Acessibilidade / Reportar erro

AVALIAÇÃO DE FRAGILIDADE AMBIENTAL: UMA NOVA ABORDAGEM METODOLÓGICA PARA UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE USO INDIRETO EM ÁREAS URBANAS

AMBIENTAL FRAGILITY MEASSUREMENT: A NEW METHODOLOGY TO CONSERVATIONIST UNITIES OF INDIRECT USAGE ON URBAN FORESTS.

RESUMO

Buscou-se desenvolver uma metodologia que possibilitasse a avaliação de fragilidade ambiental considerando as interferências antrópicas sobre ecossistemas primitivos ou não, destinadas à implantação de unidades de conservação urbanas. Esta metodologia inovadora teve como marcos referenciais os modelos tradicionais utilizados para aferição de qualidade de paisagens e para avaliação de impactos ambientais, possibilitando o estabelecimento de critérios de avaliação específicos para cada fator estudado, assim como a integração destes até o resultado final.

PALAVRAS-CHAVE:
fragilidade ambiental; avaliação ambiental; ecologia urbana; áreas protegidas

ABSTRACT

This paper presents a new methodological approach to make possible the environmental fragility evaluation, considering human interferences on primitive or no primitive ecosystems purposed to became urban protected areas. This innovatory approach, is based in traditional models that use landscape quality evaluation and environmental impact assessments, but makes possible the establishment of specific evaluation criteria to each environmental factor and their integration.

Key words:
environmental fragility; environmental evaluation; urban ecology; protected areas

INTRODUÇÃO

A pressão exercida pelo crescimento populacional e pela demanda decorrente no que diz respeito à utilização econômica de terras, assim como de áreas destinadas à recreação e lazer, vem provocando a modificação de usos. Vêm sendo criados mecanismos legais que normatizam e ordenam estas ocupações, buscando integrar pontos de vista multidisciplinares na avaliação custo-benefício destas transformações.

Esta avaliação deve ser fundamentada numa visão holística do ambiente, assim como no pressuposto de que a generalização de condições satisfatórias de qualidade de vida de uma população está intrinsecamente ligada à qualidade ambiental. Sob esta égide, toda e qualquer modificação no ambiente só se justifica se resultar em beneficios coletivos, diretos ou indiretos, sem alterar ou de modo a causar o mínimo possível de alterações nos processos ecológicos essenciais.

Os processos ecológicos essenciais são aqueles responsáveis pela manutenção da dinâmica dos ecossistemas, incluindo-se aí os mecanismo de auto-regulação e homeostase. Urna vez que estes processos sejam radicalmente alterados, tem-se como resultado processos de degradação ambiental que muitas vezes são irreversíveis, ou provocam efeitos de difícil reversibilidade, com raios de ação bastante significativos.

O sinergismo das interferências perpetradas deve ser considerado, haja visto que pode ser potencializador de conseqüências deletérias ao ambiente, à sua estrutura e dinâmica, comprometendo usos atuais e futuros.

Isto aplica-se inclusive a áreas destinadas à conservação de recursos naturais, notadamente áreas protegidas implantadas dentro da malha urbana, que têm múltiplos objetivos, dentre os quais a conservação de alguns dos processos ecológicos essenciais, salvaguardar atributos ou aspectos cênicos interessantes e simultaneamente oferecer alternativas de lazer à população.

Considerando o exposto, buscou-se desenvolver uma metodologia que possibilitasse a análise das interferências antrópicas sobre ecossistemas primitivos ou não, destinadas à implantação de unidades de conservação urbanas, face à necessidade de avaliar a área destinada ao Parque Tingüi, no município de Curitiba, Paraná, de modo a direcionar as interferências previstas no projeto original do Parque.

Como a complexidade envolvida era bastante grande e os objetivos muito específicos, as metodologias tradicionalmente utilizadas para avaliações de impactos ambientais não se adequavam ao trabalho.

BREVE DESCRIÇÃO DA ÁREA DE ESTUDOS

A área prevista para o Parque Tingüi possui uma direção geral NE-SW, sendo limitada ao sul pela Av. Manoel Ribas e ao norte pela PR-092 (Rodovia dos Minérios).

A área estimada da bacia de drenagem é de 45 km2. Deste total, aproximadamente 54% estão em território curitibano (24 km2) e 46% (21 km2) no município de Almirante Tamandaré. A área toda enquadra-se entre as coordenadas UTM 667.000, 674.000 W e 7.197.000, 7.188.000 S.

