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O futebol feminino nos Jogos Olímpicos de Pequim

Female soccer in the Beijing Olympic Games

Resumos

NesteAs relações de gênero hierarquizam homens e mulheres em diversas áreas, sendo uma delas o futebol. Este trabalho analisou as reportagens do caderno Pequim 2008 do jornal Folha de São Paulo para identificar o espaço destinado para as reportagens do futebol feminino e masculino, e avaliar qualitativamente o que é informado aos seus leitores. O resultado mostra que a porcentagem de palavras destinada as mulheres foi maior do que em outras pesquisas e a área das fotos foi similar entre os sexos, mas isso só ocorreu devido a influência do evento. As notícias permitiram uma análise da mulher no futebol: as entidades perpetuam a diferença hierárquica entre os sexos ao não dar suporte a elas; o levantamento de questões ligadas a estética aponta porque essas atletas não são erotizadas pela mídia como em outras modalidades; pelo futebol ser visto como espaço masculino a mídia exigiu melhores resultados dos homens.

Identidade de Gênero; Futebol; Imagem Corporal; Sexualidade; Preconceito


Gender relations put men and women in different areas of the hierarchy, for instance in the case of soccer. This work analyzed the news articles from the Beijing 2008 section of the Newspaper Folha de São Paulo to identify the space attributed to news articles about female and male soccer, and to qualitatively evaluate what is said to its readers. The result shows that the percentage of words addressing women was higher compared to other surveys and the area for pictures was similar for both genders, however this only happened on account of the influence of the event. The news allowed for an analysis of women in soccer: the entities that perpetuate the hierarchical difference between the genders when they don't support them; the raising of issues regarding aesthetics which explains why these athletes are not erotized by the media as is the case in other modalities; as soccer is considered to be a male area the media demanded better results from the men.

Gender Identity; Soccer; Body Image; Sexuality; Prejudice


ARTIGO ORIGINAL

O futebol feminino nos Jogos Olímpicos de Pequim

Female soccer in the Beijing Olympic Games

Marco Antônio de Carvalho Ferretti; Renata Pascoti Zuzzi; Aline Edwiges dos Santos Viana; Fernando Morales Vilha Junior

Grupo de Estudos e Pesquisas do Esporte Democrático e Educativo (GEPEDE), Escola de Educação Física e Esporte da USP, São Paulo, SP, Brasil

Endereço Endereço: Marco Antônio de Carvalho Ferretti Rua Frederico Brandli, 74, Jd. Prudência 04648-175 Telefone: (11) 9290-8200 Fax: (11) 5523-2691 e-mail: macf@usp.br

RESUMO

NesteAs relações de gênero hierarquizam homens e mulheres em diversas áreas, sendo uma delas o futebol. Este trabalho analisou as reportagens do caderno Pequim 2008 do jornal Folha de São Paulo para identificar o espaço destinado para as reportagens do futebol feminino e masculino, e avaliar qualitativamente o que é informado aos seus leitores. O resultado mostra que a porcentagem de palavras destinada as mulheres foi maior do que em outras pesquisas e a área das fotos foi similar entre os sexos, mas isso só ocorreu devido a influência do evento. As notícias permitiram uma análise da mulher no futebol: as entidades perpetuam a diferença hierárquica entre os sexos ao não dar suporte a elas; o levantamento de questões ligadas a estética aponta porque essas atletas não são erotizadas pela mídia como em outras modalidades; pelo futebol ser visto como espaço masculino a mídia exigiu melhores resultados dos homens.

Palavras-chave: Identidade de Gênero. Futebol. Imagem Corporal. Sexualidade. Preconceito.

ABSTRACT

Gender relations put men and women in different areas of the hierarchy, for instance in the case of soccer. This work analyzed the news articles from the Beijing 2008 section of the Newspaper Folha de São Paulo to identify the space attributed to news articles about female and male soccer, and to qualitatively evaluate what is said to its readers. The result shows that the percentage of words addressing women was higher compared to other surveys and the area for pictures was similar for both genders, however this only happened on account of the influence of the event. The news allowed for an analysis of women in soccer: the entities that perpetuate the hierarchical difference between the genders when they don't support them; the raising of issues regarding aesthetics which explains why these athletes are not erotized by the media as is the case in other modalities; as soccer is considered to be a male area the media demanded better results from the men.

Key Words: Gender Identity. Soccer. Body Image. Sexuality. Prejudice.

É dado o apito inicial!

No decorrer da história, as mulheres vêm ganhando diversos embates pelos direitos humanos, pela igualdade de oportunidades, possibilitando a conquista de vários setores da sociedade, que antes eram vivenciados apenas pelos homens.

As diferenças entre o corpo da mulher e do homem foi durante muito tempo visto em patamares hierarquicamente diferentes, onde o corpo do homem é supervalorizado em relação ao corpo da mulher.

Para entendermos melhor essa diferença e as relações de poder nelas imbricadas devemos entender o contexto histórico e sociológico vigente e como são concebidas as relações de gênero, para isso, nos apropriamos da formulação proposta por Joan Scott (1995, p. 189), a qual afirma que "gênero é [...] a forma pela qual as capacidades reprodutivas e as diferenças sexuais dos corpos humanos são trazidas para a prática social", segundo a autora, para compreendermos como funciona o gênero deve-se buscar o significado do sujeito individual, a organização social e suas articulações. Como também Louro (1996) coloca que há as articulações de gênero com classe, etnia, raça, sexualidade e etc, tornando necessário pensar o poder como uma rede complexa.

