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Estratégias de participação social em leituras comunitárias de municípios brasileiros: aproximações da terapia ocupacional com a política urbana1 1 Este artigo é uma contribuição original e inédita, derivado do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado Estratégias metodológicas sobre Leituras Comunitárias em Planos Diretores Participativos de municípios brasileiros, como requisito para obtenção de título de Especialista em Projetos Sociais e Políticas Públicas do Centro Universitário SENAC-SP, defendido pelo autor em novembro de 2019.

Resumo

Introdução

Há um abismo técnico e epistêmico sobre a produção de informações a respeito da gestão democrática no planejamento das cidades. Isso implica prejuízos na participação social, enquanto envolvimento ocupacional coletivo, na condução do Plano Diretor Participativo, em especial na etapa diagnóstica da leitura comunitária, como prevê o Estatuto da Cidade.

Objetivo

Identificar as abordagens metodológicas da leitura comunitária dos Planos Diretores Participativos de municípios brasileiros e aproximar as suas informações à área de terapia ocupacional.

Método

Foi conduzida uma pesquisa documental, hipotético-dedutiva, exploratória e de natureza quali-quantitativa. Elegeu-se como variáveis de análise o conjunto de estratégias metodológicas e categoria profissional.

Resultados

Foram levantados 42 documentos que compreendem cinco etapas na condução da leitura comunitária: Divulgação, Mobilização, Capacitação, Diagnóstico e Pactuações. Em cada etapa, estratégias são criadas ainda sob perspectivas tradicionais e hegemônicas, conduzidas, majoritariamente, por profissionais da Arquitetura, Geografia e Engenharia. Com isso, a ação interdisciplinar é insuficiente e a participação é tratada como um “ato de aderência populacional” na construção da política urbana.

Conclusão

Os municípios brasileiros encontram dificuldades para implementar a política urbana, sobretudo a etapa da leitura comunitária, a qual se considera fundamental para a participação social da população. Com isso, este estudo aproxima as questões do planejamento urbano da área de terapia ocupacional, em especial ao fornecer contribuições relativas às tecnologias de participação e ao direito à cidade, enquanto direitos humano e social intrínsecos à cotidianidade de diversas populações.

Palavras-chave:
Cidades; Direitos Econômicos; Sociais e Culturais; Participação Social; Planejamento de cidades; Terapia Ocupacional

Abstract

Introduction

There is a technical and epistemic chasm about the production of information about democratic management in city planning. This implies losses in social participation, while collective occupational involvement, in the conduction of the Participative Master Plan, especially in the diagnostic stage of community reading, as provided for in the City Statute.

Objective

To identify methodological approaches to community reading of Participatory Master Plans in Brazilian municipalities and bring their information closer to the area of occupational therapy.

Method

A documentary, hypothetical-deductive, exploratory, and quali-quantitative research was conducted. The set of methodological strategies and professional categories were chosen as analysis variables.

Results

42 documents were surveyed, which in summary comprises five stages in conducting community understanding: Dissemination, Mobilization, Training, Diagnosis, and Agreements. At each stage, strategies are still created under traditional and hegemonic perspectives, conducted mainly by professionals from Architecture, Geography, and Engineering. As a result, interdisciplinary action is insufficient, and participation is treated as an 'act of population adherence' in the construction of urban policy.

Conclusion

Brazilian municipalities find it difficult to implement urban policy, especially the stage of community reading, in which it is considered fundamental for the social participation of the population. With this, this study approaches the issues of urban planning in the area of occupational therapy, in particular by providing contributions related to the technologies of participation and the right to the city, as a human and social right involved in the daily lives of several populations.

Keywords:
Cities; Socioeconomics Rights; Social Participation; City Planning; Occupational Therapy

Introdução

A terapia ocupacional no Brasil, ao longo de sua história, tem dado importante atenção aos processos de constituição e implementação de políticas públicas no cotidiano das diversas populações atendidas, sobretudo daquelas que vivenciam cotidianos vulneráveis. Isso tem promovido mudanças significativas no debate sobre o objeto de conhecimento e intervenção da terapia ocupacional, sobre as suas tecnologias de ação e, concomitantemente, ampliado e aprofundado a inserção profissional nos tradicionais e em novos campos de atuação (Silva & Oliver, 2019Silva, A. C. C., & Oliver, F. C. (2019). Participação social em terapia ocupacional: sobre o que estamos falando? Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(4), 858-872. https://doi.org/https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAR1883
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).