Não existem limites naturais de grande destaque para a área, a não ser os divisores de água da própria bacia hidrográfica, que, por sua vez, engloba partes dos bairros curitibanos de Santa Felicidade, São João, Cascatinha, Vista Alegre, Pilarzinho, Taboão e Abranches, em Curitiba, e de Tanguá e Lamenha Grande, em Almirante Tamandaré.

OBJETIVOS PARA A CRIAÇÃO E IMPLANTAÇÃO DO PARQUE

A implantação do Parque Tingüi resultou da execução de um programa previsto no Plano Diretor de Curitiba, para prevenir e minimizar problemas nos fundos de vale (principalmente aos ligados à ocupação indevida), através da criação de parques lineares.

O Parque Tingüi foi enquadrado como tal, principalmente para minimizar o problema de enchentes, relativamente comuns na área. O Rio Barigüi, ao longo do qual o Parque foi implantado foi dragado, retificado e suas margens e adjacências sofreram tratamento paisagístico.

A ABORDAGEM METODOLÓGICA

A avaliação de fragilidade ambiental de uma área engloba a valoração de alguns dos atributos e características apresentados pelo ecossistema, a princípio de forma isolada e, a posteriori, integradamente, possibilitando que se obtenha uma percepção do conjunto.

Para tanto, foram considerados alguns conceitos fundamentais relacionados à ecologia. O primeiro deles diz respeito à própria definição de ecossistema que, segundo ODUM (1985), é o produto da interação e dinâmica de fatores bióticos e abióticos.

Outro, relaciona-se ao fato de que, dentre os fatores bióticos, não se deve esquecer do homem, suas interferências e o grau de modificação que estas imprimem aos ecossistemas. Considerando as crescentes tendências de urbanização e suas características, já se pode considerar a ecologia urbana como um dos ramos da ciência ecológica (SUTTON & HARMON, 1977SUTTON, B & HARMON, P. Fundamentos de ecologia. Mexico: Limusa, 1977. Serie Instrucción Programada Limusa.).

Isto posto, verifica-se que a avaliação de fragilidade de um ecossistema deve levar em consideração cada um dos fatores que configuram suas características, assim como sua interação. Além disso, deve ser pautada pelo tipo de atividade que se quer implantar. Aí consiste o ponto fundamental da filosofia de trabalho, o marco referencial da avaliação.

No caso de unidades de conservação em áreas urbanas, por exemplo, as maiores interferências exercidas pelas ações envolvidas na sua implantação e operação deverão dar-se preferencialmente nas áreas originalmente mais alteradas, sendo resguardadas aquelas que mantenham suas características mais primitivas.

Outro aspecto importante é que a avaliação de fragilidade deve ser o mais objetiva possível, de modo a eliminar o caráter de subjetividade, exceto quando este resulte de julgamentos baseados na experiência do corpo técnico envolvido.

Como a análise da fragilidade ambiental aplicava-se a um local destinado à implantação de uma unidade de conservação, teve como premissa básica que, quanto mais degradada a área, menor a sua fragilidade e mais radicais as interferências que poderia sofrer; quanto menos degradada, maior a sua fragilidade, devendo ser objeto de intervenções mais suaves ou sujeitas a um controle maior.

Em função de todos os aspectos citados, optou-se por criar uma forma de avaliação inovadora, que utiliza os fundamentos básicos de uma metodologia de uso consagrado em avaliação de paisagens, recomendada para este fim, por diversos autores, entre eles FERNANDEZ (1979)FERNÁNDEZ, A. R. Planificación física y ecología: modelos y métodos. Madrid: EMESA, 1979., GRIFFTH (1979)GRIFFITH, J. J. Análise de recursos visuais do Parque Nacional da Serra da Canastra. Brasil Florestal, 9 (40): 13-21, 1979., ESCRIBANO et al. (1989)ESCRIBANO, Μ. M.; FRUTOS, M.; IGLESIAS, E.; MATAIX, C.; TORRECILLA, I. El paisage. Madrid: ETSI Montes, 1989. e MILANO (1989)MILANO, M. S. Estudos da paisagem na avaliação de impactos ambientais. In. SEMINÁRIO SOBRE AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL. Resumos. Curitiba, FUPEF, 1989. p. 117-125., que consiste na identificação e avaliação de unidades regulares de paisagem. Esta fundamentação metodológica foi ampliada e reformulada para satisfazer à necessidade de proceder à avaliação de fragilidade ambiental da área destinada ao Parque.

Seguindo os princípios básicos metodológicos, a área de estudos foi dividida em quadrículas, que numeradas e plotadas sobre uma base cartográfica, foram analisadas, a princípio individualmente e depois integradamente. Embora a escala de trabalho pudesse variar de acordo com cada fator estudado, foi mantida a mesma codificação e localização de quadrículas.

