Acessibilidade / Reportar erro

Federalismo e posturas confederativas no discurso político do Brasil independente: as concepções dos escritos de Frei Caneca

Resumo:

No presente artigo problematizam-se os entendimentos de federação e confederação que se podem apreender nos escritos de Frei Caneca, elaborados durante o processo de Independência do Brasil e início do Primeiro Reinado. Nesse período esses termos se empregavam de modo indistinto e abrangiam num mesmo diapasão diferenciadas concepções políticas que então se contrapunham, envolvendo a soberania do estado nacional em formação e as ênfases no modo de se pensar a autonomia provincial. Como contraponto teórico para esse debate, utilizam-se Os Artigos Federalistas, obra clássica para a compreensão conceitual da formação do estado liberal em sua dimensão federativa.

Palavras-chave:
Liberalismo - províncias - federação - confederação

Abstract:

This study analyses the understanding of federation and confederation that can be seized from the writings of Frei Caneca, produced during the independence process of Brazil and the beginning of the First Reign. These terms were used interchangeably in the period and spanned with the same intensity different political notions that were juxtaposed at the time, involving the sovereignty of a developing national state and the emphases on how provincial autonomy was considered. The Federalist Papers, a classical work for the notional understanding of the liberal state's formation in its federative dimension, will be used as a theoretical counterpoint to this debate.

Keywords:
Liberalism - provinces - federation - confederation

Avaliações sobre o liberalismo no Brasil independente e o embate político em Pernambuco

Nos projetos políticos que se apresentaram para a construção do estado brasileiro, no decorrer da Independência e início do 1o Reinado, adquiriram grande visibilidade as propostas desenvolvidas pelos chamados “liberais radicais” que, embora passíveis de serem localizados em diversas partes do país então em formação, tiveram uma atuação bastante destacada, como se sabe, no Rio de Janeiro - onde combateram acirrada e sistematicamente o desenvolvimento das propostas vindas do centro de poder em elaboração - e na província de Pernambuco, onde, após perderem as posições políticas hegemônicas alcançadas no processo de independência, destacaram-se no início do 1º Reinado na oposição ao Rio de Janeiro, tendo se estabelecido entre junho e setembro de 1824 como poder revolucionário, na Confederação do Equador.

Considerando-se o cenário da passagem de uma condição colonial, nos quadros do Antigo Regime, para a construção de um estado liberal, as propostas dos referidos segmentos foram positivamente avaliadas por uma historiografia crítica em relação às análises mais tradicionais, que enfatizaram unilateralmente os projetos vencedores como os únicos viáveis para a construção do estado no Brasil. No que se refere a Pernambuco, Varnhagen, por exemplo, embora lamentando os fuzilamentos decorrentes da Confederação do Equador, considerou uma “missão civilizadora”1 1 VARNHAGEN, Francisco Adolfo de (Visconde de Porto Seguro). História da Independência do Brasil, até o reconhecimento pela antiga metrópole, compreendendo, separadamente, a dos sucessos ocorridos em algumas províncias até essa data. 3ª. ed.: São Paulo: Melhoramentos, 1957, p.314. o seu esmagamento. Criticando semelhantes posicionamentos, para Barbosa Lima Sobrinho2 2 LIMA SOBRINHO, Alexandre José Barbosa. Pernambuco da Independência à Confederação do Equador. Recife: Conselho Estadual de Cultura/Secretaria de Educação e Cultura, 1979, p.20. , teria havido “má vontade” dessa historiografia tradicional para com os projetos e ações que se desenvolveram em Pernambuco.

Do ponto de vista da historiografia que se contrapôs à defesa da visão da Corte, a Confederação do Equador e os projetos dos liberais nela envolvidos teriam genericamente correspondido a uma coerência liberal, contrariamente ao que se apresentava a partir do Rio de Janeiro, cujas propostas finalmente implementadas foram analisadas como decorrentes de concepções absolutistas ou, no limite, em consonância com a formação de um estado grandemente autoritário, não apenas pela sua prática, mas pelas suas concepções estruturantes. Nesse contexto, os “liberais radicais” foram largamente considerados como portadores de um ideal federativo, tendo a Revolução de 1824 sido vista, por um autor que matizou bastante os grupos políticos pernambucanos, “como uma radicalização tardia de uma proposta federalista moderada”3 3 CARVALHO, Marcus J. M. de. Cavalcantis e cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824. Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 36. São Paulo, 1998, p.332. . Por sua vez, em trabalho mais recente, Lucia e Guilherme Pereira Neves privilegiaram como mais próximos do liberalismo clássico os posicionamentos da corrente que classificaram como “vertente democrática” das formulações constitucionais, envolvendo os liberais radicais do Rio de Janeiro e de Pernambuco4 4 NEVES, Lúcia M. Bastos Pereira das; NEVES, Guilherme Pereira das. Constituição. In: FERES JÚNIOR, João (org.). Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2009, p.73-4. .

Contudo, a referida polarização entre liberalismo, de um lado, e absolutismo/estado autoritário, de outro, passa por revisões importantes na tentativa de se compreender de modo mais profundo a dinâmica política da construção do estado no Brasil, em suas bases conceituais5 5 Para tanto ver: MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília H.L. de S. (orgs.) Introdução. In: Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: EDUSP, 2013, p.9-33. . Problematizam-se as formulações anteriores, no sentido de se observar a compatibilidade entre o liberalismo clássico e o estado implementado no 1o Reinado. Em que pesem a outorga constitucional, a inclusão do Poder Moderador e do escravismo, avalia-se que no estado imperial brasileiro consubstanciou-se uma vertente política compreendida no arco das possibilidades abertas pelas formulações liberais entavam em processo na França, na Inglaterra e no Atlântico ibero-americano6 6 Para tanto ver: LYNCH, Christian Edward Cyril. O discurso político monarquiano e a recepção do conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824). DADOS Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: vol. 48, no. 3, 2005, p. 611- 653; SEBASTIÁN, Javier Fernández. Liberalismos nacientes en el Atlántico Iberoamericano: “liberal” como concepto y como identidad política, 1750-1850. In: __________ (Dir.) Diccionario político y social del mundo ibero-americano. La era de las revoluciones, 1750-1850. Madrid: Fundación Carolina Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2009, p.695-731. .

Enfaticamente, Cyril Lynch reafirmou as considerações de José Murilo de Carvalho: “Comparada às suas congêneres, a Constituição de 25 de março de 1824 era provavelmente a carta monárquico-constitucional mais liberal de seu tempo”7 7 LYNCH, Christian Edward Cyril. Op. Cit., p.638. . Avaliação em sentido semelhante, cabe lembrar, fora feita por João Armitage ao analisar a Constituição outorgada de 1824: “Em princípios gerais a Constituição é tão satisfatória como a projetada pela última Assembleia: e em conformidade com a promessa do Imperador muitas das suas disposições são ainda mais liberais”8 8 ARMITAGE, João. História do Brasil: desde o período da chegada da família de Bragança, em 1808, até a abdicação de D. Pedro I, em 1831, compilada à vista dos documentos públicos e outras fontes originais formando uma continuação da História do Brasil de Southey. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia/ São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981, p.88. .

No sentido dessas perspectivas historiográficas, pode-se problematizar também a avaliação das concepções esposadas pelos “liberais radicais” - ou, nos dizeres de Marco Morel, “exaltados”9 9 Expressão utilizada em Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade. Salvador: Academia de Letras da Bahia; Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, 2001. - em relação ao espectro político que se constituía no Brasil da independência. Importa frisar que, tanto para Pernambuco como para o Brasil em geral, o contexto mais amplo em que se debatiam os diferentes projetos que vieram à luz na época era o do constitucionalismo, não se tratando, portanto, de contraposições entre posturas liberais e absolutistas. Concepções de estado de teor efetivamente absolutista apresentaram-se de modo minoritário, não se constituindo em referência de peso no quadro mais geral dos conceitos esposados. Conforme explicitou Denis Bernardes: “parafraseando José Bonifácio, podemos afirmar que, salvo os pés de chumbo, todos desejavam que o Brasil figurasse como uma nação livre, mas cada corrente política não a pressupunha constituída da mesma forma”10 10 BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. A idéia do pacto e o constitucionalismo em Frei Caneca. Estudos Avançados 11 (29), 1997, p.156. .

Para o autor acima citado, configurou-se uma “indissociabilidade entre o processo da Independência e o debate constitucional”11 11 BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. Loc.cit. . Na sua visão, nem mesmo a dissolução da Constituinte e a outorga da Carta de 1824 reverteram “a onda avassaladora de constitucionalismo” que vigorou na época, não se erigindo em atitudes passíveis de se classificar como de Antigo Regime12 12 BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça.Loc.cit. .

Tomando-se a ação política em dimensão provincial, em Pernambuco, após a Revolução do Porto, desenvolveu-se acirrada luta contra o Governador Luís do Rego, general português representante do reformismo absolutista, que assumira a presidência da Província após a Revolução pernambucana de 1817 e mantivera-se no poder, formando e presidindo a junta de governo criada em decorrência dos novos ditames liberais emanados de Lisboa a partir da Revolução do Porto. Em oposição à permanência desse governador, constituiu-se na cidade de Goiana, em agosto de 1821, uma junta dissidente e, após lutas armadas e negociações, em outubro de 1821 deu-se a retirada de Luís do Rego, bem como a homologação, na Sé de Olinda, e a instalação, no Recife, de uma junta eleita, representante das forças locais.

A atuação dessa junta - presidida pelo comerciante Gervásio Pires Ferreira e que perdurou até setembro de 1822 - foi objeto de divergentes interpretações a respeito da sua relação com o Rio de Janeiro, no que se refere às suas posições centrípetas ou centrífugas. De acordo com Varnhagen, teria seu presidente desenvolvido uma postura largamente nativista, resistindo às direções emanadas do Rio Janeiro. Embora formalmente aderindo ao “Fico”, gabou-se ele de manter “a província segregada” da regência de D. Pedro, não realizando a eleição de dois procuradores para representarem Pernambuco no Conselho de Procuradores13 13 VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Op. Cit., p.296-300. A instituição desse Conselho logo após o “Fico”, em decreto de 16-02-1822, foi uma medida de caráter jurídico-institucional representando um primeiro passo de centralização política, no sentido da formação de um Brasil autônomo e unitário, mas que, sobretudo nas áreas do atual Nordeste, despertou temores de um possível favorecimento de atitudes ”despóticas” de D. Pedro, temendo-se, também, o autoritarismo do ministério comandado por José Bonifácio.. . Com análise em sentido oposto, em avaliação muito positiva da atuação da junta, para Pereira da Costa a deposição de Gervásio Pires - em 16 de setembro de 1822, por uma sedição militar - teria ocorrido em função de insinuações do ministério do Rio de Janeiro, ao intervir indevidamente no governo local, mostrando sua face autoritária/absolutista14 14 COSTA, F.A.Pereira da. Anais Pernambucanos. Vol VIII, 1818-1823. Recife: Arquivo Público Estadual, 1962, p.134-137. .

Por sua vez, Barbosa Lima Sobrinho analisou largamente os posicionamentos de Gervásio Pires como coerentes com um propósito de unidade, divergindo embora das medidas consideradas arbitrárias do governo do Rio de Janeiro15 15 LIMA SOBRINHO, Alexandre José Barbosa. Op. Cit., p.20-86. . Em sentido semelhante, nas avaliações de Denis Bernardes e Cabral de Mello, não teria havido vacilação, mas, ao contrário, coerência, no comportamento da Junta16 16 BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822. Recife: Editora Universitária UFPE/São Paulo: FAPESP, 2006; MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Ed. 34, 2004, p.65-112. . Em parte, os seus posicionamentos tardariam a se manifestar devido aos procedimentos internos, democráticos, de decisão; de acordo com Bernardes, essa junta, no contexto do Brasil da época, “foi a que mais amplamente representou a grande inovação administrativa trazida pelo constitucionalismo luso-brasileiro: a emergência de um poder administrativo e político local...”17 17 BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. O patriotismo constitucional...Op. Cit. p. 421. .

A questão da autonomia foi amplamente reforçada por ambos os autores. Conforme Cabral, havia o “objetivo prioritário de assegurar a autonomia pernambucana frente a Lisboa e ao Rio de Janeiro” (grifo do autor)18 18 MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independência...Op. Cit., p.80. . Dessa maneira, a instituição do Conselho de Procuradores teria despertado temores de um possível favorecimento de atitudes ”despóticas” de D. Pedro, temendo-se, também, o autoritarismo do ministério comandado por José Bonifácio. O sentido da autonomia foi também bastante enfatizado por Marcus Carvalho, que realçou, contudo, a oscilação do dirigente entre os centros políticos em disputa19 19 CARVALHO, Marcus J. M. de. Op. Cit., p.331-365. .