As políticas públicas enquanto um conjunto de instrumentos para a gestão da coisa pública (Drummond, 2012Drummond, A. (2012). Cidades & políticas públicas de cultura: diagnóstico, reflexão e proposições. Belo Horizonte: Artmanager.) expressam interesses e valores de uma época. Por isso, a relação da terapia ocupacional com as políticas públicas é um fenômeno sócio-histórico, marcada pela ampliação dos direitos sociais vivenciados no Brasil, durante o período de redemocratização política e civil na década de 1970 (Barros et al., 2007Barros, D. D., Lopes, R. E., & Galheigo, S. M. (2007). Novos Espaços, Novos Sujeitos: a Terapia Ocupacional no trabalho territorial e comunitário. In A. Cavalcanti & C. Galvão (Orgs.), Terapia Ocupacional: fundamentação e prática (pp. 354-363). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.). A partir deste momento, viu-se o engajamento de terapeutas ocupacionais no debate, construção e implementação de políticas sociais de saúde, assistência social, previdência, educação e cultura. No entanto, pouca atenção foi, e ainda é dada à política urbana enquanto um direito social, que está relacionada diretamente ao envolvimento ocupacional de indivíduos e coletivos no uso e apropriação do espaço social das cidades.

A partir de 1988, com a Constituição Federal (CF), os municípios brasileiros passaram a ser entes federativos com autonomia administrativa, personalidade jurídica e lei orgânica para gerir processos institucionais, tornando-se os principais agentes do ordenamento das cidades. Com isso, a cidade coexiste, tanto como categoria filosófica quanto jurídico-institucional que, no caso brasileiro, elevará a cidade ao status de direito social (Tonella, 2013Tonella, C. (2013). Políticas urbanas no Brasil: marcos legais, sujeitos e instituições. Sociedade e Estado, 28(1), 29-52. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69922013000100003.
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). Entretanto, para compreender esta perspectiva, é necessário, ao menos no caso brasileiro, recorrer a uma breve contextualização sobre as desigualdades socioterritoriais e sobre como a política urbana é criada e implementada para assegurar a participação e o pertencimento à cidade, ou, sob uma versão contemporânea, do direito à cidade2 2 A expressão “direito à cidade”, empregada pelo filósofo Henri Lefebvre, no fim da década de 1960, na França, não é um conceito, muito menos um termo relativo às políticas públicas ou direito social à cidade. Para Lefebvre, o direito à cidade é uma noção filosófica para reivindicar o direito de uso das cidades, frente à dominação capitalista após a Revolução Industrial nos países europeus. O debate sobre o direito à cidade como direito social é feito somente no fim dos anos 1990, segundo Harvey (2013), quando a cidade passa a ser, teórica e politicamente, colocada como peça central das questões de justiça, democracia e cidadania nos Estados democrático-capitalistas. No caso brasileiro, com a criação do Estatuto da Cidade, a expressão “direito à cidade” é utilizada para orientar os instrumentos da política urbana como direito social. Logo, não significa dizer que a expressão foi incorporada com base na noção de Lefebvre. Inclusive, porque a política urbana brasileira defende, por exemplo, uma perspectiva de função social da cidade atrelada à obtenção e à manutenção da propriedade privada, fortemente contrária ao que propõe Lefebvre ao cunhar a sua expressão. .