Efetuou-se de início, um diagnóstico da situação presente na área. Este e as análises das características presentes foram efetuados por urna equipe multidisciplinar, sendo considerados para avaliação os três Meios envolvidos (Físico, Biológico e Antrópico), enfocando-se para cada um deles os fatores considerados como principais na dinâmica do ecossistema aonde a área se insere:

  • Meio Físico: contaminação de águas, suscetibilidade a enchentes, solo e subsolo, englobando erodibilidade, contaminação do lençol freático e estabilidade de taludes;

  • Biológico: flora (tipo de cobertura vegetal, área ocupada e paisagem local) e fauna (diversidade, grupos indicadores, grau de sinantropia, diversidade de ambientes, presença de ambiente lótico)

  • Antrópico: ocupação de fundos de vale e sub-habitações.

O procedimento básico utilizado para a avaliação destes fatores foi o mesmo. Para cada um deles foram definidos critérios objetivos de avaliação, ressaltando-se que a premissa básica considerada foi: quanto mais degradada a área, menor a sua fragilidade, para efeito das interferências do Parque. Os critérios encontram-se descritos detalhadamente a seguir e resultaram na atribuição de valores numéricos para cada quadrícula.

Houve quadrículas onde não havia possibilidade, por motivos diversos, de aplicar o critério considerado. Exemplificando, o fator flora não podia ser avaliado em quadrícula inteiramente coberta por ocupação humana, ou no caso do fator presença de sub-habitações, só poderiam ser avaliadas as quadrículas onde estas existissem. Nestes casos, o valor da quadrícula foi considerado nulo para aquele critério, inclusive para o somatório do Meio e a avaliação de fragilidade, sendo a valoração obtida nestas quadrículas fruto dos fatores onde a avaliação se fez possível.

Em função da diversidade dos parâmetros considerados em cada fator e das consequentes diferenças na amplitude de distribuição dos números resultantes, procedeu-se à padronização destes números, utilizando-se a fórmula a seguir, adaptada de JOHNSON & WICHERN (1988)JOHNSON, R. A. & WICHERN, D. W. Applied multivariate statistical analysis. New Jersey: Prince Hall, 1988.:

V P = N - μ F σ F

Onde: VP= valor padronizado para a quadrícula; N= pontuação atribuída à quadrícula; mF= média dos valores atribuídos ao fator; sF= desvio padrão dos valores atribuídos ao fator

Obteve-se uma valoração final por Meio, somando-se os resultados padronizados de cada fator, por quadrícula; verificou-se a amplitude desta pontuação, que foi dividida em cinco classes, gerando mapas de fragilidade para os Meios avaliados.

Em seguida, efetuou-se o somatório dos valores obtidos para os três Meios; foi verificada sua amplitude de distribuição, sendo esta novamente dividida em cinco classes de fragilidade (baixa, média-baixa, média, média-alta e alta), sendo então elaborado o mapa final de avaliação da fragilidade ambiental (Figura 2), com a compatibilização de dados dos três Meios analisados.

CRITÉRIOS UTILIZADOS

Meio físico

Para cada quadrícula foram considerados três fatores, para efeito de avaliação de fragilidade do Meio Físico: qualidade de água, suscetibilidade a enchentes e solo/subsolo.

a) Qualidade de água

A pontuação atribuída às quadrículas variou de 1 a 10, considerando a carga orgânica correspondente à população contribuinte por microbacia e a vazão do Rio Barigüi trecho a trecho.

Desse modo, foi atribuido valor 1 às áreas mais populosas e, conseqüentemente, geradoras de maior carga poluente. O valor 10 correspondeu às áreas menos povoadas, ficando os demais valores proporcíonalmente distribuídos para as ocupações urbanas intermediárias, numa relação aritmética.

No caso das indústrias, a carga efluente, em KgDBO/dia, foi transformada em população equivalente, dividindo-se aquela carga por 54g/hab, sendo o valor encontrado somado à população na respectiva quadrícula.

b) Suscetibilidade a enchentes

A suscetibilidade a enchentes foi definida com base nos hidrogramas de enchente calculados e nas características dos diversos trechos do Rio Barigüi, incluindo o curso natural e o retificado.

