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Uma introdução à Física de Partículas para o Ensino Médio: uma tradução adaptada do texto de Bettelli, Bianchi-Streit e Giacomelli

An Introduction to Particle Physics at the high school level: an adapted translation of the text proposed by Bettelli, Bianchi-Streit, and Giacomelli

Resumo

Em 1992, Bettelli, Bianchi-Streit e Giacomelli disponibilizaram um importante texto sobre a Física de Partículas para um contexto educacional de escola básica, o Ensino Médio. Assim, neste artigo, é apresentada uma tradução comentada e adaptada desse texto, em que serão apresentados conceitos básicos para ensino e aprendizagem de Física de Partículas. Há também uma relevância histórica, porque apresenta a descoberta de algumas partículas e os princípios físicos envolvidos. As evidências das partículas novas e outras já conhecidas são fundamentadas na análise de fotografias de câmaras de bolhas, nas quais ficam registrados os eventos da física de altas energias. Nessas análises, foram utilizados conceitos e equações de Física Básica, Relatividade Restrita e Física Quântica, em especial os princípios de conservação. Desta forma, os professores e estudantes do Ensino Médio Brasileiro terão à disposição um interessante texto, com informações de fatos experimentais, para iniciar ou ampliar seu conhecimento sobre a Física Nuclear e de Partículas.

Palavras-chave:
Partículas elementares; aceleradores de partículas; dualidade onda-partícula; Física Nuclear

Abstract

This article presents an adapted and commented translation of a text by Bettelli, Bianchi-Streit, and Giacomelli, published in 1992, which provided an important text on Particle Physics for a high school educational context. This text presents the basic concepts for teaching and learning in particle physics. There is a historical relevance too because it presents a discovery of some particles and the physical principles involved. The discovery of new particles were based on the analysis of bubble chamber photographs, in which were recorded the events of high energy physics. These analyses were used concepts and equations of Basic Physics, Special Relativity and Quantum Physics, especially the conservation principles. Thus, teachers and students of Brazilian high school have available an interesting text, with information experimental facts, to start or broaden their knowledge about Nuclear Physics and Particles.

Keywords:
Elementary particles; Accelerators; Wave–particle duality; Nuclear Physics

1. Considerações iniciais

O objetivo deste artigo é disponibilizar, especialmente, a professores e estudantes do Ensino Médio um texto a respeito de conceitos e fórmulas que embasam o estudo das partículas elementares na sua origem histórica, e também proporcionar aos interessados por uma introdução à Física Nuclear, juntamente com a aplicação de conceitos de Física Básica, de Física Quântica e da Relatividade Restrita. Neste contexto, este texto é uma tradução adaptada da publicação de Bettelli, Bianchi-Streit e Giacomelli, de 1992 [1][1] L. Bettelli, M. Bianchi-Streit e G. Giacomelli Particle physics with bubble chamber photographs (1992), disponível em https://lss.fnal.gov/archive/other/print-93-0553.pdf.
https://lss.fnal.gov/archive/other/print...
, cujo título original, numa tradução livre, é Física de partículas com fotografias das câmaras de bolhas.

A importância do tema está no fato de que as fotografias feitas nas câmaras de bolhas foram usadas para realizar medições detalhadas e, assim, permitir muitas descobertas na Física de Partículas. Elas também fornecem uma importante “janela” para conhecer as propriedades das partículas elementares, registrando, com grandes detalhes, as trajetórias das partículas carregadas, seus decaimentos e interações. A clareza das fotografias das câmaras de bolhas ajudou os físicos de partículas a se familiarizarem muito com as “assinaturas” de muitos tipos diferentes de partículas, incluindo elétrons, prótons, píons, káons e antimatérias [2[2] S. Braibant, G. Giacomelli e M. Spurio, Particles and Fundamental Interactions An Introduction to Particle Physics (Springer, New York, 2012), 2 ed.,3[3] P. Watkins, The School of Physics & Astronomy: Seeing particles, disponível em http://epweb2.ph.bham.ac.uk/user/watkins/seeweb/Intro.htm.
http://epweb2.ph.bham.ac.uk/user/watkins...
].

A seguir, nas seções 2 a 13, é apresentada a tradução adaptada e comentada. Para tornar a leitura clara e objetiva, foi adotada a seguinte padronização na escrita, conforme a tipografia: em itálico está apresentada a tradução do texto original; em fontes normais, os comentários e algumas atualizações do tema propostos pelos autores, e, em notas de rodapé, indicadas pelas letras N.T. (Nota dos Tradutores), estão apresentadas informações complementares. As notas de rodapé marcadas com asterisco (*) são do artigo original, e, desta forma, também estão na tipografia em itálico. Outro padrão que será usado é na escrita de unidades, pois de acordo com o Sistema Internacional de Unidades [4[4] BIPM, The International System of Units (SI) (Bureau International des Poids et Mesures, Sèvres, 2019)., p. 130 e 162], os símbolos das unidades são escritos usando o tipo romano vertical, independentemente do tipo utilizado no texto.

É importante ressaltar que as notas de rodapé têm o principal objetivo de fornecer informações e complementações para uma melhor compreensão do texto, já que se refere a um assunto que raramente é estudado nos cursos de graduação e formação continuada.

2. Introdução

A existência de várias partículas elementares pode ser demonstrada facilmente a partir da análise das fotografias em câmaras de bolhas. Cada fotografia contém muita informação, e apenas algumas imagens são necessárias para estabelecer as principais propriedades de algumas partículas elementares.

A matéria comum é composta de prótons (p), nêutrons (n) e elétrons (e), aos quais está associada a radiação eletromagnética, também conhecida como fóton ou radiação gama (γ). A análise das fotografias de câmaras de bolhas revela a existência de outras partículas elementares que não estão presentes na matéria comum. Estas partículas podem ser criadas ou produzidas em uma colisão entre duas partículas em alta energia, como exemplo, um próton com elevada velocidade lançado contra outro próton em repouso. Nessas colisões, parte da energia cinética é transformada em matéria e em formas de massa das novas partículas criadas. Esta possibilidade de criar novas partículas torna a física de partículas completamente diferente da física atômica e nuclear, apesar de fótons também serem criados em transições atômicas e nucleares.

A análise de fotografias de uma câmara de bolhas pode ser feita em um nível qualitativo, com o objetivo de estabelecer a existência de novas partículas elementares e para determinar algumas de suas propriedades básicas. Uma avaliação quantitativa, por sua vez, requer medidas e o uso de fórmulas relativísticas (Eq. (1) (5)). No presente texto, a informação será principalmente de tipo qualitativa, embora alguns exemplos possam ser utilizados quantitativamente.

Alguns conceitos sobre aceleradores de partículas, câmaras de bolhas e fórmulas relativísticas usadas para análise quantitativa das imagens da câmara de bolhas serão brevemente apresentados. Assim, nas seções 3 e 4 estão descritos, respectivamente, aceleradores de partículas e câmaras de bolhas, e destinam-se àqueles que não têm conhecimento do campo; na seção 5, são apresentadas algumas fórmulas básicas e conceitos que são bastante técnicos. Essa leitura pode ser omitida se a informação já for conhecida ou ser familiar ao leitor, mas, caso contrário, será de extrema importância para a compreensão do restante do texto. A partir da seção 6, são descritas as análises das fotografias das câmaras de bolhas.

3. Aceleradores de partículas

Aceleradores de partículas são usados para acelerar partículas, como prótons ou elétrons, por meio de campos eletromagnéticos. Como um exemplo, os tubos de televisores1 1 N.T.: Atualmente, a grande maioria dos televisores utilizam as tecnologias LED, plasma, entre outras, mas, os primeiros televisores, de raios catódicos, usavam um feixe de elétrons que, controlados por campos eletromagnéticos, atingiam uma tela onde se formava a imagem. Um texto interessante sobre o assunto pode ser encontrado na Ref. [5, p. 394-396]. Há na internet, bons vídeos expondo como funcionam os televisores antigos e, também, os atuais. Como exemplo, temos os links: https://www.youtube.com/watch?v=YNf_b9KxowY, ou https://www.youtube.com/watch?v=jHKi6Dk9izo. Este último mostra também o funcionamento dos outros modelos de televisores. antigos formam basicamente um acelerador de elétrons de baixa energia.

Um acelerador de prótons é feito de uma fonte de prótons, um campo de aceleração e um campo de orientação, para manter os prótons em uma trajetória pré-determinada. Com o objetivo de reduzir ao mínimo as colisões com o material circundante e, assim, resultar em perdas de energia, a aceleração das partículas ocorre em ambientes com alto vácuo.

A Figura 1 mostra um esquema de aceleração de partículas, para atingirem altas energias, o qual é composto de vários aceleradores em cascata, cada um deles aumentando a energia em uma ordem de grandeza. O Super Síncrotron de Prótons (SPS2 2 N.T.: Do inglês SPS - Super Proton Synchrotron. Mais informações em: https://home.cern/science/accelerators/super-proton-synchrotron. ) do Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN3 3 N.T.: A sigla CERN é oriunda do Francês, Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire, e muitas vezes referido, em inglês, como European Laboratory for Particle Physics. ) consiste nos seguintes aceleradores:

Figura 1
A cadeia de aceleradores do Super Síncrotron de Prótons, do CERN, consiste em um acelerador eletrostático (1 MeV) e um acelerador linear (50 MeV) – linacs –, um Síncrotron de Prótons tipo “booster” (28 GeV) e, finalmente, o Super Síncrotron de Prótons, no qual as partículas são aceleradas até a energia máxima prevista de 400 GeV. (Este complexo de aceleradores é, agora, também usado para produzir elétrons e pósitrons, os quais são injetados no acelerador LEP, que tem uma circunferência de 27 km e acelera partículas até a energia nominal de 50 GeV por feixe de colisão). No fim do ciclo de aceleração, os prótons são extraídos e formam um feixe externo5 5 N.T.: Esse feixe externo é usado para gerar colisões com outras partículas. .
  • um acelerador eletrostático, que acelera os prótons até 1 MeV de energia;

  • um acelerador linear, no qual os prótons descrevem uma trajetória linear e são acelerados até a energia de 50 MeV;

  • um Síncrotron de Prótons tipo “booster”4 4 N.T.: “Booster” é um aparato experimental cuja função é “impulsionar” ou “ intensificar a aceleração”, a fim de que as partículas tenham um rápido ganho de energia, para, na sequência, serem injetadas num sistema maior. no qual os prótons, movendo-se em uma trajetória circular de raio fixo, são acelerados por campos elétricos de radiofrequência (RF) e guiados por campos magnéticos até atingirem a energia de 800 MeV;

  • um Síncrotron de Prótons de 28 GeV (PS, na Figura 1);

  • um Super Síncrotron de Prótons de 400 GeV (SPS, na Figura 1).

Um Síncrotron de Prótons acelera prótons por meio de campos elétricos de radiofrequência, em cavidades ressonantes situadas ao longo da circunferência, na qual os prótons seguem porque estão imersos em um campo magnético que aumenta durante o ciclo de aceleração. O campo magnético é produzido por uma série de dipolos magnéticos colocados ao longo da circunferência. Apenas os prótons em fase com a radiofrequência de aceleração são acelerados.

Os prótons que circulam nos aceleradores são agrupados em “pacotes” com uma pequena seção transversal (de alguns milímetros) e poucos centímetros de comprimento. Pode-se falar em “pacotes” ou “grupos” (no formato de “linguiça”) de prótons que se movem no interior da câmara de vácuo do Síncrotron.

No final do ciclo de aceleração (que dura alguns segundos), os prótons acelerados são extraídos do acelerador, formando um feixe de prótons extraídos, e enviados contra um alvo, geralmente um cilindro de berílio. Na colisão de um próton com um núcleo atômico do alvo de berílio, diversas partículas novas podem ser produzidas. As partículas carregadas, produzidas e emitidas em um certo ângulo podem ser transformadas em um feixe, como ilustrado na Figura 2, usando quadrupolos e dipolos magnéticos. O alvo de berílio atua como uma “fonte” de partículas, os quadrupolos magnéticos atuam como “lentes magnéticas”, e os dipolos magnéticos têm a mesma função do “prisma” na Óptica, que, nesse caso, é separar em cores, e, no caso deste estudo, selecionam a carga e o momento das partículas. Uma série de colimadores pode definir um ângulo sólido aceitável (ou pré-determinado) e a monocromaticidade do feixe de partículas. Tem-se portanto, um feixe monocromático e monoenergético de partículas carregadas, o qual contém partículas de diferentes massas, como, por exemplo, elétrons, mésons negativos e antiprótons. Pode-se também obter um feixe monoenergético com somente um tipo de partículas, realizando uma separação do feixe pelas suas massas. Isso requer um separador eletrostático, um instrumento que produz um campo elétrico juntamente com um magnético.

Figura 2
Layout típico de um feixe secundário. Os símbolos são similares aos de lentes ópticas e prismas. O primeiro estágio é feito por um sistema de lentes magnéticas quadripolar ajustadas de modo a ter como fonte o alvo do berílio, onde as partículas secundárias são produzidas. As lentes magnéticas produzem um feixe paralelo. O feixe é separado em diferentes momentos lineares, por um dipolo magnético que atua como um prisma no sistema ótico (um prisma separa as cores, um dipolo magnético em momento linear ou momentum. Um segundo sistema magnético de lentes dá uma imagem pontual. Um colimador C1 define o ângulo sólido aceitável; C2 permite que apenas as partículas na banda do momento escolhidas possam continuar; C3 define a banda de momento linear aceita. Nesta figura, também é indicado um segundo estágio análogo ao primeiro, que é com lentes, prismas e colimadores.

O feixe ideal de partículas para ser usado em conjunto com uma câmara de bolhas, para fins de ensino, é um feixe de baixa intensidade (com cerca de 10 partículas por ciclo), bem definido em momento linear e em massa, e com energiaB cinética de cerca de 1 GeV.