A diferença entendida como desigualdade hierárquica promove a restrição de experiências a homens e mulheres, isso porque atribuímos o que é próprio e aceito aos corpos segundo algumas características que consideramos ser somente naturais e imutáveis, e não historicamente construídas. Com isso, diversas atividades do cotidiano são tidas como mais apropriadas ao homem e outras às mulheres.

Conforme Bourdieu (1995) se a divisão das práticas entre homens e mulheres parece estar na ordem, ser normal e natural, ou até mesmo inevitável, é porque foi incorporado. A corporificação vem pela educação transmitida a criança por pessoas a sua volta e pela mídia, não é algo inato de cada sexo a divisão, o autor coloca que as mulheres são educadas de acordo com as divisões arbitrárias do mundo social entre homem e mulher, as oposições se sustentam por serem vistas como complementares, como também a dominação masculina impede a desnaturalização da divisão.

O esporte é um espaço que reflete a imagem masculina, por solicitar de atributos não vistos e aceitos no/para o corpo feminino. Dessa maneira, o afastamento da mulher em relação ao universo esportivo acontece durante o decorrer da vida.

O trabalho buscou ver como a mídia escrita de um jornal de grande circulação transmitiu as reportagens de futebol durante os J.O. através de análise quantitativa, contando as palavras nas reportagens e a área do jornal ocupada por fotos destinados para homens, mulheres ou ambos, e qualitativa por meio de um estudo exploratório, ao comparar principalmente o que foi escrito nas reportagens com a literatura sobre mulheres que praticam esporte.

Futebol Feminino

Restrições históricas

Para situar o quão era socialmente reprovada a idéia de mulheres jogando futebol e a influência que isto acarreta aos dias de hoje, começaremos pelo desenrolar das leis ligadas à prática do futebol para mulheres, pois as leis surgem da vontade de uma elite que tem grande influência sobre a esfera pública.

No Brasil o decreto-lei 3.199 de 1.941 tem em seu artigo 54 a proibição das mulheres praticarem desportos incompatíveis com sua natureza (SENADO FEDERAL, 1941).

A resolução publicada no Diário Oficial em 20/09/1941 estabelece as modalidades que não podem ser praticados pelo sexo feminino (LARDIES, 1951), o futebol foi uma dessas por ser considerado violento e não adaptável as mulheres. Tal proibição continuou no governo militar através da Deliberação 7 de 1965.

A deliberação 07/65 foi substituída pela 10/79 (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 1984) que deu maior flexibilidade a práticas esportivas das mulheres, porém com restrições, a modalidade poderia ser praticada por mulheres ou misto desde que assim fosse internacionalmente, e modalidades novas no Brasil precisavam de autorização.

A deliberação da CND 01/83 é específica sobre a prática do futebol feminino também colocava restrições, entre elas, as mulheres não deveriam praticar de forma profissional e deveriam ter mais de 14 anos (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 1984).

Se as mulheres foram proibidas de jogar futebol em 1941, as resoluções seguintes certamente eram destinadas apenas para os homens. Sobre a restrição etária e de profissionalização no futebol, os homens não tiveram os mesmos problemas, pois a deliberação 15/80 permitia competições a partir dos 13 anos de idade (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 1984), e Lardies (1951) apresenta a resolução de 29/04/1942 que permitia o jogador se profissionalizar aos 16 anos (condição reafirmada no decreto 53.820/64, no artigo 3º, § 1º).

Porém a forma de excluí-las do futebol não terminou, apenas ganhou nova roupagem. Na organização do campeonato feminino de futebol da Federação Paulista de Futebol, a Paulistana de 2001, Knijnik e Vasconcelos (2003) relatam as restrições impostas as jogadoras para que só participassem as mais belas e femininas.

As atletas do futebol e o corpo

A forma de ver o corpo das atletas foi mudando, pois

[...] se há algum tempo os preconceitos versavam sobre a fragilidade e a incapacidade do corpo feminino em praticar diversas modalidades esportivas, atualmente há uma grande dificuldade em lidar com o próprio corpo atlético da mulher, o qual nem sempre pode, ou quer, corresponder a padrões de beleza determinados por terceiros (KNIJNIK 2001).

De acordo com Cox e Thompson (2000) o corpo moldado pelo futebol (magro, com músculos e forte) está dentro do que é considerado atualmente um corpo feminino belo assim essas jogadoras podem ter um corpo feminino e alcançar a elite do futebol.

Corroborando com as autoras anteriormente citadas, Adelman (2003) coloca que o corpo feminino ideal não é mais o da doméstica frágil e sim o da "mulher ativa" com o corpo magro e firme, mas não pode ser muito musculoso para não atravessar as fronteiras impostas socialmente de gênero e sexualidade.

