Open-access ARTRÓPODOS PRESENTES EM CAMINHÕES QUE TRANSPORTAM MATÉRIAS-PRIMAS E PRODUTOS TERMINADOS DA INDÚSTRIA ALIMENTÍCIA: IDENTIFICAÇÃO E PERSPECTIVAS DE CONTROLE

ARTHROPODS IN TRUCKS TRANSPORTING RAW MATERIAL AND PROCESSED PRODUCTS OF THE FOOD INDUSTRY: IDENTIFICATION AND PERSPECTIVES OF CONTROL

RESUMO

Com o objetivo de avaliar a presença de artrópodos no interior de caminhões que transportam matériasprimas e produtos terminados para a indústria alimentícia foi realizado um levantamento entre os meses de outubro de 1996 e outubro de 1997. Como metodologia amostral utilizou-se aspiração de 224 carrocerias vazias de caminhões baú, cujo tempo variou em relação à metragem cúbica dos compartimentos. Cada amostra foi analisada visualmente e estereoscopicamente 24 horas e 70 dias após sua coleta. Os indivíduos coletados foram identificados, quando possível, e submetidos à análise faunística de freqüência e constância. Os resultados apontaram a aspiração como procedimento válido a ser incorporado pelas indústrias para avaliações rápidas de presenças de artrópodos em carrocerias, sendo que estas apresentaram-se bastante suscetíveis à entrada desses animais. Insetos das Ordens Psocoptera e Hymenoptera foram freqüentes e ácaros constantes. Como prática de controle, a limpeza criteriosa e freqüente apresenta-se como a alternativa mais viável e que tende a apresentar melhores resultados para retirar indivíduos acidentais e contra a possibilidade de aumento populacional destes em seu interior.

PALAVRAS-CHAVE:
Artrópodos; caminhões; alimentos; identificação; controle

ABSTRACT

To evaluate the occurrence of arthopods in trucks transporting raw material and processed products of the food industry a survey was carried out from October 1996 to October 1997. The sampling method consisted in the aspiration of 224 empty truck cargo compartments. The sucking time varied according to the volume of the compartments. Each sample was visually and stereoscopically examined 24 hours and 70 days after being taken. The specimens collected were identified whenever possible and submitted to faunistic analysis of frequency and constancy. The results indicated the aspiration method as a valid procedure and it should be adopted by the food industry for evaluation of the occurrence of arthropods inside truck cargo compartiments. Insects of the orders Psocoptera and Hymenoptera were frequent and mites were constant. Frequent clean-ups are the best altemative to remove aventual arthropods and prevent their development inside trucks.

KEY WOROS:
Arthropods; trucks; food; identification; control

INTRODUÇÃO

Os antigos problemas entomológicos com vetores de moléstias tropicais como malária, dengue e outras enfermidades em regiões endêmicas ou com potencial para isso, atualmente vêm sendo somados a outros até então muito pouco estudados: baratas agindo como agentes de contaminações de alimentos por microrganismos oriundos de esgotos ou pontos contendo resíduos indesejáveis (GORDON, 1996), formigas atingindo importância primária como fonte de infecções hospitalares (SERVICE, 1996), ácaros domiciliares acarretando ou agravando problemas respiratórios (WALKER, 1994), além de carunchos e traças depreciando produtos alimentícios embalados, gerando conseqüente impossibilidade de consumo (BAUER, 1985; HILL, 1990). Face a tal problemática, programas de controle de artrópodos praga em áreas urbanas passaram a ser desenvolvidos em quase todas as empresas fornecedoras de matérias-primas, transformadoras, armazenadoras ou comercializadoras de produtos alimentícios manufaturados. Aparentemente, toda a cadeia economicamente ativa de alimentos processados e consumidos em áreas urbanas, possui alguma atividade visando eliminar ou impedir estes animais. Contudo, o transporte, a principal ligação entre os inúmeros elos dessa cadeia produtiva, que no Brasil é basicamente feito por caminhões, até hoje nunca recebeu a atenção necessária quanto à presença de insetos e aracnídeos em seu interior, os quais podem estar gerando infestações cruzadas entre produtos absolutamente diversos, prejudicando assim seu aspecto, sanidade e até imagem corporativa. Mediante tal hipótese, o objetivo deste trabalho foi avaliar e identificar, através de amostragens, a ocorrência de artrópodos no interior de caminhões-baú que transportam matérias-primas e produtos terminados da indústria alimentícia

