Open-access ESTUDO DO DESEMPENHO DO ESCARGOT ACHATINA FULICA EM DIFERENTES TIPOS DE SOLO*

STUDY OF THE PERFORMANCE OF THE SNAIL ACHATINA FULICA IN DIFFERENT TYPES OF SOIL

RESUMO

Para avaliar a eficiência do emprego de diferentes tipos de solo e o seu efeito sobre a carcaça do escargot Achatinafulica, foi montado ensaio em delineamento inteiramente casualizado, com 4 tratamentos cada um, com 10 animais/repetições, apanhados com tamanho médio, na idade de 45 dias, por um período de 120 dias. Utilizando como padrão a Dieta Base desenvolvida por PACHECO et al. (1996), os tratamentos aplicados foram os seguintes, Tl(Latossol vermelho amarelo), T2(Latossol vermelho com alto teor de areia), T3 (Latossol vermelho amarelo com 25% de humus de minhoca) e T4 (Latossol vermelho escuro}. Após o término dos ensaios, os animais foram submetidos à purga de 7 dias e em seguida abatidos, e individualmente, pesados, mensurados e a carcaça foi fracionada etn: concha, carne, hepatopâncreas, genitália/ epifragma e líquidos (sangue e muco).

PALAVRAS CHAVE:
Escargot; Achatina fulica ; nutrição; solo; solos tropicais

ABSTRACT

To evaluate the effect of different soils and their effect on the carcass of the snail Achatina fulica, an assay was prepared with acompletely randomized design, with 4 treatments, each with 10 experimental units/repetitions. The snails were medium size, 45 days old, and the assay was 120 days long, utilizing the Basal Diet (PACHECO et al.,1996). The treatments were, Tl (Acric Ferralsols), T2 (Orthic Ferralsols with high levei of sandy), T3 (Acric Ferralsols with 25% worm humus) and T4 (Orthic Ferralsols). After the experimental procedure, the snails were fasted for 7 days and them slaughtered, weighed and measured. The carcass was divided into shell, meat; hepatopancreas, genitalia/epiphragm and fluid (blood and mucus).

KEY WORDS:
Snail; Achatina fulica ; nutrition; soil; tropical soil

INTRODUÇÃO

A região de Pirassununga, recebe a classificação climáticaAw, caracterizada pelo clima quente e úmido, com uma longa estação seca. A formação vegetal original é o ecossistema de "cerrado", denominação auferida a savana brasileira.

A área sob vegetação de "cerrado" ocupa 1,8 milhões de km2 ou seja cerca de 20% do território do Brasil, estendendo-se da região Centro Oeste até a região Norte. Predominam as seguintes unidades de solos/percentual de distribuição por área de cerrado: Latossolo Vermelho Amarelo/41%, Latossolo Vermelho-Escuro/11 %, Areias Quartzosas/20%, Lateritas Hidromórficas/20%, Litossolos/9% e menor percentagen de Podzólicos. Os Latossolos são os formadores dos grandes chapadões, em relevos suaves, mas em geral com grande problema de fertilidade, predominando em todo o território brasileiro. Destacam-se dentro desta classificação o Latossol Vermelho Amarelo com ampla distribuição e o Latossol Vermelho Escuro, solo relativamente rico em ferro, que encontra-se em cotas acima de 700m de altitude (LOPES, 1983).

As regiões de "cerrado" são aquelas que podem apresentar o maior potencial para uma helicicultura tropical extensiva, devido às suas características climáticas e sociais.

A importância do solo na criação dos escargots é evidente apesar da reduzida literatura existente, entretanto, as interações destes com os diferentes tipos de solos tropicais são desconhecidas até o momento.

FOURNIE et al. (1987) demonstraram que o escargot Helix aspersa é capaz de capturar o cálcio existente no solo, através dos pés, que estão em contato com o solo, e que este aprisionamento de cálcio não representa suporte alimentar de cálcio.