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010a)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2010a). Brasil. Recuperado em 03 de junho de 2019, de https://cidades.ibge.gov.br/brasil/panorama.
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, o Brasil possui 5.570 municípios que apresentam grandes diferenças entre si, relacionadas a aspectos naturais, econômicos, sociais, políticos, culturais, entre outros que, a depender do tamanho de sua administração, os colocam em assimetria de poder governamental. Isso limita o desenvolvimento local e o capital social de seus agentes para promoverem transformações sociais necessárias (Martins, 2002Martins, S. R. O. (2002). Desenvolvimento Local: questões conceituais e metodológicas. Interações, 3(5), 51-59. http://dx.doi.org/10.20435/interacoes.v3i5.570.
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), como o aumento e distribuição da riqueza per capita, oportunidades de trabalho justo e qualificado, moradia, saúde, educação, proteção do meio ambiente, longevidade, e uma série de outras necessidades que são executadas via políticas públicas sociais, que demandam, portanto, uma parcela de autossuficiência da administração municipal.

A política de planejamento urbano, enquanto instrumento democrático e de cidadania, é resultado das lutas de movimentos sociais pela Reforma Urbana, a partir da década de 1960. Tais lutas culminaram na criação do capítulo II, denominado “Política Urbana” na CF, nos artigos 182 e 183 (Fernandes, 2005Fernandes, E. (2005). Direito e gestão na construção da cidade democrática no Brasil. Revista Oculum Ensaios, 4, 16-33.). No entanto, a regulamentação dos artigos só se deu em 10 de julho 2001 com a sanção da Lei nº 10.257 (Brasil, 2001Brasil. (2001, 10 de julho). Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília.), mais conhecida como Estatuto da Cidade. Em 2003, foi criado o Ministério das Cidades, que teve como objetivo a gestão das políticas públicas voltadas para o ordenamento, expansão e desenvolvimento econômico e social das cidades. No entanto, no governo de 2019, o Ministério foi rebaixado à secretaria, com grande parte de suas ações destituídas e desarticuladas, vinculado atualmente ao Ministério do Desenvolvimento Regional, que tem caráter “exclusivamente” econômico. Nesta derrocada, algumas mudanças significativas foram feitas no Estatuto da Cidade, como a supressão de artigos relacionados às formas de tributação de terrenos e edificações, e, especialmente, à gestão de conselhos e comitês consultivos, que cumprem a função de controle social. A destituição desses instrumentos infere a precarização da gestão democrática, retirando das mãos da população o poder de governança, passando-a aos interesses do capital neoliberalista (Harvey, 2013Harvey, D. (2013). O enigma do capital. São Paulo: Boitempo.).

O Estatuto da Cidade é a política pública que define as diretrizes para o planejamento urbano, reunindo uma série de instrumentos, já regulamentados anteriormente à Constituição Federal, assim como novos, para ordenar a função social da cidade. Esses instrumentos visam dar conta dos aspectos filosóficos e jurídicos do direito ao espaço social e, portanto, oferece uma leitura sobre o uso do solo urbano, enquanto propriedade pública e privada, a fim de fomentar o desenvolvimento local e assegurar o bem-estar dos cidadãos e o equilíbrio ambiental (Brasil, 2001Brasil. (2001, 10 de julho). Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília.).

Para garantir a participação social como natureza da gestão democrática da cidade, no capítulo IV, artigo 43, do Estatuto da Cidade, são descritos os seguintes instrumentos:

I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal; II – debates, audiências e consultas públicas; III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento (Brasil, 2001Brasil. (2001, 10 de julho). Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília., p. 28).