4. A Câmara de Bolhas

Uma câmara de bolhas6 6 N.T.: É oportuno e importante estabelecer a diferença entre uma câmara de bolhas e uma de nuvens (ou de neblina). A primeira a ser criada foi a câmara de nuvens, também conhecida por câmara de nuvens Wilson, desenvolvida em 1911 pelo físico escocês Charles Thomson Rees Wilson, em Cambridge, UK, que, em 1927, foi agraciado com o Prêmio Nobel [8], “por seu método de tornar visíveis os caminhos das partículas eletricamente carregadas pela condensação do vapor.” Uma câmara de nuvens é uma caixa hermética transparente que contém um vapor supersaturado, de água ou álcool [9]. Quando partículas carregadas passam nesse meio, elas ionizam as moléculas do vapor. Os íons resultantes atuam como centros de condensação, em torno dos quais uma trilha de pequenas gotas se forma como neblina ou nuvem, se a mistura de vapor estiver no ponto de condensação. Desta forma, os rastros das partículas tornam-se visíveis, como trilhas de gotículas, que podem ser fotografadas. Essas trilhas têm formas características. Como exemplo, tem-se: uma trilha de partículas alfa é espessa e reta, enquanto uma trilha de elétrons é fina e mostra mais evidências de desvios por colisões. Foi assim que, durante a primeira metade do século 20, experimentos que analisaram raios cósmicos, passando através das câmaras de nuvens, revelaram a existência de várias partículas fundamentais, incluindo o pósitron, o múon e as primeiras partículas estranhas [10]. Como curiosidade, consta na biografia de Wilson [8], que, no final do verão de 1894, quando ele estava no cume de Ben Nevis, a mais alta das montanhas escocesas, ficou impressionado com a beleza de coronas e dos anéis coloridos em torno das sombras lançadas na névoa e nas nuvens, e decidiu, no início de 1895, imitar esses fenômenos naturais em laboratório. Desta forma, surgiu a concepção das câmaras de nuvens. E, no início de 1911, ele foi o primeiro a ver e fotografar os rastros de partículas alfa e beta, e elétrons. Os últimos foram descritos por ele como “pequenos fragmentos de nuvens”. Por outro lado, uma câmara de bolhas é exatamente o oposto de uma câmara de nuvens. No lugar de um vapor supersaturado, que pode condensar em um líquido, uma câmara de bolhas usa um gás liquefeito, a uma pressão baixa o suficiente que o leva ao limiar do ponto de “ferver”, possibilitando que, sob uma mínima perturbação retorne ao estado gasoso. Assim, quando uma partícula passa por esse líquido, ela faz com que ele ferva localmente, deixando um rastro de bolhas ao longo de seu caminho. Na sequência do texto, esse método será melhor explicado. Em ambas as câmaras, as partículas neutras não são detectadas diretamente, mas, a presença delas pode ser observada quando de um ponto surgem, pelo menos, dois rastros, indicando que houve algum processo nuclear envolvendo uma partícula neutra, que é o caso na formação de pares (Figura 12). Para auxiliar na identificação das partículas, tanto na câmara de nuvens quanto na de bolhas, são associados campos magnéticos externos, com o objetivo de obter trajetórias curvas, cujos raios de curvatura dependem da massa, da energia e da carga elétrica das partículas, fornecendo, dessa forma, condições que possibilitem identificar o tipo de partícula. (Figura 3) é um detector de partículas carregadas rápidas7 7 N.T.: As partículas carregadas rápidas são as que possuem velocidade relativística, ou seja, próximas da velocidade da luz. , que permite visualizar suas trajetórias ou rastros deixados no líquido da câmara. Uma câmara de bolhas contém um líquido, que, durante a passagem das partículas carregadas, está em um estado metaestável* * Um exemplo de tal condição é água em uma temperatura de 110 graus centígrados e em uma atmosfera de pressão. A água deveria ferver, mas, por uma pequena fração de segundo, ela não ferve (água, no entanto, não é adequada como um líquido de câmara de bolhas) 8 . O líquido inicia a fervura onde existem as impurezas, nas bordas do recipiente, e igualmente em torno dos íons deixados ao longo do trajeto de uma partícula eletricamente carregada em alta velocidade.

Figura 3
(Colorida online) O corpo da câmara do Big European Bubble Chamber (BEBC). Foto tirada durante uma manutenção da câmara de bolhas, em dezembro de 1980.

Quando uma partícula carregada rápida atravessa a câmara de bolhas, ocorre a ionização dos átomos do líquido, removendo um ou mais elétrons desses átomos. Em cada uma dessas interações, a partícula rápida perde uma pequena fração de sua energia e não é necessariamente desviada de sua trajetória. Portanto, ao longo do trajeto da partícula rápida, tem-se um número de elétrons livres e íons positivos. A ebulição inicia em torno dos íons, e pequenas bolhas de vapor são formadas, as quais aumentam gradativamente de tamanho, no decorrer do tempo, e uma fotografia é tirada no momento em que essas bolhas têm dimensões de cerca de meio milímetro.

A fim de parar a ebulição, a pressão da câmara de bolhas é aumentada. Para um novo ciclo de fotografias, a pressão precisa ser reduzida e, assim, a câmara estará novamente pronta. Os intervalos de tempo entre os ciclos têm de ser sincronizados tal que a redução da pressão preceda somente por poucos milisegundos à chegada das outras partículas rápidas.

Uma câmara da bolha é geralmente cercada por um grande ímã, o qual produz um intenso campo magnético em seu interior. Assim, as partículas rápidas carregadas que atravessam a câmara são desviadas por uma quantidade que depende de seu momento linear (p). A análise dos rastros (ou trajetórias) produz informações sobre o momento e a velocidade das partículas.

Há câmaras de bolhas com hidrogênio, deutério ou líquidos mais pesados. A com hidrogênio permite o estudo de colisões com prótons livres. A densidade do hidrogênio líquido é baixa (0,06 gcm−3); a probabilidade da interação é consequentemente baixa, e se observa com ótima definição as trilhas (ou trajetórias), mas raramente as interações de raios gama. Em câmaras de bolhas com líquidos pesados, por sua vez, muitas das partículas incidentes interagem, e muitas interações de raios gama podem ser observadas.

A Figura 4 ilustra a sequência de eventos, em função do tempo, para uma câmara de bolhas de hidrogênio. Até o tempo zero, antes de iniciar cada evento, a câmara de bolhas está em condições normais. No tempo t=0, um pistão é expandido e, assim, a pressão é reduzida de 5 para 2 atm. A esta pressão, a câmara é sensível. Em t=40 ms, um feixe de partículas é enviado para a câmara; as partículas atravessam a câmara em poucos nanosegundos (1 ns=109 s), ionizando o meio, e as bolhas começam a se formar e crescer. Em t=50ms, quando as dimensões da bolha são ligeiramente inferiores a 1 mm, um flash é disparado, e as fotografias são tomadas simultaneamente com 4 câmeras situadas em posições diferentes, para permitir, mais tarde, uma reconstrução estereoscópica de uma interação. Em t=80ms, o líquido é comprimido para 5 atm, e a câmara torna-se pronta para um novo ciclo.

Figura 4
Ciclo de pressão em uma câmara de bolhas exposta a um feixe de partículas num acelerador. A câmara torna-se sensível depois de reduzir a pressão. Cerca de 10 ms após a redução da pressão, o feixe de partículas é enviado para a câmara. O flash é ativado cerca de 10 ms mais tarde, e o ciclo é finalizado aproximadamente 20 ms após, quando a pressão na câmara de bolhas é aumentada.

A câmara de bolhas foi criada no início dos anos 509 9 N.T.: A câmara de bolhas foi inventada pelo físico e neurobiologista norte-americano Donald Arthur Glaser [11], em 1952, e por esse trabalho recebeu o Prêmio Nobel de 1960 [12]. O próprio Glaser apresenta a sua câmara de bolhas e como ela funciona, em um vídeo no Youtube: https://www.youtube.com/watch?time_continue=500&v=wkFTIdfBKIE&feature=emb_logo. , tendo os melhores resultados no campo de física de partículas nos anos 60 e 70, com o estudo de partículas estranhas (strange), suas ressonâncias e, finalmente, as interações de neutrinos. Os primeiros experimentos foram realizados com pequenas câmaras de bolhas; posteriormente, foram utilizadas as de dimensões intermediárias, como Gargamelle, no CERN (Figura 5), e, em seguida, foram criadas as com grandes dimensões, como a grande câmara de bolhas Europeia (BEBC, Figura 3), também no CERN, cheio de toneladas de hidrogênio líquido, ou deutério ou uma mistura de hidrogênio e neon.

Figura 5
(Colorida online) Visão geral da câmara de bolhas Gargamelle, preenchida com líquido pesado (com freon ou propano). Em 1973, o grupo Gargamelle anunciou a descoberta da corrente neutra em interações de neutrinos. Isso apoiou a existência de partículas Z0 (sem carga), descobertas mais tarde no CERN.

5. As leis de conservação e algumas fórmulas usuais

Antes de se discutir algumas fotografias das câmaras de bolhas, é apropriado enfatizar o fato de que as fórmulas não relativísticas são totalmente inadequadas e não podem ser aplicadas a esses processos por causa das altas energias envolvidas. Portanto, é importante relembrar alguns conceitos de mecânica relativística, de leis de conservação, fórmulas, unidades e ordens de grandezas.

5.1. As fórmulas da mecânica relativística

Para uma partícula em movimento são definidas as seguintes grandezas:

(1) momento linear p = m 0 v γ
(2) energia cinética T = ( γ 1 ) m 0 c 2
(3) energia conectada à massa E 0 = m 0 c 2
(4) energia total E = T + E 0 = γ m 0 c 2
(5) = p 2 c 2 + m 0 2 c 4

em que m0 é a massa de repouso da partícula, v é sua velocidade, γ=1/1β2,β=v/c e c é a velocidade da luz no vácuo10 10 N.T.: A Teoria da Relatividade, proposta por Albert Einstein [13, p. 47], em 1905, introduz um novo paradigma para o espaço e o tempo. O espaço se contrai, quando a partícula se move próximo da velocidade da luz, no vácuo, e é expressa por L=L01−v2c2, em que L0 é o comprimento medido em repouso com o objeto, e L é o seu comprimento, contraído, quando sua velocidade v é próxima da velocidade da luz no vácuo (c). Com relação ao tempo, tem-se Δt=Δt01−v2c2, em que Δt0 é o intervalo de tempo medido em repouso, e Δt é o tempo, dilatado, devido essa relatividade do movimento, com velocidade v próxima a da luz no vácuo. No artigo [13, p. 87], Einstein apresenta suas considerações que levam à famosa equação E=Mc2. .

5.2. As leis de conservação

Em cada reação entre duas partículas, devem ser conservadas as seguintes quantidades:

  • i)

    o momento linear;

  • ii)

    a energia total (também a energia cinética em uma colisão elástica);

  • iii)

    o momento angular;

  • iv)

    a carga elétrica;

  • v)

    o número bariônico11 11 N.T.: O número bariônico, ou simplesmente número de bárions, é um número quântico aditivo cuja soma se conserva nas interações nucleares e de partículas. É definido como (6) B = 1 3 ( N q − N q ¯ ) , em que Nq é o número de quarks (q), e Nq¯ é o número de antiquarks (q¯). Os bárions, que são formados por três quarks, têm número bariônico +1; os mésons, que são constituídos de um quark e um antiquark, têm número bariônico nulo (0), e os antibárions (com três antiquarks) têm número bariônico −1. O quark é uma partícula elementar e um dos dois elementos básicos que constituem a matéria, o outro é o lépton, cujo principal representante é o elétron. Os quarks se combinam para formar partículas compostas chamadas de hádrons, entre as quais se tem os prótons e os nêutrons. ;

  • vi)

    os três números leptônicos12 12 N.T.: O número leptônico é um número quântico, aditivo, e que sua soma se conserva em uma reação de partículas elementares, e representa a diferença entre o número de léptons e o número de antiléptons. Matematicamente, tem-se: (7)L=(Nℓ−Nℓ¯), em que Nℓ é o número de léptons (ℓ), e Nℓ¯ é o número de antiléptons. O elétron e o pósitron são léptons. .

Também devem ser conservadas, nas reações, devidas às interações fortes ou eletromagnéticas, os números quânticos estranheza (strangeness) e charme (charm).

5.3. A força de Lorentz

Uma partícula com carga q e momento p, movendo-se em um campo magnético B perpendicular à velocidade v, está sujeita à força de Lorentz13 13 N.T.: Esta expressão F=qvB é resultado do módulo de F→=qv→×B→, com o ângulo entre v→ e B→ igual a 90°. F=qvB; a partícula descreve um arco de circunferência de raio R, tal que:

(8) p = q R B .

Esta relação permite a determinação da quantidade p/q, por meio da medida do raio de curvatura R, se o campo B for conhecido.14 14 N.T.: É interessante verificar a origem da equação (8). Do ponto de vista da referência de laboratório, tem-se, no movimento circular da partícula, uma igualdade entre a força magnética (força de Lorentz) e a força centrípeta. Isto é: (8)Fc=F⟹mv2R=qvB⟹mv≡p=qRB.

5.4. Unidades

Algumas das unidades usadas na Física de Partículas de altas energias estão lembradas a seguir.

Energia – A energia de um sistema submicroscópico é geralmente expresso em elétron volt (1 eV é a energia adquirida por um elétron em um campo elétrico com diferença de potencial de 1 V). 1 Joule corresponde a:

(9) 1 J = 1 1 , 6 × 10 19 eV = 6 , 2 × 10 18 eV = 6 , 2 × 10 15 keV = 6 , 2 × 10 12 MeV = 6 , 2 × 10 9 GeV .

Massa – A massa é uma propriedade intrínseca da matéria e é uma medida de sua quantidade. Por causa da lei de Einstein (E=m0c2), pode ser expressa em unidades de energia. O próton tem

m p = 1 , 67 × 10 27 ( 3 × 10 8 ) 2 1 , 6 × l 0 13 = 938 , 3 MeV c 2 938 , 3 MeV .

Para outras massas15 15 N.T.: Os valores das massas das partículas são periodicamente atualizadas e podem ser encontrados nas Ref. [14 -16]. :

n ( nêutron ) 939 , 6 MeV π + , π ( píons + e ) 139 , 6 MeV π 0 ( píon 0 ) 135 , 0 MeV e + e ( pósitron e elétron ) 0 , 511 MeV γ ( radiação gama ) 0 MeV

Momento linear – O momento linear p é definido na mecânica clássica por p=mv, em que m é a massa da partícula, e v sua velocidade.

Em mecânica relativística, este valor é multiplicado por γ=11β2, que depende da velocidade da partícula16 16 N.T.: Neste caso, o momento será p=γmv=mv1−β2, com β=v/c. .