Independentemente, contudo, da ocorrência de posicionamentos relativamente centrípetos ou centrífugos, o fato é que a partir da instalação da junta presidida por Gervásio Pires clareou-se o espectro liberal em Pernambuco, desenvolvendo-se a partir de então uma intensa atividade de imprensa, que perdurou após a deposição dessa junta, em setembro de 1822, quando se sucederam governos em termos mais favoráveis ao Rio de Janeiro20 20 MELLO, Evaldo Cabral de (org. e introdução). Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. São Paulo: Editora 34, Coleção Formadores do Brasil, 2001, pp.28ss. . De um lado, constituindo a grande maioria da imprensa local, surgiram na Província importantes jornais desenvolvendo com muita vivacidade oposição à forma como vinha se compondo o centro político do Rio de Janeiro, como Segarrega, O Marimbondo e A Gazeta Pernambucana, Sentinella da Liberdade na Guarita de Pernambuco e Escudo da Liberdade do Brazil, dirigidos por ex-revolucionários de 1817 e/ou deputados às Cortes instituídas com a Revolução do Porto de 182021 21 Em dezembro de 1821 veio à luz o jornal Segarrega, editado por Filipe Mena Calado da Fonseca, português que participara da revolução de 1817 e da junta de Goiana, sendo, na expressão de Cabral de Mello, um “órgão gervasista” (A outra independência...,p.77). Por sua vez, em 1822 surgiram: em julho, O Marimbondo - fundado pelo padre José Marinho Falcão Padilha, lente régio de retórica e poética do Liceu Pernambucano - e, em setembro, A Gazeta Pernambucana, fundada pelo padre Venâncio Henriques de Rezende - republicano separatista que fez parte da Assembléia Geral Constituinte e, posteriormente, da Confederação do Equador, considerado o “braço direito” de Gervásio Pires. Quando foi para o Rio de Janeiro assumir suas funções de constituinte, essa gazeta passou a ser dirigida por Cipriano Barata que, por sua vez, em abril de 1823, momentos antes da reunião inicial da Assembleia Constituinte, fundará o seu primeiro jornal, Sentinella da Liberdade na Guarita de Pernambuco. Ainda em julho de 1823, surgiu o periódico Escudo da Liberdade do Brazil, inicialmente redigido pelo padre Francisco Agostinho Gomes, que havia sido deputado às Cortes de Lisboa, tendo feito parte do grupo que se recusou a jurar a constituição nesse fórum promulgada. Depois foi dirigido pelo capitão João Mendes Viana. Ainda, no Natal de 1823, vinha à luz o primeiro número do Typhis Pernambucano, redigido por Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, em rota de colisão com o governo central, que destituíra a Assembléia Constituinte. Por sua vez, de modo articulado com os recifenses, editava-se na Bahia O Liberal, periódico cuja edição transferiu-se para o Recife no início de 1824. Seu redator, o padre João Batista da Fonseca restaurou também nesse momento a publicação da Sentinella da Liberdade, suspensa pela repressão que se abatera sobre Cipriano Barata a partir de fins de 1823. Elemento de prol entre os liberais radicais, nascera nessa cidade, recebera ordens na Bahia e estudara em Coimbra; participou dos movimentos de 1817 e de 1824. (LEME, Marisa Saenz. Soberania, centralização, federação e confederação no discurso jornalístico da Independência: a visão de “O Conciliador Nacional”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a. 169, n. 440, jul./set. 2008, pp. 29 a 62.) .

De outro lado, em julho de 1822, fundou-se no Recife O Conciliador Nacional, editado pelo frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, lente de Retórica do Seminário de Olinda. Considerado “uma das figuras mais lúcidas da época”22 22 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 84. , adotou a linha unitária, desenvolvendo-a de modo programático e doutrinário23 23 Com orientação favorável ao Rio de Janeiro, registra-se em Pernambuco no período abordado apenas o periódico Relator Verdadeiro, com dez números publicados entre 13 de dezembro de 1821 e 25 de maio de 1822, encerrando-se portanto um pouco antes do surgimento de O Conciliador Nacional. (NASCIMENTO, Luiz do. História da Imprensa em Pernambuco (1821-1954), vol. IV, Periódicos do Recife - 1821-1850. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1969, p.28.) , o que levou o jornal a ser largamente combatido pelos demais. Lopes da Gama usufruía de grande respeito por parte dos seus oponentes e, como se expressou num deles24 24 O Liberal, n.3, 17-10-1823. Trata-se de jornal que apresentava concepções “radicais” a respeito da descentralização do estado ( LEME, Marisa Saenz. Op. Cit., p.38). , “eram todos liberais” os segmentos políticos que então se embatiam em Pernambuco.

O modo por que nessa província se embateram, entre outros temas, as concepções de ordem e hierarquia, soberania e questão militar, é muito revelador sobre a cisão no campo liberal, no que concerne, para além das disputas mais imediatas e conjunturais, à organização do estado independente no Brasil. Nesse sentido, importa procurar entrever os entendimentos conceituais que então se apresentavam, para além da natural exarcebação da linguagem empregada no calor das disputas políticas.

Com esse objetivo, avaliam-se no presente texto as concepções de Frei Caneca em relação à soberania do estado em formação no Brasil independente. Nascido no Recife em 20 de agosto de 1779, sob o nome de Joaquim da Silva Rabelo, designado Frei Joaquim do Amor Divino quando ordenado carmelita (1801) - a que adicionou o pseudônimo de Caneca -participou dos momentos finais da Revolução pernambucana de 1817. Após prisão na Bahia, anistiado em 1821, voltou ao Recife, sendo posteriormente um dos líderes da Confederação do Equador, movimento que, como se sabe, eclodido em 2 de julho de 1824, congregou, a partir de Pernambuco, boa parte das províncias do atual Nordeste contra o Império, adotando uma forma republicana de governo. No campo intelectual, iniciou sua trajetória com escritos de teor literário e gramatical, para se tornar depois um publicista político de fôlego.

Tomando seus trabalhos principais, a primeira obra claramente política de Frei Caneca foi a Dissertação sobre o que se deve entender por pátria do cidadão, e deveres deste para com a mesma pátria, elaborada nos primeiros dias de 1822, num momento em que, opondo-se aos absolutistas, parcelas das elites “brasilienses” e portuguesas irmanavam-se nos ideais constitucionalistas. Posteriormente, ao se explicitar a divisão política entre os partidários da independência, com o fim da junta dirigida por Gervásio Pires, em setembro de 1822, o carmelita apresentou-se em campo claramente definido, em defesa dos posicionamentos “gervasistas”/autonomistas, contra os “unitários”. A partir de março de 1823 iniciou a série das dez Cartas de Pítia a Damão - designando a relação de amizade entre os dois filósofos pitagóricos de Saracusa - nas quais, mesclando-se à avaliação da luta política em Pernambuco, sobressaia a crítica à política da Corte, centrada no ataque ao ministério de D. Pedro I.

Com a chegada da notícia da dissolução da Constituinte em Pernambuco, passou o carmelita a editar o periódico Typhis Pernambucano, que perdurou até agosto de 1824. Num total de 29 números, foram-se progressivamente lançando no jornal as bases teóricas e programáticas para a eclosão da Confederação do Equador. Cabe salientar, contudo, que a defesa dos posicionamentos autonomistas por parte de Frei Caneca não implicou em ataque a D. Pedro I, mesmo após a dissolução da Assembleia, imputada às “tramóias do ministério português”, “absolutista” e “corcunda”. A ruptura com o Imperador se consubstanciou apenas dias antes da ruptura de Pernambuco com o Império e o início do movimento revolucionário, no voto contrário ao juramento da Constituição outorgada, pronunciado em seis de junho de 1824 perante a Câmara do Recife25 25 Embora não tenha ocupado cargos oficiais nas juntas que apoiou, Frei Caneca, como “membro do corpo literário” do Recife fez importantes votos, em discursos perante o Senado da câmara da cidade e o Grande Conselho provincial formado com a eclosão da Confederação do Equador, “apontando diretrizes de atuação para os tensos momentos de enfretamento político realizado entre fins de 1823 e o primeiro semestre de 1824” (LEME, Marisa Saenz. Frei Caneca (1779-1825), Obras Políticas e Literárias. In: PRADO, Maria Emilia (org.). Obras políticas do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2012, p.113). .

Visando apreender os entendimentos de Frei Caneca sobre a natureza do estado que então se constituía, em seus elementos federativos e/ou confederativos, expõem-se neste artigo incialmente suas concepções sobre entendimentos liberais básicos - em relação ao povo, à cidadania e à propriedade - para se avaliarem a seguir questões relativas à autonomia das províncias em face do poder central que então se formava no Rio de Janeiro e as suas formulações sobre os controles fiscais e militares26 26 A pesquisa dos escritos de Frei Caneca foi realizada fundamentalmente em As Obras Politicas e Litterarias de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, publicadas no Recife, entre 1875 e 1876, pela Typographia Mercantil, tendo sido colecionadas e organizadas pelo Comendador Antonio Joaquim de Mello (1794-1873) que, na sua juventude, convivera com Frei Caneca. De modo complementar, utilizaram-se os textos organizados por Evaldo Cabral de Mello em Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. São Paulo: Editora 34, Coleção Formadores do Brasil, 2001. Da primeira coletânea, citam-se: o sermão “na solemnidade da acclamação de D. Pedro d´Alcântara em primeiro imperador do Brazil mandada celebrar pelo Senado da cidade do Recife a 8 de dezembro de 1823, na Matriz do Corpo Santo, com assitencia da Junta Provisória, Relação, Clero, Nobrez e Povo”, p.235-250; “O Caçador atirando à Arara Pernambucana em que se transformou o rei dos ratos José Fernandes Gama”, p.263-287; das Cartas de Pítia a Damão (em número de dez, iniciadas em 17-03-1823) citam-se: I - “Analyse dos cinco primeiros números do Diário do Governo, redigidos pelo Padre Quintella”, p.291-300; II - “Sobre a pastoral do cabido de Olinda de 04 de março de 1823” p. 301- 310; III - “Sobre os projetos despóticos do Ministério do Rio de Janeiro”, p.311-327; IV “Sobre o espirito anti-constitucional, revolucionario e anarchico do Regulador Brazileiro”, p.329-351; VII - “Sobre a doutrina anti-constitucional e perigosa de O Conciliador Nacional n.34”, p.363-374; de O Typhis Pernambucano (25-12-1823 a 05-08-1824) citam-se os números de 19 de fevereiro de 1824 , p.470-474, e de 10 de junho de 1824, p. 558-565. Da segunda coletânea cita-se o “Voto sobre o juramento do projeto de Constituição oferecido por D. Pedro I”, apresentado em 6 de junho de 1823, p.557-566. . Posicionamentos esses comparados com as elaborações apresentadas sobre as mesmas temáticas nos Artigos Federalistas27 27 Publicados simultaneamente em quatro jornais de Nova Iorque, sob o pseudônimo de Publius, entre outubro de 1787 e março de 1788, os artigos foram reunidos em livro já nesse mesmo ano, constituindo-se numa obra clássica para a compreensão teórica da formação do estado liberal em sua dimensão federativa. .

Povo, plebe e cidadania nas formulações de Frei Caneca

Em que pese uma imagem genericamente “democrática” de Frei Caneca no sentido de ter ele incorporado - ao contrário das demais correntes políticas da época - radicalmente o povo em suas ações e concepções, é fundamental frisar que o carmelita não apresentava as tendências que nesse sentido muitas vezes lhe são imputadas. É o que se percebe em suas recorrentes referências ao “povo”, em que enaltecia os indivíduos proprietários chamando-os enfaticamente de “cidadãos probos”, desprezando as demais camadas como uma “populaça volúvel e irrefletida”28 28 CANECA, Frei. “O Caçador atirando à Arara Pernambucana em que se transformou o rei dos ratos José Fernandes Gama”. In: MELLO, Antonio Joaquim de (Org. e Introdução). Recife: Typ.Mercantil, 1875-76, p.263-287. .