No senso comum gênero, sexo e sexualidade sao tratados praticamente como sinonimos: se a pessoa tem características de gênero nao correspondentes ao seu sexo biológico ela é taxada de homossexual. Entretanto, existem diversas 'contradicoes' neste modo simplista de ver o mundo: um breve exemplo seria um homem (sexo), com condutas ditas hipermasculinas (gênero),mas cuja orientacao sexual, o desejo,(sexualidade)e' voltado para outros homens

No senso comum gênero e sexualidade estão misturados, se a pessoa tem características de gênero que não corresponde ao seu sexo biológico, ela é taxada de homossexual, porém isso não ocorre dessa forma, um exemplo é o homem (sexo), com comportamentos masculinos (gênero), tem afinidade sexual por outros homens (sexualidade).

Louro (1996) diferencia gênero e sexo, sexo diz respeito ao biológico, enquanto que gênero a construção social de masculino e feminino, assim cada grupo tem a sua representação de masculino e feminino, dessa forma não há uma feminilidade e masculinidade ideal e única, existe várias, dependo do grupo.

A relação de gênero não correspondente com homossexualidade, ou o inverso, não é verdadeira. Fernández, Quiroga e Olmo (2006) não encontraram relação nas respostas dadas no questionário de gênero (Bem Sex Role Inventory – BSRI) e de opção sexual (Sexual Attraction Questionnaire – SAQ).

Porém os estudos parecem estar longe dos campos, pois as jogadoras além de ter que provar sua heterossexualidade através da aparência, pareando as expectativas sociais de feminilidade com o seu corpo de mulher, elas também devem ser belas corporalmente para que possam atrair a atenção dos homens heterossexuais para suas apresentações na TV, o que desperta o interesse da mídia por essas transmissões, que oportunizam e valorizam mais as formas feminis das atletas do que seu esforço, habilidade e competência para a determinada prática esportiva.

No futebol, Knijnik (2001) critica que para escolher jogadoras, os dirigentes utilizam como critério a beleza e em segundo plano vem a capacidade de jogar. Os dirigentes da Federação Paulista de Futebol realizaram uma propaganda deixando bem explícito que "[...] a campanha quer mostrar que é possível jogar futebol e possuir características femininas" (Knijnik, 2001).

Knijnik (2001) questiona porque no futebol masculino o critério de escolha de jogadores é a habilidade enquanto que no feminino é a estética com a finalidade de aparecer em comerciais, entrevistas...

Tornar as jogadoras heterossexualmente desejáveis aos homens seria uma forma de ocultar a homossexualidade de algumas jogadoras devido a ligação que se faz com a mulher feminina com a sua heterossexualidade, como também não causar repudio aos telespectadores homófobos.

Com a identificação dos valores que envolvem o esporte feminino foi realizada a análise das reportagens sobre futebol durante os J.O. de Pequim para identificar como a mídia impressa vem tratando as jogadoras.

Intervalo de jogo: Metodologia

O intervalo é o momento de passar instruções, avaliar o que foi feito no 1º tempo e informar a estratégia para o restante da partida.

Foi realizada uma análise quantitativa e qualitativa das reportagens publicadas no jornal Folha de São Paulo sobre o futebol, no caderno Folha Pequim, criado exclusivamente para as reportagens sobre os J.O. de 2008 entre os dias 05 a 25/08/2008.

Foi escolhido o jornal Folha de São Paulo devido a sua grande circulação, em dezembro de 2008 sua tiragem foi de 299 mil por dia, como também por ter publicado as notícias sobre os J.O. em um caderno separado do caderno de esporte.

Quantitativamente foram analisadas as reportagens contando as palavras com a finalidade de quantificar a extensão das reportagens dada a cada sexo. As reportagens foram classificadas de acordo com o sexo ou se ambos se estivessem na mesma reportagem. As reportagens foram adquiridas pela internet e colocadas em arquivos do programa Microsoft Word que forneceu a quantidade de palavras. A quantidade diária foi tabulada no programa Microsoft Excel.

As figuras foram medidas no jornal, foi utilizada uma régua com precisão de 0,1 cm, cada imagem foi classificada em "Homem", "Mulher" ou "Ambos" de acordo com a imagem e a legenda. A área das imagens também foi tabulada no programa Microsoft Excel por data e por sexo.

Qualitativamente foram comparadas as reportagens, as figuras e os acontecimentos noticiados com o que se tem na literatura sobre futebol feminino, gênero e sexualidade para a discussão, como foi realizado em estudos exploratórios por Cox e Thompson (2000), Goellner (2005), Knijnik (2001), Knijnik e Souza (2007), Martins e Moraes (2007), e Mourão e Morel (2002).

Início do 2º tempo: Resultados e discussão

Quantitativa

A contagem de palavras mostrou vantagem para os homens com 13.093 (52,1%), as mulheres com 10.267 (40,9%) e ambos com 1.764 (7%). Com relação as imagens o futebol feminino apresentou superioridade quantitativa com 7.918,8 cm² (47,9%), o masculino 7.755,5 cm² (46,9%), e ambos 859,2 (5,2.

Em outras pesquisas o espaço destinado às mulheres foi inferior, foi relatado por Capranica e Aversa (2002) na transmissão italiana dos J.O. de Sidney, em 2000, 29% do tempo foi destinado as mulheres, e Mesnner, Duncan e Cooky (2003) analisaram as filiais da ESPN e encontraram o tempo destinado as atletas em 10,6% na KNBC, 8,6% na KABC e 5,8% na KCBS.