A fórmula que relaciona energia, momento e massa de uma partícula pode ser escrita em unidades de energia da seguinte forma17 17 N.T.: Conforme consta no texto da Ref. [2, p. 61 e 62], no último termo da Eq. 5', foi considerado c=1. Esta é uma outra forma de expressar unidades, conhecidas como unidades naturais, as quais consideram a unidade (1) para expressar algumas constantes universais da Física. Como exemplo, se tem a carga elementar e, que é a unidade natural de carga elétrica, e a velocidade da luz c é uma unidade natural de velocidade [17]. Maxwell, no seu famoso livro Treatise on Electricity and Magnetism, escolheu para a velocidade da luz c=1, porque conduzia à unificação das cargas eletrostáticas e sistemas eletromagnéticos [18, p. 288]. Assim, quando se tem v=12, significa v=12c. :

(5') E = p 2 c 2 + m 0 2 c 4 p 2 + m 0 2

A fórmula (8) também pode ser escrita como:

(10) p ( GeV/c ) = 0 , 30 R ( m ) B ( T )

Assim, o momento linear expresso em GeV/c é igual ao produto da constante18 18 N.T.: A constante 0,30 é obtida da seguinte forma. Por uma análise de unidades referidas na Eq. (10), tem-se que (11)p=qRB, cujas unidades são J m/s= C⋅ m⋅ J A m2= C⋅ m⋅ T. Como se deseja a unidade do momento em GeV/c, então é necessário converter o Joule em GeV, e ainda deve-se substituir a unidade m/s por c, que é a velocidade da luz no vácuo. Logo, multiplica-se a expressão por 6,2×109 GeV (da Eq. (9)) e por 2,99792458×108, que é o valor da velocidade da luz. E, também foi considerado a carga elementar, ou seja, q=1,602171×10−19 C. Os últimos valores foram extraídos das Ref. [15] e [16]. Assim, tem-se (12) J m/s→ 6,24×109⋅2,99792458×108⋅1,602171×10−19 → GeV c, J m/s→ 0,2977976≈0,30→ GeV c. (0,30) multiplicado pelo raio de curvatura em metros vezes o campo magnético em tesla.

5.5. Ordens de grandeza

Em reações químicas, as energias envolvidas são de poucos eV por átomo; em reações nucleares, são da ordem de poucos MeV por núcleo; em física de partículas, as energias são de ordens de grandeza mais elevadas. De fato, é necessário usar partículas como projéteis (contra prótons estacionários), tais que seus comprimentos de onda associados (conhecidos como comprimento de onda de De Broglie)19 19 N.T.: Em 1924, o físico experimental Maurice de Broglie propôs a existência de ondas de matéria. Já era conhecida a dualidade onda-partícula para a luz (onda eletromagnética), de forma que o fóton se comportava como onda, se fosse realizado um experimento de interferência ou difração, e como uma partícula, quando o experimento é de efeito fotoelétrico ou de espalhamento Compton. A hipótese de De Broglie é que essa dualidade também aplicava a matéria. A natureza ondulatória da matéria é proposta pela relação de De Broglie, p=h/λ→λ=h/p, em que h é a constante de Planck, e p é o momento linear da partícula, não relativística e monoenergética. Dessa forma, é associada uma onda de matéria, com comprimento de onda λ, ao movimento de uma partícula material com momento p, e com energia E=hν=hc/λ, em que as duas equações, para p e E, se aplicam para ambas, matéria e onda. A validação da hipótese de De Broglie é feita, em 1927, pelo aparato experimental proposto por Davisson e Germer, que observaram uma figura de difração de um feixe de elétrons incidindo em um cristal de níquel. sejam menores do que o tamanho do próton:

(13) λ = h p < 1 fm

que, expresso em unidades de energia, fornece

(14) p = h λ = 4 , 1 × 10 21 MeV s × 3 × 10 10 cm/s 10 13 cm = 1 , 2 GeV/c

Deve-se notar que a unidade adequada de distância para as partículas elementares e de núcleos atômicos é o fermi, em que 1 fermi=1fm=1015m (f = femto = 1015).

5.6. Considerações práticas

Da Eq. (10): uma partícula em um campo magnético B de 2 T, com momento linear 1 GeV/c, descreve um arco de circunferência com raio (R) igual a 1,67 m. Se a trajetória é medida para uma extensão (AB) de 50 cm (Figura 6)20 20 N.T.: A fórmula R=L28s+s2≈L28s, é obtida da seguinte forma. Considerando a flecha s, ter-se-á: R=s+H e portanto, dois triângulos de lados R (hipotenusa), AB/2=L/2 (base) e H (altura); então, utilizando a relação do triângulo retângulo, pode-se escrever: R2=(R−s)2+(L2)2→2Rs=s2+L24R=s2+L22⋅4s→R=L28s+s2, e considerando s/2 um valor muito pequeno em relação a R, este pode ser desprezado, e logo se obtém, R≈L28s, que pode fornecer s: R=L28s→s=L28R=AB28R, e, R da fórmula (10') depende de q, v e B. , o plano de inflexão (flecha) correspondente s é descrito por:

Figura 6
Medida do raio de curvatura de uma trajetória de partículas carregadas imersas em um campo magnético. A trajetória (linha contínua) é medida entre os pontos A e B. Pode-se medir a distância L = AB e a flecha s. O raio de curvatura R é dado por: R=L28s+s2L28s.
s A B 2 8 R 50 2 8 × 167 = 2 cm ,

que é facilmente mensurável. Mas, para uma partícula de 10GeV/c, possui uma flecha de apenas 2mm, o que torna o processo de medição mais difícil. É claro que, para fins didáticos de ensino, é melhor considerar as partículas com momentos da ordem de 1 GeV/c ou menos. É também claro que se deve usar trajetórias que estão em planos perpendiculares ao eixo óptico de uma câmera fotográfica e que a direção do eixo óptico seja a mesma do campo magnético.

É, também, importante lembrar que as fotografias não estão em tamanho real e, portanto, um fator de escala ou de ampliação g deve ser incluído na fórmula (10):

(10') p = 0 , 30 R B g .

Uma simples medida do raio de curvatura pode ser feita com o uso de “moldes”, que são arcos da circunferência impressos em uma folha transparente plástica. Estes arcos são sobrepostos um após outro, na trajetória a ser medida, e deve-se utilizar o arco que melhor se encaixa na trajetória. Uma estimativa do raio também pode ser feita através da medição da flecha (s), conforme ilustrado na Figura 6.

5.7. A perda de energia

Uma partícula carregada que atravessa o líquido da câmara de bolhas perde energia continuamente pelas interações com os átomos do meio, os quais ficam ionizados. As perdas de energia em função do momento dos múons, píons, káons e prótons no hidrogênio líquido são mostradas na Figura 7. Para valores baixos de momentos, as perdas são grandes e têm uma dependência do tipo 1/v2; as perdas para v=c tendem a um valor constante de aproximadamente 0,27MeV/cm no hidrogênio líquido. Além disso as perdas são proporcionais ao quadrado das cargas das partículas carregadas; todas as partículas elementares têm carga +1 ou −1 vezes a carga de prótons.

Figura 7
(Colorida online) Perda de energia por ionização de várias partículas em hidrogênio líquido, em função do momento da partícula.

Uma partícula rápida, com v=c, produz, em uma câmara da bolhas, um pouco menos do que 10 bolhas por centímetro. O número de bolhas aumenta para partículas de velocidades inferiores e atinge o máximo quando a partícula está perto de parar na câmara. Um elétron com um pouco mais de um MeV sempre estará a uma velocidade próxima da velocidade da luz e perde uma energia relativamente pequena por ionização, bem como irradia mais por fótons (pelo processo Bremsstrahlung21 21 N.T.: O processo Bremsstrahlung é freamento/aceleração de partículas carregadas com emissão de radiação. ). Um elétron rápido produz, assim, uma trilha com pouco menos de 10 bolhas por centímetro e entra em uma trajetória espiral por causa da grande perda de energia por radiação.

O número de bolhas por centímetro de trajetória é inversamente proporcional ao quadrado da velocidade da partícula. Este número só pode ser medido com pouca precisão, mesmo assim, pode ser útil para produzir informações sobre a massa das partículas.

Agora, tem-se as informações necessárias para analisar algumas fotografias de câmara de bolhas, começando com as situações simples.

6. Uma espiral de elétrons

A Figura 8 mostra uma trajetória espiral com poucas bolhas por centímetro, que é uma característica de um elétron rápido, em uma câmara de bolhas de hidrogênio (o elétron entra no canto inferior esquerdo, direcionado para a direita). Não há outra partícula que pode descrever tal espiral, com esse raio de curvatura pequeno e também com esse baixo número de bolhas, o qual, por unidade de comprimento, diz que a velocidade da partícula é essencialmente próxima à da velocidade da luz; o raio de curvatura pequeno, lembrando que Rp/q, fornece a informação de que o momento linear é pequeno. Desde que m=p/v (não relativístico), conclui-se que a massa da partícula deve ser muito pequena.

Figura 8
Uma espiral de elétron numa câmara de bolhas de hidrogênio; a fotografia tem um fator de ampliação g=0,67 com relação ao tamanho real. O elétron inicia sua trajetória pela esquerda. A câmara de bolhas está sujeita a um campo magnético B=1,2 Tesla, perpendicular ao plano do desenho. O elétron é forçado a mover-se em uma trajetória circular pela força centrípeta de Lorentz; o raio de curvatura R da trajetória está conectado com o momento linear do elétron. Nesta imagem, tem-se que p=54R, com p em MeV/c e R em cm. O elétron perde energia pela ionização do meio e pela radiação de retardamento (Bremsstrahlung) e, por este motivo, espirala. (do projeto Harward, Partículas Elementares).

A Figura 9 mostra, por comparação, os rastros computados para um próton com momento linear de 470 MeV/c e um elétron com 330 MeV/c, em uma câmara da bolhas de hidrogênio, na qual foi aplicado um campo magnético de 2 Tesla. Nota-se que o próton deixa muitas bolhas por cm, e que o número de bolhas aumenta rapidamente com diminuição da velocidade até o instante que o próton atinge o repouso. O elétron produz uma trajetória espiral característica, com número constante das bolhas por cm, mas com seu raio continuamente diminuindo. Isto ocorre devido à perda de energia quase contínua por radiação.

Figura 9
Rastros deixados em uma câmara de bolhas de hidrogênio, imersa em um campo magnético de 2Tesla, por um próton de 470MeV/c (trajetória escura na parte inferior) e por um elétron de 330MeV/c (espiral acima). As trajetórias começam a partir da esquerda.

7. Um evento de espalhamento elástico

Na Figura 10, poucas partículas positivas com momento linear de 0,9GeV entram a partir da esquerda e são curvados para baixo, enquanto se movem para a direita.

Figura 10
Mésons K+ com momento linear de 0,9GeV/c são observados com uma câmara de bolhas de hidrogênio de 82cm, da Saclay, na qual tem um campo magnético de 2 T e foi exposto no síncrotron de prótons do CERN. A maioria dos mésons K+, chegando da esquerda, atravessam a câmara quase imperturbáveis. O evento no centro da fotografia é uma colisão elástica do K+ com um núcleo de hidrogênio, K+ + p K+ + p.

O número de bolhas por centímetro dos rastros, na Figura 10, é ligeiramente maior do a que dos elétrons (e pósitrons) e menor do que para prótons. Isso sugere que as trajetórias são devidas às partículas com massas intermediárias, entre as massas do elétron e do próton. Tais partículas foram originalmente chamadas de mésons. Na realidade, as partículas da Figura 10 são mésons K+, com massa de 494 MeV, isso porque o separador eletrostático é ajustado para buscar tal valor de massa, e seria claramente impossível determinar isso a partir da Figura 10.

A maioria dos mésons K+ atravessam a câmara sem sofrer qualquer interação visível, mesmo com contínuas perdas energéticas. Concentrando, agora, a atenção ao “evento” que ocorre no meio da imagem: um méson K+ parece ter sido desviado para a direita, com a consequente emissão de uma partícula positiva (traço “mais grosso e intenso” para baixo); este último rastro para na câmara. Compara-se este “evento” com o “evento” da Figura 11, que é devido a uma colisão elástica de uma bola de bilhar em movimento com uma outra bola de bilhar estacionária. A fotografia foi obtida usando uma câmera com um obturador aberto, mas com envio de flashes de luz em intervalos regulares de tempo (um trigésimo de segundo entre um e outro). A bola em movimento foi ligeiramente desviada, enquanto a bola originalmente em repouso recua lentamente em um grande ângulo. A semelhança entre o evento K+, na Figura 10, e o espalhamento elástico da bola de bilhar relatado na Figura 11 é impressionante e sugere que o méson K+ sofre espalhamento elástico. Mas contra o quê? Como a câmara da bolha contém hidrogênio, a colisão pode acontecer com um próton ou com um elétron. O traço de parada, referente ao “mais grosso e intenso”, com muitas bolhas, não pode ter sido produzido um elétron, e é consistente como tendo sido produzido por um próton. É difícil ver a direção da curvatura do rastro, embora seja consistente com o de uma partícula positiva.

Figura 11
Fotografia estroboscópica de uma colisão elástica entre uma bola de bilhar entrando, pela esquerda, e uma outra bola de bilhar estacionária. A imagem foi tirada com múltiplos flashes no intervalo de tempo regular de 30 milissegundos (de PSSC).

Como se pode ter certeza de que o evento é realmente um evento elástico? Isto pode ser feito verificando se a energia e o momento linear são conservados.

I) Conservação de energia:

(Energia total do K+) + (energia da massa de um próton estacionário) é igual a (Energia total do K+ emergente) + (energia total do próton emergente).

Na fórmula, (as grandezas relacionadas a K+ e p, após o espalhamento, são indicadas com um apóstrofo:')

(15) E K + + m p c 2 = E K + + E p .

II) Conservação do momento linear:

(Momento linear do K+ incidente) + (0) é igual ao (momento linear do K+ emergente) + (momento linear do próton emergente)

Na fórmula:

(16) p K + = p K + + p p .

(Deve ser lembrado que o próton está inicialmente em repouso; portanto, o seu momento linear é zero e sua energia está somente relacionada com a massa). Como o momento linear é um vetor, então, a conservação de momento é dada por 3 equações escalares. A lei de conservação, expressa em um sistema de coordenadas com o eixo-x na direção da entrada K+; o eixo-y passando pelo vértice da interação no plano do desenho e perpendicular ao eixo x; o eixo z perpendicular ao plano do desenho, fornece:

(17) eixo-x: p k = p K cos θ K + p p cos θ p
(18) eixo-y: 0 = p K sin θ K p p sin θ p
(19) eixo-z: 0 = 0

em que θ é o ângulo do K+ emergente da reação com a direção de entrada do K+. A primeira equação apresenta que o momento linear da K+ incidente é igual, após a colisão, principalmente, ao momento linear da K+ emergente e também parte para o momento do próton emergente; a segunda equação afirma que há um equilíbrio ao longo do eixo-y entre os momentos lineares do K+ e do próton, após colisão; a terceira equação permite concluir que a colisão ocorre no plano da figura.