O discurso de Frei Caneca em relação ao “povo” - claramente de acordo com o ideário liberal clássico, em que a cidadania embasava-se na defesa da propriedade - era compatível com as referências a respeito da temática feitas por Lopes da Gama nos seus textos em defesa do centralismo. De acordo com esse beneditino, a existência de uma hierarquia social bem definida seria fundamental para a instituição liberal, pois, se o entendimento de “povo soberano” significasse a possibilidade de contínua reversão da ordem instituída, viver-se-ia a “anarquia”, compreendida como “mal entendidos do vulgo”29 29 O Conciliador Nacional. Recife:Tip. Nacional, n.1, 04-07-1822. Arquivo Público do Estado de Pernambuco. Recife, Brasil, Seção de Obras Raras. . Por sua vez, conforme Glacyra Leite,

Os postulados de Frei Caneca diziam respeito especialmente ao nível político. No que se refere às transformações mais profundas da forma de organização da sociedade, suas formulações não se distanciavam substancialmente da realidade então vivida. Para ele, a defesa do direito de propriedade se sobrepunha à defesa do direito de liberdade... Portanto, o pensamento de Frei Caneca envolvia uma teoria de compreensão da realidade por vezes contraditória. Defendia a liberdade de todos os homens, mas sobrepunha a ela o direito de propriedade30 30 LEITE, Glacyra Lazzari. Pernambuco 1824: A Confederação do Equador. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/editora Massangana, 1989, p.120. .

Com sentido semelhante, afirmou Marco Morel:

A composição dos liberais Exaltados brasileiros não era muito diferente dos Moderados ou mesmo de alguns Caramurus... Mesmo se aceitarmos a concepção que eles tinham do “popular”, eles não seriam necessariamente o “Povo”, embora se apresentassem como representantes desta “soberania popular”31 31 MOREL, Marco. Cipriano Barata na Sentinela... Op. Cit., p.240. .

Em sermão proferido em aclamação a D. Pedro I - com a Assembleia Constituinte e Legislativa das Províncias do Brasil já dissolvida, embora sem ter ainda a notícia chegado a Pernambuco - defendeu Frei Caneca o “império constitucional” nos seguintes termos: “Colocado entre a monarquia e o governo democrático, reúne em si as vantagens de uma e de outra forma, e repulsa para longe os males de ambas. Agrilhoa o despotismo, e estanca os furores do povo indiscreto e volúvel” 32 32 “Na solemnidade da acclamação de D. Pedro d´Alcantara em primeiro imperador do Brazil mandada celebrar pelo Senado da cidade do Recife a 8 de dezembro de 1823”. In: MELLO, 1875-6, Op. Cit., p.247. .

O entendimento acima aproxima-se muito do modo como, nos Artigos Federalistas, defendia-se a “republica representativa” contra os males da “monarquia” - em que se exacerbaria o poder executivo nas mãos de um “monarca hereditário” - e os perigos da “democracia”, esta grandemente entendida como exacerbação dos poderes legislativos em mãos populares:

Numa democracia, em que grande número de pessoas exerça pessoalmente as funções legislativas, estando continuamente expostas, por sua incapacidade de deliberar regularmente e tomar medidas de comum acordo, às intrigas ambiciosas de seus magistrados executivos, há razões para se temer que, numa emergência favorável, a tirania surja da mesma fonte 33 33 MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Os Artigos Federalistas 1787-1789. Apresentação de Isaac Kramnick. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p.339. Publicados simultaneamente em quatro jornais de Nova Iorque, sob o pseudônimo de Publius, entre outubro de 1787 e março de 1788, os artigos foram reunidos em livro já nesse mesmo ano, constituindo-se numa obra clássica para a compreensão teórica da formação do estado liberal em sua dimensão federativa. .

Ainda, na sétima carta de Pitia a Damão, expôs Frei Caneca o seu conceito de democracia, frisando bem que a oposição ao governo aristocrático não implicava igualdade social. Pelo contrário, afirmou:

Nas puras democracias há classes, há distinções nascidas da indústria e propriedade; e como estas classes são da natureza não podem ser destruídas por nenhuma forma de governo, e nem jamais nestas relações podem os homens ser nivelados ... Em todas as democracias, antigas e modernas, apesar de que todos os cidadãos, qualquer que seja a sua estirpe, seus talentos, suas virtudes, seus merecimentos, sejam iguais perante a lei; contudo sempre as autoridades, e os mesmos povos, prestaram mais estima e acatamento ao sábio do que ao ignorante; ao proprietário, que enriquece ao Estado, do que ao trapilha ocioso, que consome os frutos do trabalho alheio... (grifos meus)34 34 “Sobre a doutrina anti-constitucional e perigosa de O Conciliador Nacional n. 34”. In: MELLO, 1875-76. Op. Cit., p.368. .

Já no momento em que se avizinhava a eclosão da Confederação do Equador, insistia o carmelita na “natural” diferença entre camadas sociais e indivíduos, classificando-os basicamente em três categorias: os bons e os maus cidadãos e, acima desses, aqueles com condições de governar:

A natureza não deu aos seus filhos os mesmos talentos, nem no mesmo grau; e nem a fortuna repartiu com mão igual as mesmas comodidades e meios para se desenvolverem os talentos e lucrarem. Por isso nem todos têm os mesmos direitos às mesmas coisas. Todos os cidadãos são obrigados a adquirir virtudes cristãs, morais e civis e são maus cidadãos aqueles que as não possuem. Mas também, por se ter estas virtudes comuns, não se está no direito de aspirar àqueles empregos que exigem talentos maiores, virtudes mais sublimes... Um cidadão, por ser bom pai de família, esposo fiel, amigo leal, econômico de seus bens, não está por isso só na ordem de governar a nau da pátria... Este empenho exige conhecimentos maiores, que não estão na posse de todos”35 35 O Typhis Pernambucano, 19 de fevereiro de 1824. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p. 470. .

Registre-se que também são recorrentes, em diversas passagens dos Artigos Federalistas, termos depreciativos em relação à massa efetivamente popular.

Como se verifica historicamente, se comparados aos “centralistas”, ou “unitários”, nos dizeres de Evaldo Cabral de Mello, os movimentos políticos dirigidos pelos chamados “liberais radicais” ou “exaltados” tendiam efetivamente a incorporar um espectro mais amplo de segmentos socioeconômicos - sobretudo de camadas proprietárias mais pobres, ou empobrecidas - sem, contudo, incorporarem consistentemente a massa despossuída, ou condenarem a escravidão36 36 Para essa questão em contextos próximos ao referido no presente artigo, ver: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. A astúcia liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro (1820-1824). Bragança Paulista: EDUSF/ ÍCONE, 1999; MOREL, Marco. Cipriano Barata na Sentinela ...Op. Cit.; MARSON, Isabel. O Império do Progresso: a revolução praieira em Pernambuco (1842-1855). São Paulo: Brasiliense, 1987; CARVALHO, J.M. Marcus. Os nomes da Revolução: lideranças populares na Insurreição Praieira, Recife, 1848-1849. In: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/Humanitas, vol. 23, nº. 45, 2003, p. 209-238. Por sua vez, uma interessante visão sobre como os liberais classificavam o “povo”, encontra-se em: PEREIRA, Luisa Reuter. Povo/ povos. In: FERES JÚNIOR (org.). Léxico...Op. Cit., p.203-224. . Observe-se ainda que, na formação dos Estados Unidos da América, em contraposição aos “federalistas”, a defesa dos Artigos da Confederação também mobilizara uma população mais pobre, constituída grandemente por pequenos proprietários37 37 ROBERTSON, Andrew W. “Look on This Picture...And on This!” Nationalism, Localism, and Partisan Imagem of Otherness in the United States, 1787-1820. The American Historical Review, vol. 106, No. 4 (oct. 2001), p. 1262-1280. . Diferenças essas que, contudo, não implicaram em entendimentos conceituais divergentes a respeito do termo “povo”, não representando esse efetivamente o conjunto da massa popular, distinguindo-se da “plebe”38 38 PEREIRA, Luisa Rauter: Povo/Povos. In: Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil. Op.Cit., p.203-224. .

Soberania provincial e poderes legislativos na Constituinte de 1823

Pelo que ficou exposto acima, constata-se que os entendimentos de Frei Caneca sobre povo, plebe e cidadania articulavam-se num campo conceitual comum a diferentes falas liberais. Nos exemplos citados, tanto no que diz respeito ao “unitário” Lopes da Gama quanto ao exposto nos Artigos Federalistas. Contudo, Frei Caneca considerava ser muito diferente a “causa do Brasil”, que reputava como “constitucional”, do “sistema do Rio de Janeiro” 39 39 Segunda Carta de Pítia a Damão, “Sobre a pastoral do cabido de Olinda de 04 de março de 1823”. In: MELLO, 1875-76. Op. Cit., p.301- 310. , que apodava de “absolutista”, condenando, no mesmo diapasão, os que denominava “projetistas”, ou seja, aqueles que defendiam na Constituinte o projeto elaborado pela Comissão de Constituição.

Importa referir que os trabalhos da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa das Províncias do Brasil - com eleição convocada em 03 de junho de 1822 e reunida em 03 de maio de 1823 - organizaram-se sob a forma de comissões, escolhidas entre os deputados para a elaboração das propostas a serem votadas em plenário40 40 RODRIGUES, José Honório. A Assembleia Constituinte de 1823. Petrópolis: Vozes, 1974. . Pela própria natureza do principal objeto dessa Assembleia, a Comissão de Constituição tinha nela papel essencial; por sua vez, a Constituinte se formou pela adesão das províncias e, ao se reunirem representantes de diversas delas, elaborava-se o pacto do qual resultaria a formação do estado nacional brasileiro, tendo por texto fundador a Constituição dele resultante, com base nas concepções de uma nação “cívica” 41 41 CATROGA, Fernando. Pátria, Nação. In: NAXARA, Márcia; CAMILOTTI, Virgínia (orgs.) Conceitos e linguagens, construções identitárias. São Paulo: Intermeios, 2013. . Tratava-se, portanto, de fundar uma nação a partir de um pacto entre os que viriam a compô-la42 42 HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismos desde 1780: programa, mito, realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. , ainda que de modo imaginado43 43 ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. .

De acordo com o carmelita, contudo, a parcela dos representantes provinciais que defendiam o projeto elaborado pela comissão de Constituição - vindos sobretudo de Minas Gerais e São Paulo - estava em articulação com o Executivo e era, portanto, também apodada de “absolutista”.

Afirmando o frade que “todos, qualquer Cidadão, podem advogar a causa do Brasil”44 44 Terceira Carta de Pitia a Damão, “Sobre os projetos despoticos do Ministerio do Rio de Janeiro”. In MELLO, 1875-6. Op.Cit., p.311-327. , importa avaliar no que consistiria a diferença, nos seus pontos fundamentais, entre os defensores da “causa do Brasil” e os “projetistas”, assim como procurar saber quem/que camadas populacionais estariam compreendidas nesse “todos”, uma vez que mostrara o seu desprezo pela “populaça”, além de considerar que não necessariamente os cidadãos “virtuosos” teriam capacidade para governar.

Na análise conceitual envolvida na presente discussão, adquire papel fundamental o modo de se pensar a autonomia provincial. Bastante realçada por diferentes autores que, em trabalhos historiograficamente seminais, analisaram o pensamento de Frei Caneca, a autonomia provincial por ele defendida foi considerada coerente com as propostas federativas. Avaliação essa articulada à reação do carmelita contra o autoritarismo e arbitrariedade da Corte - exemplificados sobretudo na perseguição aos opositores e repressão às atividades de imprensa - destacando-se conceitualmente a defesa do poder legislativo frente ao executivo, contra o poder de veto do Imperador e contra a existência de duas câmaras. Para Denis Bernardes, a visão de Frei Caneca sobre a autonomia provincial fechava um dos elos fundamentais do seu pensamento político45 45 BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. O papel de Frei Caneca na Independência do Brasil. In: ANDRADE, Manuel; FERNANDES, Eliane Moury; CAVALCANTI, Sandra (orgs.). A formação histórica da nacionalidade/Brasil: 1701-1824. Seminário Internacional. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 2000, p.214-15. . Em sentido semelhante, avaliou Amador Gil ter Frei Caneca defendido, assim como Cipriano Barata, um “projeto de constituição de um estado liberal e representativo… onde o governo assumiria a forma federativa”46 46 GIL, Antonio Carlos Amador. Projetos de Estado no alvorecer do Império: Sentinela da Liberdade e Typhis Pernambucano: a formulação de um projeto de construção do Estado. Vitoria: IHGES, 2002, p.157. . Por sua vez, conforme Glacyra Leite, em 1824 desejava-se “um Império não absolutista que {…} seria responsável pelo desenvolvimento econômico e pela grandeza da nação brasileira”47 47 LEITE, Glacyra Lazzari. Op. Cit., p.116. .

Na introdução à obra que organizou dos escritos do carmelita, Evaldo Cabral de Mello apontou a ênfase que dava ele às províncias, numa concepção estatal de cunho “confederativo”. Contudo, o iminente historiador não teve por objetivo aprofundar o entendimento político-conceitual dessa assertiva.48 48 MELLO, Evaldo Cabral de (org. e intr.). Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Op. cit., p. 11-46. Alinhou-se na perspectiva antes referida, da coerência liberal dos “radicais”, com um projeto constitucional federativo para o Brasil, conforme análise realizada em obra posterior.49 49 Idem. A outra independência...Op. Cit.