Na mídia escrita também foi encontrado valores diferentes, Knijnik e Souza (2007) analisaram 2125 reportagens do caderno de esporte do jornal Folha de São Paulo em dois períodos, final de 2002 e início de 2003, e encontraram que 85% das reportagens eram sobre os homens e 11,5% sobre as mulheres no 1º período, cujo ocorriam eventos esportivos femininos de grande importância, no 2º período as porcentagens ficaram entre 88% e 88,5% de reportagens sobre os homens e 4% a 4,7% com as mulheres.

A diferença de valores ocorreu porque Knijnik e Souza (2007) e Mesnner, Duncan e Cooky (2003) não analisaram focados nos J.O., pois de acordo com Capranica e Aversa (2002) é nos J.O. que surge a oportunidade das atletas aparecerem na mídia.

Os valores aqui encontrados também foram superiores aos de Capranica e Aversa (2002), tal diferença se deve porque as autoras analisaram todas as modalidades e não especificamente o futebol, e o futebol feminino italiano está em condições diferentes ao do selecionado brasileiro feminino.

Para Goellner (2005) o que torna o futebol feminino invisível para a mídia é a ligação que ocorre a décadas do futebol com a masculinização das atletas, ligação vista como antagônica a feminilidade e a beleza da mulher.

Porém a invisibilidade é quebrada pelos J.O., enquanto no caderno Pequim as mulheres tiveram uma boa aparição, no mesmo período não houve nenhuma reportagem no caderno Esporte do jornal Folha de São Paulo sobre o futebol feminino, o foco principal desse caderno era a série A e B (B por causa do rebaixamento do Sport Club Corinthians Paulista) do Campeonato Brasileiro Masculino de Futebol.

Outra pesquisa analisando os meses anteriores aos J.O. encontrou a ligação de J.O. e surgimento de noticias do futebol feminino. Martins e Moraes (2007) analisaram as reportagens sobre futebol feminino em 2 jornais de grande circulação no 3º e 2º meses antecedentes e no mês dos J.O. de Atenas. Nos meses anteriores aos J.O. houve poucas aparições sobre o futebol feminino e uma delas desqualificava o jogo delas classificando como tedioso e que apenas as pessoas próximas as jogadoras estavam ansiosas para vê-las.

No mês dos J.O. os autores relatam que ocorreu o aumento de 2.000% na quantidade de reportagens, porém estavam mais atentas as formas das atletas ou que elas eram belas e frágeis do que o desempenho esportivo.

Martins e Moraes (2007) relatam que as notícias sobre o futebol feminino estão ligadas aos J.O. e predizem que com o fim do evento as reportagens sobre elas desaparecem, criando a falsa idéia que futebol feminino só existe nos J.O. e que não há transações de jogadoras, lesões, campeonatos e etc. Informações que estão todos os dias nos jornais sobre o futebol masculino.

De acordo com Mourão e Morel (2005) o futebol feminino nas mídias passa por efeito "sanfona", porque após ganhar destaque na mídia ela sofre retração.

Porém a semelhança dos números nessa pesquisa não significa que ocorreu a igualdade de direitos entre homens e mulheres no futebol, por essa razão as reportagens também foram avaliadas qualitativamente.

Qualitativamente também foi encontrado que a mídia tratou de forma diferente os sexos nas reportagens analisadas por Knijnik e Souza (2007), os homens foram tratados como heróis, ídolos, lideres e com as mulheres surgem termos que ressaltam o gênero feminino ou que as infantiliza. Assim não basta aumentar o número de reportagens, é preciso mudar a forma como elas são tratadas nas notícias.

Conforme Martins e Moraes (2007) não se deve buscar simplesmente igualar a quantidade de aparições entre homens e mulheres na mídia, mesmo porque os homens também são tratados de acordo com interesses "ocultos", se deve buscar que ambos tenham oportunidades, tratamento dignos e o fim da disputa dualista entre homens e mulheres.

Qualitativa

Foi encontrada uma quantidade menor de palavras para as mulheres em relação aos homens, o mesmo foi encontrado por Knijnik e Souza (2007) que justifica que as reportagens com mulheres eram mais sucintas se comparadas com a dos homens e a mídia justifica esse recurso alegando que os consumidores de suas notícias são homens querendo saber sobre homens, mas os autores criticam esse pensamento, colocando que é uma criação da mídia. A implicação de elas terem menor espaço é que as mulheres têm a visibilidade prejudicada, maior dificuldade de se obter patrocinadores e prejuízo nas representações que a sociedade faz dela.

A justificativa da mídia de que são os homens os grandes consumidores não se justifica, pelo menos nos J.O., conforme Capranica e Aversa (2002) nos últimos 25 anos aumentou a audiência italiana para programas esportivos independente do sexo e nos J.O. de Sydney as mulheres representavam 40% das telespectadoras.

Mesmo com um menor número de palavras foram encontradas reportagens que não foram sucintas ao informar sobre os jogos da seleção feminina, no dia 07 a reportagem falou de quase tudo no entorno do jogo do futebol feminino, relatando desde a ação dos cambistas até o fato dos chineses cuspirem no chão, mas pouco se falou sobre o jogo, apenas um parágrafo com a impressão do jogo de algumas jogadoras e um quadro com resultado, escalação e cartões amarelos.