MATERIAL E MÉTODOS

Este levantamento foi realizado de outubro/96 a outubro/97. Foram amostrados caminhões vazios, que estavam estacionados em docas de 19 empresas entre indústrias alimentícias, transportadoras e supermercados. Visou-se apenas caminhões que estivessem transportando produtos manufaturados de gêneros alimentícios e suas respectivas matérias-primas. Contudo excluiu-se aqueles que estavam carregando grãos "in natura", ou farinhas no momento da amostragem, por apresentarem maiores condições de conterem artrópodos em seu interior e poderem gerar distorções na análise final. Cada caminhão teve sua carroceria medida através de trena, nas dimensões do comprimento e largura (metragem quadrada). Para se obter a metragem cúbica amostrável de caminhões baú, multiplicou-se os valores das metragens quadradas pelo número 2, o qual significa a altura do amostrador somado ao comprimento de seu braço, representado assim o ponto máximo onde ocorreram as avaliações. Com estes valores, estipulou-se que para cada 20 m3 seriam despendidos 60 segundos (1 minuto) de amostragem. Com tal adequação, independente do tamanho das carrocerias, foi possível utilizar tempos proporcionais à sua respectiva metragem cúbica, podendo-se assim efetuar comparações entre caminhões de diferentes tamanhos. Para isso utilizou-se um cronômetro de pulso. Ajustado o tempo de amostragem, iniciou-se sua realização propriamente dita. Esta foi efetuada através de aspiração, metodologia considerada adequada para a inspeção de grandes superfícies contendo frestas e fendas, onde amostragens visuais podem acarretar sérios erros amostrais (BAUER, 1985 ; BENETT et al., 1988; FRISHMAN, 1994).

Para as amostragens utilizou-se um aspirador elétrico manual (700 W, 220 V). Para cada caminhão amostrado utilizou-se um filtro de papel para a coleta individualizada das amostras, evitando-se assim contaminações entre elas. A condução do aspirador dentro das carrocerias foi ao acaso, procurando-se amostrar todos os quadrantes das mesmas, dando maior atenção para frestas e fendas entre as madeiras protetoras do piso e das laterais. Após o término de cada amostragem, retirava-se o filtro, dobrava-se sua extremidade aberta egrampeava-se por três vezes para evitar a fuga de insetos ou aracnídeos vivos, ou mesmo a perda de substrato; anotava-se data, local, tipo de caminhão amostrado e respectiva numeração de placa. Antes da instalação de novo filtro para início da próxima amostragem, deixava-se o aspirador em funcionamento por 15 segundos para a limpeza de sua estruturas fixas, como bico, mangueira etc.