Observa-se porém que o diferenciar “federação” de “confederação” foi fruto de um longo processo sociopolítico e cultural, que se estendeu até meados do século XIX, não apenas no Brasil, mas também em toda a América, tanto nas repúblicas originadas da desagregação das Américas Hispânicas como nos Estados Unidos. Em relação às primeiras, conforme Curiel,

la irrupción en el escenario político del concepto federación está marcada por el uso, intercambiable y simultáneo, del sintagma confederación como equivalente de federación y viceversa. Va a ser en el transcurso del debate político y a través de la construcción de las experiencias políticas del periodo cuando aparecen los rasgos incipientes de distinción semántica entre uno y otro50 50 CURIEL, Carole Leal. De los muchos, uno: el federalismo en el espacio iberoamericano. In: SEBASTIÁN, Javier Fernández (Director). Diccionario político y social del mundo ibero-americano. La era de las revoluciones, 1750-1850. Madrid: Fundación Carolina Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2009. .

Por sua vez, nos Estados Unidos, onde pela primeira se elaborou teoricamente o conceito de federalismo, o termo “confederação” era utilizado para designar o novo sistema.51 51 COSER, Ivo. O conceito de Federalismo e a Idéia de Interesse no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro: Dados, v. 51, 2008, p. 944. Da mesma maneira, no Brasil da Independência e do 1º Reinado, evidencia-se que os recursos discursivos ao termo “federação” encobriam entendimentos díspares a respeito da formação do estado:

No debate político brasileiro, a percepção de que federação e confederação eram termos que se referiam a conteúdos políticos distintos foi se firmando lentamente ao longo do século XIX, a partir da compreensão da inovação presente no arranjo político norte-americano implantado com a Convenção da Filadélfia, em 1789. Anteriormente esses dois conceitos eram utilizados como sinônimos. A partir de 1834 as diferenças entre eles emergem com clareza.52 52 Idem. Federal/Federalismo. In: FERES JÚNIOR, João (org.). Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2009, p. 92.

O conceito contemporâneo de federalismo se afirmou como “the division of governing power between the national and states governments”, o que, naturalmente, deixou amplo espaço para interpretações ambíguas sobre a especificação desses poderes, sendo que “conflicts over federalism have been a recurrent feature of U.S. history”. 53 53 TUSHNET, Mark. Federalism. In: BOYER, Paul S. (ed. in chief). The Oxford Companion to United States History. New York: Oxford University Press, 2001, p.258. Contudo, teoricamente e, aos poucos, de modo pragmático, afirmou-se naquele país a supremacia da “União”, no sentido de assegurar sua soberania sobre os estados, ainda que usufruindo esses de uma série de poderes próprios. É o que originariamente se configurou nas formulações dos Artigos Federalistas, obra considerada “the most important American contribution to political theory”.54 54 Loc. Cit.

Com o intuito de refletir sobre os conceitos de estado que se veiculavam no Brasil da Independência e início do 1º Reinado, subjacentes ao termo “federalista”, para além do embate político imediato, torna-se primordial avaliar as implicações da autonomia provincial, tema fundamental no que toca às concepções federativas e/ou confederativas, na historicidade da formação do estado liberal. No caso do Brasil, conforme Ivo Coser, “analisar a trajetória histórica dos conceitos nos permite repensar o papel do liberalismo no pensamento imperial.”55 55 COSER, Ivo. O debate entre centralizadores e federalistas no século XIX: a trama dos conceitos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 76 (Impresso), 2011, p. 192.

Nesse debate, importa observar o nível em que essa autonomia era pensada, se de modo absoluto, ou se mediada por um poder central soberano. Advoga-se no presente texto que o modo pelo qual Frei Caneca colocava a questão em si indica concepções de caráter confederativo, em que o estado é pensado como uma “união” igualitária das partes - estados, províncias - que o compõe, sem que haja um centro soberano que a elas se imponha.56 56 LEVI, Lucio. Confederação. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (dir.) .Dicionário de Política, vol. 1. Brasília, DF: Editora da Universidade de Brasília, 1991, p. 218 ss. O que, embora tenha se clarificado nos textos escritos após a dissolução da Constituinte, já antes se apresentara.

Considerando serem as províncias “independentes umas das outras”, comentou ele significativamente, em O Typhis Pernambucano, praticamente às vésperas da eclosão do movimento de 1824, a situação das províncias quando da independência do Brasil:

O Brazil só pelo facto de sua separação de Portugal, e proclamação da sua independência, ficou de facto independente, não só no todo, como em cada uma de suas partes ou provincias; e estas independentes umas das outras... Ficou o Brazil soberano, não só no todo, como em cada uma das suas partes ou provincias... Uma provincia não tinha direito de obrigar a outra provincia a cousa alguma, por mais pequena e mais fraca, carregava com o dever de obedecer a outra qualquer por maior e mais potentada. Portanto podia cada uma {...}seguir a forma de governo que julgasse mais apropriada às suas circumstancias...57 57 O Typhis Pernambucano. Recife: Tip. de Miranda & Cia, n. 21, 10 de junho de 1824. In MELLO, 1875-6. Op. Cit., p.559.

Em decorrência dos posicionamentos acima, avaliava o frade que, no momento da independência, as províncias poderiam ter diferentes sistemas de governo:

Quando aquelles sugeitos do sitio do Ypiranga, no seu exaltado enthusiasmo, acclamaram a S.M.I., e foram imitados pelos aferventados Fluminenses, Bahia poderia constituir-se republica; Alagoas, Pernambuco, Parahiba, Rio Grande, Ceará e Piauhy federação Sergipe d´elRei reino; Maranhão e Pará monarchia constitucional; Rio Grande do Sul estado despótico58 58 Loc. cit. .

Variabilidade essa resultante do que considerava a situação política formal do Brasil: “Nós estamos sim independentes, mas não constituídos. Ainda não formamos uma sociedade imperial, senão no nome”. Nessa condição, “mesmo uma decisão comum à maioria das províncias não poderia obrigar a minoria”. Frei Caneca deixou bem clara a sua concepção do país/estado em formação como uma “sociedade” a que cabe aderir ou não individualmente, tal qual poderia ocorrer com um clube recreativo ou associação comercial:

Numa sociedade em constituição, a maioria não obriga a minoria: “...quando os homens, sendo convidados para formar uma sociedade, estão em debates... ainda que o maior numero assentem em uma cousa, o restante, que... não se ajustam, retiram-se, e não são obrigados a sugeitar-se à opinião da maioria, porque não são sócios daquella sociedade.59 59 Loc. cit.

Pode-se considerar que as formulações acima teriam decorrido da reação à dissolução da Constituinte. Contudo, com os trabalhos dessa Assembleia em andamento, cerca de dois meses após a sua abertura, considerava o carmelita, que as províncias discordantes dos seus rumos poderiam declarar a sua separação, “... não sendo a Constituição como deve ser, o que por desgraça já vai principiando...”60 60 “O Caçador atirando à Arara Pernambucana em que se transformou o rei dos ratos José Fernandes Gama”. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p.267. .

Nessa dimensão, expunha a possibilidade de uma ruptura pré-dissolução da Assembleia: os pernambucanos tinham esperado “ser felizes em um império constitucional”, em vez de optarem pela república, mas, ao não se confirmar essa sintonia, “... sucederá entre Pernambuco e o sul o mesmo que S.M.I.C. disse a seu pai na carta de 22 de setembro do ano passado que sucederia entre o Brasil e Portugal, isto é, que Pernambuco será escravizado, mas os pernambucanos não”61 61 Loc. cit. .

Pelo que acima se observa, independentemente do ato de força ocorrido em novembro daquele ano, a permanência de Pernambuco naquele Brasil em formação dependeria do tipo de estado a ser institucionalizado, embasado numa determinada concepção de independência, em face de uma “sociedade” em constituição.

Naturalmente, esses posicionamentos aguçaram-se com a dissolução da Assembleia Constituinte por D. Pedro I. Em que pese o seu contínuo combate aos “projetistas” e, em decorrência, as possibilidades sugeridas de rompimento por parte de Pernambuco, considerava o frade constituir a Assembleia o “único liame que enlaçava as províncias do império”. Com a dissolução da Assembleia, findaram-se, no entender de Frei Caneca, as condições de união, voltando cada província à sua independência original.

Como se sabe, o projeto de Constituição elaborado por um Conselho de Estado para tanto formado e nomeado, constituído por expressivos elementos do “grosso comércio” fluminense, deveria ser jurado pelas câmaras municipais de todo o país62 62 SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria Coroada: o Brasil como Corpo Político Autônomo1780-1831. São Paulo: Editora UNESP, 1998. . Em reunião da câmara do Recife para tanto convocada - composta por novos membros, após a dissolução da câmara anterior - Frei Caneca apresentou, sendo acatado, voto contrário a esse juramento. Em suas críticas ao projeto, destacava-se a questão das províncias, considerando o carmelita que, “para a menor cousa das que lhe são úteis, dependem inteiramente do ministério e do imperador” 63 63 O Typhis Pernambucano, n. cit. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p.561. .

Contudo, frise-se que a regulamentação do governo das províncias e seus conselhos de presidência foi feita pela própria Assembleia Constituinte e Legislativa das Províncias do Brasil, pouco antes da sua dissolução, pela Lei de 20-10-1823, que dava “nova forma ao governo das províncias, criando para cada uma delas um presidente e um conselho”, conselho esse eletivo e com poderes decisórios bastante importantes64 64 LEME, Marisa Saenz. São Paulo no Iº Império: poderes locais e governo central. In: OLIVEIRA, C. H. de Salles; PRADO, M. L. C.; JANOTTI, M.L. de Monaco (Orgs.) A história na política, a política na história. São Paulo: Alameda, 2006. p.59-80. . Dessa maneira, em que pese a polêmica causada entre os constituintes, que em parte se opuseram à promulgação dessa lei65 65 BERBEL, Márcia; FERREIRA, Paula Botafogo C. Soberanias em questão: apropriações portuguesas de um debate iniciado em Cádis. In: BERBEL, Márcia; OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles (orgs.) A experiência constitucional de Cádis: Espanha, Portugal e Brasil. São Paulo: Alameda, 2012, p.169-200. , a indicação do presidente de província por parte do governo central foi medida tomada em fórum que, nos dizeres do carmelita, “havia de encher a primeira condição de união” das províncias do Brasil 66 66 O Typhis Pernambucano, n.cit.. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p.560. . Mas, retome-se: antes da dissolução da Assembleia, Frei Caneca a ela já se opunha, atacando os deputados que chamava de “projetistas”, acusando a sua articulação com o “ministério”, e ameaçando, inclusive, com o desligamento de Pernambuco do referido fórum.

O modo como o carmelita expunha a questão da autonomia provincial, ainda com a Constituinte reunida, e sua avaliação da legislação por ela aprovada a respeito remetem ainda a uma discussão entre os poderes constituintes do estado liberal. Na construção original do estado liberal federativo, nos Estados Unidos da América, advogava-se a interdependência entre os poderes, apontando-se a necessidade de controle entre eles, em razão do perigo representado pela absolutização da força de um deles em separado, inclusive o legislativo, que, “num governo republicano, predomina necessariamente”. Tratar-se-ia de um “inconveniente”, cujo “remédio” seria “dividir” esse poder “em diferentes ramos”. Ao mesmo tempo, considerava-se a “debilidade” do executivo e pensava-se em formas para o seu “fortalecimento”, cogitando, mesmo, do poder de veto do executivo sobre os atos do legislativo.

Respondendo às objeções feitas à proposta de constituição, pelos seus “mais respeitáveis adversários”, de que violaria ela a “máxima” da “independência e distinção” entre os poderes, Madison desenvolveu o tema em vários artigos67 67 MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Op.cit., caps. XLVII a LI, p.331-353. , mostrando o perigo que, no seu entender, a absolutização dessa independência traria para o princípio em si, cuja eficácia residiria no equilíbrio entre os seus componentes. Considerando a questão impossível de ser resolvida a partir de fatores “externos”, como seria por exemplo a pressão popular - cuja proximidade maior aos membros do legislativo distorceria esse poder em relação aos demais - concluiu o publicista:

A que expediente, então, devemos finalmente recorrer para manter na prática a necessária divisão do poder entre os vários braços do governo, como estabelecido na Constituição? A única resposta que pode ser dada é que, uma vez que todas essas medidas externas se mostram inadequadas, deve-se sanar a falha arquitetando de tal modo a estrutura interna do governo que suas várias partes constituintes possam ser, por suas relações mútuas, instrumentos para a manutenção umas das outras em seus devidos lugares68 68 Ibdem, p.349. .