Foram atribuídos valores de um a cinco, com a seguinte correspondência; valor 1, para áreas não inundáveis; valor 2, para as inundáveis com baixa freqüência, valor 3, para as áreas inundáveis com relativa freqüência; valor 3, para as áreas inundáveis com freqüência; e valor 5, às quadrículas inundáveis com alta freqüência.

c) Solo e subsolo

Em cada quadrícula foram definidos valores percentuais das área ocupadas por cada uma das grandes unidades geológicas (diabásios, migmatitos e aluviões) e considerada a relação entre estas unidades e a declividade, estabelecendo-se os percentuais de área ocupada por cada porção nas diferentes classes de declividade, que foram divididas em três (alta, média e baixa).

A fragilidade por quadrícula foi avaliada com base na interação de três processos: erodibilidade, estabilidade de encostas e contaminação do lençol freático. Para cada um destes, a fitología recebeu pesos diferentes, sendo sempre respeitadas as relações de proporcionalidade espacial e de declividades anteriormente citadas, resultando nos números registrados na Tabela 1.

Em função da proporcionalidade da área entre declividades e unidades geológicas, optou-se, na avaliação das quadrículas, por utilizar a classe de declividade dominante por litologia na quadrícula, para a aplicação dos pesos definidos na Tabela 1

Por exemplo, no caso de uma quadrícula formada exclusivamente por migmatito, ocupando 25% da área em classe de alta declividade, 30% em classe de declividade média e 45% em classe de declividade baixa:

  • quanto à erodibilidade, esta quadrícula apresenta o domínio da classe de baixa declividade, que corresponde, na Tabela 1, ao peso 2; utilizou-se o valor 0,45, equivalente à percentagem 45% para multiplicar por este peso, do migmatito (2), obtendo-se 0,45x2=0,9. Multiplicou-se este valor (0,9) pelo peso da litologia (no caso, migmatito, peso 2), obtendo-se um total de 1,8 como valor para a quadrícula;

  • o mesmo procedimento foi aplicado quanto à estabilidades de taludes, que nesta quadrícula apresentaria um valor final de 0,45 x 3 x 3 = 4,05;

  • idem para contaminação do lençol freático, que teria o valor final 0,45 x 6 x 2 = 4,8

o valor final para esta quadrícula seria então 1,8 + 4,05 + 4,8 = 10,65.

Este procedimento foí utilizado por litologia, sendo que nas quadrículas onde ocorriam dois ou três tipos diferentes, realizava-se o cálculo para cada litologia e a média aritmética entre estas foi o valor atribuído à quadrícula.

MEIO BIOLÓGICO

Dentro de cada uma das quadrículas foram considerados quatro critérios: o tipo de vegetação existente, sua percentagem de cobertura, a influência da cobertura vegetal na paisagem local e a análise faunística como um todo. Este último critério foi o resultado de considerações sobre todos os aspectos envolvidos na distribuição e características da fauna local.

a) Tipo de cobertura vegetal

Para este fator foram atribuídos valores de 1 a 5, de acordo com o tipo de cobertura vegetal:

  • as quadrículas que apresentavam os dois estágios mais avançados da sucessão da Floresta Ombrófila Mista Montana (a Floresta Secundária e o Capoeirão) e a Floresta Ombrófila Mista Aluvial, com a presença efetiva de araucária, receberam o valor máximo, 5 (cinco), principalmente pelo interesse em mantê-los inalterados, proporcionando a continuidade da dinâmica sucessional até que o equilíbrio seja atingido. Uma condicionante de relevância para a atribuição deste valor foi a grande importância em termos de diversidade florística e estrutura da vegetação que, no caso, são significativamente superiores às demais fases sucessionais e tipos vegetacionais;

  • obtiveram valor 4 (quatro) as áreas com Capoeira e bracatinga manejada, já que, por tratar-se de fases menos adiantadas de sucessão, denotavam menor diversidade ou, no caso de áreas de bracatinga sob manejo, praticamente homogeneidade de espécies. O valor expressivo atribuído deveu-se à florística destas formações, com espécies nativas de relevante importância, propiciadoras de condições favoráveis ao desenvolvimento de espécies mais exigentes, isto é, aquelas típicas do Capoeirão e da Floresta Secundária;

  • foi atribuído valor 3 (três) às Formações Pioneiras de Influência Fluvial. Embora uma avaliação superficial pudesse induzir à imputação de valor maior, por ser a formação característica de condições ambientais extremas e por mitigar as alterações constantes geradas pelo meio, uma análise mais acurada mostrou que o antropismo intenso proporcionou, na maioria dos casos, uma completa descaracterização das áreas de várzea, promovendo, por exemplo, a introdução de espécies exóticas e retificações nos meandros que mantinham o ambiente necessário àquelas formações;

