ser desprezado.

O Sol é uma estrela muito pequena e modesta, se comparada a outras estrelas conhecidas. Estima-se que ele tenha aproximadamente 4,5 bilhões de anos, e que esteja na metade de sua vida. A maior estrela conhecida, NML Cygni, tem um raio aproximadamente 1600 vezes maior do que o do Sol, e uma massa aproximadamente 30 vezes maior.

As vizinhas mais próximas do Sol são as estrelas de Alfa Centauri. Embora os antigos conhecessem somente uma estrela, a resolução de um telescópio amador permite verificar que se tratam de três estrelas. Alfa Centauri A e B, que formam um sistema binário, e a estrela Próxima Centauri, um pouco distante do par AB, que também está ligada gravitacionalmente ao conjunto. A estrela Sirius, a mais luminosa do céu noturno, também é uma vizinha muito próxima.

Cada estrela pode possuir planetas orbitando em seu redor, e, consequentemente, abrigar vida. Atualmente já foram confirmados centenas de planetas extra-solares, ou exoplanetas. Estuda-se a possibilidade de a estrela Alfa Centauri B possuir um planeta orbitando em seu redor, o que faria dele o exoplaneta mais próximo do sistema solar. Tal coisa deve ficar clara para os jovens assim como o é para os cientistas: a probabilidade de não haver vida fora da Terra é quase nula. Formas de vida simples podem estar ocultas mesmo em nosso próprio sistema solar, em outros planetas ou suas luas. Dada a infinidade de estrelas no Universo, se a vida surgiu em algum recanto, deve ter surgido em outros. A astrobiologia, por exemplo, é uma ciência extremamente séria, que estuda a possibilidade da vida na Terra ter sido semeada a partir de meteoritos, que carregavam em si elementos orgânicos complexos ou mesmo vida. Podem haver formas de vida complexas, ou mesmo civilizações, abrigadas em nossa própria galáxia. Entretanto, o surgimento de uma civilização suficientemente avançada a ponto de se comunicar com outras na mesma galáxia devem ser fenômenos extremamente raros. O educador entretanto deve deixar claro ao jovem a diferença entre tal ponto de vista científico e o que costuma chegar até eles em termos de ficção científica ou relatos fantásticos que recebem grande atenção da mídia e em alguns "meios de divulgação científica".

Estrelas são estruturas de gás, compostas principalmente de hidrogênio e hélio. Em uma estrela, duas forças competem pela supremacia. A força gravitacional atrai todos os átomos para o centro da estrela, comprimindo-os. A grande pressão faz com que elementos leves sejam fundidos em átomos mais pesados, liberando energia, ao menos quando o átomo gerado é mais leve do que o ferro. O processo de fusão do hidrogênio, dominante nas estrelas jovens, libera muita energia. Esta energia está na forma de radiação. No caminho para deixar a estrela, essa radiação interage por milhares de anos com outras partículas em seu interior, antes de conseguir escapar para o espaço exterior. Tal interação gera uma pressão que se opõe à força gravitacional, permitindo um equilíbrio perfeito. A estrela continua a existir, ao menos enquanto seu combustível principal, o hidrogênio, não termina. No fim de sua vida, ela passa a sintetizar elementos mais pesados, como o carbono, que não liberam tanta energia nuclear. Eles são combinados de maneira a formar o ferro, o mais estável dentre os elementos. Elementos mais pesados que o ferro são sintetizados devido a um lento processo de captura de nêutrons.

Já no fim de sua vida, sintetizando elementos que não produzem energia suficiente para manter o equilíbrio com a força gravitacional, em algum momento há um colapso. Trata-se de um evento extremo conhecido como supernova, que ejeta muita matéria e energia. Os remanescentes da estrela são espalhados pelo meio interestelar, semeando o cosmos com os elementos importantes para a formação da vida.

A mais recente supernova no interior de nossa galáxia e observada a olho nu ocorreu no ano de 1604. É dito que ela podia ser observada mesmo durante o dia, por mais de três semanas. Kepler registrou o caso como uma nova estrela surgida aos pés da constelação de serpentário.

Após tais colapsos, no centro da estrela original resta um objeto, cujo tipo dependerá da massa envolvida no processo. Estrelas pequenas, como o Sol, tornam-se anãs brancas, estruturas sólidas formadas principalmente por carbono e oxigênio. Tais corpos celestes brilham devido a sua elevada temperatura, emitindo energia na forma de radiação. Dessa maneira, o corpo se resfria com o tempo, brilhando cada vez menos, até eventualmente tornar-se indetectável.

Estrelas mais massivas do que o Sol, após seu colapso, podem tornar-se estrelas de nêutrons. Em uma estrela de nêutrons a força gravitacional é tão intensa que a estrutura atômica dos elementos colapsa. Forma-se então uma estrutura compacta de nêutrons, cuja massa brutal fica concentrada em um objeto com um raio de poucos quilômetros.

Outra supernova observada a olho nu mesmo durante o dia, reportada por astrônomos chineses no ano de 1054, deu origem a um tal objeto. O material ejetado resultou na Nebulosa do Caranguejo, e em seu centro restou uma estrutura de aproximadamente 30 km de diâmetro que, por ser tão próxima da Terra constitui, juntamente com o restante da nebulosa aquecida pela estrela de nêutrons em seu centro, o objeto na galáxia que mais emite radiações eletromagnéticas de altíssimas energias, os raios X e Gama.

Caso a massa da estrela colapsante seja ainda maior, a gravidade no remanescente central vence até a resistência dos nêutrons, fundindo tudo em um objeto misterioso: o buraco negro. Ele é uma estrutura marcada por uma distância chave, que é o horizonte de eventos. Fora do horizonte de eventos, não há nada de estranho. Os objetos que se aproximam dele são atraídos da mesma maneira como seriam por uma estrela de igual massa, com a diferença de que nada pode ser visto no local. Entretanto, o que passar por esta barreira invisível já não poderá escapar, mesmo que acelerando na direção oposta, próximo à máxima velocidade permitida pela física.