Nos posicionamentos de Frei Caneca sobre a autonomia provincial indica-se, além da defesa de uma grande preponderância do legislativo sobre o executivo, a condenação da possibilidade da existência de um Congresso com poderes soberanos em face das províncias. Concepções essas bastante distantes do proposto por aqueles que pela primeira vez teorizaram sobre a organização de uma república federal, abrangendo um grande espaço de território. Embora as assertivas do revolucionário, nas dimensões apontadas, possam ser interpretadas como fruto do embate político em que se encontrava - e não como fundamentos conceituais - o modo confederativo por que pensava ele a autonomia provincial se explicita ao se avaliarem os seus posicionamentos a respeito dos controles fiscal e militar, entre as províncias e o governo central.

Soberania provincial e monopólios fiscal e da violência

Interagindo fundamentalmente com a autonomia provincial, as formulações essenciais do pensamento de Frei Caneca, no que se refere à institucionalização do estado, diziam respeito às formas como concebia o que veio a se conceituar como monopólios fiscais e da violência, teoricamente referidos como centrais para a constituição do estado moderno, não apenas na sua versão absolutista, mas, também, liberal69 69 Para tanto, ver: ARDANT, Gabriel. Financial policy and economic infrastructure of modern states and nation. In: TILLY, Charles (ed.). The formation of national states in Western Europe. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1975; ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Vol. II. Formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1993. . Nessa perspectiva, no transcorrer do ano de 1823, sob a vigência de uma Constituinte convocada para dar forma legal ao estado brasileiro, colocou-se ele contra a configuração de tais monopólios.

A concepção esposada pelo carmelita aproximava-se claramente das formas confederativas que, como se sabe, reproduziram-se historicamente em diferentes formações políticas. No período em apreço, estiveram claramente presentes na primeira constituição das ex-treze Colônias britânicas, os Artigos da Confederação, nos quais, após se estabelecer o nome da Confederação como “Estados Unidos da América”, explicitava-se que cada estado deveria manter a sua soberania, liberdade e independência, e todo poder, jurisdição e direito que não fosse expressamente delegado aos Estados Unidos, reunido em Congresso.

Nesse diapasão, o “congresso reunido” seria o único fórum de deliberação superior aos estados e os poderes efetivamente a ele delegados diziam respeito à fundição de uma moeda única, ao julgamento de disputas entre estados e às relações exteriores. Ficavam proibidos os estados de fazer tratados diretos com países estrangeiros ou declarar guerra. Contudo, embora limitando os seus recursos armados, as forças militares e recursos financeiros ficariam sob o controle local. E os tributos a serem enviados ao Congresso seriam levantados emergencialmente, sobretudo em caso de guerra.

Em debate com O Conciliador Nacional, Frei Caneca caracterizou, elogiosamente, o que, já na terceira década do século XIX, creditava se passar nos Estados Unidos, que seriam “uma federação de muitas republicas; independentes umas das outras...”(grifo do autor)70 70 Sétima carta de Pitia a Damão. “Sobre a doutrina anti-constitucional e perigosa do Conciliador Nacional” n. 34”. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p. 372. .

Em relação ao monopólio fiscal - embora se trate de tema quantitativamente menos explorado nos textos de Frei Caneca - são claros os posicionamentos a ele contrários. Nos ataques ao que considerava “projetos despóticos” do ministério do Rio de Janeiro, os impostos constituíam um dos cernes da sua crítica. Opunha-se às solicitações para cobrirem-se despesas imediatas da corte do Rio de Janeiro, pois não concordava com o seu sentido. Mas, sobretudo, opunha-se a que o estado central tivesse uma fonte regular de receitas provindas dos impostos, o que então não se daria mais pelas formas anteriores, próprias ao Antigo Regime, mas pela construção de um novo modo de arrecadação, que caracterizaria de per si o tax state liberal71 71 COSTA, Wilma Peres. Do Domínio à Nação, impasses da fiscalidade no processo de Independência. In: István Jancsó. (Org.). A formação do Estado e da Nação Brasileira. São Paulo: HUCITEC, 2003, p.143-194. .

No que se refere aos gastos imediatos, o carmelita se opunha à exigência da Corte de que Pernambuco enviasse para o Rio de Janeiro “mais de dois milhões atrasados, que deixaram de ir para aquela cidade por deverem ir para Portugal, para onde se havia passado o rei”. Lamentando-se da situação financeira da Província e considerando que essas exigências eram uma “trama do ministério para nos enfraquecer (a Pernambuco)”, Frei Caneca arrola o conjunto de fatores que esgotaram financeiramente a Província, em despesas nela realizadas, em articulação com as demandas do Rio de Janeiro, a partir de 1817. Gastos que oneraram tanto o serviço público quanto os particulares:

As casas ainda maiores ficaram de rastos com os sequestros para a fazenda real, com os roubos dos ministros sequestrantes, com os dinheiros gastos na Bahia pelos presos, que lá tinham, com o atrasamento da agricultura e parada de seus negócios; a emigração de muitas pessoas para países estrangeiros, o estanco do comércio, as subscrições e donativos para obras públicas escorchados por Luís do Rego... os embarques e regressos das brigadas do Rio de Janeiro e Bahia; as expedições para a Bahia, a emigração de muitos europeus, que levaram o seu e o alheio; o embarque e a remessa de batalhões do Simões e Algarvios 72 72 Terceira carta de Pitia a Damão. “Sobre os projetos despóticos do Rio de Janeiro”. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p. 318. .

Nesse diapasão, pergunta: “Quererá o ministério que fiquemos como estávamos no tempo do rei de Portugal?” e protesta: “...devemo-nos esquecer das necessidades dos que ganham o dinheiro, para o escancearmos aos zangões do Rio de Janeiro, para vermos gastar só com a capela imperial 17 contos de réis!”73 73 Loc.cit. .

Nas dimensões expostas pelo carmelita, visualizam-se os procedimentos da Corte absolutista, no seu processo de “interiorização da metrópole”74 74 DIAS, Maria Odila da Silva. A interiorização da metrópole. In: MOTA, Carlos Guilherme. 1822: Dimensões. 2ª. ed.: São Paulo: Perspectiva, 1986, p.160-184.Texto republicado em A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda, 2005, p.7-37. em que a implementação da Corte portuguesa no Rio de Janeiro levara a uma imposição sobre as demais províncias do Brasil, sentida grandemente por intermédio do ônus fiscal, o que foi um dos fatores determinantes para a eclosão, em Pernambuco, da revolução de 1817. Procedimentos igualmente rejeitados pelos paulistas, no início do Império, em que pese a sua articulação histórica com o centro político constituído no Rio de Janeiro e apoio à dissolução da Constituinte 75 75 LEME, Marisa Saenz. Dinâmicas centrípetas e centrífugas na formação do Estado monárquico no Brasil: o papel do Conselho Geral da Província de São Paulo. Revista Brasileira de História, v. 28, n. 55, jan./jun. 2008. p.197-215. .

A questão fundamental para a consecução do monopólio fiscal é contudo outra. Diz respeito à regularidade financeira que possa garantir a autonomia de ação do estado central 76 76 ARDANT, Gabriel, Op.Cit.; ELIAS, Norbert, Op.Cit. . Independentemente da crítica ao valor em si que o governo buscava instituir como contribuição regular (trinta e cinco contos de réis mensais), considerada pesada demais, Frei Caneca colocou-se claramente contra essa autonomia, defendendo, pelo contrário, a autonomia das províncias. Essas deveriam contribuir com o governo central apenas nas “ocasiões” em que tivessem de retribuir - de acordo com “a sua quota-parte proporcionalmente às suas finanças” - com os “...gastos, que faz o Rio de Janeiro, os quais se dirigem ao benefício e segurança de toda a nação” 77 77 Terceira Carta de Pítia a Damão. “Sobre os projetos despóticos do Ministério do Rio de Janeiro”. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p. 319-20. . A contribuição deveria ser dada apenas pelas províncias que “percebem o benefício”. Colocava-se ele peremptoriamente contra a regularidade dos tributos:

Nunca se deve dar nenhum real mensal, anual, ou trianualmente a tom de tributo, porquanto nós não somos turcos, cujo imperante é senhor proprietário dos trabalhos e propriedades dos seus vassalos. Cada um de nós é senhor proprietário do que possui e do que adquire pelos seus trabalhos; essa parte que disso, que é seu, dá para o tesouro público por meio dos tributos, impostos, e a dá para as necessidades públicas da nossa província; e quando estas não absorvem tudo que damos, o excesso não é de ninguém, nem de nenhuma outra província, é desta, deve ficar no seu cofre, e reservar-se para se empregar quando houverem causas extraordinárias, e não se mandar para parte nenhuma” 78 78 Loc. Cit. ( grifos meus).

Como se observa pela citação acima, o carmelita era contra a regularidade da cobrança de impostos em nível nacional, que seria “despótica”, decorrente do “sistema otomânico” implementado pelo ministério. Mais uma vez mesclou, nessas formulações, a centralidade que se impôs no estado liberal com aquela do despotismo, quer se tratasse do absolutismo ocidental, quer das formas teocráticas dos estados orientais.

Como bases teóricas para o seu posicionamento, recorreu aos abades Mably e Raynal. Do primeiro destacou a citação de que “Toda espécie de tributo público {...} desagrada o povo, e não pode jamais existir algum que não prejudique parcialmente a liberdade ou a propriedade dos cidadãos”. De Raynal reproduziu a referência de que “o tributo e o imposto é a prova do despotismo, ou aquilo que mais depressa ou devagar conduz a ele; que a imposição de taxas foi a mais importante das usurpações que os soberanos fizeram, e cujas consequências tem sido as mais funestas”79 79 Loc Cit. .

A centralidade fiscal contudo não só poderia, como deveria existir em nível provincial. Ou seja, na província poderia ocorrer uma centralidade em que o governo teria autonomia financeira sobre “os que ganham o dinheiro”, “o senhor proprietário do que possui e do que adquire pelos seus trabalhos” que, na concepção de indivíduo e propriedade característica do liberalismo, seriam “cidadãos”. Mas por que não “vassalos”, no “sistema otomano”? Lembremo-nos também que as finanças provinciais se constituíram, não sem resistência - e muita! -, a partir de uma centralidade exercida pelas províncias sobre os municípios, onde, afinal, é que efetivamente se produzem as riquezas mencionadas.

Tangenciando a questão, registre-se a prioridade que o carmelita dava ao governo provincial sobre os municípios, quando, antes da dissolução da Constituinte, lastimava-se do fato de o decreto de 03 de junho de 1822, “convocando as côrtes constituintes e legislativas do Brasil”, ter sido remetido “às câmaras, e não ao governo da província”80 80 Primeira carta de Pitia a Damão. “Analyse dos cinco primeiros números do Diário do Governo, redigidos pelo Padre Quintella. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p.294). .

O que em nível nacional caracterizava-se, na avaliação do carmelita, como “despótico” seria perfeitamente legítimo em nível provincial. Arrematando Frei Caneca seu raciocínio sobre a fiscalidade, fica claro, nessa dimensão, o desenho institucional de um estado confederativo: “Quando cada uma das províncias do império tiver o tesouro cheio, todo o império será rico e respeitável!”

No pensamento de Frei Caneca reproduzia-se o apontado por Ivo Coser para o que denominou “corrente federalista/confederalista”81 81 COSER, Ivo. Visconde do Uruguai: centralização e federalismo no Brasil 1823-1866. Belo Horizonte: Editora da UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2008, p.39. da Constituinte de 1823, em que se realizava “uma análise das relações das províncias para com o pacto constitucional partindo de uma ideia do direito natural, substituindo a figura do indivíduo no seu estado natural pelas províncias”.82 82 Idem. O debate entre centralizadores e federalistas ... Op. Cit., p. 193.

Observe-se porém que a defesa de uma soberania financeira do estado central, com a obtenção regular de recursos característica do tax state, constituiu um tópico central dos Artigos Federalistas.

Uma nação não pode existir por muito tempo sem receita. Privada de seu esteio essencial, tem de abrir mão de sua independência e mergulhar na condição degradada de província. Este é um extremo a que nenhum governo chegará por conta própria. A receita, portanto, não pode deixar de ser obtida 83 83 MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Op. Cit., p. 150. .

No mesmo diapasão, articulavam-se autonomia financeira e militar. Num período ainda de incertezas sobre as reações metropolitanas e também internas em relação à independência - estava em curso a guerra na Bahia -, considerava o frade tratar-se de um enfrentamento a se dar no âmbito provincial. Desta maneira, não se poderiam onerar os cofres de Pernambuco com as demandas fiscais da corte, pois, “primeiramente, de onde se há de tirar o dinheiro para as despesas atuais, que são grandíssimas com a criação de novos corpos e preparos bélicos ... estamos em guerra aberta com Portugal e não devemos estar a dormir”84 84 Terceira Carta de Pitia a Damão. “Sobre os projetos despóticos do Rio de Janeiro”. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p. 320. .