Outra reportagem sem ligação direta com a seleção brasileira ocorreu no dia 20 em que se falava da treinadora do time feminino norte-americano de futebol que cantava para orientar e motivar as suas atletas. Outra foi a reportagem do dia 21 sobre a cidade onde a jogadora Marta nasceu e 22 na casa da família de Marta.

Nas fotos apresentadas, as mulheres tiveram a área maior, mesmo assim o privilégio era dos homens, por exemplo, no dia 10 a reportagem do jogo feminino de Brasil e Coréia do Norte há a foto dos jogadores olhando o jogo. Assim preferiram colocar a foto deles mesmo se tratando de reportagens sobre o feminino, ou de apresentar assuntos periféricos ao jogo do que o próprio jogo feminino e dessa forma desvalorizando o esforço das atletas.

Recursos no Futebol Feminino

A dificuldade financeira apareceu na capa da Folha Pequim no dia 05, ressaltando que elas conseguiram bons resultados sem apoio, foi pelo próprio esforço e na foto da goleira Bárbara tem a legenda que ela estava desempregada. No interior a reportagem faz criticas ao governo, a CBF e ao COB pela falta de apoio se comparado com os homens e com outras modalidades.

Enquanto na reportagem do futebol feminino do dia 05 relatava as dificuldades financeiras das atletas, no dia 06 a reportagem coloca que Ronaldinho tem um faturamento próximo do que o COB recebeu da Lei Piva e os jogadores reclamando da organização dos J.O., reclamações que ressurgiram após a derrota para a Argentina porque a CBF cortou as mordomias. Dessa forma se o futebol masculino já tem "a casa arrumada", o feminino tem muito pra se desenvolver dentro do próprio país, mesmo que ambos estejam sob o comando das mesmas entidades esportivas.

É relatado por Knijnik (2006) que as jogadoras de futebol de campo também competem em outras modalidades envolvendo o futebol, como o futsal, isso ocorre pela necessidade delas aumentarem os recursos que seriam insuficientes se dedicassem apenas a uma modalidade, como também pela falta de jogadoras para completar um time de campo.

As jogadoras são de maioria negra e Ribeiro (1997) coloca que os negros são vistos pela sociedade brasileira como culpados pela própria desgraça, esquecendo-se do passado escravocrata e essa visão é absorvida pelos negros que ascendem socialmente.

Diferente do que foi colocado por Darcy Ribeiro, no futebol feminino a culpa da situação dessas jogadoras cai sobre as grandes organizações e não nelas próprias, sobre elas se transmitem a idéia da superação. Isso não significa que o racismo foi eliminado no Brasil ou do futebol, mas a característica de serem mulheres no futebol chama mais a atenção do que a da raça, pois os homens negros conquistaram o campo a mais tempo do que elas, como também o que prepondera no Brasil é o racismo "cordial", em que a pessoa disfarça o seu racismo ou não tem conhecimento sobre ele.

Knijnik (2006) viu que muitas jogadoras têm a esperança que dirigentes e presidentes de clubes esportivos atuem em auxílio ao futebol feminino após a medalha de prata nos J.O. de Atenas, assim elas não estão lutando diretamente contra o poder binário estabelecido pelas relações de gênero.

É de se duvidar que dirigentes realizem algo para auxiliar o futebol feminino, para exemplificar, no dia 22 as atletas não sabiam se teriam alguma premiação da CBF com a conquista da prata, mesmo com toda a dificuldade que elas atravessam, pois foi combinado que só haveria prêmio se elas conquistassem a 1ª colocação.

Outro exemplo vem do presidente do Fluminense, Roberto Horcades, disse que admirava o técnico René Simões porque conseguiu fazer com que as mulheres, com dois neurônios, fossem vice-campeãs olímpicas no futebol de campo.

Realmente não se pode contar com o apoio da alta cúpula do futebol, Knijnik (2006) relata que mesmo com a grande repercussão que teve quando elas ganharam a prata nos J.O. de Atenas em 2004, após 3 semanas do fim dos J.O. ocorreu a eliminatórias da seleção masculina de futebol para a Copa da Alemanha, foi anunciado que antes do jogo teria futebol feminino e o que ocorreu foi o futebol feminino das modelos que pouco deveriam saber sobre futebol na teoria e menos ainda na prática.

O autor relata que no Campeonato Paulista Feminino de Futebol de 2004 a Federação Paulista de Futebol apenas entrou com o seu nome e indicações de árbitros, o campeonato foi financiado pela Secretaria de Esportes, Juventude e Lazer do Estado de São Paulo e por Lars Grael (secretário estadual de esportes) para fazer do campeonato uma vitrine para as jogadoras.

Uma forma de elas lutarem diretamente com a hierarquia de gênero seria através de uma atuação política em federações, confederações e clubes, denunciando abusos de dirigentes, organizando sua própria liga ou time para expor a razão de se fazer algo a parte do que é feito pela entidade oficial, mas ao invés disso preferem jogar essa tarefa na mão de quem está no poder.