Cada amostra foi encaminhada à Microbiotécnica Saneamento, sendo armazenada em prateleira à temperatura ambiente. Apó$ um período máximo de 24 horas foram retiradas do interior dos filtros de papel e expostas sobre uma pequena bandeja plástica branca, para observação visual, utilizando-se pincel. Cada aranha ou inseto encontrado foi retirado do meio e individualizado em uma placa de petri de plástico, recebendo todos os dados contidos no filtro. Fragmentos de insetos como pedaços de abdome, asas, pernas etc, foram registrados como presença ou ausência; o mesmo ocorrendo com ácaros, os quais foram mantidos nas amostras em virtude das dificuldades existentes na sua contagem e retirada do meio. Após a análise visual, o conteúdo restante foi transferido para o interior de uma ou mais placas plásticas de petri, conforme o volume de material coletado, nos quais anotou-se todos os dados existentes no filtro. O material de cada placa foi examinado sob microscópio estereoscópico (10X a 40X), e os indivíduos encontrados receberam o mesmo tratamento citado para a análise visual. Após essa primeira etapa de análises, as placas de Petri foram vedadas lateralmente com fita adesiva e recolocadas em prateleira para ali permanecerem por um período de 70 dias, para posteriormente sofrerem a mesma metodologia, com as mesmas análises visuais e estereoscópicas anteriormente citadas. No interior de cada placa de petri nada foi adicionado, visando-se representar o mesmo meio existente no interior da respectiva carroceria. O objetivo dessa análise após 70 dias foi amostrar insetos que estivessem em formas imaturas durante a primeira avaliação e que não puderam ser identificados. Além disso, mantido o mesmo substrato encontrado nos caminhões, pôde-se analisar também o potencial do meio amostrado no desenvolvimento de insetos. Os insetos encontrados, quando possível, foram identificados pelo autor (BRITTON, 1973; COLLESS & McALPINE, 1973; COMMON, 1973; MAcKERRAS, 1973; RIEK, 1973; SMITHERS, 1973; STORER & USINGER, 1979; BORROR&DELONG, 1988;GALLO et al., 1988; HILL, 1990; HEDGES & LACEY, 1995; PACHECO & DE PAULA, 1995) ou enviados para especialistas dos diferentes grupos. Após as observações das amostras, os dados foram analisados através dos índices faunísticos de freqüência e constância (SILVEIRA NETO et al., 1976).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A metodologia amostral utilizada, a aspiração, mostrou-se parcialmente adequada para avaliações quantitativas e qualitativas. Acredita-se que, pelo fato de 29,12% dos insetos coletados estarem mortos e bastante ressecados; associado ao grande volume de resíduos sólidos existentes no interior das carrocerias, como pedaços de madeira, pedras, grãos etc, durante a aspiração houve um turbilhonamento do material aspirado no interior da mangueira e do filtro do aspirador, onde o atrito dos indivíduos com as laterais do aparelho e as partículas sólidas, provavelmente quebrou muitos insetos, o que pode explicar a constante presença de fragmentos de insetos em 85,72% das amostras (Tabela 1).

Este fato pode ter prejudicado as avaliações qualitativas e quantitativas de insetos presentes nas amostras, inclusive porque se encontrou dificuldade na realização de análises taxonómicas mais detalhadas em muitos deles, visto estarem parcialmente quebrados, e caracteres importantes para suas identificações terem sido perdidos. Dessa forma, as análises faunísticas foram desenvolvidas por Ordens de insetos e não por espécies, para melhor agrupamento. No caso de ácaros, sua separação da amostra tomou-se impossível, fazendo com que sua análise faunística fosse limitada apenas à constância. Contudo, mesmo com as citadas limitações, a aspiração apresentou-se como excelente alternativa para inspeções práticas e rápidas das presenças de artrópodos em carrocerias de caminhões, com grande potencial de utilização em fábricas de alimentos nos momentos de recebimento de matérias-primas ou no pré-carregamento de produtos terminados, o que vem ao encontro das citações de BAUER (1985), BENETT et al. (1988) e FRISHMAN (1994). Para estas avaliações, inspetores devem utilizar aspiradores portáleis, filtros descartáveis, pequenas bandejas brancas e lentes de aumento de 10X como ferramentas.

Analisando-se os dados (Tabela 1) que representam o conjunto total das avaliações das carrocerias de caminhões baú, verificou-se que dos 285 insetos coletados, 70,88% apresentaram-se vivos, com predominância da Ordem Psocoptera (64,91%), que foi freqüente, o mesmo ocorrendo para a Ordem Hymenoptera. As demais sete Ordens de insetos mostraram-se pouco freqüentes e, todas, inclusive a Psocoptera, acidentais na análise faunística de constância.