Com o intuito de verificar se as duas leis de conservação são satisfeitas no caso do evento da Figura 10, mede-se as trajetórias (ou traços) e seus momentos lineares; então, calcula-se os componentes do momento e verifica-se se as duas leis de conservação são satisfeitas, considerando os erros experimentais, que é verificar se o lado esquerdo das equações são iguais ao lado direito. Isto foi analisado para o evento em questão, e, portanto, conclui-se que o evento é uma interação de colisão elástica.

A análise de muitas fotografias como a da Figura 10 mostra que há muitos eventos elásticos entre K+ e p, com uma deflexão apreciável do K+; e não é encontrado nenhum espalhamento elástico do K+ com um elétron com uma deflexão apreciável do K+. Pode-se, assim, concluir que a interação do K+ com o próton é mais forte do que com o elétron ou que as dimensões do próton são maiores que as do elétron.

8. Um par elétron-pósitron

A Figura 12 apresenta um evento com 2 rastros espiralando a partir de um ponto. O rastro mais a esquerda é um elétron, enquanto que o outro em forma de espiral desviada para a direita gira na direção oposta, como indicado por medições precisas, e é a assinatura de uma partícula que tem exatamente as mesmas massas e cargas do elétron, mas de sinal oposto. Este rastro é deixado por um pósitron22 22 N.T.: Observa-se, na Figura 12, que o raio do pósitron é maior que o do elétron. Uma possível hipótese é que há uma interação eletromagnética entre o próton e as partículas criadas, já que, na origem, há uma colisão do fóton com um próton. O par elétron-pósitron emerge com velocidades, em princípio, iguais e com mesmo valor de carga elétrica. Mas, como o pósitron possui carga positiva, igual ao do próton, conclui-se que há um pequeno impulso inicial no pósitron, devido à repulsão entre as cargas positivas. E, de forma oposta, o elétron tem um pequeno freamento inicial pelo próton. Esta hipótese pode ser corroborada pela Eq. (8), que fornece R=p/qB, em que p=mv. Desta forma, a velocidade levemente maior para o pósitron fornece um raio da trajetória levemente superior ao do elétron, já que a carga q é a mesma para o par elétron-pósitron, e o campo magnético é constante. , a anti-partícula do elétron, e o evento é resultante de uma interação do tipo:

Figura 12
Um par de elétron-pósitron produzido por um fóton de alta energia atingindo um próton estacionário. A trajetória, no sentido horário, à direita, é produzida por um pósitron; a espiral menor, à esquerda, no sentido anti-horário, foi produzida por um elétron. O fóton não é observado diretamente na câmara de bolhas porque ele é neutro e, portanto, não deixa rastro. O próton, na colisão, recua uma distância pequena demais para ser observada em uma câmara de bolhas. Note-se que esta imagem é como um negativo da Figura 8 (por cortesia do Brookhaven National Laboratory, EUA).
(20) fóton + próton elétron + pósitron + próton ,

em que o fóton incidente não pode ser visto diretamente em uma câmara de bolhas, e o próton de recuo, após a colisão, possui muito pouca energia e, portanto, um pequeno intervalo para ser observável.

A Figura 13 apresenta um evento com um elétron e um pósitron, mais um terceiro rastro que se parece com um elétron energético. De fato, observa-se a produção de um par de elétron-pósitron, no campo coulombiano de um elétron atômico:

Figura 13
(Colorida online) Um par elétron-pósitron produzido no campo coulombiano de um elétron, em uma câmara de bolhas de hidrogênio (por cortesia do laboratório Lawrence Berkeley, EUA).
(21) γ + e ( e + + e ) + e .

9. Uma “árvore” de elétrons e pósitrons

A Figura 14 registra as partículas resultantes da interação de um neutrino de alta energia com um nêutron de um núcleo pesado do líquido da câmara de bolhas. O neutrino, que vem da esquerda, é uma partícula eletricamente neutra e por isso não é diretamente visível na câmara de bolhas. Na primeira colisão do neutrino-nêutron, são criados seis partículas carregadas e várias outras neutras, como os mésons π0, decaindo imediatamente em fótons de alta energia. Estes irão eventualmente interagir com os núcleos pesados (neônio) do líquido da câmara de bolhas, produzindo pares elétron-pósitron.

Figura 14
Partículas produzidas após a colisão de um neutrino de alta energia e um núcleo pesado do líquido da câmara de bolhas (por cortesia do CERN, Genebra).

Elétrons e pósitrons podem, então, emitir fótons de alta energia por “bremsstrahlung”, isto é, na desaceleração de um elétron, causada por uma interação distante com um núcleo pesado, os fótons produzem, desse modo, pares elétron-pósitron. Concluindo, há uma multiplicação rápida do número de elétrons e pósitrons, e a figura adquire a estrutura característica de uma árvore, bem visível em uma câmara de bolhas de líquido com núcleos pesados (isso não acontece em uma câmara de bolhas de hidrogênio; de fato, os processos de produção de pares e “bremsstrahlung” são proporcionais ao quadrado da carga dos núcleos, e a carga do próton é pequena).

Os pares elétron-pósitron são produzidos abundantemente em todas as colisões de partículas de energia média e alta, em um meio com elevado número atômico. Pode-se perguntar se uma situação semelhante mantém a produção de outros pares de partícula-antipartícula, como próton-antipróton. A produção de pares próton-antipróton é muito menos frequente, mas aumenta com a energia, e espera-se que ela se torne maior em energias muito maiores do que a energia de repouso23 23 N.T.: Energia de repouso se refere à energia E0=m0c2, como visto anteriormente, e representa a equivalência entre massa e energia, na Teoria da Relatividade Especial, em que m0 é a massa da partícula medida em repouso, no sistema de laboratório. A massa de repouso do próton é de aproximadamente 938,272 MeV/c2[15]. do próton e do antipróton.

10. As transformações da energia-matéria

As Figuras 12 -14 apresentam exemplos de transformações de energia em matéria com a criação de novas partículas não existentes na matéria comum24 24 N.T.: O termo “matéria comum” se refere à matéria com a qual se lida no nosso dia a dia, como os objetos que cercam as pessoas e a própria composição dos seres vivos. . Outro exemplo marcante é o da Figura 15, o qual mostra muitas partículas (16 no total) que são criadas em uma única colisão. Pode-se pensar que, quando duas partículas colidem, há uma pequena região de interação onde, por um tempo muito curto, há uma grande quantidade de energia, e é ali que as novas partículas são produzidas, pela transformação da energia em matéria, de acordo com a equação de Einstein E=moc2, em que m0 é a massa total de repouso. Quanto mais energia disponível, maior é o número de partículas resultantes, cuja produção segue regras de seleção bem definidas e leis de conservação.

Figura 15
(Colorida online) Interação entre um próton de 28GeV/c e um próton da câmara de bolhas de hidrogênio. Na interação, são produzidas 16 partículas carregadas e também várias partículas neutras. (cortesia do CERN. Genebra).

A transformação da energia em partículas de matéria, numa série repetida de interações, está bem ilustrada na Figura 14. Esta imagem mostra, por um lado, que a criação de um par de elétron-pósitron por um fóton é um processo comum do meio e de interações com altas energias e, além disso, que, em colisões de alta energia, é produzido um número igual de pósitrons e elétrons. Isto é muito importante: as leis da natureza, no mundo subatômico, não expressam uma preferência para a matéria ou antimatéria, como exposto nas duas principais teorias de física do século XX: a relatividade e a mecânica quântica. E isto é comprovado em todos os casos quando a energia da colisão é muito maior do que a energia associada com a massa de repouso das partículas e das antipartículas criadas. Para um par elétron-pósitron, este “limiar” é de apenas alguns MeV25 25 N.T.: Este limiar pode ser obtido pela simplicidade da seguinte dedução. Pelo princípio de conservação de energia tem-se [21, p. 70], considerando um fóton, de frequência ν, incidindo na matéria com uma energia Efóton=hν: (22)Efóton=E++E−, em que E+=T++m0c2 e E−=T−+m0c2 são, respectivamente, as energias totais do elétron e do pósitron, após a colisão do fóton com uma partícula, e criação do par de partículas, com T representando a energia cinética de cada partícula, e m0 são as massas de repouso, supostas iguais. Assim, quando K+=K−=0 (não possuem energia cinética), a energia mínima para criar um par elétron-pósitron será (23)Efóton=2m0c2=2×0,510998910 MeVc2c2≈1,02⁡⁡MeV. . Para prótons e antiprótons o “limiar” de energia é muito maior.

A simetria partícula-antipartícula, evidente em interações de alta energia, não existe no mundo de baixas energias, de prótons, nêutrons e elétrons, que cercam os seres vivos.

11. O decaimento de partículas

11.1. Decaimento26 26 N.T.: Decaimento é uma transformação espontânea de um nuclídeo27 radioativo em outro nuclídeo, o qual pode ser radioativo ou não. No decaimento, há emissão de partículas e/ou fótons. O mesmo termo é também aplicado às partículas elementares que espontaneamente se transformam em outras partículas, que é o caso abordado neste texto. Como exemplo, tem-se: um nêutron livre decai em um próton e um elétron, e mais um antineutrino do elétron [22]. Obs.: nuclídeo é uma espécie de átomo caracterizado pela constituição do seu núcleo, em particular pelo seu número de prótons (número atômico (Z)) e pelo seu número de nêutrons (A−Z). em uma partícula carregada

A Figura 16 apresenta uma interessante fotografia de câmara de bolhas de hidrogênio, e mostra uma partícula incidente gerando três “eventos” sucessivos: o rastro incidente é de um K+ que dá origem a um segundo rastro (π+), que, por sua vez, conduz a um terceiro rastro (μ+) e a um quarto (e+).

Figura 16
Cadeia de decaimentos K+π+μ+e+ (experimento BGRT, por cortesia do CERN, Genebra).

Fazendo a análise do primeiro “evento”, que ocorre na transformação entre o rastro K+ e o π+, sabe-se que a partícula de entrada é um méson K+. Supondo que, na primeira mudança de direção, o méson K+ tenha uma colisão com um próton: neste caso, duas partículas positivas devem sair da colisão. Na foto, há apenas uma. Poderia ser uma colisão com um próton, o qual sofre apenas um recuo muito pequeno? Este não é o caso, porque o ângulo entre o K+ e os rastros de π+ é grande, o que indicaria uma grande possibilidade de que ocorreu uma colisão mais central. Com o mesmo raciocínio, pode-se excluir a colisão com um elétron.

O que é então esse evento? Uma indicação pode ser obtida analisando a segunda trajetória e determinando a massa da partícula. A análise detalhada do momento linear e da perda de energia dos rastros leva à conclusão de que a massa da partícula (140 MeV) é de cerca de um terço da massa do K+. Pode-se supor, então, que o rastro é devido a uma partícula méson π+ (píon). Isso leva a pensar que o K+ desaparece, dando origem, ao mesmo tempo, a uma nova partícula, o méson π+ (o píon positivo). Assim, esse evento é classificado como um decaimento do tipo:

(24) K + π + + partícula neutra ( + 1 ) ( + 1 ) ( 0 ) carga elétrica

Nota-se que na reação a carga elétrica é conservada, como deve ser. No estado final, deve haver uma ou mais partículas neutras, caso contrário, não haveria a conservação simultânea de energia e momento linear. A partícula não pode decair em uma única partícula, mas deve decair em pelo menos duas28 28 N.T.: No decaimento de uma única partícula, não é possível que somente uma partícula emergente seja detectada. Uma verificação qualitativa é pela conservação do momento linear total. Na representação esquemática abaixo (figura colorida online), a linha tracejada vermelha indica a direção da partícula K+, que decai em π+. No ponto onde ocorre o decaimento, tem-se um momento linear inicial p→ T, que deve ser conservado. Como a partícula π+ sai em uma direção diferente da K+, para conservação do momento linear, é necessário que surjam, pelo menos, duas partículas, uma sendo a π+, conforme mostra a figura abaixo. .

A análise de muitos eventos, do tipo mostrada na Figura 16, comprova que o méson π+ é sempre produzido com o mesmo momento linear. E segue que méson K+ decai em duas partículas, um píon positivo (π+) e um píon neutro (π0). Na realidade, o decaimento é:

(25) K + π + + π 0 ,

em que o méson π0 é um parceiro tanto do méson π+ quanto do méson π. O π0 pode ser observado via o seu decaimento em dois fótons, π0γ+γ, e as subsequentes interações feitas por um ou ambos os fótons.

Retoma-se agora ao segundo evento da Figura 16: o rastro positivo devido a um méson π+ conduz a um outro rastro positivo. Seguindo o mesmo raciocínio usado no primeiro evento, pode-se dizer que também este é um decaimento. A partícula emergente positiva é um múon positivo, μ+, com uma massa de 110 MeV* * O múon também foi chamado de “méson múon”; este nome foi cunhado quando não se sabia que o múon não era um méson, uma vez que ele não interage via força forte; assim, o termo múon é mais apropriado. O μ+ é como um pósitron pesado. . O μ+ tem trajetória sempre do mesmo comprimento e sempre para na câmara, ao contrário das partículas neutras que nunca são observadas, nem em hidrogênio ou câmaras de bolhas líquidas pesadas, nem com outras técnicas. Conclui-se que o segundo evento é, portanto, um decaimento em um indetectável múon neutrino νμ:

(26) π + μ + + ν μ

Os múons neutrinos podem ser observados somente em experimentos de espalhamento de alta energia, usando detectores muito grandes e massivos.

Analisa-se agora o terceiro e último evento, da Figura 16, que é um decaimento do tipo:

(27) μ + e + + 2 partículas neutras .

Na situação final, aparecem agora o e+ e duas partículas neutras. De fato, a análise de muitos eventos mostrou que, no estado final, o e+ (pósitron) é emitido com um espectro de energias, e isso implica a presença associada de mais de uma partícula neutra. No entanto, como as duas partículas neutras nunca são observadas, pode-se concluir que igualmente devem ser dois neutrinos (na realidade um neutrino e um antineutrino), com base nas leis de conservação para os números de léptons. O evento é, então, um decaimento do tipo:

(28) μ + e + + ν e + ν ¯ μ

Em uma única fotografia da câmara de bolhas observa-se 4 partículas carregadas que não existem na matéria comum (K+, π+, μ+, e+), e tem-se também indícios da existência de diversas outras partículas neutras.

Agora, tenta-se compreender o que significa “decaimento de uma partícula”. Como já foi mencionado, a massa pode ser transformada em energia e vice-versa. Além disso, Enrico Fermi mostrou que, para núcleos radioativos, e também para o nêutron, que não podem conter elétrons em seu interior, consequentemente, o elétron ou o pósitron emitidos em um decaimento radioativo são criados no momento em que ocorre o decaimento [24][24] G. Orengo, Revista Brasileira de Ensino de Física 39, 3 (2017)..