Independentemente da questão conjuntural - em que as províncias realmente teriam que contribuir para a guerra, se esta persistisse - Frei Caneca se colocou nitidamente contra a instituição regular do que veio a se conceituar como “monopólio da violência” por parte do estado central.

Com base em ponderações bastante procedentes sobre as dificuldades do Rio de Janeiro em acudir militarmente as províncias em tempos de necessidade, o carmelita acusava de “despótica” a convocação imperial de 600 homens por província para compor a artilharia naval, advogando radicalmente que “cada província deve ter a sua, e proporcional às suas necessidades, e não estar à fiúza da do Rio”. Tendo por implícito que o recrutamento de homens nas províncias poderia se legitimar em caso de uma ameaça efetiva ao Rio de Janeiro, questionava o momento da convocação: “... que vão fazer ao Rio de Janeiro? Tem o Rio alguma briga com alguma potência?” 85 85 Ibdem, p. 321. .

Outra dimensão central da sua oposição aos projetos ministeriais dizia respeito à concentração, no Rio de Janeiro, de poder militar sobre as províncias. Negava o carmelita que se desenvolvesse na corte uma força militar de grande envergadura, medida proposta pelo “ministério” cuja “máxima” seria “enfraquecer as províncias, ao mesmo tempo que se ajunta toda a força no Rio, para dali se despedirem expedições para toda a parte, e se subjugar o Brasil com os mesmos brasileiros” 86 86 Loc. cit. .

Frei Caneca opôs-se tenazmente às propostas constitucionais em que o imperador tivesse “à sua disposição a Força Armada” 87 87 Quarta Carta de Pitia a Damão. “Sobre o espírito anticonstitucional, revolucionário e anárquico do Regulador Brasileiro”. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p. 335. . Nas suas críticas ao projeto de constituição em juramento pelas câmaras, visava, entre outros tópicos, o poder do imperador de declarar “a paz e a guerra”, sem consentimento da Assembleia, dispondo “a seu bel prazer da força armada de mar e terra 88 88 Voto sobre o juramento do projeto de Constituição oferecido por D. Pedro I. In: MELLO, 2001. Op. Cit., p. 561. . No “voto sobre o juramento do projeto de Constituição oferecido por D. Pedro I”, proferido em seis de junho de 1824, afirmou:

A atribuição privativa do executivo do empregar, como bem lhe parecer conveniente à segurança e defesa do império, a armada de mar e terra (art. 148) é a coroa do despotismo e a fonte caudal da opressão da nação, e o meio de que se valeram todos os déspotas para escravizar a Ásia e a Europa, como nos conta a história antiga e moderna 89 89 Ibdem, p. 563. .

No que se refere à formação do estado federal estadunidense, a consecução e execução do monopólio da violência por parte do estado nacional foi, no início da publicação dos artigos, alternadamente referida ao “Congresso”, que deveria aprovar a nova constituição ou “à União”, ao “governo da União”, ao “governo federal”. Contudo, o modo por que nos Artigos Federalistas foi-se advogando a constituição de exércitos e forças navais regulares - que, em razão da rapidez de decisão necessária em face de um ataque inimigo, em geral súbito e de surpresa, deveriam se manter durante a paz - trazia implícita a suposição de que o executivo teria larga autonomia em declarar a paz e a guerra, dispondo da “força armada de mar e terra”. O que se explicitou já mais para o final da disputa travada pela imprensa, por parte dos autores dos Artigos, em defesa da nova constituição a ser votada:

O Presidente dos Estados Unidos deverá ser o “comandante em chefe” do exército e da marinha dos Estados Unidos... Entre todas as incumbências ou cuidados do governo, a condução da guerra é aquela que mais peculiarmente demanda aquelas qualidades que distinguem o exercício do poder por uma única mão. A condução da guerra implica a condução da força comum; e o poder de dirigir e empregar a força comum é parte usual e essencial da definição da autoridade executiva90 90 MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Op. Cit., p. 462ss. .

Nos posicionamentos de Frei Caneca - contrários à condução armada pelo poder executivo central - a questão adquiria contudo outra conotação, se visualizada a partir das províncias. Comentando a possibilidade de se recrutarem seiscentos homens na província de Pernambuco, com prejuízo das atividades econômicas, indaga: “...por que razão não deveriam eles ser aplicados à nossa Marinha e Artilharia Naval?”

É muito significativa, para a compreensão do poder independente dos estados, o modo como, nos Artigos da Confederação, procurou-se assegurar, por intermédio das milícias, o que se constituiria em monopólio da violência sobre o território neles compreendido. Pelo artigo VI, estipulava-se que cada estado deveria ter uma disciplinada milícia, suficientemente armada, pronta para ser mobilizada, devendo-se para tanto manter-se um núcleo regularmente estabelecido.

Considerando os precedentes das constituições estaduais em geral, reforçou Hamilton nos Artigos Federalistas: “Mesmo aquelas constituições que sob outros aspectos associaram o primeiro magistrado a um conselho concentraram em sua maioria a autoridade militar apenas nele”.91 91 Loc. cit.

No pensamento de Frei Caneca, coadunando-se às formulações dos Artigos da Confederação, observa-se, no que se refere ao monopólio da violência, a reprodução do mesmo raciocínio apresentado em relação ao que se conceituou como “monopólio fiscal”. O que seria despótico em nível nacional legitimar-se-ia, se necessário, na província.

Conforme Ivo Coser - autor de trabalhos pioneiros sobre a historicidade do conceito de “federalismo” no Brasil - uma significativa parcela dos constituintes de 1823, sobretudo do atual Nordeste e também do Rio de Janeiro, apresentaram propostas que, dada a sinonímia no contexto linguístico da época, foram por ele abarcadas como um todo, na denominação “federalistas/confederalistas”. Mas distinguiu no seu interior duas correntes, uma designada por “federalismo pleno” - “o modelo confederativo” - e outra por “federalismo mitigado”92 92 COSER, Ivo. O debate entre centralizadores e federalistas ... Op. Cit., p. 193. .

Na primeira, “o ponto de partida do pacto constitucional são as províncias - nós as províncias, como desejavam os adversários dos federalistas no contexto norte-americano”.93 93 Idem. Visconde do Uruguai...Op.Cit., p. 40-41. Na segunda, haveria autonomia das províncias, “sem que isso implicasse a perda ou ameaça da unidade nacional”.94 94 Idem. O debate entre centralizadores e federalistas ... Op. Cit., p. 193. Formulação que se explicitou nos posicionamentos do deputado por São Paulo Nicolau Pereira dos Campos Vergueiro, para quem “o arranjo constitucional deveria conceder liberdade às províncias, sem, contudo, considerá-las como soberanas” . Na avaliação do autor, Vergueiro transitou “bem próximo às inovações realizadas pelos federalistas norte-americanos - o reforço do poder central -, no entanto sem demonstrar que conhecesse tais inovações”.95 95 Idem. Visconde do Uruguai...Op.Cit., p. 45.

Nesse quadro, as concepções de Frei Caneca e dos revolucionários de 1824 teriam correspondido ao “federalismo pleno”, avaliando esse autor que

a dissolução da Constituinte por D. Pedro I e a derrota das emendas federalistas estão na raiz do movimento separatista que eclodiu na província de Pernambuco com o nome de Confederação do Equador, proclamada em 2 de julho de 1824. Esse movimento pretendia estabelecer uma República federal, que reunisse, além de Pernambuco, as províncias limítrofes Ceará e Paraíba, e também o Rio Grande do Norte.96 96 Idem. Federal/Federalismo. Op. Cit., p. 103.

Na busca de se identificar o tipo de estado delineado sob as expressões linguísticas na época empregadas - adotando-se a perspectiva da construção da soberania enfatizada por Elias, 97 97 ELIAS, Norbert. Op. Cit. V e que foi exposta nos Artigos Federalistas - o modo como o carmelita absolutizou a autonomia provincial, sobretudo ao pensar a questão dos controles financeiro e militar, indica claramente a direção confederativa.

No discurso do revolucionário não se tratava apenas da defesa de uma autonomia provincial cabível num sistema federativo, como se concebeu na constituição estadunidense promulgada em 1789. Tampouco estava em jogo a exarcebação de discursos políticos em face da radicalização decorrente do fechamento da Constituinte. Configuravam-se antes entendimentos conceituais, expostos no início do 1º Reinado, quando ainda se desfrutava de uma proposta liberal-constitucional em execução, com a convocação e reunião da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa das Províncias do Brasil.

Na construção histórica do estado liberal, também em sua forma federativa, foi decisiva a formação de um núcleo central soberano, acima das partes que o compunham, para o que se tornou fundamental o que veio a se configurar teoricamente como monopólios fiscal e da violência. Nesse quadro, observa-se que, embora retoricamente auto referida como “federativa”, seria na realidade de teor confederativo a unidade política pensada para o Brasil, de acordo com as concepções expostas por Frei Caneca.

Embora colocadas no campo liberal, as formulações confederativas tiveram de ser superadas, no exemplo histórico da constituição dos Estados Unidos, para tornar possível o surgimento de uma forma clássica do estado liberal moderno, em sua modalidade federativa. O que, entre outros fatores, implicou na reinstituição, sob novas formas, dos controles fiscais e armados estabelecidos no antigo regime europeu. Se implementadas, as propostas de Frei Caneca teriam implicações significativas para a primeira construção do estado independente no Brasil, muito diversas do estado liberal federativo da Constituição estadunidense aprovada na Convenção Constitucional de Filadélfia em 1787