Baratas, mais precisamente Blattella germanica (Blattodea: Blattellidae), que representaram 8,42% dos insetos coletados, sendo 70,83% vivos, merecem atenção especial. Considerada como inseto de grande capacidade de adaptação face a sua alimentação polífaga e pelo comportamento de alojar-se em frestas e fendas (SERVICE, 1996), demonstrou apresentar plenas condições de colonizar o interior de caminhões baú. As borrachas existentes das portas e as chapas de compensado de madeira encostadas à estrutura do piso das carrocerias podem abrigá-las facilmente. Embora B. germanica não voem, por serem cosmopolitas e terem hábito de se esconder e depositar ootecas em corrugações de papelão (MALLIS, 1990), podem ser facilmente conduzidas para o interior de carrocerias, seja por caixas deste material, que comumente é utilizado no acondicionamento final de lotes de produtos alimentícios; ou por "pallets". Estes, sem qualquer controle entram e saem dos mais diferentes ambientes de uma indústria e principalmente entre indústrias, tomando-se o agente com maior potencial para gerar infestação cruzada entre empresas compreendidas na cadeia de produção, distribuição e comercialização de alimentos processados. Isso pode ser atribuído ao fato de poucas empresas possuírem rotina de limpeza dos mesmos, fazendo com que grande quantidade de resíduos possam permanecer em suas bases, e dessa forma poderem abrigar populações de artrópodos. Tais estruturas não são apenas meios de locomoção para B. gennanica, mas para a grande maioria de artrópodos de hábito predominantemente terrestre, como aracnídeos, psocópteros, formigas, tesourinhas, pragas de produtos armazenados como Oryzaephilus surinamensis (Coleoptera: Silvanidae), Tribolium sp. (Coleoptera: Tenebrionidae), etc. Outro fator que pode facilitar a colonização por parte de B. gennanica e outros insetos no interior de carrocerias bau é a péssima condição de limpeza, onde se pode encontrar grande quantidade de resíduos que servem de alimento prontamente disponível.

Crisomelídeos, scarabeídeos, coccinelídeos, tesourinhas, dípteros, homópteros e lepidópteros, encontrados nas amostras, comportaram-se como insetos pouco freqüentes e acidentais (Tabela 1). Embora existindo a possibilidade de entrarem nas carrocerias através de "pallets", ou de caixas oriundas de depósitos, ou mesmo junto destas quando mantidas no piso das docas anteriormente ao carregamento, é pelo vôo que estes insetos mais facilmente acessam o interior das carrocerias de caminhões. Acredita-se que a atração luminosa existente nas docas, principalmente quando a manipulação da carga ocorre no período do crepúsculo ou à noite, seja responsável pela grande quantidade de insetos encontrados acidentalmente em caminhões. Como alternativa para redução de tais ocorrências, poder-se-ia utilizar lâmpadas de vapor de sódio em docas externas, como proposto por HEDGES (1993), cuja atração seria bastante reduzida, pois o amarelo contém quantidade ínfima de raios de comprimento de onda na faixa do ultra-violeta. Lasioderma serricorne (Coleoptera: Anobiidae) e Tribolium castaneum (Coleoptera: Tenebrionidae) podem adentrar as carrocerias pelos processos já comentados anteriormente, mas o fato de alimentos préinfestados contendo tais insetos serem carregados para o interior dos caminhões, e a partir desse momento infestar a carroceria, é a maior possibilidade da origem de suas presenças, o mesmo ocorrendo para outras pragas de produtos armazenados como O. surinamensis, Gnathocerus sp. (Coleoptera: Tenebrionidae), Sitophilus sp. (Coleoptera: Curculionidae), e determinadas traças. No caso específico de Sitophilus sp. pôde-se comprovar tal hipótese. Uma única amostra, o caminhão número 187 continha 2 insetos adultos e um morto no momento da primeira avaliação (Tabela 2). Passados 70 dias, durante a segunda avaliação (Tabela 3) observou-se 2 adultos vivos e um em fase final de pupação, ainda no interior de um pedaço de macarrão presente na amostra. Isso caracterizou que um lote de macarrão contendo insetos foi transportado pelo referido caminhão, e resíduos deste material permaneceram na carroceria, gerando potencial de contaminação de outros materiais que ali viessem a ser transportados.

Odores de materiais que estejam sendo transportados como derivados de cacau, frutas etc, ou mesmo açúcares diluídos, presentes ao redor ou mesmo no interior das carrocerias podem ser um dos motivos da atração de abelhas, vespas, e moscas para as proximid ades das docas e conseqüentemente das carrocerias. Ralos localizados nas proximidades também podem originar a presença de Periplaneta americana (Blattodea: Blattidae) e de certos dípteros em caminhões. Ao sair do interior destes ambientes, os insetos podem atingir o veículo através de vôo ou a partir de materiais ali depositados.