  • os povoamentos de espécies dos gêneros Pinus e Eucalyptus mereceram valor 2 (dois) por conterem espécies exóticas, não possuírem interesse em termos diversidade florística nem constituírem um tipo vegetacional que estimule a sucessão. Receberam esta valoração pela cobertura do solo proporcionada e manutenção de um ambiente estável, mesmo que artificialmente;

  • O valor mais baixo, 1 (um) foi concedido à Capoeirinha, pastagens, agricultura e Formações Pioneiras de Influência Fluvial onde predominava a taboa (Typha domingensis). A Capoeirinha é uma das fases iniciais da reocupação de um espaço alterado pelo homem, com indivíduos de hábitos herbáceos e arbustivos, de vida relativamente curta. Para sua instalação em uma área alterada são necessários poucos meses e, embora não seja menos importante que as fases sucessionais seguintes, é preferível que sejam modificadas as áreas onde ocorra Capoeirinha e não subseres mais adiantadas. Em outros termos, é mais interessante fazer uso de locais onde ocorreu alteração há pouco tempo do que naqueles onde esta alteração já faz parte de um passado distante e a sucessão está adiantada. As pastagens e áreas de agricultura não proporcionam interesse no que se refere à vegetação e a taboa ocorre em lugares extremamente alterados, nos limites previstos para o Parque podendo-se, de certo modo, valer-se da mesma justificativa utilizada para a Capoeirinha.

b) Área ocupada

Tabela 1
pesos atribuídos aos processos considerados na avaliaçao de fragilidade, de acordo com a litologia e as classes de declividade

Apenas o tipo de vegetação existente em um local não pode expressar corretamente a importância e a influência exercida por ela no ambiente onde está inserida. A extensão da área recoberta por tal vegetação tem um papel relevante, principalmente quando se trata de regiões formadas por mosaicos de muitos tipos diferentes. Desta forma, para ponderar o valor auferido pelo item “tipo de vegetação”, foi considerada a percentagem de área coberta por cada tipologia, tendo sido utilizados diferentes intervalos de área recoberta, aos quais foram atribuídos pesos de 1 a 5, sendo: de 0 a 20%, peso 1; de 21 a 40%, peso 2; de 41 a 60%, peso 3; de 61 a 80%, peso 4; e de 81 a 100%, peso 5.

c) Paisagem local

Este item foi considerado como complementar aos anteriores, por tratar-se de avaliação algo subjetiva. Foram atribuídos valores de -1 a +3, com base nos seguintes critérios:

  • as paisagens com alterações antropogênicas evidentes e desagradáveis receberam a nota negativa (-1), como por exemplo as pedreiras e cavas abandonadas, onde o solo estava descoberto e/ou profundamente alterado;

  • um valor neutro for atribuído quando a vegetação não era visual mente agradável, mas onde sua exclusão causaria impacto negativo, como em algumas cavas onde crescem as ciperáceas e taboas;

  • aquelas paisagens onde havia um excesso de tipos, causando certa confusão de planos e texturas receberam nota 1 (um);

  • para as formações onde o estrato arbóreo domina, como os povoamentos puros e a Capoeira, a nota recebida foi 2 (dois), considerando a uniformidade de cores, planos e texturas;

  • a nota mais alta, 3 (três), foi concedida às áreas com presença de Florestas Secundárias e Capoeirões devido à sua maior estratificação e diversidade, que ofereciam variedade de formas, cores e texturas.

d) Fauna

Esta avaliação resultou da interação de três fatores:

Classificação da vegetação segundo critérios faunísticos: embora a florística local seja determinante para os parâmetros ligados à flora, há que se proceder a urna adequação no que diz respeito à fauna, que está mais relacionada com a fisionomia da vegetação. Assim, na análise reuniu-se a vegetação em quatro grupos fisionômicos de interesse faunístico, que foram contrapostos com a diversidade da fauna, de grupos ecológicos indicadores de 1a e 2a ordem e de grau de sinantropia, com índices não-Passeriformes/Passeriformes e Oscines/Sub-oscines e diversidade nos vários tipos de áreas verdes urbanas:

  • Grupo I: inclui a Floresta Ombrófila Mista nas subseres Capoeira, Capoeirão e Floresta Secundária - valor 4 (quatro);

  • Grupo II: Floresta Ombrófila Mista Aluvial e Formações Pioneiras de porte arbóreo: valor 3 (três);

  • Grupo III: Capoeirinha - valor 2 (dois);

  • Grupo IV: Formações Pioneiras de porte herbáceo e ambiente fluvial - valor 1 (um).