Deve-se, então, pensar que, em um decaimento de uma partícula instável, como a do μ+, ela desaparece com a criação de duas ou mais partículas de menor massa. As partículas resultantes do decaimento não são as que constituíam a que decaiu. Foram “criadas” no instante do decaimento. Se, além disso, o princípio da conservação de energia é aplicado ao decaimento, tem-se

K + π + + π 0 ,

em que:

(energia da massa de repouso da K + ) = (energia da massa de repouso da π + e da π 0 ) + (energia cinética de π + e π 0 ) .

Em fórmula:

(29) m K + c 2 = ( m π + + m π 0 ) c 2 + T π + + T π 0 .

A soma das massas de repouso das partículas do estado final é menor do que a massa de repouso da partícula que decai. Isso é válido para qualquer decaimento29 29 N.T.: Um decaimento radioativo é uma reação espontânea e que se pode equacionar da seguinte forma, pelo valor-Q da reação [25]: (30)Q=Δmc2=(mi−mf)c2>0, em que mi e mf são, respectivamente, a soma das massas das partículas antes e após a reação ou decaimento. Este é um exemplo da transformação de massa em energia, isto é, o excesso de massa inicial é “convertido” em energia e, dessa forma, a soma das massas das partículas resultantes é menor [26]. .

Os tempos de vida média das partículas observáveis nas câmaras de bolhas (como para o K+ e π+) são da ordem de 10 nanossegundos (10×109s). É, portanto, óbvio, porque, na matéria comum, não há partículas instáveis como o π+: se houvesse algumas, elas imediatamente decairiam. O pósitron, embora sendo uma partícula estável, se aniquilaria com um elétron.

11.2. Decaimento em três partículas carregadas

A Figura 17 mostra um evento no qual o rastro positivo de um K+ dá origem a três rastros carregados, dois positivos e um negativo. Cada um deles dá origem a um prolongamento do decaimento, como explicado na seção anterior.

Figura 17
Um méson K+ decai em 3 mésons π (K+ π+ + π+ + π); e os mésons π, então, decaem (experimento BGRT, por cortesia do CERN, Genebra).

Aplicando novamente o princípio da conservação de carga elétrica para o evento da Figura 17, se estabelece que representa um decaimento, e não uma interação. A análise do momento linear e do número de bolhas, nos três rastros emergentes, sugere que as três partículas têm a mesma massa, assim, tem-se o decaimento

(31) K + π + + π + + π ,

em que os mésons π e π+ possuem a mesma massa.

Os sucessivos decaimentos de uma única partícula são:

(32) π + μ + + ν μ ,
(33) π μ + ν μ .

Aqui, encontra-se o múon negativo, μ, o qual possui a mesma massa que o μ+. Os últimos decaimentos são:

(34) μ + e + + 2 partículas neutras ,
(35) μ e + 2 partículas neutras .

Conclusão: após dois sucessivos tipos de decaimentos, a partícula incidente K+ desapareceu e deu origem a: (2e++1e) + (3 partículas neutras associadas aos múons) + (6 partículas neutras associadas aos decaimentos μe). No total, o méson K+ transformou-se em 3 partículas carregadas e 9 neutras.

12. Produção e decaimento de partículas estranhas

As “partículas estranhas” são as que pareciam estranhas para os físicos que as descobriram, por causa de sua abundante produção via interação forte e seu decaimento lento* * “lento” aqui significa que decai com tempo de vida médio mais longo do que 10−20 segundos. As partículas estranhas têm vidas da ordem de 10−10 segundos. Para entender o significado de tempo de vida média deve ser lembrado que, se em algum momento que se define como o tempo zero, tem-seN0partículas, seu número no tempo t é reduzido para:(36)N=N0exp⁡(−t/τ0), em queτ0é o tempo de vida médio para uma partícula em repouso. Se a partícula em decaimento se move com velocidade v, o tempo de vida médio aumenta paraτ=γτ0, comγ=1(1−v2)/c2, em acordo com as leis da Relatividade Especial. , via interação fraca. Além disso, estas partículas são produzidas aos pares. Os Físicos, então, propuseram o número quântico estranheza, que é conservado pelas interações forte e eletromagnética, e violada pelos decaimentos por força fraca30 30 N.T.: Em Física de Partículas, a interação forte é o mecanismo responsável pela força (nuclear) forte, e é uma das quatro interações fundamentais da natureza. Atualmente, é aceito que a força forte é a interação entre quarks e glúons, descrita pela cromodinâmica quântica. Em um passado recente, a interação pela força forte ocorria entre prótons e nêutrons, mas hoje sabe-se que os prótons e nêutrons não são partículas elementares. As outras três interações fundamentais são as eletromagnética, fraca e gravitacional. A interação fraca, que é o mecanismo da força (nuclear) fraca, é responsável pelo decaimento β de átomos radioativos. A teoria da força fraca foi proposta por Fermi, em 1933. .

A câmara de bolhas é um instrumento perfeito para detectar e estudar partículas estranhas, porque elas são abundantemente produzidas em colisões de alta energia e têm tempos de vida média correspondentes a rastros de vários centímetros e, também, com decaimento em partículas bem detectáveis.

12.1. Um exemplo de produção associada de partículas estranhas

Na Figura 18, um feixe de mésons π entra pela esquerda em uma câmara de bolhas de hidrogênio líquido. Além desse feixe de partículas, também podem ser observados dois pares de rastros, cada um na forma de um “V”, com sinais opostos e saindo do mesmo ponto, chamado vértice (pontos B e C). Ambos “V” parecem vir do ponto final da trilha do π (ponto A).

Figura 18
Uma produção associada de duas partículas estranhas (méson K0 e o bárion Λ0) e seus decaimentos. Em A, ocorre a produção associada. O méson K0 viaja de A até B, onde decai em duas partículas carregadas; o bárion Λ0 viaja de A a C, onde também decai (cortesia de Berkeley, EUA).

No ponto A, o rastro da partícula incidente π desaparece; isso não pode ser devido a um decaimento, porque conduziria a um número ímpar de trilhas de partículas carregadas; também não pode ser uma interação com um elétron, porque deve-se ver dois rastros negativos no estado final. E isso só pode ser possível se é uma interação com um próton, a qual pode produzir partículas neutras:

(37) π + p partículas neutras .

Então, o que acontece em cada um dos pontos B e C? Assumindo que, em cada um desses pontos, se uma partícula neutra decai em partículas positiva e negativa, conservará a carga, e se fosse uma interação de uma partícula neutra com um próton ou um elétron isso não seria possível. A análise detalhada das cargas dos produtos produz informações sobre as partículas neutras e seus decaimentos.

A explicação da série de eventos nos três vértices A, B e C, da Figura 18, é a seguinte: em A, são produzidas duas partículas estranhas neutras, o méson K0 e o bárion Λ0, conforme a reação

(38) π + p K 0 + Λ 0 .

O méson K0 viaja de A até B em uma linha reta, porque é uma partícula neutra, e o campo magnético não tem efeito sobre ela. Em B, o K0 decai em dois píons carregados:

(39) K 0 π + + π .

O bárion Λ0 também viaja em linha reta de A a C, onde decai em um próton e um π:

(40) Λ 0 p + π .

Na foto, o próton é a faixa mais espessa, traço positivo. Tudo pode ser verificado medindo a direção e a curvatura de cada trilha e aplicando o princípio de conservação da energia e do momento linear. No detalhe, observa-se que a direção do méson K0, de A para B, quando prolongada, passa entre os rastros positivo e negativo. No jargão, se diz que o vértice do “V”, devido ao méson K0, aponta para o ponto A, e é uma forma grosseira de dizer que o princípio da conservação do momento é qualitativamente verificado31 31 N.T.: Verificação qualitativa da conservação do momento linear. Na representação esquemática abaixo (figura colorida online), a linha tracejada vermelha indica a direção da partícula neutra K0, que surgiu no ponto A, com um momento linear inicial p→ T. No ponto B, para conservação do momento linear, é necessário que surjam duas partículas, com cargas de sinais opostas, e com os momentos lineares representados pelos vetores nas cores verde (à esquerda) e azul (à direita). Outra informação obtida com a representação é a direção de K0, que cruza o vértice, e está no interior do “V”. A mesma análise pode ser feita no ponto C, onde a partícula estranha Λ0 decai em próton e π−. .

Em conclusão, os 3 eventos, da Figura 18, demonstram a existência de duas novas partículas: o méson K0, com uma massa de 497 MeV, e o bárion Λ0, com uma massa de 1115 MeV. O evento também é interessante para a ilustração das leis de conservação da carga elétrica, do número bariônico e do número quântico estranheza.

Já se verificou a conservação da carga; discutir-se-á agora outras duas leis de conservação.

12.2. O número de bariônico e sua conservação

O próton e as partículas instáveis que têm um próton entre um de seus produtos de decaimento são chamados bárions. O Λ0 que decai em p + π é, portanto, um bárion. Os bárions são definidos por terem o número bariônico +1. O antipróton e as antipartículas que têm um antipróton como um de seus produtos de decaimento são antibárions e têm número bariônico −1.

É fácil verificar que o decaimento do Λ0 satisfaz a conservação do número bariônico:

(41) Λ 0 p + π N bariônico ( + 1 ) ( + 1 ) ( 0 ) Total ( + 1 ) ( + 1 )

O número bariônico é +1, antes e depois do decaimento, e é assim conservado; além disso, ele é conservado em todos os tipos de interações. O próton é o bárion com a menor massa. Com base na conservação do bárion, o próton não pode decair e deve ser completamente estável. Mas, a Teoria da Grande Unificação (Grand Unified Theories), sobre as interações, prevê uma probabilidade muito pequena do decaimento do próton, com um tempo de vida muito mais longo do que a idade do universo. O decaimento de prótons não foi observado até agora.

12.2.1. Estranheza e sua conservação

Os hádrons, que são partículas elementares sujeitas a interações fortes, podem ser classificados de acordo com o número quântico estranheza32 32 N.T.: O termo “strangeness” (S) significa estranheza, em língua inglesa. S.

O S é um número inteiro com valor de −1 para hádrons estranhos, +1 para antihadrons e 0 para hádrons ordinários. Uma maneira de pensar a estranheza é como se fosse uma espécie de carga, que é conservada por interação forte e pelas interações eletromagnéticas, mas não pelas interações fracas. A verdadeira explicação da estranheza é encontrada se for pensado em termos de quarks, os blocos de construção dos hádrons. Um hádron ordinário é feito somente de quarks up (u) e down (d); uma partícula estranha contém pelo menos um quark estranho (s) e uma antipartícula, a qual é um antiquark antiestranho (s¯). A conservação da estranheza significa, simplesmente, que um quark s pode aparecer ou desaparecer apenas quando ele é acompanhado por um antiquark s¯. Um quark s pode decair ou desaparecer, mas esse processo é devido a interações fracas, que violam a conservação da estranheza.

A produção de Λ0 e de K0 é abundante devido à interação forte. Além disso, na reação

(42) π + p K 0 + Λ 0 Estranheza ( 0 ) ( 0 ) ( + 1 ) ( 1 ) , Total ( 0 ) ( 0 )

a estranheza total é conservada, sendo 0 antes e após a interação. O fenômeno da produção associada é explicado com as exigências da conservação da estranheza na interação forte.

O méson K0 e o bárion Λ0 têm tempos de vida média relativamente longos, da ordem de 1010 segundos, típicos da interação fraca. E seus decaimentos violam a conservação da estranheza:

(43) Λ 0 p + π Estranheza ( 1 ) ( 0 ) ( 0 ) Total ( 1 ) ( 0 )

É interessante observar que o sistema K é um sistema complexo: os mésons K e K0 têm estranheza S=1 e cada um contém um quark s; os mésons K+ e K0 têm estranheza +1 e cada um contém um antiquark s¯.

12.3. Outro exemplo de produção e decaimento de partículas estranhas

Essas câmaras de bolhas são bem adequadas para o estudo de partículas estranhas, e isso é confirmado pelo exemplo mostrado na Figura 19. Os mésons K que entram pela esquerda interagem com o hidrogênio líquido na câmara de bolhas. Um méson K termina seu rastro no meio da fotografia, e um “V” parece vir desse ponto (o termo “V” serve apenas para indicar o aspecto do evento). A primeira reação é ilustrada a seguir, e, conforme mostrado, a carga elétrica, o número de bariônico e a estranheza são todos conservados:

Figura 19
Produção e decaimento de partículas estranhas. No vértice principal, I (indicado pela seta), um K interage com um próton produzindo um bárion Λ0 e um méson π0, conforme a relação K+pΛ0+π0. O Λ0 viaja até o primeiro “V” e, então, decai em um próton e um π (Λ0p+π)(de Van de Walle, Natuur en Technieck, CERN, Genebra).
(44) K + p Λ 0 + π 0 Carga elétrica ( 1 ) ( + 1 ) ( 0 ) ( 0 ) Total ( 0 ) ( 0 ) N bariônico ( 0 ) ( + 1 ) ( + 1 ) ( 0 ) Total ( + 1 ) ( + 1 ) Estranheza ( 1 ) ( 0 ) ( 1 ) ( 0 ) Total ( 1 ) ( 1 )

13. Conclusões

Concluindo, as fotografias das câmaras de bolhas podem ser utilizadas para fins pedagógicos, permitindo uma análise qualitativa de fenômenos subnucleares e uma análise quantitativa de reações que produzem novas partículas. Com este fim, pedagógico, várias fotos de eventos de câmara de bolhas foram usadas em muitas escolas secundárias da França.

As câmaras da bolha foram usadas no mundo inteiro, por todos os centros famosos da física (como Berkeley, Brookhaven, Fermilab, CERN, entre outros.). A câmara de bolhas foi inventada na década de 1950, e forneceu suas contribuições científicas principais nos anos 1960-1970, inicialmente com o estudo de partículas estranhas (stranges), depois com os das ressonâncias e, finalmente, os estudos de interações com neutrino. As câmaras cresceram em tamanho, de poucos centímetros para um metro e depois atingindo um máximo de 4 metros. Assim, como ocorre com todas as tecnologias, houve o tempo de nascimento, o período de desenvolvimento, um máximo e a queda. Mas também houve períodos de “retorno”, como, por exemplo, quando pequenas câmaras de bolhas foram feitas e otimizadas para produzir bolhas muito pequenas, de até 30 μm de diâmetro. Isto foi feito com o objetivo de estudar partículas de tempo de vida muito curto, como as partículas charmosas33 33 N.T.: em inglês: charm particles. . Um exemplo de uma interação que conduziu às partículas charmosas é mostrada na Figura 20. Outras tecnologias agora substituem as câmaras de bolha na busca de novas partículas e para o estudo de alguns fenômenos cruciais da física, conduzindo à unificação das forças que agem na natureza.