O Estatuto da Cidade prevê ainda o Plano Diretor “Participativo” (PDP), que é o instrumento básico e obrigatório para ordenar o planejamento da cidade e garantir o bem-estar da população. O PDP deve ser proposto e gerenciado pelo gestor municipal (prefeito/a), que deve nomear um Comitê Gestor que irá conduzir o processo, e estabelecer metas, tarefas e responsabilidades para a sua implementação em um período de 10 anos, via lei municipal (Brasil, 2001Brasil. (2001, 10 de julho). Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília.). Para a condução do PDP, propõe-se, obrigatoriamente, a leitura comunitária, que é uma etapa que visa garantir a compreensão da população sobre a realidade local, registrar as suas demandas pelo período previsto e inseri-las no plano de ordenamento da cidade (Moretti & Rolnik, 2005Moretti, R. S., & Rolnik, R. (2005). Planos diretores participativos. Oculum Ensaios, (4), 110- 115.; Rolnik & Pinheiro, 2004Rolnik, R., & Pinheiro, O. M. (2004). Plano diretor participativo: guia para a elaboração pelos municípios e cidadãos. Brasília: Confea.; Silva Júnior & Passos, 2006Silva Júnior, J. R., & Passos, L. A. (2006). O negócio é participar: a importância do plano diretor para o desenvolvimento municipal. Brasília: SEBRAE.). No entanto, a ausência de informações estatísticas e qualitativas sobre os processos de planejamento urbano, sobretudo da gestão democrática na implementação ou revisão de PDPs de municípios brasileiros, gera, segundo Maricato (2002)Maricato, E. (2002, março). Erradicar o analfabetismo urbanistico. Revista FASE, pp. 1-4., um analfabetismo urbanístico.

O analfabetismo urbanístico fragiliza a ação de gestores públicos em garantir a participação social, priva diversas populações nas tomadas de decisão sobre qual cidade se deseja viver e dificulta o planejamento das ações de equipes técnicas e, sobretudo, empobrece o caráter interdisciplinar do planejamento urbano.

A política urbana é de extrema relevância não somente ao desenvolvimento macroeconômico, social e ambiental, mas também ao desenvolvimento local da vida cotidiana. Tal fato se dá porque é na vida local onde as vivências de produção de trabalho e renda, saúde, educação, participação comunitária, lazer, entre outras, se territorializam enquanto dinâmicas ocupacionais. Essas dinâmicas são relativas àquilo o que as pessoas fazem em seus territórios cotidianos e, portanto, participam fundamentalmente dos processos de urbanização e gestão do espaço social das cidades. Assim, compreender o que as pessoas de um determinado contexto local fazem, como fazem, com quem fazem, com que sentido fazem, em que momento e com quais recursos e oportunidades fazem, são determinantes para compreender o espaço social e criar as estratégias mais eficazes para o planejamento urbano.

Este fazer pode ser denominado como “ocupação humana” e compreende a experiência que permite às pessoas realizarem a vida e participar dela socialmente. Ocupações e espaço social se produzem mutuamente (Kantartzis & Molineux, 2017Kantartzis, S., & Molineux, M. (2017). Collective occupation in public spaces and the construction of the social fabric. Canadian Journal of Occupational Therapy, 84(3), http://dx.doi.org/10.1177/0008417417701936.
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). Assim, as ocupações humanas não podem ser consideradas fenômenos isolados dos processos de estruturação e dinâmicas dos espaços sociais das cidades.

Igualmente, Maricato (2002)Maricato, E. (2002, março). Erradicar o analfabetismo urbanistico. Revista FASE, pp. 1-4. define que a urbanização é a territorialização daquilo o que as pessoas fazem no espaço social, como o cuidado de si e do outro, o lazer, o trabalho, os deslocamentos, entre outros, que imprimem vida humana na relação com o ambiente. Nesse sentido, os processos de constituição e implementação de políticas públicas também compreendem vivências de envolvimento ocupacional, nas quais estão em jogo os raciocínios e usos de estratégias para a convivência e as disputas entre grupos socialmente distintos e com poderes assimétricos sobre o domínio e o pertencimento do espaço social (Serpa, 2007Serpa, A. (2007). O espaço público na cidade contemporânea. São Paulo: Contexto.). Logo, as políticas públicas não são apenas estratégias para garantir vivências ocupacionais, senão as próprias vivências ocupacionais em uma dimensão coletiva.