Número de grupos fisionômicos: este número indica a diversidade de ambientes por quadrícula. A tendência a um número maior de ambientes, embora possibilite uma fauna aparentemente mais rica, permite a ocorrência de elementos colonizadores (que indicam hábitats modificados) e dificulta o intercâmbio gênico das populações naturais, especialmente das que exigem grandes áreas. Uma paisagem muito fragmentada aumenta a tensão ecológica entre a fauna pela disputa de alimentos e território. Foram então atribuídos os seguintes valores:

  • quatro grupos fisionômicos por quadrícula: valor 1;

  • três grupos fisionômicos por quadrícula: valor 2;

  • dois grupos fisionômicos por quadrícula: valor 3;

  • um grupo fisionômico por quadrícula: valor 4.

Quadrículas com ambiente fluvial lótico: onde este tipo de ambiente (cursos d’água) estava representado, adicionou-se um ponto à somatória geral.

O cálculo do valor atribuído ao critério fauna foi então obtido com base na equação:

F = ( Σ G n V ) + R

onde: sG é a somatória dos valores de cada grupo fisionômico, nV o número de grupos fisionômicos por quadrícula e R, variando de 0 a 1, indica respectivamente a ausência ou presença de ambiente lótico.

Os pesos dos critérios "paisagem local" e "fauna" foram somados ao valor obtido pela multiplicação entre os itens "tipo de vegetação" e "área ocupada". Os valores finais obtidos foram agrupados em cinco classes, que expressam os níveis de fragilidade.

Considerando apenas este meio, as quadrículas enquadradas nas classes V e IV não devem sofrer qualquer tipo de intervenção ou uso. A classe III corresponde aos locais com uso restrito, não devendo ocorrer alterações significativas à vegetação. As classes II e I correspondem às áreas cuja intervenção não possui restrições.

MEIO ANTRÓPICO

No Meio Antrópico foram utilizados dois critérios de avaliação: ocupação de fundo de vales e a presença de sub-habitações nestas áreas. Em ambos, só foram consideradas as quadrículas situadas nos fundos de vale e, dentre estas, aquelas onde se registrava ocupação, correspondendo a 32% do total de quadrículas da área destinada ao Parque Tingüi. Nas demais, o efeito do antrópico foi considerado nulo.

a) Ocupação de fundo de vale:

Foi definida a percentagem de ocupação por quadrícula de fundo de vale utilizando-se fotografias aéreas coloridas. Esta ocupação foi dividida em cinco classes, às quais foram atribuídos pesos de 1 a 5: peso 1, até 25% de ocupação; peso 2, de 26 a 40%; peso 3, de 41 a 60%; peso 4, de 61 a 80%; e peso 5, ocupação acima de 81%.

b) Presença de sub-habitações

Este fator também foi dividido em cinco classes, de acordo com a percentagem de ocupação da quadrícula por sub-habitações, com a mesma atribuição de pesos do fator anterior: peso 1, até 25% de ocupação; peso 2, de 26 a 40%; peso 3, de 41 a 60%; peso 4, de 61 a 80%; e peso 5, ocupação acima de 81%.

RESULTADOS MEIO FÍSICO

A maior parte das quadrículas enquadrou-se como de média (39,3 %) e média-baixa (33%) fragilidade, principalmente aquelas não localizadas contiguamente ao curso do Rio Barigüi.

Cerca de 16 % das quadrículas foram consideradas de fragilidade média alta, principalmente margeando o Río Barigüi; a maior parte delas (67%) com problemas de qualidade de água, com riscos de enchente (28%) ou com ambos os problemas (5%). Apenas quatro quadrículas (3,6 %) dentre a totalidade foram consideradas de alta fragilidade:

  • D25: na margem direita do Rio Barigüi, na metade do trecho entre a R. José do Valle e a Av. Fredolin Wolf, na altura da R. José A. dos Santos, tanto em função da geotecnia apresentada (pouca estabilidade de taludes e propensão à erodibilidade) como da qualidade das águas, enquadradas como as de mais baixa qualidade;

  • F18: situada na margem do rio, já no Município de Almirante Tamandaré, a montante da Av. Fredolin Wolf, apresenta altos riscos de enchente, pelo estrangulamento de águas provocado pela ponte sobre aquela avenida, assim como alto risco de contaminação do lençol freático e enquadra-se na classe de pior qualidade de águas;

  • F19: situada imediatamente acima da anterior, foi enquadrada nesta classe pelos mesmos motivos, embora ligeiramente amenizados pelo aumento da distância da referida ponte.