Figura 20
(Colorida online) Fotografia de câmara de bolhas em alta resolução (CERN-LEBC sem campo magnético). As partículas incidentes são mésons π de 340GeV/c. As bolhas têm 40 μm de diâmetro. Observa-se que há produção de quatro partículas, devido à interação, no ponto A; uma delas decai subsequentemente em uma nova. Existe também um outro “V” (abaixo e à direita do primeiro “V”). Ambas decaem em partículas charmosas.

No entanto, uma pergunta pode surgir: qual é o uso dos estudos e discussões a respeito de partículas que vivem por momentos extremamente curtos e que estão tão longe da nossa experiência comum? Deve-se recordar que estamos continuamente sendo bombardeados por partículas de alta energia, os chamados raios cósmicos, em que a produção de partículas é a regra: de fato, cerca de 30 múons da radiação cósmica passam por nosso corpo a cada segundo. E também pode ser lembrado que os fenômenos de partículas discutidos aqui foram dominantes no primeiro milissegundo da vida do nosso Universo.

Bibliografia (do texto original)

  • (1)

    J. Duboc, Deux sujets de travaux pratiques en terminale scientifique, Bulletin de l'Union des Physiciens, N. 577.

  • (2)

    J. Duboc, A pedagogical experiment using bubble chamber pictures, W A73 experiment at CERN using a 5 GeV/c proton beam.

14. Considerações Finais

O objetivo principal deste artigo foi disponibilizar para professores e estudantes do Ensino Médio, e, porque não, também para o Ensino Superior, um texto a respeito da história e metodologia das descobertas de partículas elementares, usando a análise de fotografias das câmaras de bolhas. Esta publicação também serve como um material auxiliar para o Ensino/Aprendizagem de Física Nuclear.

É importante observar que, a partir deste texto introdutório, é possível propor algumas atividades de Ensino/Aprendizagem que envolvam os conceitos aqui apresentados, em especial no trato dos princípios de conservação, que algumas vezes são de difícil compreensão. Em uma publicação futura, serão sugeridas tarefas, oriundas de trabalhos de uma dissertação de mestrado e de uma tese de doutorado, nas quais serão utilizadas as fotografias das câmaras de bolhas para identificar algumas partículas elementares, com toda a base física e matemática aqui exposta.

Uma vez apresentado o aspecto histórico do início das descobertas das partículas elementares, é importante ressaltar que as grandes câmaras de bolhas não são mais usadas e foram substituídas por outros aparatos experimentais. Dessa forma, é relevante um breve relato a respeito do estágio atual das pesquisas neste campo da Ciência, a Física de Partículas. Na fronteira científica do conhecimento humano, na comprovação e descoberta de novas partículas, tem-se o LHC, o grande colisor de hádrons [29[29] LHC, Large Hadron Collider, disponível em https://home.cern/science/accelerators/large-hadron-collider.
https://home.cern/science/accelerators/l...
,30[30] F.K. Nóbrega e L.F. Mackedanz, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 1 (2013).], no CERN. Na seção seguinte, será apresentado um breve panorama a respeito dessa fronteira.

O Large Hadron Collider (LHC)

O LHC começou a operar, em setembro de 2008, no complexo de aceleradores do CERN, na fronteira franco-suíça, próximo a Genebra, Suíça, e é, atualmente, o maior e mais poderoso acelerador de partículas do mundo. É um programa que envolve o esforço conjunto de pesquisadores de diferentes nacionalidades. O LHC consiste em um anel com 27 quilômetros de comprimento, no qual várias estruturas com ímãs supercondutores são responsáveis pelo aumento da energia das partículas ao longo do caminho. O desafio, como descrito no próprio site do CERN, é tal que “imãs são usados para ‘apertar’ as partículas tornando-as mais próximas, aumentando as chances de colisões. Assim, o feixe de partículas é tão estreito que a tarefa de fazê-los colidir é como disparar duas agulhas a 10 quilômetros de distância com tanta precisão que elas se encontram no meio do caminho”[29][29] LHC, Large Hadron Collider, disponível em https://home.cern/science/accelerators/large-hadron-collider.
https://home.cern/science/accelerators/l...
.

No interior do acelerador, dois feixes de partículas de alta energia viajam até atingirem a velocidade próxima a da luz, antes de colidirem, são desviados para esses eventos de colisões em um dos quatro locais ao redor do anel do acelerador, correspondendo às posições dos seguintes detectores de partículas: o ATLAS, o CMS, o ALICE e o LHCb. O ATLAS (A Toroidal LHC ApparatuS) é um dos dois detectores de uso geral no LHC. Nele se investigam desde o bóson de Higgs até dimensões e partículas que podem compor a matéria escura. O CMS (Compact Muon Solenoid ou Solenóide Compacto de Múon) tem os mesmos objetivos do ATLAS, porém, usa soluções técnicas e sistema de ímãs diferentes. O ALICE (A Large Ion Collider Experiment ou Um Experimento de Colisor de Grandes Íons) é um detector de íons pesados e foi projetado para estudar a física da matéria que interage fortemente em densidades extremas de energia, na qual há uma forma de matéria na fase chamada plasma de quarks e glúons. Os experimentos realizados no LHCb (Large Hadron Collider beauty), por sua vez, investigam as pequenas diferenças entre matéria e antimatéria, estudando um tipo de partícula chamada “quark beauty” ou “quark b” [29][29] LHC, Large Hadron Collider, disponível em https://home.cern/science/accelerators/large-hadron-collider.
https://home.cern/science/accelerators/l...
.

Entre as valiosas descobertas realizadas no LHC, está o bóson de Higgs [31][31] J.J.M. Pimenta, L.F.B. Belussi, E.R.T Natti e P.L. Natti. Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 2 (2013)., que comprova a hipótese de Englert e Higgs, uma partícula fundamental, nas experiências realizadas nos detectores ATLAS e CMS [29][29] LHC, Large Hadron Collider, disponível em https://home.cern/science/accelerators/large-hadron-collider.
https://home.cern/science/accelerators/l...
. Em 2013, o prêmio Nobel de Física foi concedido, em conjunto, para François Englert e Peter Higgs [32[32] F. Englert e R. Brout, Physical Review Letters 13, (1964).,33[33] P.W. Higgs, Physics Letters 12 (1964).], pela descoberta teórica de um mecanismo que contribui para a compreensão da origem da massa de partículas subatômicas.

A participação do Brasil no CERN, colaborando em todos os quatro experimentos relacionados anteriormente, é importante para os pesquisadores e alunos de diferentes níveis, porque trabalham em temas de ponta da Física de Partículas. Pelo menos 15 universidades e instituições brasileiras atuam em parcerias com o CERN, contando com pesquisadores de diferentes locais do país. Essa participação proporcionou a coautoria de mais de 30 cientistas brasileiros no trabalho que confirmou a existência do bóson de Higgs [34[34] L. Caires, Maior acelerador de partículas do mundo passa por um upgrade. O que vem por aí?, disponível em https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-exatas-e-da-terra/maior-acelerador-de-particulas-do-mundo-passa-por-um-upgrade-o-que-vem-por-ai/.
https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-...
,35[35] The CMS Collaboration, Nature Physics 10, 8 (2014).].

Uma questão interessante a respeito da detecção das partículas pode ser posta conforme segue. Nas câmaras de bolhas, as partículas deixavam rastros num meio, os quais eram fotografados e depois analisados com muito cuidado e rigorosos critérios físicos. E, no LHC, como são “vistas” as partículas, ou melhor, como elas são detectadas? Atualmente, um evento de colisões de partículas no LHC é visualizado por uma imagem gerada pela execução de um software, que digitaliza os sinais elétricos que as partículas disparam quando se movem pelo dispositivo detector o qual os converte em objetos gráficos. Assim, os detectores coletam pistas sobre as partículas, entre as quais estão a velocidade, massa e carga, que possibilitam sua identificação. Há detectores com diferentes funções, como é o caso dos calorímetros, os quais medem a energia que uma partícula perde à medida que viaja no detector. Ele é projetado para parar completamente ou “absorver” a maioria das partículas provenientes de uma colisão, forçando-as a depositar toda a sua energia dentro de si [29][29] LHC, Large Hadron Collider, disponível em https://home.cern/science/accelerators/large-hadron-collider.
https://home.cern/science/accelerators/l...
. Há também dispositivos de rastreamento que revelam os caminhos das partículas eletricamente carregadas, e detectores identificadores de partículas carregadas.

Os sistemas de detectores são tão sensíveis que registram informações num tempo inferior a 50 ps [29][29] LHC, Large Hadron Collider, disponível em https://home.cern/science/accelerators/large-hadron-collider.
https://home.cern/science/accelerators/l...
. Um detector é como uma grande câmera digital, subdividida em diferentes funções, que podem separar informações dos rastros e energia das partículas [36][36] Subatomic: Photographs and particle tracks, disponível em https://home.cern/news/news/experiments/subatomic-photographs-and-particle-tracks.
https://home.cern/news/news/experiments/...
. Como exemplo, os módulos de detectores de pixel do ATLAS captam 40 milhões de imagens por segundo, resultando em imagens tridimensionais com resolução de 80 MegaPixels. O CERN disponibiliza um vídeo, muito instrutivo, o qual mostra como essas imagens são produzidas, e está indicado no link da Ref. [36][36] Subatomic: Photographs and particle tracks, disponível em https://home.cern/news/news/experiments/subatomic-photographs-and-particle-tracks.
https://home.cern/news/news/experiments/...
. Um exemplo de uma imagem digitalizada a partir dos dados coletados está representada na Figura 21, na qual é apresentada a produção de um possível candidato ao bóson de Higgs.

Figura 21
Produção de um candidato a bóson de Higgs e de um bóson Z. Na imagem da esquerda, no detector ATLAS: ambos (bóson de Higgs e Z) decaem em léptons, deixando dois elétrons (verde) e quatro múons (vermelho). Na direita, no detector CMS: o bóson de Higgs decai em dois quarks charm, formando os jatos (cones laranja); e o Z decai em elétrons (verde).

É importante salientar que a comprovação das partículas detectadas não são baseadas nas imagens geradas, mas sim em uma complexa análise dos dados criados. Um exemplo pode ser verificado no artigo que anunciou um possível candidato ao bóson de Higgs [38][38] G. Aad, T. Abajyan, B. Abbott, J. Abdallah, S. Abdel Khalek, A.A. Abdelalim, O. Abdinov, R. Aben, B. Abi, M. Abolins, et al., Physics Letters B 716, 1 (2012).. No entanto, os físicos do CERN usam as exibições de eventos para visualizar geometria, desenvolver algoritmos e monitorar detectores. Além disso, as usam para divulgação da ciência do LHC ao público em geral e à mídia [10][10] C. O'Luanaigh, Seeing the invisible: Event displays in particle physics, disponível em https://home.cern/news/news/experiments/seeing-invisible-event-displays-particle-physics.
https://home.cern/news/news/experiments/...
.

O envolvimento do CERN e Colaboradores com o Ensino de Física

Outra importantíssima atividade proporcionada pelo CERN, no seu Programa Educação, é a Escola de Física, para professores de escolas secundárias portuguesas, na qual são desenvolvidas aulas sobre Física de Partículas e áreas associadas, sessões experimentais e visitas aos laboratórios do CERN [39][39] Escola de Física CERN, disponível em http://www.sbfisica.org.br/v1/escolace.
http://www.sbfisica.org.br/v1/escolace...
. No Brasil, as atividades desse programa de formação continuada de professores, na Escola de Física CERN, são organizadas pela Secretaria para Assuntos de Ensino da Sociedade Brasileira de Física. Já foram realizadas 10 edições da Escola, e esses eventos fomentam fortemente a divulgação científica entre estudantes e professores do Ensino Médio [40[40] G. Watanabe, I. Gurgel e M.G. Munhoz, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 1 (2014).,41[41] G. Watanabe, G. Watanabe, L. Costa, E. Gregores, I. Gurgel, P. Mercadante e M.G. Munhoz, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, 3 (2016).]. As experiências vivenciadas por esses docentes brasileiros [42][42] F.B. Kneubil1, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 2 (2013)., na Escola de Física CERN, são valiosas para uma formação de atualização de conteúdos na área de Física Moderna, e que envolve especialmente a Física de Partículas e a Cosmologia [43][43] N.M.D. Garcia (org), Nós, professores brasileiros de física do ensino médio, estivemos no CERN (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2015)..

No Brasil, o Centro de Pesquisa e Análise de São Paulo (SPRACE - da sigla em inglês de São Paulo Research and Analysis Center) [44][44] SPRACE, São Paulo Research and Analysis Center, disponível em https://sprace.org.br/index.php/about-us/.
https://sprace.org.br/index.php/about-us...
, em colaboração com o CERN, também contribui para o Ensino de Física e na divulgação científica de trabalhos em Física de Partículas, organizando o MasterClass [45][45] MASTERCLASS, Internacional MasterClass hands on partilce physics, disponível em https://sprace.org.br/index.php/education-outreach/masterclass/.
https://sprace.org.br/index.php/educatio...
, que é um evento internacional cujo objetivo é mostrar a estudantes e professores o fascinante universo da Física. O SPRACE funciona desde 2003, com apoio financeiro da FAPESP, e o objetivo inicial foi fornecer os meios necessários para a participação de pesquisadores de Física de Altas Energias (HEP - da sigla em inglês de High Energy Physics), do Estado de São Paulo, em experimentos de HEP. Atualmente, na área da pesquisa científica, o SPRACE está associado ao CERN, colaborando em trabalhos no CMS e também no grupo de íons pesados, e concebeu, em 2009, o Projeto GridUnesp, o primeiro “Campus Grid” da América Latina. É composto por oito centros de processamento e armazenamento de dados, distribuídos pelo Estado de São Paulo, os quais são interconectados por meio de arquitetura de rede. Atualmente, o GridUnesp fornece computação científica para 80 projetos e 450 usuários [44][44] SPRACE, São Paulo Research and Analysis Center, disponível em https://sprace.org.br/index.php/about-us/.
https://sprace.org.br/index.php/about-us...
.