Bibliography

  • ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
  • ARDANT, Gabriel. Financial policy and economic infrastructure of modern states and nation. In: TILLY, Charles (org.). The formation of national states in Western Europe Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1975.
  • ARMITAGE, João. História do Brasil: desde o período da chegada da família de Bragança, em 1808, até a abdicação de D. Pedro I, em 1831, compilada à vista dos documentos públicos e outras fontes originais formando uma continuação da História do Brasil de Southey. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia/ São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981.
  • BERBEL, Márcia; FERREIRA, Paula Botafogo C. Soberanias em questão: apropriações portuguesas de um debate iniciado em Cádis. In: BERBEL, Márcia; OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles (orgs.) A experiência constitucional de Cádis: Espanha, Portugal e Brasil. São Paulo: Alameda, 2012.
  • BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. A idéia do pacto e o constitucionalismo em Frei Caneca. Estudos Avançados 11(29), 1997.
  • BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. O papel de Frei Caneca na Independência do Brasil. In: ANDRADE, Manuel; FERNANDES, Eliane Moury; CAVALCANTI, Sandra (orgs.). A formação histórica da nacionalidade: Brasil, 1701-1824. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 2000.
  • BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822 São Paulo: Hucitec/FAPESP, 2006.
  • CARVALHO, Marcus J. M. de. Cavalcantis e cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824. Revista Brasileira de História, v. 18, n. 36. São Paulo, 1998.
  • CARVALHO, Marcus J. M. de. Os nomes da Revolução: lideranças populares na Insurreição Praieira, Recife, 1848-1849. In: Revista Brasileira de História São Paulo: ANPUH/Humanitas, v. 23, n. 45, 2003.
  • CATROGA, Fernando. Pátria, Nação. In: NAXARA, Márcia; CAMILOTTI, Virgínia (orgs.) Conceitos e linguagens, construções identitárias São Paulo: Intermeios, 2013.
  • COSER, Ivo. Visconde do Uruguai: centralização e federalismo no Brasil 1823-1866. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2008.
  • COSER, Ivo. O conceito de Federalismo e a Idéia de Interesse no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro: Dados, v. 51, 2008.
  • COSER, Ivo. Federal/Federalismo. In: FERES JÚNIOR, João (org.). Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil Belo Horizonte: UFMG, 2009.
  • COSER, Ivo. O debate entre centralizadores e federalistas no século XIX: a trama dos conceitos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 76(Impresso), 2011.
  • CURIEL, Carole Leal. De los muchos, uno: el federalismo en el espacio iberoamericano. In: FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier (org.). Diccionario político y social del mundo ibero-americano. La era de las revoluciones, 1750-1850. Madrid: Fundación Carolina Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales; Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2009.
  • COSTA, F. A.Pereira da. Anais Pernambucanos Vol VIII, 1818-1823. Recife: Arquivo Público Estadual, 1962.
  • COSTA, Wilma Peres. Do Domínio à Nação. Impasses da fiscalidade no processo de Independência. In: JANCSÓ, István. (org.). Brasil: formação do Estado e da nação São Paulo: HUCITEC, 2003.
  • DIAS, Maria Odila da Silva. A interiorização da metrópole. In: MOTA, Carlos Guilherme. 1822: dimensões. 2ª. ed.: São Paulo: Perspectiva, 1986.
  • ELIAS, Norbert. O processo civilizador Vol. II: Formação do Estado e Civilização Rio de Janeiro: Zahar, 1993.
  • FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier. Liberalismos nacientes en el Atlántico Iberoamericano: “liberal” como concepto y como identidad política, 1750-1850. In: FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier (org.) Diccionario político y social del mundo ibero-americano. La era de las revoluciones, 1750-1850. Madrid: Fundación Carolina Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales; Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2009.
  • GIL, Antonio Carlos Amador. Projetos de Estado no alvorecer do Império: Sentinela da Liberdade e Typhis Pernambucano A formulação de um projeto de construção do Estado. Vitória: IHGES, 2002.
  • HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismos desde 1780: programa, mito, realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
  • LEITE, Glacyra Lazzari. Pernambuco 1824: a Confederação do Equador. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/editora Massangana, 1989.
  • LEME, Marisa Saenz. São Paulo no I Império: poderes locais e governo central. In: OLIVEIRA, C. H. de Salles; PRADO, M. L. C.; JANOTTI, M.L. de Monaco (orgs.) A história na política, a política na história São Paulo: Alameda, 2006.
  • LEME, Marisa Saenz. Dinâmicas centrípetas e centrífugas na formação do Estado monárquico no Brasil: o papel do Conselho Geral da Província de São Paulo. Revista Brasileira de História, v. 28, n. 55, jan./jun. 2008. p.197-215.
  • LEME, Marisa Saenz. Soberania, centralização, federação e confederação no discurso jornalístico da Independência: a visão de “O Conciliador Nacional”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a. 169, n. 440, jul./set. 2008.
  • LEME, Marisa Saenz. Frei Caneca (1779-1825), Obras Políticas e Literárias. In: PRADO, Maria Emilia (org.). Obras políticas do Brasil Imperial Rio de Janeiro: Editora Revan, 2012.
  • LEVI, Lucio. Confederação. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs.) .Dicionário de Política, vol. 1. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1991.
  • LIMA SOBRINHO, Alexandre José Barbosa. Pernambuco da Independência à Confederação do Equador Recife: Conselho Estadual de Cultura/Secretaria de Educação e Cultura, 1979.
  • LYNCH, Christian Edward Cyril. O discurso político monarquiano e a recepção do conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824). Dados. Revista de Ciências Sociais Rio de Janeiro: v. 48, n. 3, 2005.
  • MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Os Artigos Federalistas, 1787-1789 Apresentação de Isaac Kramnick. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
  • MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília H.L. de S. (orgs.) Introdução. In: Monarquia, liberalismo e negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: EDUSP, 2013.
  • MARSON, Isabel. O Império do Progresso: a revolução praieira em Pernambuco (1842-1855) São Paulo: Brasiliense, 1987.
  • MELLO, Antonio Joaquim de (org.). Obras Politicas e Litterarias de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca Recife: Typ.Mercantil, 1875-76.
  • MELLO, Evaldo Cabral de (org.). Frei Joaquim do Amor Divino Caneca São Paulo: Editora 34, Coleção Formadores do Brasil, 2001.
  • MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Ed. 34, 2004.
  • MOREL, Marco. Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade Salvador: Academia de Letras da Bahia/ Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, 2001.
  • PEREIRA, Luisa Rauter: Povo/Povos. In: FERES JÚNIOR, João (org.). Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil Belo Horizonte: UFMG, 2009.
  • NASCIMENTO, Luiz do. História da Imprensa em Pernambuco (1821-1954) V. IV: periódicos do Recife - 1821-1850. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1969.
  • NEVES, Lúcia M. Bastos Pereira das; NEVES, Guilherme Pereira das. Constituição. In: FERES JÚNIOR, João (org.). Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil Belo Horizonte: UFMG, 2009.
  • OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. A astúcia liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro (1820-1824). Bragança Paulista: EDUSF/ ÍCONE, 1999.
  • ROBERTSON, Andrew W. “Look on This Picture...And on This!” Nationalism, Localism, and Partisan Image of Otherness in the United States, 1787-1820. The American Historical Review, v. 106, n.4(oct.2001).
  • RODRIGUES, José Honório. A assembleia constituinte de 1823 Petrópolis: Vozes, 1974.
  • SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
  • SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria Coroada: o Brasil como Corpo Político Autônomo (1780-1831). São Paulo: Editora UNESP, 1998.
  • TUSHNET, Mark. Federalism. In: BOYER, Paul S. (ed. in chief). The Oxford Companion to United States History New York: Oxford University Press, 2001.
  • VARNHAGEN, Francisco Adolfo de (Visconde de Porto Seguro). História da Independência do Brasil: até o reconhecimento pela antiga metrópole, compreendendo, separadamente, a dos sucessos ocorridos em algumas províncias até essa data. 3ª.ed.: São Paulo: Melhoramentos, 1957.
  • 1
    VARNHAGEN, Francisco Adolfo de (Visconde de Porto Seguro). História da Independência do Brasil, até o reconhecimento pela antiga metrópole, compreendendo, separadamente, a dos sucessos ocorridos em algumas províncias até essa data. 3ª. ed.: São Paulo: Melhoramentos, 1957, p.314.
  • 2
    LIMA SOBRINHO, Alexandre José Barbosa. Pernambuco da Independência à Confederação do Equador. Recife: Conselho Estadual de Cultura/Secretaria de Educação e Cultura, 1979, p.20.
  • 3
    CARVALHO, Marcus J. M. de. Cavalcantis e cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824. Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 36. São Paulo, 1998, p.332.
  • 4
    NEVES, Lúcia M. Bastos Pereira das; NEVES, Guilherme Pereira das. Constituição. In: FERES JÚNIOR, João (org.). Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2009, p.73-4.
  • 5
    Para tanto ver: MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília H.L. de S. (orgs.) Introdução. In: Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: EDUSP, 2013, p.9-33.
  • 6
    Para tanto ver: LYNCH, Christian Edward Cyril. O discurso político monarquiano e a recepção do conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824). DADOS Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: vol. 48, no. 3, 2005, p. 611- 653; SEBASTIÁN, Javier Fernández. Liberalismos nacientes en el Atlántico Iberoamericano: “liberal” como concepto y como identidad política, 1750-1850. In: __________ (Dir.) Diccionario político y social del mundo ibero-americano. La era de las revoluciones, 1750-1850. Madrid: Fundación Carolina Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2009, p.695-731.
  • 7
    LYNCH, Christian Edward Cyril. Op. Cit., p.638.
  • 8
    ARMITAGE, João. História do Brasil: desde o período da chegada da família de Bragança, em 1808, até a abdicação de D. Pedro I, em 1831, compilada à vista dos documentos públicos e outras fontes originais formando uma continuação da História do Brasil de Southey. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia/ São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981, p.88.
  • 9
    Expressão utilizada em Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade. Salvador: Academia de Letras da Bahia; Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, 2001.
  • 10
    BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. A idéia do pacto e o constitucionalismo em Frei Caneca. Estudos Avançados 11 (29), 1997, p.156.
  • 11
    BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. Loc.cit.
  • 12
    BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça.Loc.cit.
  • 13
    VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Op. Cit., p.296-300. A instituição desse Conselho logo após o “Fico”, em decreto de 16-02-1822, foi uma medida de caráter jurídico-institucional representando um primeiro passo de centralização política, no sentido da formação de um Brasil autônomo e unitário, mas que, sobretudo nas áreas do atual Nordeste, despertou temores de um possível favorecimento de atitudes ”despóticas” de D. Pedro, temendo-se, também, o autoritarismo do ministério comandado por José Bonifácio..
  • 14
    COSTA, F.A.Pereira da. Anais Pernambucanos. Vol VIII, 1818-1823. Recife: Arquivo Público Estadual, 1962, p.134-137.
  • 15
    LIMA SOBRINHO, Alexandre José Barbosa. Op. Cit., p.20-86.
  • 16
    BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822. Recife: Editora Universitária UFPE/São Paulo: FAPESP, 2006; MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Ed. 34, 2004, p.65-112.
  • 17
    BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. O patriotismo constitucional...Op. Cit. p. 421.
  • 18
    MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independência...Op. Cit., p.80.
  • 19
    CARVALHO, Marcus J. M. de. Op. Cit., p.331-365.
  • 20
    MELLO, Evaldo Cabral de (org. e introdução). Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. São Paulo: Editora 34, Coleção Formadores do Brasil, 2001, pp.28ss.
  • 21
    Em dezembro de 1821 veio à luz o jornal Segarrega, editado por Filipe Mena Calado da Fonseca, português que participara da revolução de 1817 e da junta de Goiana, sendo, na expressão de Cabral de Mello, um “órgão gervasista” (A outra independência...,p.77). Por sua vez, em 1822 surgiram: em julho, O Marimbondo - fundado pelo padre José Marinho Falcão Padilha, lente régio de retórica e poética do Liceu Pernambucano - e, em setembro, A Gazeta Pernambucana, fundada pelo padre Venâncio Henriques de Rezende - republicano separatista que fez parte da Assembléia Geral Constituinte e, posteriormente, da Confederação do Equador, considerado o “braço direito” de Gervásio Pires. Quando foi para o Rio de Janeiro assumir suas funções de constituinte, essa gazeta passou a ser dirigida por Cipriano Barata que, por sua vez, em abril de 1823, momentos antes da reunião inicial da Assembleia Constituinte, fundará o seu primeiro jornal, Sentinella da Liberdade na Guarita de Pernambuco. Ainda em julho de 1823, surgiu o periódico Escudo da Liberdade do Brazil, inicialmente redigido pelo padre Francisco Agostinho Gomes, que havia sido deputado às Cortes de Lisboa, tendo feito parte do grupo que se recusou a jurar a constituição nesse fórum promulgada. Depois foi dirigido pelo capitão João Mendes Viana. Ainda, no Natal de 1823, vinha à luz o primeiro número do Typhis Pernambucano, redigido por Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, em rota de colisão com o governo central, que destituíra a Assembléia Constituinte. Por sua vez, de modo articulado com os recifenses, editava-se na Bahia O Liberal, periódico cuja edição transferiu-se para o Recife no início de 1824. Seu redator, o padre João Batista da Fonseca restaurou também nesse momento a publicação da Sentinella da Liberdade, suspensa pela repressão que se abatera sobre Cipriano Barata a partir de fins de 1823. Elemento de prol entre os liberais radicais, nascera nessa cidade, recebera ordens na Bahia e estudara em Coimbra; participou dos movimentos de 1817 e de 1824. (LEME, Marisa Saenz. Soberania, centralização, federação e confederação no discurso jornalístico da Independência: a visão de “O Conciliador Nacional”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a. 169, n. 440, jul./set. 2008, pp. 29 a 62.)