O sistema solar é uma ínfima estrutura na periferia de nossa galáxia. Trata-se de uma galáxia espiral, de maneira que a maior parte dos objetos em seu interior estão contidos em um disco com determinada espessura, o plano galáctico. Esta é a razão pela qual, em regiões de pouca poluição do ar e luminosa, é possível ver uma faixa branca no céu, composta por uma grande quantidade de estrelas. Estamos no meio desse disco, e portanto vemos uma faixa de grande densidade de estrelas ao nosso redor. Um caminho branco no céu que deu origem ao nome de nossa galáxia, a Via Láctea.

Em tais escalas, as distâncias costumam ser medidas nas unidades ano-luz ou parsec. Um ano-luz corresponde ao espaço percorrido por um feixe de luz deslocando-se por um ano no espaço. Portanto, uma unidade muito grande, uma vez que a distância entre a Terra e o Sol é 8 minutos-luz, ou seja, a luz emitida pelo Sol leva somente 8 minutos para chegar até aqui. Um parsec, por sua vez, é aproximadamente 3.26 anos luz. De fato, é muito complexo medir distâncias em escalas astronômicas. Para estrelas mais próximas, em geral utiliza-se um princípio geométrico baseado na rotação da terra ao redor do Sol, ao longo de um ano. A unidade parsec surge em tal contexto. Em distâncias maiores, costumam-se utilizar "velas padrão", ou seja, objetos cuja luminosidade intrínseca é bem conhecida. Sua luminosidade aparente depende, então, somente da distância até a Terra. A Via Láctea tem um diâmetro de aproximadamente 100.000 anos-luz, e o plano galáctico tem uma espessura de aproximadamente 1.000 anos-luz.

As galáxias podem ser classificadas por seu formato. Em geral, elas são espirais ou elípticas. As galáxias espirais são compostas por uma região central, aproximadamente esférica e de elevada concentração de estrelas, e pelos braços de espiral, de menor concentração de estrelas aproximadamente distribuídas em um plano. As galáxias elípticas, por sua vez, costumam ser formadas em colisões de duas galáxias espirais.

O sistema solar está situado em um dos braços da galáxia, afastado do centro. Ao seu redor gravitam galáxias satélite, como por exemplo as Nuvens de Magalhães. O destino final da maior parte delas será a assimilação pela Via Láctea, o que já ocorreu com diversas dessas pequenas estruturas no passado.

Acredita-se que a maior parte das galáxias possuam em seus centros buracos negros gigantes, milhões de vezes mais massivos do que o Sol. Acredita-se que tais buracos negros supermaciços tenham surgido nos primórdios da formação das galáxias, embora o mecanismo de sua criação ainda seja assunto de intensa pesquisa. No centro da Via Láctea existe um buraco negro supermassivo, um dos elementos que compõe a região conhecida como Sagitário A. Algumas estrelas na região orbitam a estrutura invisível, permitindo calcular sua assombrosa massa. Há a esperança de que uma nuvem de gás nas proximidades seja capturada por ele, que por sua vez emitirá radiação, permitindo obter novas informações sobre o próprio buraco negro e sua vizinhança.

Com outras 54 galáxias vizinhas, a Via Láctea forma o chamado Grupo Local, sendo o segundo maior objeto do conjunto, com a galáxia de Andrômeda sendo a maior e mais massiva. A Via Láctea e Andrômeda encontram-se em rota de colisão, aproximando-se a uma velocidade de 140 quilômetros por segundo. Dentro de um período de alguns bilhões de anos ambas se tornarão uma única galáxia elíptica. Colisões do tipo são eventos comuns, embora cataclísmicos. Eles modificam completamente a estrutura das galáxias envolvidas, ejetando milhões de estrelas para o meio intergaláctico, mas também criando novos berçários de estrelas. Os núcleos das galáxias fundem-se, e possivelmente também seus buracos negros supermassivos.

Quando há um maior número de galáxias em uma determinada região, tais estruturas são chamadas aglomerados de galáxias. Grupos e aglomerados, por sua vez, formam em conjunto estruturas maiores, os superaglomerados de galáxias. O Grupo Local pertence ao superaglomerado de Virgem. Em escalas maiores, entretanto, os superaglomerados se distribuem de maneira aproximadamente homogênea pelo Universo, formando uma bela estrutura de filamentos.

Eis uma evidência do fato de que o Universo primordial deveria ser bastante homogêneo em sua origem, uma distribuição quase uniforme de matéria e energia. No princípio, haviam apenas ínfimas perturbações na homogeneidade, que foram aumentadas com o tempo pelo efeito da gravitação. Os locais que concentravam mais partículas e energia atraíram para si mais partículas dos locais de menor concentração, de maneira que a homogeneidade inicial deu lugar às estruturas que observadas atualmente.

Acredita-se que tais perturbações primordiais tenham sido geradas no período inflacionário. Estamos falando aqui de um evento que pode ter ocorrido quando o Universo tinha uma fração ínfima de um segundo de idade, e que foi responsável por uma expansão acelerada do Universo. Tal expansão acelerada fez com que ínfimas flutuações quânticas, sempre presentes em qualquer ponto do espaço-tempo, fossem expandidas até escalas macroscópicas, tornando as pequenas flutuações quânticas originais em sementes da estrutura atual do Universo.

Com o fim do período inflacionário, as escalas passaram a se expandir de maneira bem menos explosiva. O Universo, em seu princípio, era muito quente e compacto, mas a expansão fez com que a energia fosse diluída em um espaço-tempo mais amplo. A densidade de energia e a temperatura caíram significativamente. Em determinado momento, houve a nucleossíntese, e os elementos que conhecemos hoje foram formados.

Entretanto, a temperatura em tal período era tamanha que a luz sequer poderia propagar-se livremente. Os elétrons ainda não haviam se ligado aos núcleos para formar átomos, pois eles eram bombardeados continuamente pela radiação de altíssima energia. Quando a temperatura tornou-se suficientemente baixa, quando o Universo tinha em torno de 380.000 anos de idade, os elétrons ligaram-se aos núcleos, e a luz desacoplou-se deles, propagando-se livremente daí por diante. A grande quantidade de radiação liberada em tal momento é conhecida como a radiação cósmica de fundo. Nesse período, ele ainda era extremamente homogêneo. As flutuações que observamos em tal radiação são da ordem de centésimos milésimos do valor de fundo. É certamente a foto mais antiga do Universo de que se dispõe.

O Universo primordial, composto principalmente por átomos de hidrogênio, por algum hélio e por traços de lítio, estava pronto. Posteriormente, a gravidade seguiu seu curso, formando as estruturas que podem ser observadas hoje. O ciclo se fecha.