Tabela 1
Indivíduos (N) coletados em amostras provenientes de carrocerias de caminhões baú, realizadas na região metropolitana de São Paulo, entre outubro de 1996 e outubro de 1997. Porcentagem de indivíduos frente ao total (%N), freqüência (F), porcentagem de indivíduos vivos (%NV), porcentagem das amostras contendo indivíduos (%AN) e constância (C).
Tabela 2
Indivíduos (N) coletados em amostras provenientes de carrocerias de caminhões baú, realizadas na região metropolitana de São Paulo, entre outubro de 1996 e outubro de 1997. Porcentagem de indivíduos frente ao total (%N), freqüência (F), porcentagem de indivíduos vivos (%NV), porcentagem das amostras contendo indivíduos (%AN) e constância (C). Primeira avahação
Tabela 3
Indivíduos (N) coletados em amostras provenientes de carrocerias de caminhões baú, realizadas na região metropolitana de São Paulo, entre outubro de 1996 e outubro de 1997. Porcentagem de indivíduos frente ao total (%N), freqüência (F), porcentagem de indivíduos vivos (%NV), po centagem das amostras contendo indivíduos (%AN) e constância (C). Análise após 70 dias de quarentena.

Cupins, corno as espécies do gênero Cryptotermes (lsoptera: Kalotermitidae), podem facilmente entrar voando em carrocerias quando da época da revoada, e principalmente com "pallets" pré-atacados, podendo colonizar as travessas de madeira ou placas de compensado existentes no interior dos caminhões baú, e delas perfurar caixas de papelão e entrar em contato com produtos terminados.

Psocópteros do gênero Liposcelis (Psocoptera: Liposcelidae) e ácaros, por serem ápteros, somente poderiam ser introduzidos em carrocerias de caminhões através de algum meio como mercadorias contaminadas, "pallets" ou caixas de papelão e, no caso dos ácaros, também através de hospedeiros foréticos (FLECHTMANN, 1986), que podem ser preferencialmente insetos. No interior das carrocerias, estes talvez sejam os artrópodos encontrados que apresentam o comportamento mais adequado à sua colonização. Necessitam de umidade relativa acima de 70 %, vivem perfeitamente em meios com temperatura média acima de 30 ºC (REES & WALKER, 1990) e consomem materiais facilmente contidos em poeira, como: esporos de fungos, restos vegetais e de insetos, substratos estes encontrados quase que na totalidade das carrocerias. Por serem de difícil visualização, ainda hoje são pouco conhecidos na indústria de alimentos, e principalmente do consumidor, onde passam despercebidos em muitos processos analíticos, reduzindo assim sua importância como agente de depreciação da qualidade de alimentos. Contudo, pelos resultados encontrados comportaram-se como os artrópodos de maior potencial para contaminar materiais e originar infestações cruzadas entre indústrias e pontos de venda.

A constante presença de fragmentos de insetos em caminhões baú vem confirmar a suposição inicial do levantamento que seria grande a presença e até a atividade de insetos no interior das carrocerias de caminhões, cuja completa identificação pode ter sido prejudicada pela metodologia amostral utilizada; ou ainda que tal acúmulo seria fruto de anos de utilização de veículos sem a correta higienização. Pelos resultados discutidos até então, verifica-se que há plenas condições para artrópodos penetrarem acidentalmente em carrocerias de caminhões e até colonizá-las. Contudo o risco efetivo para produtos alimentícios transportados em caminhões seria sua contaminação por insetos ou aracnídeos, ou mesmo estes virem a infestar matérias-primas, materiais de embalagem ou "pallets" e, posteriormente, acarretarem contaminação de maiores proporções no processo produtivo.

Analisando-se os resultados da primeira avaliação (Tabela 2) com os da segunda (Tabela 3), realizada após 70 dias da coleta, pôde-se verificar que ácaros foram encontrados com ligeira superioridade durante a segunda análise. Esse resultado, mesmo interpretando que os ácaros não foram retirados da amostra após a análise inicial, juntamente com os psocópteros, Sitophilus sp. (Coleoptera: Curculionidae) e Gnathocerus sp. (Coleoptera: Tenebrionidae), vêm confirmar a possibilidade do desenvolvimento de gerações de determinados artrópodos no interior do substrato existente nas carrocerias.