Além da pesquisa científica, o SPRACE, por intermédio da área de Educação e Divulgação, organiza o MasterClass, que é um trabalho importante para o Ensino de Física, porque oportuniza aos estudantes um contato, de forma mais significativa, com os conceitos dessa área, em especial aos dos séculos XX e XXI, que muitas vezes não são contemplados nos currículos escolares do Ensino Médio. O MasterClass abrange tanto atividades para iniciantes quanto para pessoas com conhecimentos avançados. Em todos os encontros, os estudantes discutem com cientistas do CMS.

Em cada evento do MasterClass, os alunos participam de palestras a respeito do Modelo Padrão, que é uma teoria proposta para descrever as partículas fundamentais da natureza e as suas interações. Na sequência, com o apoio de professores, discentes de pós-graduação e voluntários, os alunos executam exercícios experimentais e tarefas, baseados na análise de dados reais do LHC, dentre os quais estão os eventos simulados pelo detector CMS. Entre esses eventos estão os que contém múons, os quais são de fácil detecção, e elétrons, permitindo estudar a produção de diversas partículas que neles decaem. Embora a detecção de elétrons seja mais difícil, permite estudos semelhantes aos dos múons.

Acessando a página do evento de 2019 [46][46] MASTERCLASS, Internacional MasterClass hands on partilce physics, disponível em https://sprace.org.br/index.php/education-outreach/masterclass/masterclass-2019/.
https://sprace.org.br/index.php/educatio...
, é possível visualizar as diferentes atividades. Como exemplo, um dos documentos verificados se refere a CMS WZH Measurement34 34 As letras WZH se referem aos bósons W, Z, que são partículas elementares que mediam a força fraca, e H, o bóson de Higgs. Os bósons W têm cargas elétricas positiva (W+) e negativa (W−), de valor igual ao da carga elementar, e, respectivamente, são antipartículas um do outro. Já o bóson Z é eletricamente neutro. Os bósons de Higgs (H0), também eletricamente neutros, são as partículas responsáveis pelas interações entre os férmions (partículas com spin semi-inteiro ou metade de um número ímpar). , ou, numa tradução livre, Medida de partículas WZH no detector CMS, e contém a seguinte sequência de tarefas:

  • Cada par de alunos analisa um conjunto de 100 eventos;

  • Para cada evento, faça uma distinção entre decaimento de elétrons e múons, e entre os candidatos W+ ou W (registrando como “W”, se a carga não puder ser determinada);

  • A PN (Z ou outro candidato à “partícula neutra”), o candidato Higgs, e um evento incomum ou que não pode ser caracterizado;

  • Grave no CIMA;

  • Esteja preparado para discutir no Masterclass Institute e em videoconferência; prepare boas perguntas.

Para executar essas tarefas, os alunos estudam, entre outros temas, o CIMA (CMS Instrument for MasterClass Analysis), que é um instrumento utilizado pelos estudantes para tentar identificar os candidatos às partículas pesquisadas. Eles também mostram suas análises em histogramas de massa (em MeV/c2), as quais são apresentadas em vídeoconferências, incluindo a comparação de resultados obtidos por outros estudantes ao redor do mundo, e também com os resultados oficiais do CMS. Na Figura 22, é apresentada uma das diferentes telas, na qual os estudantes realizam suas análises, aplicando conceitos a respeito de carga elétrica, massa e energia, momento linear e relações vetoriais.

Figura 22
Tela na qual os estudantes que participam do MasterClass têm acesso para análise de um candidato a W, cujo decaimento é We+ν¯e, isto é, o bóson W decai em um elétron e num anti-neutrino do elétron.

Além disso, os estudantes têm à disposição atividades de demonstração e jogos educativos, entre os quais está o SPRACE Game, um jogo desenvolvido pelo SPRACE, que ensina, de forma divertida, conceitos da Física de Altas Energias, entre eles os relacionados a quarks. No site do SPRACE, na aba Educação & Divulgação (Education & Outreach), o jogo citado e outros diversos e diferentes conteúdos, entre eles “A aventura das Partículas”, estão disponíveis, os quais, de fato, valem a pena visitar.

Para estimular a leitura e o estudo sobre Física de Partículas, sugere-se três livros em nível de Ensino Médio, entre os disponíveis em língua portuguesa, além do já citado na Ref. [43][43] N.M.D. Garcia (org), Nós, professores brasileiros de física do ensino médio, estivemos no CERN (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2015).:

  • O cerne da matéria: a aventura científica que levou a descoberta do Bóson de Higgs, de Rogério Rosenfeld, 2013 [47][47] R. Rosenfeld, O cerne da matéria: a aventura científica que levou a descoberta do Bóson de Higgs (Companhia das Letras, São Paulo, 2013)..

    Este livro, em 2014, foi o 2° lugar do Prêmio Jabuti, na categoria Ciências Exatas, Tecnologia e Informática. O autor apresenta, com uma linguagem acessível, um panorama histórico dos avanços científicos proporcionados pelo LHC, desde a origem do CERN, de forma importante, com a perspectiva de quem trabalhou no CERN, utilizando dados do LHC em seus estudos;

  • Partículas Elementares no Ensino Médio: uma abordagem a partir do LHC, de Wagner Franklin Balthazar e Alexandre Lopes de Oliveira, 2010 [48][48] W.F. Balthazar e A.L. de Oliveira, Partículas Elementares no Ensino Médio: uma abordagem a partir do LHC (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2010)..

    O livro é divido em duas partes. Na primeira, os autores apresentam uma discussão em torno do LHC, com uma abordagem em Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) associada á História e Filosofia da Ciência (HFC), e relatam uma proposta para o Ensino Médio. Na segunda parte, apresentam uma visão geral do LHC e do modelo padrão de partículas;

  • Por dentro do átomo: física de partículas para leigos, de Antônio Sérgio Teixeira Pires e Regina Pinto de Carvalho, 2014 [49][49] A.S.T. Pires e R.P. de Carvalho, Por dentro do átomo: física de partículas para leigos (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2014)..

    O livro é dedicado, como os próprios autores relatam na introdução, “a todas as pessoas curiosas sobre a essência da matéria e, em especial, aos professores de Física do Ensino Médio e a seus alunos, para que tenham informação complementar à que encontram nos seus livros escolares”.

Concluindo, cabe lembrar, a título de curiosidade, que a origem da WEB, a World Wide Web, reconhecida pelo acrônimo www, foi no CERN. O objetivo foi para que pesquisadores pudessem compartilhar conhecimentos utilizando uma linguagem de programação, a HTML (HyperText Markup Language), por meio da internet.

Agradecimentos

Este trabalho foi desenvolvido durante o doutoramento do primeiro autor, como pesquisador, no Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGECIMAT), da Universidade Franciscana (UFN), em Santa Maria/RS - www.ufn.edu.br. Os autores agradecem os apoios da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, e da UFN – pelas horas de pesquisa, os quais permitiram a elaboração deste trabalho. Agradecemos também ao Prof. Dr. Andre Koch Torres Assis (UNICAMP, SP), pela leitura crítica e valiosas sugestões, as quais foram incorporadas ao texto, e à revisora textual Ananda Faccin, pelo paciente trabalho de leitura e adequação do texto às normas linguísticas.

