RESUMO
Fêmeas de Cotesia flavipes (Cam.) que copularam com um e dois machos foram colocadas, individual..: mente, em placas de Petri na presença de lagartas de 5º ínstar de Diatraea saccharalis (F.). O número de posturas realizadas, bem como o número de parasitóides emergidos e larvas inviáveis foram registrados. A razão sexual da prole também foi verificada. Foi observado que as fêmeas são basicamente monogâmicas e que preferem ovipositar apenas uma vez na lagarta hospedeira. O número de ovos depositados, a razão sexual da prole e o número de larvas inviáveis produzido pelas vespas que copularam com um e dois machos foi semelhante, mesmo quando elas fizeram posturas em número variável. Estes resultados sugerem que uma segunda cópula não influencia o valor adaptativo da prole deste parasitóide.
PALAVRAS-CHAVE:
Insetos parasitóides; Braconidae; múltiplas cópulas; broca da cana-de-açúcar; viabilidade
ABSTRACT
Cotesia flavipes (Cam.) females that have mated with one and two males were individually set aside with fifth instar Diatraea saccharalis (F.) larvae. Number of layings as well as nonviable the number of emerged parasitoids, and larvae were registered. The sex ratio was also analyzed. It was observed that parasitoid females are mostly monogamic and prefer to lay a batch of eggs once. The number of laid eggs, the offspring sex ratio and the number of nonviable larvae produced by parasitoids that mated with one and two males were similar, even when variable number of layings occurred. Results suggest that a second mating does not influence parasitoid fitness.
KEY WORDS:
Insect parasitoids; Braconidae; multiple mating; sugar-cane borer; viability
INTRODUÇÃO
Muitos trabalhos têm sido realizados no intuito de aperfeiçoar as técnicas de criação da broca da canade-açúcar, Diatraea saccharalis (F.) e de seu parasitóide Cotesiaflavipes (Cam.) (ARAÚJO, 1987; WIEDENMANN et. al., 1992) e liberação do parasitóide no campo (ARAÚJO et al., 1984). No entanto, existem aspectos sobre a biologia destes in-setos que ainda necessitam de estudos a fim de obter criações massais mais eficientes e conseqüente controle da praga.
GIFFORD & MANN (1967) observaram que as fêmeas de C. flavipes podiam copular até oito vezes, em tubos de ensaio (2,54 cm de diâmetro). Contudo, CUEVA et al. (1980) registraram até 17 cópulas para os machos e de 4 a 5 para as fêmeas. ARAKAKI & GANAHA (1986) relataram somente uma cópula para as fêmeas de C. flavipes que tiveram liberdade para voar do lugar de onde emergiram e várias para os machos. Observaram também que, sob certas condições experimentais, os machos de C. flavipes podem copular com diversas fêmeas, mas estas os rejeitam após terem copulado uma vez.
Fêmeas de Nasonia vitripennis Walker não são receptivas após a primeira cópula, mas podem copular mais de uma vez sob determinadas condições (VAN DEN ASSEM & VISSER, 1976). VAN DEN ASSEM & FEUTH-DE-BRUIJN (1977) testaram a possibilidade de uma segunda cópula nesta espécie, usando machos de linhagens diferentes para identificar o pai de uma determinada fêmea da prole. As fêmeas que ovipositaram logo após a cópula produziram uma grande proporção de ovos não fertilizados. Quando a postura foi iniciada 24 horas depois da cópula, a maioria dos ovos encontrava-se fertilizada. Estes autores concluíram que o processo de fecundação parece inativar temporariamente a fertilização, porém o mecanismo de obstrução envolvido não pôde ser determinado. Este mecanismo aumenta a posição de desvantagem do primeiro macho, no caso da fecundação múltipla. Um número considerável de ovos não fertilizados é depositado antes que o mecanismo de fecundação esteja funcionando novamente e, a partir daí, os ovos são fertilizados pelos espermatozóides dos dois machos.
Como a múltipla cópula pode dar origem a uma múltipla inseminação, isto pode ocasionar uma competição entre os espermatozóides dos machos, já que os óvulos precisam ser compartilhados com a segunda fecundação e as seguintes. Em N. vitripennis, VAN DEN ASSEM & FEUTH-DE BRUIJN (1977) verificaram que a proporção de ovos fertilizados (determinados pela proporção de fêmeas na prole correspondente) foi claramente afetada por uma segunda cópula.
Este trabalho teve como objetivo avaliar o efeito de múltiplas cópulas de fêmeas de C. flavipes sobre o número de posturas no hospedeiro D. saccharalis, bem como o tamanho da prole e a razão sexual dos parasitóides emergentes.