3. Cosmologia observacional

A luz que chega até a Terra constitui a principal janela para o Universo, e atualmente a única que permite ir além da vizinhança mais próxima. A radiação eletromagnética em toda a faixa observável do infravermelho, visível, ultravioleta, raios X e Gama traz informações sobre os objetos luminosos, e também sobre os não luminosos, na medida em que os mesmos interajam com a luz recebida. Inúmeros telescópios, antenas e satélites buscam no espaço áreas interessantes para observação. Alguns mapeiam todo o céu, outros são apontados para locais de interesse mais particular.

Mesmo astrônomos amadores podem observar objetos com boa definição e em grandes distâncias, utilizando aparatos acessíveis financeiramente. E, graças a satélites como o telescópio Hubble, todos tem acesso a imagens maravilhosas dos mais distantes recantos do Universo. Mesmo já em operação há mais de 20 anos, ele ainda permite a realização de ciência de ponta, especialmente ao flagrar eventos incomuns, que auxiliam os cientistas a refinarem seus modelos astrofísicos. Seu sucessor, o telescópio espacial James Webb, já se encontra em produção, o que garante a continuidade científica para muitos campos da astronomia observacional.

Alguns experimentos científicos visam contabilizar todos os objetos observáveis, formando um mapa preciso do Universo. O que era realizado penosamente e ao longo de anos de observação pelos primeiros astrônomos, hoje é realizado de maneira automática por scripts, e grandes quantidades de dados são gerados pelos atuais telescópios e tratados estatisticamente em supercomputadores. Não somente a posição das galáxias são de interesse, mas também sua velocidade relativa, massa, luminosidade e composição, informações que podem ser extraídas do espectro luminoso do objeto.

O primeiro experimento do tipo foi o CfA, foi iniciado no ano de 1977 e trouxe grandes surpresas, como a primeira observação do superaglomerado conhecido como a Grande Muralha, uma estrutura imensa em comparação com qualquer coisa conhecida na época. Outros importantes experimentos na área foram o 2dFGRS[12] (Two-Degree-Field Galaxy Redshift Survey), iniciado em 1997, com aproximadamente 200 mil galáxias mapeadas, e o SDSS[13] (Sloan Digital Sky Survey), iniciado no ano 2000, com mais de 500 milhões de objetos mapeados e que ainda encontra-se em operação, em sua fase III.

Um fenômeno interessante comprovado por estes experimentos é a oscilação acústica de bárions. Antes da recombinação e da formação da radiação cósmica de fundo, a grande densidade e temperatura do Universo faziam com que surgissem forças devido à interação entre os fótons e os núcleos atômicos. Da batalha entre a força gravitacional e a pressão repulsiva em questão surgiram oscilações similares a ondas sonoras se propagando. Matéria foi expelida dos locais mais densos do Universo primordial na forma de tais ondas, de formato esférico. Como haviam diversos pontos de elevada densidade, as ondas em questão se misturaram e compuseram, formando a complexa teia de galáxias e estruturas que observamos hoje. Há portanto uma distância típica entre as estruturas mais massivas do Universo, observada na bela estrutura de filamentos mostrada na Fig. 2.


Para descrever outra importante frente da observação cosmológica, faz-se necessário contar uma história. Em 1964, Arno Penzias e Robert Wilson descobrem um ruído de micro-ondas em sua antena, nos laboratórios Bell, que não dependia da direção para a qual a antena era apontada. A origem desse ruído gerou intensas discussões, e logo percebeu-se que eles tinham acabado de realizar a primeira detecção da radiação cósmica de fundo, passando à frente de outros grupos que construíam antenas especificamente com esse objetivo. Em 1978, ambos ganharam um Prêmio Nobel pela descoberta.

Quando o Universo tinha aproximadamente 380.000 anos de idade, ele tornou-se transparente para a luz, com a redução da temperatura e a consequente recombinação dos elétrons aos núcleos ionizados. Uma grande quantidade de energia foi liberada nesse momento, na forma de uma radiação de corpo negro, de fato o espectro de corpo negro mais perfeito já detectado. Ela é composta principalmente por micro-ondas de temperatura 2,73 K.

Tal descoberta era mais uma prova de que o modelo Big Bang estava correto, ou seja, que o Universo teve um início extremamente quente. A radiação observada era isotrópica, indicando também um Universo homogêneo. Mas quão homogêneo? Esta nova pergunta suscitou o interesse de diversos grupos experimentais. O experimento COBE[14], lançado em 1989, foi o primeiro satélite projetado exclusivamente para coleta de dados cosmológicos. Foi um grande sucesso, na medida em que ele foi capaz de detectar as pequenas anisotropias na radiação cósmica de fundo, da ordem de 10 do valor de fundo[15], mostrando que haviam desvios da homogeneidade primordial, sementes que originaram por colapso gravitacional as estruturas que observamos hoje no Universo.

O experimento WMAP[16] foi projetado posteriormente para ir muito além da sensibilidade do COBE, capaz portanto de explorar as anisotropias da radiação cósmica de fundo em detalhes. Lançado no ano de 2001, tendo encerrado suas observações no ano passado, com a publicação de seus resultados de mais de 9 anos de coleta de dados. Este experimento foi excepcionalmente importante, colocando o modelo padrão cosmológico no patamar em que se encontra atualmente.

Por fim, em um novo capítulo da saga, o experimento Planck[17] foi lançado 2009 e os novos resultados já estão sendo publicados. Além de ir muito além da precisão do WMAP na intensidade das anisotropias, ele também permite a detecção da polarização da radiação cósmica de fundo, informação esta que, quando disponível, permitirá a seleção dentre diversos modelos cosmológicos e especialmente inflacionários.

Outra observação chave em cosmologia é a catalogação de supernovas. Em certos sistemas binários onde uma anã branca gravita em torno de uma estrela, muitas vezes a anã branca tende a roubar gás da companheira. Isso faz com que sua massa aumente gradativamente. Caso a anã branca consiga acumular matéria para atingir uma massa de aproximadamente 1,4 vezes a massa do Sol, o material em seu interior sofre um processo de reignição, seguido de uma grande explosão. No caso citado de uma anã branca atingindo a massa crítica, o evento originado é uma supernova classificada como do tipo "Ia".