Segundo GOMOT et al.(1989), o contato com a terra é indispensável ao bom crescimento dos escargots, pois ela pode dar o suporte em cálcio e outros minerais, como o magnésio, assim como diversas substâncias presentes na matéria orgânica, formando assim um conjunto de fatores que estimulam o crescimento.

JESS & MARKS(l 989) constataram que escargots mantidos com dietas altamente energéticas, baseadas em proteína vegetal, mantidos em piso com solo, podem apresentar um crescimento superior aos animais mantidos sem solo no piso. Para diferentes combinações de dieta, a inclusão de piso com solo em algumas dietas, proporcionou ganhos de 19% a 21%, enquanto que em uma dieta comercial o ganho com o adicionamento de solo foi 5 vezes superior. Propuseram que mais de 40% das exigências nutricionais dos escargots seja encontrado no solo.

COBBINAH (1990) ressalta que o solo é um dos habitats mais importantes do escargot e que a composição, água contida e textura, são fatores importantes a considerar na seleção do local. Ressalta que solos muito arenosos, com baixa capacidade de retenção de água são impróprios e solos ácidos devem ser evitados.

JESS & MARKS (1994) constataram que escargots da espécie Helix aspersa, alimentados com dieta padrão, suplementada com proteína do leite, com piso contendo matéria orgânica aumentam a efici ncia da conversão alimentar; assim como também o farelo adicionado na dieta aumenta a fibra bruta sem diminuir a satisfação de carbonato de cálcio e escargots alimentados com esta dieta crescem melhor do que escargots alimentados com suplemento protéico.

PACHECO et al. (1996) empregando densidades de 100 e 200 animais por metro quadrado, em pisos de solo, espuma e piso duro de plástico, constataram um ganho superior de peso para as densidades de 100 animais por m2, assim como também para os tratamentos de piso com solo.

SALGHETTI (1996) descrevendo as espécies do gênero Helix, que são criadas na Itália, relaciona-as com a região/clima e tipo de solo, no qual Helix aspersa, apresenta melhor desempenho em zona quente, com influência de vento marinho, sendo seu habitat de ocorrência natural na zona costeira do Centro-Sul, Norte e região do Adriático, que são regiões com predominância de solo arenoso. Helix pomatia, difere da espécie H. aspersa, por preferir regiões de clima frio, com terrenos cálcareos, ocorrendo na Itália setentrional e na zona montanhosa dos Apeninos. Cita Helix lucorum, como espécie possuidora da capacidade de adaptação à "terrenos difíceis, mas argilosos", sendo difundida na Itália Central (39%), Norte (36%) e Sul (25%).

MATERIAL E MÉTODOS

A espécie estudada é Achatina fulica, conhecida vulgarmente por escargot gigante africano, criado no Heliciário Experimental-VNP, da Faculdade de Medicina Veterinária.e Zootecnia da USP, em Pirassununga, SP.

O número de animais por tratamento foi 10, mantidos"em caixas plásticas de 14 cm X 30 cm X 37 cm. A densidade simulada foi de, aproximadamente, 100 animais/m2, escolhidos entre os animais médios de uma mesma postura, cóm a idade de 45 dias. O período de realização do ensaio foi de maio a agosto de 1997.

A dieta empregada foi a formulação desenvolvida por PACHECO et al.(1996), para e_ngorda e crescimento, que consistiu em 47% de fubá de milho, 9% de farelo de trigo, 13% farelo de soja, 2,5% de fosfato bicálcico, 3,5% de suplemento vitaminico mineral, e 25% de carbonato de cálcio.

O delineamento foi inteiramente casualizado. Os tratamentos empregados consistiram no emprego de diferentes tipos de solo no piso das caixas de criação. O solo utilizado foi coletado no Campus de Pirassununga, no local conhecido como reserva da Pindaiba (Latossol vermelho amarelo e Latossol vermelho escuro com alto teor de areia) e nas imediações do Heliciário Experimental (Latossol vermelho escuro).