Porém a geração dessas jogadoras não foi habituada a contestar politicamente, pois conforme Baquero (2001) a forma como o Estado brasileiro se formou fez com que se difundisse a antipatia do povo por interesse pela política, com governos que favoreciam a desmobilização social e a inércia do cidadão. O caudilhismo e o coronelismo implicavam em uma liderança carismática que estabeleciam a suas matrizes sobre os interesses individuais. O autoritarismo das últimas décadas não permitiu que a sociedade civil influenciasse no Estado de forma significativa e quando a sociedade pôde fazer isso a partir de 1974, a mídia focava em outros assuntos. Atualmente os políticos disputam interesses particulares ou privados ao invés de representar a sociedade.

A situação caminha para a mudança não porque as atletas fizeram ações de fato para tal, no máximo apareceram na mídia reclamando da diferença de recursos entre homens e mulheres, a mudança só veio devido aos resultados, assim onde não há resultados a situação não se altera.

Para exemplificar foi em Pequim que a CBF e COB disputaram entre si (também se pode trocar as confederações pelas patrocinadoras Nike e Olympikus) para ver qual camisa ambos os sexos deveriam utilizar, como foi colocado na reportagem "Por Rio-2016, CBF 'limpa' camisa e colide com COB" no dia 09 e na reportagem "Camisa sem escudo irrita os jogadores" do dia 10.

As belas do futebol

A utilização das imagens como forma de embelezar as atletas do futebol, ou de até mesmo erotiza-lás, foram inferiores se comparado com o vôlei de quadra, de praia, as tenistas, as atletas do atletismo como as provas de salto em distância, com vara e etc. Há diversas coisas que influenciam a menor erotização das jogadoras de futebol em relação as outras atletas.

A vestimenta feminina no futebol é igual a dos homens e não ressalta as formas do corpo atlético, mesmo que o futebol produza mulheres de coxas mais grossas, algo que esta na moda do corpo feminino desejado nas academias, mesmo com a mídia esportiva colocando que seus consumidores são homens heterossexuais, o foco sexualizado não recai nos corpos das futebolistas como nas modalidades em que são utilizadas roupas mais justas.

Outro fator que faz com que as jogadoras de futebol tenham sua imagem menos explorada sexualmente é que elas não têm padrão de beleza da européia, pois nossas jogadoras são em sua maioria afro-descendentes ou de aparência que remete ao estereótipo da nordestina. Isso apareceu no dia 22, a única vez que usaram a palavra "musa" nas reportagens sobre futebol, foi para qualificar a goleira branca e loira dos EUA, Hope Solo.

Enquanto Azevedo (1971) coloca que durante a colonização os portugueses na falta de européias se relacionavam com as índias e Freyre (1995) e Ribeiro (1997) colocam que os senhores de engenho e seus filhos tinham a vida sexual com suas escravas, isso seria o oposto da erotização feminina no esporte, pois aquelas atletas que provavelmente já tiveram algum antepassado escravo, seja como negra ou índia, não tem a imagem explorada com a apelação sexual tanto como as que se assemelham com as européias.

Para exemplificar, as musas eleitas em sites durante o Jogos Pan-Americanos de 2007 e nos Jogos Olímpicos (J.O.) de Pequim são na sua maioria atletas brancas e de trajes justos, as musas escolhidas para representar os times brasileiros de futebol são modelos fotográficas brancas, programas televisivos com notícias quase que exclusivamente de futebol utilizam-se de uma "loirassa" que já foi modelo e agora está opinando sobre futebol, é o caso de Renata Bonfiglio Fan, Luize Altenhofen e Michelle Giannella. Será que a beleza negra só é admirável durante o carnaval? Festividade em que DaMatta (1997) coloca que há a inversão dos valores da sociedade brasileira.

Essa discordância do que os homens brasileiros buscam nas mulheres se desfaz quando Ribeiro (1997) coloca que onde fosse que o colonizador europeu chegasse e não encontrasse mulheres brancas, procurava as mulheres daquele local, como também a colonização do Brasil não ocorreu com famílias européias já formadas.

Assim o colonizador procurava quem estivesse naquela nova terra, mas seus pensamentos estavam nas européias, que não deixaram de ser a referência de beleza, e não tinha como objetivo formar um povo miscigenado, tanto é que depois tentaram "branquear" a população atraindo imigrantes europeus no início do século XX.

A idéia de que a miscigenação é louvável no Brasil (RIBEIRO, 1997) é mais complexa do que a adoração pela mistura. É difundido que os jogadores, na maioria negros, preferem se casar com as loiras e assim ocorre a miscigenação, a elite branca que detêm o controle dos meios de comunicação preferem mulheres de perfil europeu para apresentar e representar o futebol, portanto o que ocorre não é a valorização da miscigenação e sim da aparência européia.

Feminilidades e masculinidades no futebol masculino e feminino

Algumas reportagens marcaram características masculinas no time masculino, como a do dia 08 sobre o jogo masculino de Brasil e Bélgica relata a agressividade dos times, "chutando" a técnica e o fair play, no dia 17 o volante Anderson declara "jogo assim é que é bom, eles batem lá e a gente bate aqui", no dia 23 foi colocado a forma ofensiva que o técnico Dunga (Carlos Caetano Bledorn Verri) se dirigiu aos seus críticos na Copa de 1994 e em Pequim. Considerando qualidades masculinas a agressividade e a capacidade de suportar a dor, esses exemplos são de exibição de masculinidade no futebol.