Como a massa e a composição da anã branca que explode são muito similares em todos os casos, as supernovas do tipo Ia são identificáveis por sua luminosidade conhecida e seu espectro típico, que contém linhas de elementos intermediários a pesados, iniciando por oxigênio e carbono, e, em períodos subsequentes, de Níquel e Cobalto. Elas podem ser utilizadas como velas padrão, no sentido de que a luminosidade original é conhecida e portanto a luminosidade observada na Terra depende somente da distância entre o sistema binário original e nosso planeta. Elas então podem ser utilizadas para auxiliar na medição de distâncias cosmológicas.

Com um número suficiente de supernovas observadas e técnicas estatísticas, é possível inferir a dinâmica cósmica. Foi dessa maneira que dois grupos, independentemente, em 1998 e 1999, descobriram a expansão acelerada de escalas no Universo[18, 19]. Os líderes de ambos os grupos receberam o Prêmio Nobel do ano de 2011 por esta descoberta.

4. A relatividade geral e testes gravitacionais

A relatividade geral[20-22] é considerada não somente uma das teorias de maior sucesso na história da humanidade, mas também uma das mais belas. Einstein, partindo de princípios físicos e geométricos simples, que recusou-se a abandonar por quase uma década, apesar de inúmeras dificuldades encontradas, chegou a uma teoria capaz de descrever toda a gravitação universal. Ela afirma que a geometria do Universo e seu conteúdo de energia se influenciam reciprocamente. A matéria curva o espaço-tempo, e ao mesmo tempo a curvatura local dita a trajetória das partículas. Por tal característica eminentemente geométrica, a gravitação afasta-se das outras três forças conhecidas, e tem se mostrado extremamente difícil de ser enquadrada em um formalismo quântico. O sonho da grande unificação de todas as forças em uma única teoria ainda aparenta estar distante. Tal relação entre geometria e conteúdo de matéria é expressada nas equações de Einstein

onde é o tensor de Einstein, que carrega a informação sobre a geometria do espaço-tempo, e é o tensor energia-momento, que descreve o conteúdo de matéria e energia do Universo.

A relatividade geral tem uma longa história de sucessos, resistindo continuamente aos mais precisos testes gravitacionais. Desde seus primórdios, quando Einstein verificou que a relatividade geral previa o avanço no periélio de Mercúrio, até muito recentemente, com o experimento Gravity Probe B [23] verificando as previsões de arraste gravitacional, a relatividade geral prevalece. Um dos primeiros testes consistiu em verificar o desvio da luz por objetos de grande massa. Como concentrações de matéria e energia distorcem o espaço-tempo ao seu redor e a luz, que transporta pouca energia, basicamente realiza o trajeto mais rápido entre duas regiões, tais objetos a desviam de seu caminho.

Em 1919, os astrônomos ingleses Eddington e Dyson prepararam expedições para testar este efeito. Uma equipe veio para a cidade de Sobral, no Brasil, enquanto a equipe de Eddington dirigiu-se para a ilha de Príncipe, na África, dois locais onde um eclipse solar poderia ser bem observado. Verificou-se que a posição das estrelas mais próximas do Sol durante o eclipse diferia sensivelmente de suas posições medidas durante a noite, sem o Sol no caminho. Ele havia desviado portanto a trajetória da luz emitida pelas estrelas em questão, conforme previsto por Einstein.

Observando as profundezas do Universo, o fenômeno de lentes gravitacionais na Ref. [24] fica evidente. No caso mais extremo, conhecido como lenteamento gravitacional forte, formam-se em torno de um objeto massivo diversas imagens de um único objeto luminoso que encontra-se diretamente atrás dele. A luz que se afastaria é atraída e focalizada em direção à Terra, dando origem às múltiplas imagens ou mesmo a anéis, no caso de alinhamento perfeito, os "anéis de Einstein".

No caso das lentes gravitacionais fracas, ínfimas distorções na forma dos objetos observados ocorrem devido a múltiplos objetos no caminho percorrido pela luz entre sua emissão e sua observação. Com grandes quantidades de dados, é possível analisar tais imagens estatisticamente, e inferir concentrações de massa no caminho. É uma excelente maneira de estimar indiretamente a concentração de nuvens de gás, matéria escura, e outros objetos não luminosos no Universo observável.

Outro fato interessante: quando os elementos são expostos a uma radiação de frequências específicas, ela pode ser absorvida pelo átomo e alterar temporariamente o estado quântico de um de seus elétrons. Posteriormente, a radiação é reemitida na mesma frequência recebida, embora não necessariamente na mesma direção. Essa é a base da espectroscopia, uma vez que cada elemento emite luz em determinadas faixas específicas, permitindo então identificá-los buscando por estas linhas características na luz recebida.

Este efeito nos permite provar que o hidrogênio é o elemento mais abundante do Universo, pois suas linhas são as mais comuns. A luz emitida em uma determinada frequência por um átomo de hidrogênio, ao se propagar por muito tempo no espaço, não poderá excitar um novo átomo de hidrogênio quando atingi-lo, pois a expansão do Universo reduzirá sua frequência. É possível portanto não somente uma estimar a concentração de hidrogênio no caminho da luz, mas também a posição de cada nuvem de gás, e portanto a taxa de expansão do Universo[25].

Em torno da década de 60 do século passado, um período de grande esforço internacional para testar a relatividade geral permitiu outras grandes descobertas, como por exemplo a verificação de que o sistema binário de pulsares conhecido como Hulse-Taylor tinha seu período orbital reduzido de acordo com as previsões de perda de energia por emissão de ondas gravitacionais. Foi o período de consolidação da relatividade geral frente às teorias alternativas da época.

Modelos cosmológicos alternativos quase inevitavelmente afetam efeitos gravitacionais bem conhecidos na escala do Sistema Solar ou da Galáxia. Por exemplo, um modelo cosmológico baseado em uma modificação da relatividade geral de Einstein poderia afetar sensivelmente a órbita dos planetas em torno do Sol, que já são medidas com precisão impressionante. Portanto, testes gravitacionais locais são uma chave na escolha dentre os diferentes modelos.