Referências

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  • [49] A.S.T. Pires e R.P. de Carvalho, Por dentro do átomo: física de partículas para leigos (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2014).
  • 1
    N.T.: Atualmente, a grande maioria dos televisores utilizam as tecnologias LED, plasma, entre outras, mas, os primeiros televisores, de raios catódicos, usavam um feixe de elétrons que, controlados por campos eletromagnéticos, atingiam uma tela onde se formava a imagem. Um texto interessante sobre o assunto pode ser encontrado na Ref. [5[5] U. Amaldi, Imagens da Física (Editora Scipione, São Paulo, 1995)., p. 394-396]. Há na internet, bons vídeos expondo como funcionam os televisores antigos e, também, os atuais. Como exemplo, temos os links: https://www.youtube.com/watch?v=YNf_b9KxowY, ou https://www.youtube.com/watch?v=jHKi6Dk9izo. Este último mostra também o funcionamento dos outros modelos de televisores.
  • 2
    N.T.: Do inglês SPS - Super Proton Synchrotron. Mais informações em: https://home.cern/science/accelerators/super-proton-synchrotron.
  • 3
    N.T.: A sigla CERN é oriunda do Francês, Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire, e muitas vezes referido, em inglês, como European Laboratory for Particle Physics.
  • 4
    N.T.: “Booster” é um aparato experimental cuja função é “impulsionar” ou “ intensificar a aceleração”, a fim de que as partículas tenham um rápido ganho de energia, para, na sequência, serem injetadas num sistema maior.
  • 5
    N.T.: Esse feixe externo é usado para gerar colisões com outras partículas.
  • 6
    N.T.: É oportuno e importante estabelecer a diferença entre uma câmara de bolhas e uma de nuvens (ou de neblina). A primeira a ser criada foi a câmara de nuvens, também conhecida por câmara de nuvens Wilson, desenvolvida em 1911 pelo físico escocês Charles Thomson Rees Wilson, em Cambridge, UK, que, em 1927, foi agraciado com o Prêmio Nobel [8][8] https://www.nobelprize.org/prizes/physics/1927/wilson/biographical/.
    https://www.nobelprize.org/prizes/physic...
    , “por seu método de tornar visíveis os caminhos das partículas eletricamente carregadas pela condensação do vapor.” Uma câmara de nuvens é uma caixa hermética transparente que contém um vapor supersaturado, de água ou álcool [9][9] O.H.M. Silva e C.E. Laburú, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 36, 514 (2019).. Quando partículas carregadas passam nesse meio, elas ionizam as moléculas do vapor. Os íons resultantes atuam como centros de condensação, em torno dos quais uma trilha de pequenas gotas se forma como neblina ou nuvem, se a mistura de vapor estiver no ponto de condensação. Desta forma, os rastros das partículas tornam-se visíveis, como trilhas de gotículas, que podem ser fotografadas. Essas trilhas têm formas características. Como exemplo, tem-se: uma trilha de partículas alfa é espessa e reta, enquanto uma trilha de elétrons é fina e mostra mais evidências de desvios por colisões. Foi assim que, durante a primeira metade do século 20, experimentos que analisaram raios cósmicos, passando através das câmaras de nuvens, revelaram a existência de várias partículas fundamentais, incluindo o pósitron, o múon e as primeiras partículas estranhas [10][10] C. O'Luanaigh, Seeing the invisible: Event displays in particle physics, disponível em https://home.cern/news/news/experiments/seeing-invisible-event-displays-particle-physics.
    https://home.cern/news/news/experiments/...
    . Como curiosidade, consta na biografia de Wilson [8][8] https://www.nobelprize.org/prizes/physics/1927/wilson/biographical/.
    https://www.nobelprize.org/prizes/physic...
    , que, no final do verão de 1894, quando ele estava no cume de Ben Nevis, a mais alta das montanhas escocesas, ficou impressionado com a beleza de coronas e dos anéis coloridos em torno das sombras lançadas na névoa e nas nuvens, e decidiu, no início de 1895, imitar esses fenômenos naturais em laboratório. Desta forma, surgiu a concepção das câmaras de nuvens. E, no início de 1911, ele foi o primeiro a ver e fotografar os rastros de partículas alfa e beta, e elétrons. Os últimos foram descritos por ele como “pequenos fragmentos de nuvens”.
    Por outro lado, uma câmara de bolhas é exatamente o oposto de uma câmara de nuvens. No lugar de um vapor supersaturado, que pode condensar em um líquido, uma câmara de bolhas usa um gás liquefeito, a uma pressão baixa o suficiente que o leva ao limiar do ponto de “ferver”, possibilitando que, sob uma mínima perturbação retorne ao estado gasoso. Assim, quando uma partícula passa por esse líquido, ela faz com que ele ferva localmente, deixando um rastro de bolhas ao longo de seu caminho. Na sequência do texto, esse método será melhor explicado.
    Em ambas as câmaras, as partículas neutras não são detectadas diretamente, mas, a presença delas pode ser observada quando de um ponto surgem, pelo menos, dois rastros, indicando que houve algum processo nuclear envolvendo uma partícula neutra, que é o caso na formação de pares (Figura 12).
    Para auxiliar na identificação das partículas, tanto na câmara de nuvens quanto na de bolhas, são associados campos magnéticos externos, com o objetivo de obter trajetórias curvas, cujos raios de curvatura dependem da massa, da energia e da carga elétrica das partículas, fornecendo, dessa forma, condições que possibilitem identificar o tipo de partícula.
  • 7
    N.T.: As partículas carregadas rápidas são as que possuem velocidade relativística, ou seja, próximas da velocidade da luz.
  • *
    Um exemplo de tal condição é água em uma temperatura de 110 graus centígrados e em uma atmosfera de pressão. A água deveria ferver, mas, por uma pequena fração de segundo, ela não ferve (água, no entanto, não é adequada como um líquido de câmara de bolhas) 8 8 N.T.: A água não é adequada por causa da sua alta densidade e temperatura de ebulição (100 °C), enquanto o hidrogênio e outros gases podem ser liquefeitos e manuseados à baixa temperatura e alta pressão. .
  • 8
    N.T.: A água não é adequada por causa da sua alta densidade e temperatura de ebulição (100 °C), enquanto o hidrogênio e outros gases podem ser liquefeitos e manuseados à baixa temperatura e alta pressão.
  • 9
    N.T.: A câmara de bolhas foi inventada pelo físico e neurobiologista norte-americano Donald Arthur Glaser [11][11] D.A. Glaser, Physical Review 87, 514 (1952)., em 1952, e por esse trabalho recebeu o Prêmio Nobel de 1960 [12][12] D.A. Glaser, The nobel prize in physics (1960).. O próprio Glaser apresenta a sua câmara de bolhas e como ela funciona, em um vídeo no Youtube: https://www.youtube.com/watch?time_continue=500&v=wkFTIdfBKIE&feature=emb_logo.
  • 10
    N.T.: A Teoria da Relatividade, proposta por Albert Einstein [13[13] H.A. Lorentz, A. Einstein e H. Minkowski, Textos Fundamentais da Física Moderna: O Princípio da Relatividade (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1983)., p. 47], em 1905, introduz um novo paradigma para o espaço e o tempo. O espaço se contrai, quando a partícula se move próximo da velocidade da luz, no vácuo, e é expressa por
    L=L01v2c2,
    em que L0 é o comprimento medido em repouso com o objeto, e L é o seu comprimento, contraído, quando sua velocidade v é próxima da velocidade da luz no vácuo (c). Com relação ao tempo, tem-se
    Δt=Δt01v2c2,
    em que Δt0 é o intervalo de tempo medido em repouso, e Δt é o tempo, dilatado, devido essa relatividade do movimento, com velocidade v próxima a da luz no vácuo. No artigo [13[13] H.A. Lorentz, A. Einstein e H. Minkowski, Textos Fundamentais da Física Moderna: O Princípio da Relatividade (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1983)., p. 87], Einstein apresenta suas considerações que levam à famosa equação E=Mc2.
  • 11
    N.T.: O número bariônico, ou simplesmente número de bárions, é um número quântico aditivo cuja soma se conserva nas interações nucleares e de partículas. É definido como
    (6) B = 1 3 ( N q N q ¯ ) ,
    em que Nq é o número de quarks (q), e Nq¯ é o número de antiquarks (q¯). Os bárions, que são formados por três quarks, têm número bariônico +1; os mésons, que são constituídos de um quark e um antiquark, têm número bariônico nulo (0), e os antibárions (com três antiquarks) têm número bariônico −1. O quark é uma partícula elementar e um dos dois elementos básicos que constituem a matéria, o outro é o lépton, cujo principal representante é o elétron. Os quarks se combinam para formar partículas compostas chamadas de hádrons, entre as quais se tem os prótons e os nêutrons.
  • 12
    N.T.: O número leptônico é um número quântico, aditivo, e que sua soma se conserva em uma reação de partículas elementares, e representa a diferença entre o número de léptons e o número de antiléptons. Matematicamente, tem-se:
    (7)L=(NN¯),
    em que N é o número de léptons (), e N¯ é o número de antiléptons. O elétron e o pósitron são léptons.
  • 13
    N.T.: Esta expressão F=qvB é resultado do módulo de F=qv×B, com o ângulo entre v e B igual a 90°.
  • 14
    N.T.: É interessante verificar a origem da equação (8). Do ponto de vista da referência de laboratório, tem-se, no movimento circular da partícula, uma igualdade entre a força magnética (força de Lorentz) e a força centrípeta. Isto é:
    (8)Fc=Fmv2R=qvBmvp=qRB.
  • 15
    N.T.: Os valores das massas das partículas são periodicamente atualizadas e podem ser encontrados nas Ref. [14[14] C. Patrignani, K. Agashe, G. Aielli, C. Amsler, M. Antonelli, D.M. Asner, H. Baer, Sw. Banerjee, R.M. Barnett, T. Basaglia et al., Chinese Physics C 40, 10 (2016). [15] P.J. Mohr, B.N. Taylor e D.B. Newell, Reviews of Modern Physics 80, 2 (2008).-16[16] P.J. Mohr, D.B. Newell, B.N. Taylor e E. Tiesinga, Metrologia 55, 1 (2018).].
  • 16
    N.T.: Neste caso, o momento será p=γmv=mv1β2, com β=v/c.
  • 17
    N.T.: Conforme consta no texto da Ref. [2[2] S. Braibant, G. Giacomelli e M. Spurio, Particles and Fundamental Interactions An Introduction to Particle Physics (Springer, New York, 2012), 2 ed., p. 61 e 62], no último termo da Eq. 5', foi considerado c=1. Esta é uma outra forma de expressar unidades, conhecidas como unidades naturais, as quais consideram a unidade (1) para expressar algumas constantes universais da Física. Como exemplo, se tem a carga elementar e, que é a unidade natural de carga elétrica, e a velocidade da luz c é uma unidade natural de velocidade [17][17] F. Wilczek, arXiv:0708.4361v1 (2007). Maxwell, no seu famoso livro Treatise on Electricity and Magnetism, escolheu para a velocidade da luz c=1, porque conduzia à unificação das cargas eletrostáticas e sistemas eletromagnéticos [18[18] K.A. Tomilin, Natural Systems of Units, disponível em: http://old.ihst.ru/personal/tomilin/papers/tomil.pdf.
    http://old.ihst.ru/personal/tomilin/pape...
    , p. 288]. Assim, quando se tem v=12, significa v=12c.
  • 18
    N.T.: A constante 0,30 é obtida da seguinte forma. Por uma análise de unidades referidas na Eq. (10), tem-se que
    (11)p=qRB, cujas unidades são J m/s= C m J A m2= C m T.
    Como se deseja a unidade do momento em GeV/c, então é necessário converter o Joule em GeV, e ainda deve-se substituir a unidade m/s por c, que é a velocidade da luz no vácuo. Logo, multiplica-se a expressão por 6,2×109 GeV (da Eq. (9)) e por 2,99792458×108, que é o valor da velocidade da luz. E, também foi considerado a carga elementar, ou seja, q=1,602171×1019 C. Os últimos valores foram extraídos das Ref. [15][15] P.J. Mohr, B.N. Taylor e D.B. Newell, Reviews of Modern Physics 80, 2 (2008). e [16][16] P.J. Mohr, D.B. Newell, B.N. Taylor e E. Tiesinga, Metrologia 55, 1 (2018).. Assim, tem-se
    (12) J m/s 6,24×1092,99792458×1081,602171×1019 GeV c, J m/s 0,29779760,30 GeV c.
  • 19
    N.T.: Em 1924, o físico experimental Maurice de Broglie propôs a existência de ondas de matéria. Já era conhecida a dualidade onda-partícula para a luz (onda eletromagnética), de forma que o fóton se comportava como onda, se fosse realizado um experimento de interferência ou difração, e como uma partícula, quando o experimento é de efeito fotoelétrico ou de espalhamento Compton. A hipótese de De Broglie é que essa dualidade também aplicava a matéria. A natureza ondulatória da matéria é proposta pela relação de De Broglie, p=h/λλ=h/p, em que h é a constante de Planck, e p é o momento linear da partícula, não relativística e monoenergética. Dessa forma, é associada uma onda de matéria, com comprimento de onda λ, ao movimento de uma partícula material com momento p, e com energia E=hν=hc/λ, em que as duas equações, para p e E, se aplicam para ambas, matéria e onda. A validação da hipótese de De Broglie é feita, em 1927, pelo aparato experimental proposto por Davisson e Germer, que observaram uma figura de difração de um feixe de elétrons incidindo em um cristal de níquel.
  • 20
    N.T.: A fórmula
    R=L28s+s2L28s,
    é obtida da seguinte forma. Considerando a flecha s, ter-se-á: R=s+H e portanto, dois triângulos de lados R (hipotenusa), AB/2=L/2 (base) e H (altura); então, utilizando a relação do triângulo retângulo, pode-se escrever:
    R2=(Rs)2+(L2)22Rs=s2+L24R=s2+L224sR=L28s+s2,
    e considerando s/2 um valor muito pequeno em relação a R, este pode ser desprezado, e logo se obtém,
    RL28s,
    que pode fornecer s:
    R=L28ss=L28R=AB28R,
    e, R da fórmula (10') depende de q, v e B.
  • 21
    N.T.: O processo Bremsstrahlung é freamento/aceleração de partículas carregadas com emissão de radiação.
  • 22
    N.T.: Observa-se, na Figura 12, que o raio do pósitron é maior que o do elétron. Uma possível hipótese é que há uma interação eletromagnética entre o próton e as partículas criadas, já que, na origem, há uma colisão do fóton com um próton. O par elétron-pósitron emerge com velocidades, em princípio, iguais e com mesmo valor de carga elétrica. Mas, como o pósitron possui carga positiva, igual ao do próton, conclui-se que há um pequeno impulso inicial no pósitron, devido à repulsão entre as cargas positivas. E, de forma oposta, o elétron tem um pequeno freamento inicial pelo próton. Esta hipótese pode ser corroborada pela Eq. (8), que fornece R=p/qB, em que p=mv. Desta forma, a velocidade levemente maior para o pósitron fornece um raio da trajetória levemente superior ao do elétron, já que a carga q é a mesma para o par elétron-pósitron, e o campo magnético é constante.
  • 23
    N.T.: Energia de repouso se refere à energia E0=m0c2, como visto anteriormente, e representa a equivalência entre massa e energia, na Teoria da Relatividade Especial, em que m0 é a massa da partícula medida em repouso, no sistema de laboratório. A massa de repouso do próton é de aproximadamente 938,272 MeV/c2[15][15] P.J. Mohr, B.N. Taylor e D.B. Newell, Reviews of Modern Physics 80, 2 (2008)..
  • 24
    N.T.: O termo “matéria comum” se refere à matéria com a qual se lida no nosso dia a dia, como os objetos que cercam as pessoas e a própria composição dos seres vivos.
  • 25
    N.T.: Este limiar pode ser obtido pela simplicidade da seguinte dedução. Pelo princípio de conservação de energia tem-se [21[21] R. Eisberg e R. Resnick, Física Quântica (Campus, Rio de Janeiro, 1985)., p. 70], considerando um fóton, de frequência ν, incidindo na matéria com uma energia Efóton=hν:
    (22)Efóton=E++E,
    em que E+=T++m0c2 e E=T+m0c2 são, respectivamente, as energias totais do elétron e do pósitron, após a colisão do fóton com uma partícula, e criação do par de partículas, com T representando a energia cinética de cada partícula, e m0 são as massas de repouso, supostas iguais. Assim, quando K+=K=0 (não possuem energia cinética), a energia mínima para criar um par elétron-pósitron será
    (23)Efóton=2m0c2=2×0,510998910 MeVc2c21,02MeV.
  • 26
    N.T.: Decaimento é uma transformação espontânea de um nuclídeo27 27 N.T.: Como curiosidade, o termo nuclídeo foi proposto por Truman P. Kohman, em 1947 [23], e a etimologia vem do termo em inglês, nuclide, cuja origem é a junção de nucleus (núcleo) + -ide, em que, do Grego, -ide é eidos, que significa “forma”. radioativo em outro nuclídeo, o qual pode ser radioativo ou não. No decaimento, há emissão de partículas e/ou fótons. O mesmo termo é também aplicado às partículas elementares que espontaneamente se transformam em outras partículas, que é o caso abordado neste texto. Como exemplo, tem-se: um nêutron livre decai em um próton e um elétron, e mais um antineutrino do elétron [22][22] A concise dictionary of Physics (Oxford University Press, New York, 1990).. Obs.: nuclídeo é uma espécie de átomo caracterizado pela constituição do seu núcleo, em particular pelo seu número de prótons (número atômico (Z)) e pelo seu número de nêutrons (AZ).
  • 27
    N.T.: Como curiosidade, o termo nuclídeo foi proposto por Truman P. Kohman, em 1947 [23][23] T.P. Kohman, American Journal of Physics 15, 4 (1947)., e a etimologia vem do termo em inglês, nuclide, cuja origem é a junção de nucleus (núcleo) + -ide, em que, do Grego, -ide é eidos, que significa “forma”.
  • 28
    N.T.: No decaimento de uma única partícula, não é possível que somente uma partícula emergente seja detectada. Uma verificação qualitativa é pela conservação do momento linear total. Na representação esquemática abaixo (figura colorida online), a linha tracejada vermelha indica a direção da partícula K+, que decai em π+. No ponto onde ocorre o decaimento, tem-se um momento linear inicial p T, que deve ser conservado. Como a partícula π+ sai em uma direção diferente da K+, para conservação do momento linear, é necessário que surjam, pelo menos, duas partículas, uma sendo a π+, conforme mostra a figura abaixo.

  • *
    O múon também foi chamado de “méson múon”; este nome foi cunhado quando não se sabia que o múon não era um méson, uma vez que ele não interage via força forte; assim, o termo múon é mais apropriado. O μ+ é como um pósitron pesado.
  • 29
    N.T.: Um decaimento radioativo é uma reação espontânea e que se pode equacionar da seguinte forma, pelo valor-Q da reação [25][26] [25] A. Das e T. Ferbel, Introduction to nuclear and particle physics (John Wiley & Sons, New York, 1994).:
    (30)Q=Δmc2=(mimf)c2>0,
    em que mi e mf são, respectivamente, a soma das massas das partículas antes e após a reação ou decaimento. Este é um exemplo da transformação de massa em energia, isto é, o excesso de massa inicial é “convertido” em energia e, dessa forma, a soma das massas das partículas resultantes é menor [26][26] G. Orengo e D. Schäffer, Revista Brasileira de Ensino de Física 42, 1 (2020)..
  • *
    “lento” aqui significa que decai com tempo de vida médio mais longo do que 10−20 segundos. As partículas estranhas têm vidas da ordem de 10−10 segundos. Para entender o significado de tempo de vida média deve ser lembrado que, se em algum momento que se define como o tempo zero, tem-seN0partículas, seu número no tempo t é reduzido para:
    (36)N=N0exp(t/τ0),
    em queτ0é o tempo de vida médio para uma partícula em repouso. Se a partícula em decaimento se move com velocidade v, o tempo de vida médio aumenta paraτ=γτ0, com
    γ=1(1v2)/c2,
    em acordo com as leis da Relatividade Especial.
  • 30
    N.T.: Em Física de Partículas, a interação forte é o mecanismo responsável pela força (nuclear) forte, e é uma das quatro interações fundamentais da natureza. Atualmente, é aceito que a força forte é a interação entre quarks e glúons, descrita pela cromodinâmica quântica. Em um passado recente, a interação pela força forte ocorria entre prótons e nêutrons, mas hoje sabe-se que os prótons e nêutrons não são partículas elementares. As outras três interações fundamentais são as eletromagnética, fraca e gravitacional. A interação fraca, que é o mecanismo da força (nuclear) fraca, é responsável pelo decaimento β de átomos radioativos. A teoria da força fraca foi proposta por Fermi, em 1933.
  • 31
    N.T.: Verificação qualitativa da conservação do momento linear. Na representação esquemática abaixo (figura colorida online), a linha tracejada vermelha indica a direção da partícula neutra K0, que surgiu no ponto A, com um momento linear inicial p T. No ponto B, para conservação do momento linear, é necessário que surjam duas partículas, com cargas de sinais opostas, e com os momentos lineares representados pelos vetores nas cores verde (à esquerda) e azul (à direita). Outra informação obtida com a representação é a direção de K0, que cruza o vértice, e está no interior do “V”. A mesma análise pode ser feita no ponto C, onde a partícula estranha Λ0 decai em próton e π.

  • 32
    N.T.: O termo “strangeness” (S) significa estranheza, em língua inglesa.
  • 33
    N.T.: em inglês: charm particles.
  • 34
    As letras WZH se referem aos bósons W, Z, que são partículas elementares que mediam a força fraca, e H, o bóson de Higgs. Os bósons W têm cargas elétricas positiva (W+) e negativa (W), de valor igual ao da carga elementar, e, respectivamente, são antipartículas um do outro. Já o bóson Z é eletricamente neutro. Os bósons de Higgs (H0), também eletricamente neutros, são as partículas responsáveis pelas interações entre os férmions (partículas com spin semi-inteiro ou metade de um número ímpar).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2020
  • Revisado
    20 Maio 2020
  • Aceito
    23 Maio 2020
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