MATERIAL E MÉTODOS
O material biológico e a dieta artificial utilizados neste experimento foram fornecidos pelo Laboratório de Criação Massal da Usina São João de Araras, SP.
Pupas de C. flavipes foram individualizadas e colocadas em frascos de vidro de 10 mL fechados com tampa plástica provida de um orifício para propiciar a entrada de ar. Esta técnica de isolamento de pupas foi utilizada para obter machos e fêmeas virgens.
Assim que os indivíduos emergiam, era feita a separação dos sexos através do dimorfismo das antenas (WILKINSON, 1928). Vinte e quatro horas após a emergência, cada macho virgem era colocado junto com uma fêmea, também virgem. Após o término do ato sexual, o macho era descartado. Trinta minutos depois da primeira cópula, outro macho virgem era oferecido à fêmea, já fecundada, para verificar se ocorria uma segunda cópula. O comportamento das fêmeas e dos machos também foi observado.
Vinte e quatro horas após a última cópula, uma lagarta da broca da cana de açúcar, de 5º ínstar, era oferecida a cada fêmea do parasitóide, que era observada por 60 minutos, sendo registrado, então, o nú- mero de posturas realizadas no hospedeiro. Depois da(s) postura(s), cada lagarta hospedeira parasitada era transferida para uma placa de Petri, de plástico, contendo dieta artificial. Em cada placa, eram anotados os dados referentes à fêmea que havia parasitado a lagarta, ou seja, se ela havia sido fecundada por um ou dois machos.
Vinte e quatro horas após a eclosão das larvas do parasitóide, as lagartas eram dissecadas em solução fisiológica para insetos, sob estereomicroscópio, para que o número de larvas remanescentes na cavidade abdominal da lagarta pudesse ser registrado.
As massas de pupas de parasitóides obtidas eram então transferidas para vidros de 10 mL, vedados com tampa de plástico provida de organza e pulverizada com um pouco de mel diluído em água (1:1).
O número total de ovos depositados por uma fêmea foi calculado com base no número de insetos recém-emergidos, somado às pupas inviáveis e às larvas encontradas na cavidade abdominal da lagarta hospedeira (larvas inviáveis).
A razão sexual foi calculada pela seguinte fórmula:
O teste de Kruskal-Wallis foi utilizado para comparar as médias de número de ovos, razão sexual e larvas inviáveis, dentro do grupo (vespas que copularam com 1 macho e vespas que copularam com dois machos). Uma análise do tipo "Two Way ANOVA" foi usada para comparar o número de posturas de fêmeas que copularam com um e dois machos, bem como o número total de ovos depositados, a razão sexual e o número de larvas inviáveis dos dois grupos experimentais. Os dados referentes ao número total de ovos e larvas inviáveis foram transformados em logaritmo neperiano e os dados de razão sexual em arco-seno (SOKAL & ROHLF, 1981).
RESULTADOS
Uma fêmea virgem de C. flavipes aceita copular com o primeiro macho que encontra, nos primeiros dez minutos em que são colocados juntos. Nesta pesquisa, o registro de uma segunda cópula foi extremamente difícil e a obtenção das 30 fêmeas que copularam com dois machos só foi possível depois da tentativa com 187 casais. A fêmea, já inseminada, geralmente esquivava-se do segundo macho e, mesmo após duas horas de observações ininterruptas, muitas vezes a cópula não era observada.
Foram realizadas tentativas para a obtenção de uma terceira cópula (30 repetições), oferecendo um terceiro macho a cada fêmea, porém, em nenhum caso ele foi aceito pela fêmea.
O número de fêmeas fecundadas por um macho e que realizaram uma só postura foi maior do que o número de fêmeas que realizaram duas ou mais posturas, não ocorrendo o mesmo com as fêmeas que copularam com dois machos (Tabela 1).
Na análise estatística só foram utilizados os dados referentes às fêmeas que realizaram uma, duas e três posturas. Só foram incluídos na análise "Two Way ANOVA" os dados de mais de 10 ovos depositados por lagarta hospedeira.
O valor obtido no teste de Kruskal-Wallis revelou que não há diferença significativa no que se refere ao número de ovos depositados, razão sexual da prole e número de larvas inviáveis produzido pelas vespas que copularam com um macho e realizaram de 1 a 3 posturas (H = 2,325; P < 0,05) (Tabela 2). Resultado semelhante foi obtido para as fêmeas que copularam com 2 machos (H=l,386; P < 0,05). Nota-se que o desvio padrão é bastante alto para o número de ovos depositados, número de fêmeas e machos e de larvas inviáveis. Esta particularidade é bastante comum nesta espécie.