  • M12: situada no limite municipal entre Curitiba e Almirante Tamandaré, na margem direita do Rio Barigüi, nas proximidades da Av. Eugênio Flor; apresenta alta fragilidade atribuível à instabilidade geológica e ao risco de erosão, na metade pertencente a Almirante Tamandaré e risco de contaminação do freático na porção curitibana; além disso, apresenta risco de enchentes relativamente alto.

MEIO BIOLÓGICO

Neste Meio, cerca de 29% das quadrículas foram consideradas de baixa (14%) ou média-baixa (15%) fragilidade, situadas, em sua maioria, nas extremidades da área prevista para o Parque Tingüi, onde formações vegetais primitivas encontram-se menos representadas.

A maior parte concentrou-se nas classes média (32%) e média-alta (27%), indicando áreas onde a vegetação e a fauna são mais representativas, coincidindo, de uma maneira geral, com as porções menos habitadas da área.

Cerca de 12% das quadrículas revelaramse como de alta fragilidade:

  • C24: situada nas proximidades da chaminé de tijolos, coberta por Capoeirão e Capoeira em excelentes condições de conservação, consistindo em importante habitat para a fauna;

  • D25: situada na margem direita do Rio Barigüi, na porção intermediária do trecho do Parque que vai da R. José do Valle à Av. Fredolin Wolf, ocupada por Formação Pioneira de Influência Fluvial com presença de mirtáceas, de importante valor paisagístico e ecológico;

  • D26: adjacente à anterior; é coberta quase integralmente por uma Capoeira natural de bracatinga, em excelentes condições de conservação e abrigo de fauna;

  • E18: nas proximidades da Estrada do Juruqui, apresenta efetiva ocupação por uma Capoeira, em excelentes condições de conservação e abrigo de fauna;

  • F19: situada a montante da ponte da Av. Fredolin Wolf, possui uma diversidade de cobertura vegetal, inclusive com Formação Pioneira de Influência Fluvial e revelou-se importante para a fauna local;

  • G18: acima da Av. Fredolin Wolf, coberta por Capoeirão bastante conservado.

  • I15: no bairro Pilarzinho, nas proximidades da R. Edilson Alexandre Saldanha Raffo, é dos poucos locais ocupados por Floresta Ombrófila Mista Secundária;

  • J15: adjacente à anterior, considerada de alta fragilidade pelo mesmo motivo;

  • K14: também no Pilarzinho, perto da R. Roberto Taner, selecionada por também apresentar Floresta Ombrófila Mista Secundária;

  • J14: adjacente à anterior, considerada de alta fragilidade pelo mesmo motivo;

  • M15: entre a R. Lúcia Filia Pampuo e a Pedreira GAVA, apresenta hábitat importante para a fauna;

  • M16: acima da pedreira GAVA, de efetivo interesse sob o ponto de vista faunístico;

  • P7: na localidade de Taboão, em Almirante Tamandaré, apresentando a única porção com remanescente de Floresta de Galeria com presença de araucária dentro da área destinada ao Parque Tingüi.

MEIO ANTRÓPICO

Das quadrículas analisadas, mais da metade foi enquadrada na classe de baixa fragilidade (53%); cerca de 22% na de média-baixa fragilidade e 19% na de média fragilidade. Não houve enquadramento na classe de fragilidade média-alta. Apenas a quadrícula E27, localizada na margem do Rio Barigüi, na altura da R.José Albentin foi considerada de alta fragilidade, por estar quase inteiramente ocupada por sub-habitações em fundo de vale.

AVALIAÇÃO INTEGRAL DA ÁREA

A Figura 2 registra o resultado final obtido pelo cruzamento das avaliações parciais de fragilidade para os Meios Físico, Biológico e Antrópico. Observa-se que, de uma maneira geral, a maior parte da área se enquadra nas classes de média baixa (31%) e média (38%) fragilidade. Cerca de 2% das quadrículas referem-se a áreas de baixa fragilidade, dispostas de maneira não concentrada ao longo da área de estudos. Enquadram-se como de fragilidade média alta 22% das quadrículas. As quadrículas consideradas de alta fragilidade corresponderam a 7% do total, sendo elas:

  • D25: na margem direita do Rio Barigüi, na metade do trecho entre a R. José do Valle e a Av. Fredolin Wolf, na altura da R. José A. dos Santos, considerada de alta fragilidade para os Meios Físico e Biológico;

  • E27: localizada na margem do Rio Barigüi, na altura da R.José Albentin, considerada de alta fragilidade para o Meio Antrópico;

  • F18: situada na margem do rio, já no Município de Almirante Tamandaré, a montante da Av. Fredolin Wolf, considerada de alta fragilidade para os Meios Físico e Biológico;