O tratamento 1 consistiu no emprego de 5 kg de solo Latossol vermelho amarelo, o tratamento T2 empregou 5kg de Latossol vermelho escuro com alto teor de areia, T3 empregou 4kg de Latossol vermelho amarelo mais 1 kg de humus de minhoca e T4 empregou 5kg de Latossol vermelho escuro.

De cada tipo de solo foi retirada uma amostra, antes da oferta aos animais e outra após o encerramento do ensaio, para verificar possíveis alterações que os escargots provocassem. As amostras, logo após a coleta, foram encaminhadas ao Laboratório de Análise de Solos do LSO/ESALQ/USP, para serem submetidas a análise química e granulométrica.

As avaliações foram mensais, nas 3 primeiras, inicial, 30 e 60 dias foram feitas soinente as pesagens individuais, nas demais foram adicionadas as mensurações de largura e comprimento da concha em milímetro. Para tanto foram empregados, balança eletrônica de precisão e paquímetro eletrônico digital.

A avaliação do consumo, consistiu na pré-pesagem da ração ofertada. Após dois dias eram retiradas as sobras e submetidas à estufa com 40 ºC por um período de 24 horas, visando retirar a umidade contida na ração em decorrência do contato do escargots com a mesma.

Após a última avaliação de desempenho ponderai, os animais foram submetidos a um processo de purga, segundo PACHECO & MARTINS (1997). Em seguida foram abatidos, através da imersão em água fria e posterior aquecimento lento. Foram retirados da água após um período de 25 minutos de fervura, individualmente pesados e fracionadas as carcaças em concha, corpo (cabeça e pé), hepatopâncreas, genitália/epifragma e líquido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados das análises das características granulométricas e químicas dos solos empregados, antes da colocação nas caixas e após o encerramento dos ensaios são apresentados na Tabela 1. A maioria dos elementos teve seu valor percentual aumentado, devido possivelmente à excreção, como o pH, P, K, Ca, Mg e areia total. Entretanto o H+Al e a argila sofreram redução, sendo que no tratamento 2 , o nível de matéria orgânica sofreu redução (Tabela 2).

Quanto ao desempenho ponderai, os resultados obtidos mostraram-se significativos estatisticamente (Tukey: P<0,05), para média de peso vivo final, largura média e comprimento médio final da concha que são apresentados na Tabela 3, destacando-se T2. A evolução do ganho de peso acumulado é apresentada no Figura 1, onde pode ser verificado que a diferenciação entre os tratamentos se acentua a partir dos 60 dias.

Tabela 1
Características físicas e químicas dos diferentes tipos de solos antes de serem ofertados aos escargots e após o encerramento do ensaio (sendo que na amostra T4, 90% dos animais morreram na primeira semana).
Tabela 2
Valores de elementos depositados em diferentes tipos solo por Achatina fulica.

As taxas de conversão alimentar por período mostraram flutuações, entretanto os valores finais demonstraram que a menor taxa de conversão alimentar coube ao Tl e a maior taxa coube ao T3 (Fig. 2).

Na avaliação da carcaça (Tabela 2), não ocorreram diferenças significativas entre os tratamentos quanto ao peso das conchas, genitália-epifragma e hepatopâncreas, mas os tratamentos influenciaram significativamente o peso de carne. Destacando-se a média superior encontrada para Tl.

Apesar -do ganho de peso vivo, em T2 ter sido superior aos demais tratamentos, esta superioridade não é constatada para quantidade de carne, na avaliação de carcaça, na qual a maior média de peso é o Tl.

Tabela 3
Resposta do Achatina fulica a 4 tipos de solo no piso dos boxes.