Na aplicação da ANOVA também não foram obtidos valores significativos para os resultados entre os grupos: P = 0,924, a= 0,05, G.L = 56, para os dados relativos ao número de posturas, cópulas e total de ovos depositados; P = 0,456, a = 0,05, G.L = 58, para os dados relativos ao número de posturas, cópulas e razão sexual e P = 0,823, a = 0,05, GL = 58 para os dados relativos ao número de posturas, cópulas e larvas inviáveis. Estes resultados indicam que as fêmeas de C. flavipes são basicamente monogâmicas, pois uma segunda cópula não influenciou o valor adaptativo (fitness) da prole quanto à viabilidade, razão sexual e número de ovos depositados.
Não houve diferença na proporção de fêmeas e de machos quando as fêmeas copularam com 1 ou 2 machos (z = -0,194, P < 0,05).
Número de posturas realizadas por fêmeas de Cotesia flavipes (Cam.) que copularam com I e 2 machos.
Número médio de ovos depositados, razão sexual e média de larvas remanescentes na cavidade abdominal de lagartas de Diatraea saccharalis (F.) de 5° ínstar, parasitadas por fêmeas de Cotesiaflavipes (Cam.), fecundadas por 1 e 2 machos, de acordo com o número de posturas que realizaram.
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Os resultados obtidos com relação ao número de cópulas por fêmea diferem dos de GIFFORD & MANN (1967), que registraram até 8 cópulas, e também dos de CUEVA et al. (1980), que registraram de 4 a 5 cópulas para uma mesma fêmea. ARAKAKI & GANAHA (1986) atribuíram esta multicópula ao fato de que as fêmeas não podiam escapar do assédio dos machos por causa da pequena área em que estavam confinadas. Estes autores nunca observaram múltiplas cópulas por parte das fêmeas, no campo, tendoas considerado basicamente monogâmicas.
FLANDERS (1946), trabalhando com Macrocentrus ancylivorus Rohw., notou que se a fêmea é fecundada várias vezes, ela é incapaz de produzir ovos. Aparentemente, os dutos da espermateca ficam bloqueados devido às ejaculações sucessivas que a fêmea recebe.
Neste experimento, a obtenção da segunda'cópula provavelmente também foi devido ao pequeno espaço em que os casais estavam acomodados (frascos de vidro de 10 mL), possibilitando assim as investidas bem sucedidas dos machos.
Os dados obtidos neste experimento, com relação à proporção de machos obtidos quando as fêmeas copularam com 1 ou 2 machos, diferem dos obtidos em N. vitripennis, por VAN DEN ASSEM & FEUTH-DE BRUIJN (1977), que registraram uma proporção mais elevada de fêmeas antes da segunda cópula. A proporção sexual mudou radicalmente após a segunda cópula, sendo registrada uma predominância de ovos não fertilizados (i.e., um grande número de machos na prole). Este resultado indica que o primeiro macho fica em desvantagem quando ocorrem duas cópulas, pois algum mecanismo, ainda desconhecido, obstrui a espermateca impossibilitando a fertilização. Nesta espécie, a fêmea copula logo após o nascimento. Um intervalo de tempo considerável ocorre entre a cópula e o encontro de um hospedeiro. Este tempo geralmente é suficiente para que o mecanismo de obstrução seja desfeito e os ovos sejam fertilizados. Quando a fêmea realiza uma segunda cópula, ocorre novamente um mecanismo de obstrução, fazendo com que não ocorra fertilização pelos espermatozóides armazenados na espermateca. Supõe-se que a seleção natural atue, neste sentido, para prevenir uma segunda cópula. Em C. flavipes, não existe nenhum mecanismo de obstrução que impeça a fertilização dos óvulos, nem existe diferença no número de ovos depositados. Assim, uma segunda cópula realmente não é interessante para as fêmeas desta espécie.
AGRADECIMENTOS
Ao Laboratório de Criação Massal da Usina São João de Araras pelo fornecimento do material biológico e dieta artificial. Ao CNPq pela bolsa de doutorado da primeira autora.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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- WILKINSON, D.S. A revision of the Indo-Australian species of the genus Apanteles (Hym.: Braconidae). Part I. Buli. Entomol. Res., v. 19, p.79-105, 1928.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Fev 2025 -
Data do Fascículo
Jul-Dec 1998
Histórico
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Recebido
24 Jul 1998