  • F19: situada imediatamente acima da anterior, considerada de alta fragilidade para o Meio Físico;

  • H15: localizada no final da R. E, que começa na R. Edilson Alexandre Saldanha Raffo, considerada de fragilidade média-alta para os Meios Físico e Biológico;

  • K14: também no Pilarzinho, perto da R. Roberto Taner, considerada de alta fragilidade para o Meio Biológico;

  • M12: situada no limite municipal entre Curitiba e Almirante Tamandaré, na margem direita do Rio Barigüi, nas proximidades da Av. Eugênio Flor, considerada de alta fragilidade para o Meio Físico;

  • N11: na margem esquerda do Rio Barigüi, cortada pela Av. Eugênio Flor, considerada de fragilidade média-alta para os Meios Físico e Biológico;

CONCLUSÕES

A metodologia empregada revelou-se bastante satisfatória para o atendimento dos objetivos do trabalho.

Observe-se que os critérios definidos para avaliação dos fatores ambientais foram diretamente influenciados pelas características locais, não devendo ser considerados regra para serem aplicados em outras áreas, caso se queira aplicar a metodologia.

Uma das vantagens implícita na abordagem metodológica proposta consiste justamente na liberdade de definir os critérios de avaliação, desde que aplicáveis na prática e mensuráveis, podendo ter a amplitude de valores necessária a atender às características do ambiente em estudo e às suas peculiaridades ambientais, desde que se faça a padronização dos valores para a aferição dos resultados consolidados de todos os fatores e meios enfocados.

Do mesmo modo, há também a liberdade no estabelecimento das classes de fragilidade ambiental, de acordo com o local de estudos. Outra vantagem consiste na possibilidade da concreta visualização espacial dos resultados, expressos pelas classes de fragilidade ambiental.

O passo seguinte, uma vez definida a fragilidade ambiental, é confrontar estes resultados com as interferências propostas para a área, caso já existam, ou direcionar estas interferências, em termos de sua natureza e localização espacial, para os locais capazes de suportá-las, sem que resultem em degradação ambiental.

Com relação à escala de trabalho e ao tamanho das quadrículas, recomenda-se que sejam utilizados quanto ao primeiro aspecto, critérios que levem em conta: a) a disponibilidade de material cartográfico confiável em escala que possibilite análises acuradas das características ambientais, sem que estas se percam em detalhamento excessivo; b) o tamanho da área em estudo; e c) considerações com relação ao esforço dispendido e produto desejado. No que diz respeito ao segundo aspecto, tamanho das quadrículas, estas devem ter dimensões tais que abranjam porções relativamente homogêneas da área de estudos, mas que permitam a distinção de características peculiares.

Finalmente, acredita-se que a presente abordagem metodológica possa ser utilizada nos diversos casos em que se faça necessária a avaliação de fragilidade ambiental, inclusive para enquadramento em categorias de manejo unidades de conservação e para zoneamento de uso destas , entre outros.

figura 2
AVALIAÇÃO DA fragilidade ambiental da área prevista para o parque Tingüi

LITERATURA CITADA

  • ESCRIBANO, Μ. M.; FRUTOS, M.; IGLESIAS, E.; MATAIX, C.; TORRECILLA, I. El paisage. Madrid: ETSI Montes, 1989.
  • FERNÁNDEZ, A. R. Planificación física y ecología: modelos y métodos. Madrid: EMESA, 1979.
  • GRIFFITH, J. J. Análise de recursos visuais do Parque Nacional da Serra da Canastra. Brasil Florestal, 9 (40): 13-21, 1979.
  • JOHNSON, R. A. & WICHERN, D. W. Applied multivariate statistical analysis. New Jersey: Prince Hall, 1988.
  • MILANO, M. S. Estudos da paisagem na avaliação de impactos ambientais. In. SEMINÁRIO SOBRE AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL. Resumos. Curitiba, FUPEF, 1989. p. 117-125.
  • ODUM, E.P. Fundamentos de ecologia. Tradução de C.M. Baeta Neves. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1976.
  • SUTTON, B & HARMON, P. Fundamentos de ecologia. Mexico: Limusa, 1977. Serie Instrucción Programada Limusa.
  • UNILIVRE - Universidade Livre do Meio Ambiente . Avaliação da fragilidade ambiental da área destinada ao Parque Barigüi Norte. Curitiba, 1994.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 1998
Instituto de Florestas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Rodovia BR 465 Km 7, CEP 23897-000, Tel.: (21) 2682 0558 | (21) 3787-4033 - Seropédica - RJ - Brazil
E-mail: floram@ufrrj.br