As taxas de conversão alimentar foram fortemente influenciadas pelo tipo de solo, uma vez que a maior taxa de conversão ocorreu em T3, que apresentou menor ganho de peso vivo final, isto possivelmente se deveu à menor ingestão de dieta e à maior ingestão de solo, que continha o mais alto teor de matéria orgânica, assim como também foi o tratamento que apresentou os mais elevados índices de elementos no solo na análise final. Enquanto T2, que apresentou o maior ganho de peso vivo e a segunda, maior conversão alimentar, foi o que apresentou a menor deposição de elementos no solo. O Tl se destacou como o tratamento em que houve uma deposição média de P e um maior consumo de H+Al e Argila.

Os resultados obtidos confirmam as afirmações de GOMOT et al. (1989), JESS & MARKS (1989), COBBINAH (1990) e PACHECO et al. (1996) acerca da importância do solo no desempenho ponderai do escargot, assim como também evidenciam a íntima relação destes moluscos com o solo, que possivelmente é um dos agentes potenciais na .delimitação das ocorrências das espécies, através da interação com outros agentes ambientais.

Os resultados evidenciam a importância do emprego da avaliação da carcaça no estudo de dietas para escargot em estudos zootécnicos, que tenham como objetivo a obtenção de produtos como a carne ou outros derivados de origem animal.

Tabela 4
Composição, da carcaça do escargot Achatina fulica após abate, quando submetido a quatro fontes adicionais de cálcio.

Fig. 1
Ganho de peso acumulado do escargot Achatina fulica, em diferentes tipos de solo do cerrado brasileiro.

Fig. 2
Índice de conversão alimentar por período e índice alimentar acumulado final, para diferentes tipos de solo.

Fig. 3
Peso (g) das diferentes frações da carcaça do escargot Achatina fulica, mantido em 3 tipos de solo.

  • *
    Apoio da FAPESP

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • COBBINAH, J. R. Snail farming in West Africa. Wageningen, Netherlands: Sayce Publishing. 1993.
  • FOURNIE J.; NEOUPORT, C.; BIZET, C.; CHETAIL, M. Importance de la capture du calcium au niveau de la sole pédiuse ches Helix aspersa. In: CONGRÉS DE LA SOCIETÉ FRANÇAISE DE MALACOLOGIE ET SYMPOSIUM INTERNATIONAL SUR LA BIOLOGIE APPLIQUÉE Á LA CONCHYCULTURE ET À L' HÉLICICULTURE, 7., France. Anais. Rennes: 1987. v.l, p.31.
  • GOMOT, A.; GOMOT, L.; BRUCKERT, S. Influence of soil on the growth of the snail Helix aspersa, an experimental study of the absorption route for the stimulating factors. J. Molluscan Stud., v.55, p.1-7, 1989.
  • JESS, S. & MARKS, R. J. The interaction of diet and substrate on the growth of Helix aspersa (Muller) var. máxima. Slugs and snails', in world agriculture, Guildford, U.K., v.41, p.311-317, 1989.
  • LOPES, A.S. Solos sob cerrado - caracteristicas, propriedades e manejo. Piracicaba: IPF/IIP, 1983.
  • MARKS, R.J. & JESS, S. Effects of dietary protein source and content on growth of Helix aspersa var. maxima snails. Snail Farm. Res. Cherasco, v.5, p.64-74, 1994.
  • PACHECO, P. & MARTINS, M.F. Criação e processamento do escargot. Pirassununga: Fac. de Med. Vet. e Zootec. Univ. São Paulo, 1997.
  • PACHECO, P.; MARTINS, M.F.; SPERS, A.; SALGADO, A.B.; JARDINI, F.H.M.; SENDER, L.; MARQUES, M.S. Efeito da densidade e do piso no desenvolvimento do escargot gigante Achatina sp. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE MEDICINA VETERINÁRIA, 24., 1996, Goiânia, GO. Anais. p.183.
  • SALGHETTI, A. L'elicicoltura in Itália: analisi strutturale ed econômica. Parma, Itália: Parma Econômica, 1996. p.68-108.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2025
  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 1998

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 1998
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