O princípio da equivalência é um ponto fundamental da teoria gravitacional. Newton dedicou o primeiro parágrafo do Principia Mathematica, seu grande tratado de Mecânica, para o princípio da equivalência. Ele afirma, embasado por seus experimentos com pêndulos, que a massa inercial dos objetos (que mede sua reação à aplicação de forças) é idêntica à massa gravitacional, proporcional ao peso do corpo. Este fato explica o interessante fenômeno, já conhecido desde a época de Galileu com seu famoso experimento no topo da torre de Pisa, de que todos os corpos caem de maneira idêntica sob a influência da gravidade, com uma mesma aceleração, independentemente de suas massas. Tal afirmação e suas consequências imediatas formam o conhecido princípio da equivalência fraco.

Einstein tomou o princípio da equivalência fraco como um dos pilares fundamentais de sua teoria, estendendo-a, afirmando também que as leis da física funcionam da mesma maneira em qualquer referencial em queda livre, independentemente de sua velocidade, do local no espaço ou no tempo onde elas são testadas. Este princípio é conhecido como o princípio da equivalência de Einstein, e, de fato, qualquer teoria que o satisfaça será necessariamente uma teoria geométrica para a gravitação.

Qualquer teoria gravitacional descrita por uma métrica simétrica, onde as trajetórias das partículas são geodésicas de tal métrica, e onde as leis não gravitacionais da física podem ser descritas localmente por meio da relatividade restrita, necessariamente satisfazem o princípio da equivalência de Einstein[26]. Tais teorias, consideradas por muitos como as únicas realmente viáveis para explicar os dados experimentais disponíveis, são chamadas teorias métricas. Teorias métricas podem possuir diversos campos gravitacionais, tensoriais, vetoriais ou escalares, mas somente um único campo tensorial pode estar acoplado aos campos não gravitacionais ou às partículas materiais do Universo.

Para testar o princípio da equivalência fraco, basta estudar a maneira como corpos de diferentes composições e massas se comportam perante a atração gravitacional. Se suas acelerações forem idênticas, então o princípio da equivalência foi confirmado. Tais experimentos podem ser realizados em laboratório, como por exemplo por meio de balanças de torção. Como uma confirmação perfeita é impossível devido às limitações experimentais, define-se um limite superior para desvios do princípio da equivalência por meio da seguinte expressão

O teste mais preciso atualmente é o Lunar Laser Ranging, que verifica constantemente a distância entre a Terra e a Lua. Nas missões da Nasa para a Lua, foram deixados espelhos que podem refletir feixes de Laser emitidos a partir da Terra. O tempo que o feixe de luz leva para retornar é portanto uma medida precisa da distância entre ambos os corpos celestes, que permite inferir com grande precisão a maneira como a Terra e a Lua são atraídas pelo Sol, substituindo os dados na equação dada acima. O limite para desvios está definido na Ref. [27]

Para testar o princípio da equivalência de Einstein, faz-se necessário testar se o resultado dos experimentos não gravitacionais em qualquer referencial em queda livre são os mesmos, e se eles não são modificados se realizados em diferentes posições no tempo e no espaço.

Além disso, as forças atuantes sobre as partículas e objetos gravitando no sistema solar podem ser medidas com grande precisão. A busca por alternativas ao modelo padrão de física de partículas e a necessidade de supor a existência de partículas exóticas na composição do Universo estimulou o desenvolvimento e a busca experimental por uma quinta força detectável, além das quatro forças conhecidas (gravitacional, eletromagnética, fraca e forte).

Em geral modelada como uma força Yukawa, ou seja, uma força proporcional a 1/r2 mas com um alcance limitado λ, devido a um fator .

Para um alcance entre 1m e 10m, o limite superior para a intensidade de tal força está entre 10-3 e 10-6 da intensidade da força gravitacional. Em alcances maiores, da ordem de milhares de quilômetros, experimentos instalados em satélites verificaram limites ainda inferiores para a intensidade de uma tal força. Até o momento não há evidências para afirmar que exista tal quinta força no Universo, mas as buscas continuam. Para uma discussão muito mais ampla, sugerimos a leitura do livro [28].

4.1. Outros testes: Ondas gravitacionais, neutrinos e raios cósmicos

Para permitir o avanço da compreensão humana sobre o Universo, é importante abrir novas janelas de observação, uma vez que observar os mesmos fenômenos por meio de experimentos totalmente distintos entre si permitem sua comparação e também testar de maneira estrita os modelos cosmológicos existentes.

Assim como a radiação cósmica de fundo libertou-se do plasma primordial, sendo detectada nos dias de hoje como uma foto muito antiga do Universo, neutrinos primordiais libertaram-se do plasma circundante, formando um fundo de neutrinos cosmológicos. Neutrinos são partículas eletricamente neutras e de baixíssima massa. Tal evento ocorreu quando o Universo tinha apenas poucos segundos de idade, de maneira que sua detecção traria valiosas informações sobre um período muito distante e ainda inacessível observacionalmente do passado do Universo. A dificuldade é que os neutrinos de fundo são muito pouco energéticos, e portanto ainda estão muito além da atual capacidade técnica de observação.

O estudo de neutrinos de fontes astrofísicas, ao contrário, tem progredido. Neutrinos solares são observados corriqueiramente, trazendo informações sobre o próprio núcleo solar. Houve também uma detecção confirmada de neutrinos provenientes da supernova SN1987A, ocorrida na Grande Nuvem de Magalhães, no ano de 1987 [29]. Um grande número de neutrinos foi detectado algumas horas antes da luz visível emitida, trazendo valiosas informações sobre a emissão de neutrinos em tais eventos.

Um dos mais modernos detectores de neutrinos em operação, o Icecube [30] ocupa uma área de aproximadamente 1 km2 em pleno polo Sul. Seus detectores, instalados em cabos verticais que penetram profundamente no gelo polar, buscam por luz Cherenkov, uma radiação emitida por partículas eletricamente carregadas criadas pelo decaimento de neutrinos altamente energéticos. Pesquisadores responsáveis pelo experimento reportaram recentemente a possível detecção dos primeiros neutrinos de origem astrofísica, abrindo caminho para a identificação e estudo de fontes de neutrinos de fora do sistema solar.

Corpos massivos em movimento acelerado geram perturbações no espaço-tempo que se propagam na forma de ondas. Embora ainda não tenham sido detectadas diretamente, existem fortes evidências indiretas para a existência das ondas gravitacionais. Estima-se que sistemas binários de objetos massivos percam grande quantidade de energia na forma de ondas gravitacionais. Cálculos relacionando a diminuição do raio de separação entre tais objetos e a energia perdida na forma de ondas eletromagnéticas e ondas gravitacionais coincidem com os valores esperados e previstos pela relatividade geral.