No discurso apresentado pelos jogadores na reportagem do dia 14 ocorreu o contrário, homens não falaram de forma a valorizar a masculinidade, preferiram o discurso mais brando ao colocar que para o jogo contra Camarões não estariam motivados por vingança pela derrota em Sydney, mas a reportagem volta a ressaltar o lado másculo no 1º parágrafo ao colocar que eles terão a chance de sentir o gosto da vingança.

Na equipe das mulheres também é ressaltada as características masculinas. No dia 09 o técnico Barcellos da seleção feminina coloca que o estilo de jogo delas é "ir pra cima", ou seja, ser ofensivo e não passivo, as reportagens nos dias 10, 11 e uma nota no dia 14 criticavam a seleção feminina por estarem jogando violentamente, no dia 16 fala em vingança contra as alemãs pela derrota no mundial e na capa do dia 19 coloca que atropelou a Alemanha e que elas têm a chance de "dar o troco" nas estadunidenses e usam o título "Sexo frágil?" na capa.

No dia 20 apareceu o oposto, valorizando um tipo de corpo que se aproxima da feminilidade, ao valorizar a volante Formiga por não se assemelhar aos "brucutus" dos volantes homens, coloca-a como heroína da resistência a essa tendência e que honra o seu nome.

No dia 21 o título da reportagem ressaltava em Marta a melhora de duas características, uma vista socialmente como masculina e outra como feminina, "Para vencer, Marta vira mais raçuda e tranqüila" e se até essa data a seleção era criticada por ser faltosa, agora é elogiada por estar mais "raçuda".

O futebol é colocado como jogo viril e com muito contato corpo a corpo o que faz com que ele seja classificado como uma modalidade masculina, não é pelo fato das mulheres jogarem que o jogo vai adquirir as qualidades de feminilidade, que vá se tornar um jogo mais "amável" ou "meiguinho"...

O jornal não valorizou os aspectos femininos com as futebolistas, pois o jornal processa o fato para que vire reportagem e poderia ter descrito (ou destorcido) os jogos femininos dando aspectos de feminilidade.

É de se esperar que elas sejam tão competitivas quanto eles, ou até mais, pois na seleção masculina há jogadores com altos salários, enquanto que na feminina muitas estão lutando para sobreviver e vêem os J.O. como condição para melhorar de vida. Essa masculinidade considerada exagerada para as mulheres é vista como homossexualidade, ligação entre gênero e sexualidade que já foi desconstruída no meio acadêmico, mas muito forte no senso comum.

Para Knijnik (2006) o preconceito ocorre contra as jogadoras, mas principalmente com as atletas que aparentam ou se comportam de forma mais masculina, pois estas desafiam a compreensão de muitos que enxergam o mundo de forma bipolar, como que só existisse uma forma de ser mulher e uma de ser homem.

No dia 22 a reportagem sobre a torcida na casa da mãe da Marta relata que o irmão é conhecido na cidade por brigar com a irmã na infância por ela jogar futebol com os meninos, ele se justificou dizendo que naquela época nenhuma menina fazia aquilo, os vizinhos faziam piadas dela e ela era chamada de "macho e fêmea", agora ele reconhece que o importante foi ela ter vencido o preconceito.

Além das questões de gênero, o preconceito está ligado a sexualidade, conforme Knijnik (2006) ocorre a sobreposição entre gênero e sexualidade nos discursos contra o futebol feminino e o preconceito vem principalmente ligado a sexualidade.

A sobreposição não é verdadeira, pois o autor identificou que há atletas com aparência masculina e heterossexuais como também hiper-femininas (com trejeitos característicos da feminilidade) e homossexuais.

Os valores femininos e masculinos vem se alterando com o tempo, se antes o futebol era visto como muito masculino para as mulheres, hoje é aceito que elas pratiquem a modalidade, mas não porque as qualidades do futebol se tornaram mais femininas, mas sim porque as mudanças nas qualidades femininas facilitaram a aceitação delas nos campos e quadras pela sociedade, porém, saindo das questões de gênero e entrando no campo da sexualidade, a homofobia não se alterou.

Na hora da medalha

o time foi criticado no dia 20 após a derrota da seleção masculina para a Argentina como pequeno, defensivo e por terem deixado de lado o fair play no final do jogo. Na capa estava a foto com os argentinos comemorando ao centro e abaixo o jogador Marcelo saindo de campo cabisbaixo, dentro do caderno Pequim 2008 a foto do argentino Messi consolando o Ronaldinho e outra de Agüero comemorando o gol. No dia 21 foi colocada a reportagem com o título "Mulheres jogam por ouro e para dar lição a homens", com melhor resultado elas conseguiram, pelo menos na mídia, temporariamente e restrito ao final dos J.O., mudar a hierarquia de gênero.

Na reportagem sobre a derrota feminina no dia 22 narra que o time feminino se esforçou muito e as americanas esperaram o jogo todo para ter a melhor oportunidade, junto a reportagem está a foto das jogadoras brasileiras lamentando a derrota, aos choros e prantos.