  • 22
    SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 84.
  • 23
    Com orientação favorável ao Rio de Janeiro, registra-se em Pernambuco no período abordado apenas o periódico Relator Verdadeiro, com dez números publicados entre 13 de dezembro de 1821 e 25 de maio de 1822, encerrando-se portanto um pouco antes do surgimento de O Conciliador Nacional. (NASCIMENTO, Luiz do. História da Imprensa em Pernambuco (1821-1954), vol. IV, Periódicos do Recife - 1821-1850. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1969, p.28.)
  • 24
    O Liberal, n.3, 17-10-1823. Trata-se de jornal que apresentava concepções “radicais” a respeito da descentralização do estado ( LEME, Marisa Saenz. Op. Cit., p.38).
  • 25
    Embora não tenha ocupado cargos oficiais nas juntas que apoiou, Frei Caneca, como “membro do corpo literário” do Recife fez importantes votos, em discursos perante o Senado da câmara da cidade e o Grande Conselho provincial formado com a eclosão da Confederação do Equador, “apontando diretrizes de atuação para os tensos momentos de enfretamento político realizado entre fins de 1823 e o primeiro semestre de 1824” (LEME, Marisa Saenz. Frei Caneca (1779-1825), Obras Políticas e Literárias. In: PRADO, Maria Emilia (org.). Obras políticas do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2012, p.113).
  • 26
    A pesquisa dos escritos de Frei Caneca foi realizada fundamentalmente em As Obras Politicas e Litterarias de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, publicadas no Recife, entre 1875 e 1876, pela Typographia Mercantil, tendo sido colecionadas e organizadas pelo Comendador Antonio Joaquim de Mello (1794-1873) que, na sua juventude, convivera com Frei Caneca. De modo complementar, utilizaram-se os textos organizados por Evaldo Cabral de Mello em Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. São Paulo: Editora 34, Coleção Formadores do Brasil, 2001. Da primeira coletânea, citam-se: o sermão “na solemnidade da acclamação de D. Pedro d´Alcântara em primeiro imperador do Brazil mandada celebrar pelo Senado da cidade do Recife a 8 de dezembro de 1823, na Matriz do Corpo Santo, com assitencia da Junta Provisória, Relação, Clero, Nobrez e Povo”, p.235-250; “O Caçador atirando à Arara Pernambucana em que se transformou o rei dos ratos José Fernandes Gama”, p.263-287; das Cartas de Pítia a Damão (em número de dez, iniciadas em 17-03-1823) citam-se: I - “Analyse dos cinco primeiros números do Diário do Governo, redigidos pelo Padre Quintella”, p.291-300; II - “Sobre a pastoral do cabido de Olinda de 04 de março de 1823” p. 301- 310; III - “Sobre os projetos despóticos do Ministério do Rio de Janeiro”, p.311-327; IV “Sobre o espirito anti-constitucional, revolucionario e anarchico do Regulador Brazileiro”, p.329-351; VII - “Sobre a doutrina anti-constitucional e perigosa de O Conciliador Nacional n.34”, p.363-374; de O Typhis Pernambucano (25-12-1823 a 05-08-1824) citam-se os números de 19 de fevereiro de 1824 , p.470-474, e de 10 de junho de 1824, p. 558-565. Da segunda coletânea cita-se o “Voto sobre o juramento do projeto de Constituição oferecido por D. Pedro I”, apresentado em 6 de junho de 1823, p.557-566.
  • 27
    Publicados simultaneamente em quatro jornais de Nova Iorque, sob o pseudônimo de Publius, entre outubro de 1787 e março de 1788, os artigos foram reunidos em livro já nesse mesmo ano, constituindo-se numa obra clássica para a compreensão teórica da formação do estado liberal em sua dimensão federativa.
  • 28
    CANECA, Frei. “O Caçador atirando à Arara Pernambucana em que se transformou o rei dos ratos José Fernandes Gama”. In: MELLO, Antonio Joaquim de (Org. e Introdução). Recife: Typ.Mercantil, 1875-76, p.263-287.
  • 29
    O Conciliador Nacional. Recife:Tip. Nacional, n.1, 04-07-1822. Arquivo Público do Estado de Pernambuco. Recife, Brasil, Seção de Obras Raras.
  • 30
    LEITE, Glacyra Lazzari. Pernambuco 1824: A Confederação do Equador. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/editora Massangana, 1989, p.120.
  • 31
    MOREL, Marco. Cipriano Barata na Sentinela... Op. Cit., p.240.
  • 32
    “Na solemnidade da acclamação de D. Pedro d´Alcantara em primeiro imperador do Brazil mandada celebrar pelo Senado da cidade do Recife a 8 de dezembro de 1823”. In: MELLO, 1875-6, Op. Cit., p.247.
  • 33
    MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Os Artigos Federalistas 1787-1789. Apresentação de Isaac Kramnick. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p.339. Publicados simultaneamente em quatro jornais de Nova Iorque, sob o pseudônimo de Publius, entre outubro de 1787 e março de 1788, os artigos foram reunidos em livro já nesse mesmo ano, constituindo-se numa obra clássica para a compreensão teórica da formação do estado liberal em sua dimensão federativa.
  • 34
    “Sobre a doutrina anti-constitucional e perigosa de O Conciliador Nacional n. 34”. In: MELLO, 1875-76. Op. Cit., p.368.
  • 35
    O Typhis Pernambucano, 19 de fevereiro de 1824. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p. 470.
  • 36
    Para essa questão em contextos próximos ao referido no presente artigo, ver: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. A astúcia liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro (1820-1824). Bragança Paulista: EDUSF/ ÍCONE, 1999; MOREL, Marco. Cipriano Barata na Sentinela ...Op. Cit.; MARSON, Isabel. O Império do Progresso: a revolução praieira em Pernambuco (1842-1855). São Paulo: Brasiliense, 1987; CARVALHO, J.M. Marcus. Os nomes da Revolução: lideranças populares na Insurreição Praieira, Recife, 1848-1849. In: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/Humanitas, vol. 23, nº. 45, 2003, p. 209-238. Por sua vez, uma interessante visão sobre como os liberais classificavam o “povo”, encontra-se em: PEREIRA, Luisa Reuter. Povo/ povos. In: FERES JÚNIOR (org.). Léxico...Op. Cit., p.203-224.
  • 37
    ROBERTSON, Andrew W. “Look on This Picture...And on This!” Nationalism, Localism, and Partisan Imagem of Otherness in the United States, 1787-1820. The American Historical Review, vol. 106, No. 4 (oct. 2001), p. 1262-1280.
  • 38
    PEREIRA, Luisa Rauter: Povo/Povos. In: Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil. Op.Cit., p.203-224.
  • 39
    Segunda Carta de Pítia a Damão, “Sobre a pastoral do cabido de Olinda de 04 de março de 1823”. In: MELLO, 1875-76. Op. Cit., p.301- 310.
  • 40
    RODRIGUES, José Honório. A Assembleia Constituinte de 1823. Petrópolis: Vozes, 1974.
  • 41
    CATROGA, Fernando. Pátria, Nação. In: NAXARA, Márcia; CAMILOTTI, Virgínia (orgs.) Conceitos e linguagens, construções identitárias. São Paulo: Intermeios, 2013.
  • 42
    HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismos desde 1780: programa, mito, realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
  • 43
    ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
  • 44
    Terceira Carta de Pitia a Damão, “Sobre os projetos despoticos do Ministerio do Rio de Janeiro”. In MELLO, 1875-6. Op.Cit., p.311-327.
  • 45
    BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. O papel de Frei Caneca na Independência do Brasil. In: ANDRADE, Manuel; FERNANDES, Eliane Moury; CAVALCANTI, Sandra (orgs.). A formação histórica da nacionalidade/Brasil: 1701-1824. Seminário Internacional. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 2000, p.214-15.
  • 46
    GIL, Antonio Carlos Amador. Projetos de Estado no alvorecer do Império: Sentinela da Liberdade e Typhis Pernambucano: a formulação de um projeto de construção do Estado. Vitoria: IHGES, 2002, p.157.
  • 47
    LEITE, Glacyra Lazzari. Op. Cit., p.116.
  • 48
    MELLO, Evaldo Cabral de (org. e intr.). Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Op. cit., p. 11-46.
  • 49
    Idem. A outra independência...Op. Cit.
  • 50
    CURIEL, Carole Leal. De los muchos, uno: el federalismo en el espacio iberoamericano. In: SEBASTIÁN, Javier Fernández (Director). Diccionario político y social del mundo ibero-americano. La era de las revoluciones, 1750-1850. Madrid: Fundación Carolina Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2009.
  • 51
    COSER, Ivo. O conceito de Federalismo e a Idéia de Interesse no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro: Dados, v. 51, 2008, p. 944.
  • 52
    Idem. Federal/Federalismo. In: FERES JÚNIOR, João (org.). Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2009, p. 92.
  • 53
    TUSHNET, Mark. Federalism. In: BOYER, Paul S. (ed. in chief). The Oxford Companion to United States History. New York: Oxford University Press, 2001, p.258.
  • 54
    Loc. Cit.
  • 55
    COSER, Ivo. O debate entre centralizadores e federalistas no século XIX: a trama dos conceitos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 76 (Impresso), 2011, p. 192.
  • 56
    LEVI, Lucio. Confederação. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (dir.) .Dicionário de Política, vol. 1. Brasília, DF: Editora da Universidade de Brasília, 1991, p. 218 ss.
  • 57
    O Typhis Pernambucano. Recife: Tip. de Miranda & Cia, n. 21, 10 de junho de 1824. In MELLO, 1875-6. Op. Cit., p.559.
  • 58
    Loc. cit.
  • 59
    Loc. cit.
  • 60
    “O Caçador atirando à Arara Pernambucana em que se transformou o rei dos ratos José Fernandes Gama”. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p.267.
  • 61
    Loc. cit.
  • 62
    SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria Coroada: o Brasil como Corpo Político Autônomo1780-1831. São Paulo: Editora UNESP, 1998.
  • 63
    O Typhis Pernambucano, n. cit. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p.561.
  • 64
    LEME, Marisa Saenz. São Paulo no Iº Império: poderes locais e governo central. In: OLIVEIRA, C. H. de Salles; PRADO, M. L. C.; JANOTTI, M.L. de Monaco (Orgs.) A história na política, a política na história. São Paulo: Alameda, 2006. p.59-80.
  • 65
    BERBEL, Márcia; FERREIRA, Paula Botafogo C. Soberanias em questão: apropriações portuguesas de um debate iniciado em Cádis. In: BERBEL, Márcia; OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles (orgs.) A experiência constitucional de Cádis: Espanha, Portugal e Brasil. São Paulo: Alameda, 2012, p.169-200.
  • 66
    O Typhis Pernambucano, n.cit.. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p.560.
  • 67
    MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Op.cit., caps. XLVII a LI, p.331-353.
  • 68
    Ibdem, p.349.
  • 69
    Para tanto, ver: ARDANT, Gabriel. Financial policy and economic infrastructure of modern states and nation. In: TILLY, Charles (ed.). The formation of national states in Western Europe. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1975; ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Vol. II. Formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.
  • 70
    Sétima carta de Pitia a Damão. “Sobre a doutrina anti-constitucional e perigosa do Conciliador Nacional” n. 34”. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p. 372.
  • 71
    COSTA, Wilma Peres. Do Domínio à Nação, impasses da fiscalidade no processo de Independência. In: István Jancsó. (Org.). A formação do Estado e da Nação Brasileira. São Paulo: HUCITEC, 2003, p.143-194.
  • 72
    Terceira carta de Pitia a Damão. “Sobre os projetos despóticos do Rio de Janeiro”. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p. 318.
  • 73
    Loc.cit.
  • 74
    DIAS, Maria Odila da Silva. A interiorização da metrópole. In: MOTA, Carlos Guilherme. 1822: Dimensões. 2ª. ed.: São Paulo: Perspectiva, 1986, p.160-184.Texto republicado em A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda, 2005, p.7-37.
  • 75
    LEME, Marisa Saenz. Dinâmicas centrípetas e centrífugas na formação do Estado monárquico no Brasil: o papel do Conselho Geral da Província de São Paulo. Revista Brasileira de História, v. 28, n. 55, jan./jun. 2008. p.197-215.
  • 76
    ARDANT, Gabriel, Op.Cit.; ELIAS, Norbert, Op.Cit.
  • 77
    Terceira Carta de Pítia a Damão. “Sobre os projetos despóticos do Ministério do Rio de Janeiro”. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p. 319-20.
  • 78
    Loc. Cit.
  • 79
    Loc Cit.
  • 80
    Primeira carta de Pitia a Damão. “Analyse dos cinco primeiros números do Diário do Governo, redigidos pelo Padre Quintella. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p.294).
  • 81
    COSER, Ivo. Visconde do Uruguai: centralização e federalismo no Brasil 1823-1866. Belo Horizonte: Editora da UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2008, p.39.
  • 82
    Idem. O debate entre centralizadores e federalistas ... Op. Cit., p. 193.
  • 83
    MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Op. Cit., p. 150.
  • 84
    Terceira Carta de Pitia a Damão. “Sobre os projetos despóticos do Rio de Janeiro”. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p. 320.
  • 85
    Ibdem, p. 321.
  • 86
    Loc. cit.
  • 87
    Quarta Carta de Pitia a Damão. “Sobre o espírito anticonstitucional, revolucionário e anárquico do Regulador Brasileiro”. In: MELLO, 1875-6. Op. Cit., p. 335.
  • 88
    Voto sobre o juramento do projeto de Constituição oferecido por D. Pedro I. In: MELLO, 2001. Op. Cit., p. 561.
  • 89
    Ibdem, p. 563.
  • 90
    MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Op. Cit., p. 462ss.
  • 91
    Loc. cit.
  • 92
    COSER, Ivo. O debate entre centralizadores e federalistas ... Op. Cit., p. 193.
  • 93
    Idem. Visconde do Uruguai...Op.Cit., p. 40-41.
  • 94
    Idem. O debate entre centralizadores e federalistas ... Op. Cit., p. 193.
  • 95
    Idem. Visconde do Uruguai...Op.Cit., p. 45.
  • 96
    Idem. Federal/Federalismo. Op. Cit., p. 103.
  • 97
    ELIAS, Norbert. Op. Cit. V

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2017

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2016
  • Aceito
    25 Jun 2016
Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP Estrada do Caminho Velho, 333 - Jardim Nova Cidade , CEP. 07252-312 - Guarulhos - SP - Brazil
E-mail: revista.almanack@gmail.com