O experimento LIGO [31] busca detectar tais ondas por meio de interferometria. Os detectores consistem em gigantescos interferômetros de Michelson. A passagem de ondas gravitacionais pelos detectores gera variações no comprimento das cavidades. Essas pequenas variações fazem com que haja pequenas variações na fase das ondas eletromagnéticas, de maneira que a ressonância é afetada. O comportamento da luz no interior do detector é monitorado, permitindo uma detecção em caso de ondas gravitacionais dentro de determinados limites de sensibilidade. O grupo trabalha para melhorar a sensibilidade do aparelho, e também está ampliando a colaboração, unindo esforços com o experimento europeu Virgo, e também para a instalação novos detectores similares no Japão e na Índia.

Uma nova fronteira para a detecção de ondas gravitacionais é o espaço. Um ambicioso projeto, chamado LISA [32], foi proposto. Ele consiste essencialmente em um interferômetro espacial, onde as cavidades são satélites orbitando a grandes distâncias. Isso melhoraria significativamente a sensibilidade e aumentaria as possibilidades de detecção. Entretanto, os grandes custos e a crise financeira mundial tem sido um empecilho à implantação desse projeto ambicioso.

No Brasil, existe um experimento de ondas gravitacionais em fase de implantação, o detector Mário Schenberg [33]. Trata-se de uma esfera de metal, cujas oscilações são monitoradas por avançados detectores. A passagem de ondas gravitacionais pela esfera gera modos de vibração característicos que podem ser detectados, caso o isolamento do meio externo seja suficiente e a subtração dos grandes ruídos de fundo possa ser realizada.

Antes de finalizar, vale a pena fazer referência aos raios cósmicos. Tratam-se de prótons, elétrons e núcleos atômicos diversos que viajam pelo espaço e eventualmente atingem a atmosfera terrestre com altíssimas energias. A colisão original gera uma reação em cadeia, que distribui sua energia original acelerando milhões de outras partículas. São os chamados chuveiros de partículas. Os raios cósmicos podem ser detectados diretamente no espaço, através de balões ou satélites, e também indiretamente, em terra, pela detecção dos chuveiros. Entretanto, eles nos trazem mais informações de nossa vizinhança da galáxia do que propriamente cosmológicas, pois tais partículas interagem muito com o meio interestelar e intergaláctico, perdendo energia ao se deslocarem grandes distâncias [34].

5. Modelo cosmológico padrão

É possível testar modelos teóricos para a condição atual e a evolução do Universo no tempo. Dentre os modelos existentes, o que melhor ajusta os dados obtidos é o conhecido ΛCDM, ou modelo cosmológico padrão [35-37]. Surpreendentemente, ele é justamente o modelo mais simples possível - dentro das condições observacionais.

Ele sugere um Universo que evolui de acordo com a proposta do Big Bang, ou seja, um início quente e pequeno e uma expansão de acordo com a dinâmica descrita pela relatividade geral. Adicione-se a isso um período inflacionário no Universo primordial, e na composição do Universo atual uma componente exótica, e de composição exata desconhecida: a matéria escura. Às equações da relatividade geral adiciona-se uma constante, a conhecida constante cosmológica.

5.1. Composição atual

Segundo o modelo ΛCDM, a composição atual de energia no Universo é dominada pelas seguintes componentes:

• Matéria bariônica.

• Matéria escura.

• Energia escura.

Em primeiro lugar, matéria bariônica ordinária, cujos componentes são descritos pelo atual modelo padrão de física de partículas. Os átomos dos elementos conhecidos são formados por prótons, nêutrons e elétrons. Os prótons e nêutrons são compostos por partículas ainda mais fundamentais, os quarks, e são chamados Bárions. Os elétrons e os neutrinos, muito leves, são os léptons. O termo "matéria bariônica" inclui também os léptons, e é portanto uma extrapolação, justificável pelo fato de que os bárions, mais massivos, são responsáveis pela maior parte da contribuição em termos de energia para a composição do Universo. Tais partículas estão sujeitas às quatro forças conhecidas na física, a força eletromagnética, gravitacional, forte e fraca. Ao interagirem eletromagneticamente umas com as outras, liberam fótons, emitem luz. Portanto, são detectáveis e a quantidade desse material contida no interior de galáxias e aglomerados de galáxias é conhecida com precisão. A fração da energia total do Universo nessa componente corresponde a 4,6%.

Em segundo lugar, matéria escura [38], que foi sugerida para resolver o conhecido problema das curvas de rotação das galáxias. Há diversos anos, sabe-se que as velocidades de rotação de algumas estrelas muito distantes do núcleo de galáxias é maior do que o previsto pela gravitação Newtoniana. A velocidade de galáxias no interior de aglomerados de galáxias também são distintas do que seria de se esperar levando-se em conta somente a matéria bariônica estimada. Uma vez que as velocidades em questão são muito baixas para que a relatividade precise ser invocada na solução do problema, existem duas possibilidades: ou faz-se necessária uma revisão na gravitação Newtoniana nessas escalas de distância (e portanto da relatividade geral, de onde a gravitação Newtoniana emerge como um limite de baixas velocidades), ou aceita-se a segunda possibilidade: há mais matéria no interior das galáxias do que é observado.

Se houver mais matéria, faz-se necessário explicar porque tal matéria não é observada, nem emite luz. Daí o termo matéria escura. Caso ela seja não bariônica, não interagirá eletromagneticamente com outras partículas, resolvendo o problema. Para melhor ajustar os dados experimentais, a maior parte da matéria precisa ser não relativística, movendo-se com velocidades muito inferiores à da luz. Daí vem a sigla CDM (Cold Dark Matter, ou matéria escura "fria"). Física além do modelo padrão de partículas será necessária para explicar tais partículas, e de fato alguns modelos apresentam candidatos interessantes para matéria escura, como os áxions e os WIMPs (Weakly Interacting Massive Particles) [39] e os áxions [40]. Outra possibilidade são os férmions conhecidos como Elko [41]. Tais partículas entretanto ainda não foram detectadas e as teorias que dão origem a elas estão sendo testadas pelo experimento LHC [42] neste exato momento. A matéria escura corresponde a 23,6% da energia do Universo.