Na derrota, a emotividade que é vista como qualidade feminina foi mais explorada pelo jornal nas mulheres, tal tratamento diferenciado também foi observado por Romero (2008), para a autora a mídia não apresenta a atleta como guerreira, e sim reforça que elas são emotivas, sensiveis e frágeis.

Enquanto no masculino a derrota para Argentina havia nas fotos principalmente os jogadores argentinos comemorando, na derrota feminina não há fotos das Norte Americanas, provavelmente a decepção foi maior com o time masculino.

Ambos os times não conseguiram o ouro, porém se vê como obrigação o masculino ser 1º colocado, para o time masculino não há a alegria de ter vencido e sim a sensação de alivio, na reportagem do dia 16 sobre o próximo jogo contra Camarões é colocado isso ao falar que passar por Camarões é o mínimo aceitável e no dia 17 a nota "Ronaldinho admite alívio após vingar Sydney-2000".

Para a seleção feminina a 1ª colocação é desejada, mas diferente do masculino, não é visto como único resultado possível, pois se ocorreu críticas no começo dos J.O. pela forma como jogavam, não terminaram em criticas com a derrota para as americanas.

As equipes masculinas são mais cobradas por resultado, Romero (2008) ao analisar o jornal "o Globo" nos J.O. de 2004 identificou 13 reportagens com atletas homens e 11 com atletas mulheres classificadas como Expectativa de Medalha, enquanto que as reportagens classificadas como Frustração [com o Resultado] foram 17 masculinas e 11 femininas, ou seja, se espera mais resultado deles e consequentemente a frustração também é maior.

Outro motivo que fez os homens serem mais cobrados é de estarem em um local do domínio masculino e assim são obrigados socialmente a serem superiores as mulheres.

Guérandel e Mennesson (2007) observaram em treinos de judô entre um homem e uma mulher, o homem tenta a vitória a qualquer custo, sentindo-se obrigado a vencer e desonrado no caso da derrota, porém eles não se sentem obrigados a vencer quando o treino de luta é no chão, pois consideram como área feminina do judô.

A vitória é vista como uma alavanca para a situação delas, diferente dos homens que estão bem sucedidos, ao ponto de Anderson, na reportagem do dia 23, colocar que em um ano de futebol ganhou mais que seus críticos vão ganhar durante toda a vida, enquanto que no feminino apareceu no dia 19 a colocação da Marta, a jogadora mais bem sucedida: "queremos o título para dar empurrão nos nossos sonhos".

Final de partida: Conclusões

Neste artigo buscamos explorar o discurso da mídia sobre o futebol feminino durante os J.O. de 2008 através das relações de gênero e temáticas auxiliares para a melhor compreensão do fenômeno.

O futebol feminino ganha destaque na mídia devido a "bolha" que os J.O. criam para notícias que não estejam relacionadas com o futebol masculino profissional, dessa forma os 20 dias analisados mostram que houve alteração quantitativa nas relações de gênero na mídia esportiva, mas essa alteração tem data marcada para começar e acabar, pois com o fim do evento o futebol feminino cai no esquecimento até os próximos J.O.

Diferente do que ocorreu em outros J.O., a valorização momentânea fez com que CBF e COB disputassem qual o patrocinador seria colocado na camisa das atletas, porém a falta de patrocinadores e cobertura da mídia do futebol feminino fora dos J.O. nada mudou nos últimos anos.

Em outros estudos qualitativos ligados a gênero, corpo e sexualidade foi colocado a valorização da aparência feminina e heterossexual no esporte (KNIJNIK e SOUZA 2007, WRITE e CLARKE 1999), o presente artigo buscou abordar mais elementos sobre a valorização do corpo da atleta e identificou que a roupa usada durante o jogo faz com que o corpo ganhe maior ou menor visibilidade. Devido as características da roupa do futebol, o corpo das atletas é pouco valorizado, assim a especulação de que o futebol produz um corpo dentro da expectativa social de um corpo feminino (COX e THOMPSON, 2000) não foi evidenciado pela mídia estudada.

Outro elemento ligado a erotização do corpo é a raça, pois se fosse apenas ter a aparência feminina, heterossexual e atlética para ter a imagem do corpo explorada pela mídia, muitas das futebolistas preencheriam esses requisitos, porém a exploração não ocorreu devido as atletas terem a aparência que nada se assemelha ao da boneca Barbie, branca e loira, mas essa lacuna não fica vaga, a mídia preenche esse vazio com apresentadoras de programas de futebol, "eleições" para a musa do campeonato nacional e futebol com as modelos fotográficos.

A prática do futebol pelas mulheres não fez com que ocorressem mudanças na hierarquia de gênero ou de raça, a hierarquia permanece, sob novas formas, assim os discursos sobre o futebol feminino se alteram, mas não para liberta-las e sim para a manutenção da desigualdade.

As futebolistas já apareceram na mídia criticando a falta de apoio ao futebol feminino, porém elas só vêem o aspecto financeiro e não demonstram o conhecimento das temáticas aqui abordadas, o que tornaria o discurso e as atitudes das atletas mais profícuo na busca de melhoras para o futebol feminino.

Recebido em: 13 de abril de 2009.

Aceito em: 27 de outubro de 2010.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      13 Abr 2009
    • Aceito
      27 Out 2010
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