Práticas de controle que venham a evitar ocorrências de insetos em carrocerias de caminhões, como as detectadas neste levantamento, recaem basicamente em medidas preventivas, onde a limpeza dos veículos representaria o alicerce de qualquer programa, vindo ao encontro com o proposto por HEDERSON & MEINSTER (1977). Evitar que qualquer carregamento seja realizado sem completo processo de higienização, reduziria a existência de poeira e resíduos de produtos anteriormente transportados, eliminando assim esporos de fungos, insetos mortos, e restos das referidas mercadorias, as quais atuam como agentes de proliferação de ácaros, psocópteros e insetos de produtos armazenados. Qualquer procedimento de limpeza em carrocerias, antes de ser realizado deve ser previamente estudado, analisando-se a melhor metodologia a ser empregada dentro do tempo disponível para a reutilização do veículo. Limpezas líquidas, usando-se água quente e detergente para melhor eliminação de resíduos e incrustações seria uma das alternativas, inclusive citada por FLECHTMANN (1986) como método de controle de ácaros em ambientes. Contudo essa metodologia somente poderia ser empregada se houvesse tempo suficiente para correta secagem da carroceria, caso contrário a umidade poderia acarretar sérios prejuízos, como a atração de insetos, o aumento da umidade relativa do meio, e conseqüente formação de microclima favorável à proliferação de artrópodos e desenvolvimento de microrganismos. O uso de vassouras ou de ar comprimido são métodos considerados válidos, mas se não utilizados com cuidado podem acabar gerando dispersão ou transferência de artrópodos e resíduos no interior de uma carroceria. A aspiração, desde que realizada de forma industrial, com equipamentos potentes e com grande capacidade de armazenamento, seria uma das formas mais adequadas para a correta limpeza.

Limpar "pallets", verificar a possibilidade da redução do-fluxo destes entre empresas e caminhões, evitar carregamento e descarregamento de carrocerias em docas externas à noite, e se ocorrer, utilizar iluminação à base de vapor de sódio, eliminar frestas em carrocerias baú, assim como manter jardins, ralos e recipientes de coleta de lixo que estejam próximos de docas em perfeitas condições de manutenção, seriam alternativas interessantes para a redução do potencial de acesso de insetos e aracnídeos ao interior de veículos de transporte.

Aplicações rotineiras de inseticidas em carrocerias de caminhões não seria prática recomendada. Inicialmente porque se pôde observar que a grande maioria das carrocerias apresenta considerável quantidade de poeira nas suas superfícies, o que proporciona grande perda de eficiência do tratamento. Tratamentos realizados após procedimentos de limpeza poderiam ser eficazes, contudo, caso novas higienizações não sejam realizadas, a camada de pó depositada sobre o filme residual do inseticida aplicado nas superfícies seria suficiente para minimizar sua ação de controle. O uso de inseticidas poderia ser justificado no caso do conhecimento da existência de focos de determinado artrópodo como por exemplo Blattella germanica, cuja prática de limpeza viável para aquele veículo não seria suficientemente capaz de eliminálo. Neste caso, o tratamento focal, com inseticidas não residuais seria uma alternativa bastante viável (HALLIDAY et al., 1987).

CONCLUSÕES

  • A aspiração deve ser considerada como metodologia prática amostral da presença de artrópodos em carrocerias de caminhões, quando do carregamento ou descarregamento de produtos em indústrias de alimento.

  • Insetos e aracnídeos comportam-se como populações acessórias em caminhões.

  • Psocópteros são os insetos mais aptos para contaminar e se proliferar em carrocerias de caminhões -baú.

  • A limpeza adequada à rotina, tempo de reutilização e ao tipo de carga transportada é a melhor alternativa de remoção e prevenção de colonização por parte de insetos e aracnídeos que estejam na carroceria de caminhões-baú.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2025
  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 1998

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 1998
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