A outra alternativa seria modificar a gravitação Newtoniana. A mais conhecida teoria, e de maior sucesso, foi a MOND[43, 44] (Modified Newtonian Dynamics). Ele resolve o problema das curvas de rotação nas galáxias e possui uma generalização relativística[45]. Entretanto ela falha em ajustar importantes dados observacionais, como descrever o que é observado no Bullet Cluster (Fig. 5). Tratam-se de dois aglomerados de galáxias que colidiram no passado. As imagens em luz visível mostram as galáxias se distanciando novamente, após a colisão. Imagens em raios X, por sua vez, mostram que as nuvens de gás não conseguiram escapar tão facilmente.


Devido à turbulência, o gás perdeu muita energia na forma de radiação eletromagnética, o que reduziu sua velocidade e fez com que ele não pudesse acompanhar as galáxias. Uma oportunidade única portanto de calcular as massas separadamente. Com o fenômeno das lentes gravitacionais, foi possível ver que a maior parte da massa está concentrada em torno das estrelas e um pouco além delas. Como a matéria escura não interage eletromagneticamente e portanto não perde energia com a colisão, é de se esperar que a matéria escura acompanhe as galáxias e mesmo esteja adiante delas. Isso é exatamente o que é indicado pelas imagens de lentes gravitacionais, com a maior parte da massa concentrada em torno das galáxias, mesmo na ausência do gás, e uma massa muito maior do que a da matéria bariônica estimada no interior das galáxias envolvidas.

Portanto, até que novas ideias sejam propostas nesse sentido, supor a existência de matéria escura continuará sendo a solução mais viável para o problema.

Em terceiro lugar, temos a energia escura. Levando-se em conta a quantidade de matéria bariônica e escura necessárias para explicar o comportamento dinâmico das galáxias, seria esperado que o Universo estivesse em uma expansão desacelerada, devido à característica atrativa da gravidade. Entretanto, a partir de observações do desvio da luz para o vermelho (redshift) de supernovas do tipo Ia[18, 19], conclui-se que o Universo está em expansão acelerada. Faz-se necessário entretanto compreender bem o que significa um "Universo em expansão".

O Universo pode ser imaginado como composto por uma rede de pontos (eventos) que carregam em si informação de posição espacial e uma informação de tempo. Tais pontos são estáticos. Com base em tais pontos, pode-se definir a noção de distância entre dois eventos, uma distância física e uma distância temporal (ou duração). A relatividade geral não permite a definição de uma duração absoluta ou uma distância absoluta, mas tais quantidades serão sempre medidas por diferentes observadores, que, dependendo de sua velocidade, medirão diferentes durações ou distâncias entre dois pontos da grade estática.

A relação entre as distâncias físicas e as durações medidas pelos diferentes observadores será definida pela geometria do espaço-tempo, informação que será inserida no lado direito das equações de Einstein (1). Evidências experimentais apontam para um Universo homogêneo, isotrópico e espacialmente plano, o que é bastante restritivo. Entretanto, ainda resta a possibilidade de que as distâncias físicas se alterem com o tempo, de acordo com a expressão d=a(t)x, onde d é a distância física entre dois objetos, que varia de acordo com o fator de escala a(t), uma função do tempo. Resolvendo as equações de Einstein em tal contexto, supondo como conteúdo de energia um fluido ideal com densidade ϱ e pressão p, obtém-se

Observando a segunda derivada negativa na expressão (4) fica clara a razão pela qual esperava-se um Universo em expansão desacelerada. Um aumento acelerado nas escalas exige

Fluidos usuais possuem densidade de energia e pressão positivas. O indício de expansão acelerada de escalas (fator de escala crescente) aponta para a existência um fluido exótico, com pressão respeitando a relação p<-ε/3, gerando um efeito aparente de repulsão gravitacional. A forma mais simples de se obter este resultado é por meio de uma constante cosmológica (Λ)[46, 47], onde .

Outra maneira simples de se realizar essa expansão acelerada é por meio de campos escalares. Temos, nesse caso, o modelo conhecido como Quintessência, entre outras variantes. Uma extensa e detalhada descrição dos diversos modelos pode ser encontrada em [48]. Outra proposta bastante conhecida consiste na inserção de um fluido exótico na composição do Universo, conhecido como gás de Chaplygin[49, 50]. A energia escura, corresponde a 71,8% da energia do Universo.

Dentre as opções apresentadas, selecionando matéria escura fria e constante cosmológica, obtém-se a composição do modelo cosmológico padrão. É um modelo elegante e simples, onde com somente 6 parâmetros livres é possível realizar o melhor ajuste de todos os dados observacionais disponíveis. Eles são[51]

• Densidade de matéria ordinária.

• Densidade total de matéria.

• Densidade da constante cosmológica.

• Caminho óptico até a reionização.

• Número espectral das flutuações na curvatura.

• Amplitude das flutuações na curvatura.

Portanto, bastam informações sobre a relação entre as três componentes citadas, somadas a informações sobre a origem das primeiras estrelas e a reionização causada por sua luz, e também das flutuações primordiais que emergem do período inflacionário.

Como a evolução temporal do Universo se processou, e quais condições iniciais poderiam tê-lo gerado? De acordo com o modelo padrão cosmológico ΛCDM, com um início muito pequeno e quente, e uma expansão e resfriamento subsequentes, até a configuração atual. Dois elementos entretanto devem ser adicionados ao Big Bang padrão. Um período de domínio da energia escura, muito recente na história do Universo, e também um período inflacionário no primeiro início, quando ele tinha uma fração ínfima de um segundo de idade.

Os principais períodos do Universo são, portanto:

• Inflação cósmica.

• Domínio da radiação.

• Domínio da matéria.

• Domínio da energia escura.

No início, um período inflacionário aumenta exponencialmente as escalas do Universo. Tal período foi proposto para resolver uma vasta gama de problemas cosmológicos, dentre eles

• Problema dos horizontes.

• Homogeneidade.

• Isotropia.

• Universo espacialmente plano.

• Relíquias cosmológicas.

• Geração de sementes para a formação de estrutura.

Antes do advento da teoria inflacionária, todos esses problemas eram resolvidos postulando-se condições iniciais muito específicas para o Universo.

Com a atual capacidade técnica, é possível observar conjuntos de galáxias diametralmente opostos com relação ao planeta Terra que encontram-se em regiões tão distantes do espaço que, em uma evolução padrão Big Bang, não houve tempo hábil para que elas pudessem interagir entre si, trocar partículas ou influências gravitacionais. Entretanto há aproximadamente o mesmo número de galáxias em todas as direções, muito similares entre si. Por que seria assim?

O jovem Universo não era perfeitamente homogêneo e isotrópico, haviam pequenas perturbações, da ordem de um décimo milionésimo do valor de fundo à época da radiação cósmica de fundo. Justamente estes pequenos desvios foram aumentados pela ação da gravitação ao longo do tempo, as regiões com mais energia se tornaram cada vez mais densas, enquanto as com menos energia se tornaram cada vez mais vazias. Isto deu origem às galáxias e aglomerados de galáxias conhecidas hoje. Que mecanismo teria gerado tais perturbações tão específicas no Universo primordial?

O período inflacionário[52-54], construído com base em um campo escalar, resolve ambas as questões, pois, devido ao aumento acelerado das escalas, todo o Universo observável pode ter surgido de uma região ínfima do Universo primordial, onde todas as regiões citadas poderiam interagir e homogeneizar-se. Isso eliminaria do raio de observação quaisquer diferenças muito grandes.

O fato do Universo ser espacialmente plano e livre de relíquias cosmológicas pode ser explicado de maneira idêntica. Mesmo com uma curvatura primordial extremamente aberta ou fechada, com todo o Universo observável originando-se de uma fração do Universo primordial, a curvatura pode não ser perceptível pela atual capacidade técnica. E mesmo que no princípio houvesse grande concentração de relíquias cosmológicas, como monopolos magnéticos ou defeitos topológicos, apenas um pequeno número delas restaria em todo o Universo observável, de modo que encontrá-las seria um golpe de sorte.

Portanto, faz-se necessária uma quantidade suficiente de inflação. A partir de um dado instante t, a quantidade de inflação ocorrida é medida em termos de e-foldings

onde tf é a idade do Universo ao fim do período inflacionário. A quantidade de inflação suficiente para a solução dos problemas cosmológicos supracitados depende do modelo em questão, mas para a maior parte deles N≈50 é suficiente.

O último dos problemas, a geração de sementes para a formação de estruturas, é resolvido de maneira diferente. Pequenas perturbações no campo escalar são geradas continuamente e expandidas pelo aumento das escalas, até eventualmente deixarem o horizonte. Entretanto, após o fim da inflação, essas perturbações reentram no horizonte, quebrando suficientemente a homogeneidade para que haja a formação de estrutura observada no Universo.

A inflação é portanto uma peça chave no modelo ΛCDM, embora seus detalhes ainda não sejam bem conhecidos. Algumas teorias alternativas buscam eliminar a necessidade de um período inflacionário, como por exemplo as baseadas em um Universo cíclico[55], mas elas ainda não estão em uma posição tão robusta quanto o modelo inflacionário.

Ao fim do período, o campo gerador da expansão acelerada de escalas desaparece, originando no processo a composição atual do Universo[56], e a maior parte de sua energia total manifestada na forma de radiação. O Universo continua a expandir-se, embora desaceleradamente, e a densidade de energia da radiação cai mais rapidamente do que a da matéria, pois além de ser diluída com a expansão, ela também aumenta em comprimento de onda. Então inevitavelmente, após certo tempo, inicia-se um período de domínio da matéria (escura e bariônica).

Após a emissão da radiação cósmica de fundo, há um período de intensa escuridão. As primeiras estrelas ainda não se formaram. O sistema evolui e as primeiras protogaláxias já possuem suas estrelas pioneiras. A estrutura continua a formar-se. Depois, a energia escura passa a dominar o cenário, o que dentro do modelo ΛCDM significa que as densidades das outras componentes caíram abaixo da densidade de energia da constante cosmológica. Uma nova expansão acelerada de escalas inicia-se. Estima-se que atualmente o Universo tenha da ordem de 13.6 bilhões de anos.

6. Conclusão

Aqui finda a jornada empreendida, até os limites do Universo observável e da compreensão humana atual. Após uma introdução a diversos temas de astronomia, astrofísica e cosmologia, um aprofundamento em questões observacionais e na teoria gravitacional aceita atualmente, a relatividade geral, foi descrito o modelo cosmológico padrão, ΛCDM, e seus grandes mistérios: a matéria e a energia escuras, que são temas de fronteira na pesquisa científica atual e considerados dentre dos mais importantes problemas abertos da física.

Embora o assunto seja suficientemente interessante para prender a atenção por si só, há um objetivo concreto: o professor agora encontra-se bem equipado para responder uma vasta gama de questionamentos endereçados pelos estudantes, uma vez que aprofundou-se suficientemente para ir além deles. Graças aos estudos realizados no âmbito do projeto Rose, está claro que os estudantes consideram o tema interessante, e que pode ser usado para estimulá-los a tomar gosto pela física e pelas ciências exatas, participando mais ativamente das aulas.

Esperamos que se torne cada vez mais comum tratar temas de fronteira da física em sala de aula, nas escolas, em seminários, ou mesmo na mídia como um todo, em benefício do ensino de ciências exatas e do estímulo à curiosidade e à criatividade nos jovens.

Agradecimentos

Agradeço aos integrantes do projeto Rose com quem tive contato, em especial à professora Catherine Tellefsen, que, durante a minha estadia de um ano na Universidade de Oslo, apresentou um seminário sobre as novidades no ensino de astrofísica para o ensino médio norueguês, apresentando os resultados do projeto Rose e mostrando alguns dos interessantes vídeos e animações referidos na introdução. Agradeço também ao professor Nelio Bizzo e à doutora Ana Maria S. Gouw, por gentilmente apresentarem de maneira resumida os resultados do projeto Rose Brasil. Agradeço à Capes pelo apoio financeiro referente ao meu doutoramento e à estadia de um ano na Noruega, que deu origem a este trabalho.

Recebido em 26/3/14

Aceito em 7/4/14

Publicado em 7/8/2014

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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2014
    • Data do Fascículo
      Set 2014

    Histórico

    • Recebido
      26 Mar 2014
    • Aceito
      07 Abr 2014
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