As ocupações coletivas compreendem aquilo que indivíduos, intencionalmente identificados entre si, fazem para se envolver e formar o tecido social (Ramugondo & Kronenberg, 2015Ramugondo, E. L., & Kronenberg, F. (2015). Explaining collective occupations from a human relations perspective: bridging the individual-collective dichotomy. Journal of Occupational Science, 22(1), 3-16. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2013.781920.
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). No entanto, ao longo de suas trajetórias, esses indivíduos podem vivenciar privações ocupacionais, enquanto impossibilidades de se envolverem com a estrutura e as dinâmicas do próprio tecido social (Galvaan, 2015Galvaan, R. (2015). The contextually situated nature of occupational choice: marginalised young adolescents’ experiences in South Africa. Journal of Occupational Science, 22(1), 39-53. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2014.912124.
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), como a pobreza, baixa escolaridade, subjugações de gênero e cor, sistemas políticos opressores, entre outras, que se impõem cada vez mais com o advento do mundo globalizado. Portanto, neste debate entre ocupações humanas e cidades, interessa à terapia ocupacional a compreensão complexa do envolvimento ocupacional de distintas populações na estruturação e dinâmicas que formam o espaço social da cidade, permitindo, ou não, a participação social de seus agentes.

A questão da participação social precisa ser deslocada do âmbito privado e individual dos sujeitos para a vida pública, histórica, cultural, coletiva e para as relações de poder, os processos emancipatórios e de inclusão e as oportunidades de acesso aos direitos. Isso se torna urgente quando a sociedade está inserida no processo de mundialização com forte presença das alternativas neoliberais de produção e distribuição de desigualdades, como no caso brasileiro, pois existe uma centralidade no crescimento econômico, inovação tecnológica e nas políticas de austeridade, que pouco investem na garantia de direitos fundamentais (Silva & Oliver, 2019Silva, A. C. C., & Oliver, F. C. (2019). Participação social em terapia ocupacional: sobre o que estamos falando? Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(4), 858-872. https://doi.org/https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAR1883
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, p. 869).

Sob a perspectiva da participação social, o direito à cidade se coloca enquanto uma noção filosófica para designar o efeito de os seres humanos criarem e tomarem para si o uso do espaço social, resistindo à relação de troca imposta pelo sistema capitalista desigual e assimétrico (Lefebvre, 2001Lefebvre, H. (2001). O direito à cidade. São Paulo: Centauro.). No entanto, considerando o capitalismo dominante na vida cotidiana, como parte da produção das subjetividades e das condições materiais para a realização da vida, o direito à cidade deve também ser considerado sob uma perspectiva jurídico-institucional da participação social (Trindade, 2012Trindade, T. A. (2012). Direitos e cidadania: reflexões sobre o direito à cidade. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 87, 139-165. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64452012000300007.
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), a fim de garantir legitimidade democrática e assegurar cidadania aos agentes sociais. O diálogo entre concepções filosóficas e jurídicas, na contemporaneidade, deve convergir ações e debates críticos, baseados em processos democráticos que enfrentem as injustiças impostas na realidade. Assim, deve-se levar em conta a conjuntura histórico-social que coloque o direito à cidade enquanto o direito de participar socialmente da cidade e, portanto, no rol dos demais direitos humanos e sociais (Harvey, 2008Harvey, D. (2008). The Right to the City. New Left Review, (53), 23-40., 2013Harvey, D. (2013). O enigma do capital. São Paulo: Boitempo.).

[...] há uma questão teórica implícita na tentativa de entendermos nossos espaços urbanos, que decorre justamente da coexistência e complementar de formas típicas de um capitalismo avançado, ao lado de outras formas de produção e de modos de vida (pré-capitalistas ou não capitalistas) sem correspondência imediata com o assalariamento e, assim, com relação capital/trabalho. Dos elos estabelecidos entre esses segmentos ou prismas da realidade social dependem a compreensão da totalidade em movimento e a análise da evolução da formação social, sobretudo em nossas cidades. De fato, nossa condição periférica não permite que nos consideremos parte constitutiva daquilo que o capitalismo tem de positivo; temos de encarar o lado negativo do sistema, o que termina por nos trazer responsabilidades (Nunes, 2006Nunes, B. F. (2006). Sociologia de capitais brasileiras: participação e planejamento urbano. Brasília: Líber Livro Editora., p. 8).

Contudo, Rolnik & Pinheiro (2004)Rolnik, R., & Pinheiro, O. M. (2004). Plano diretor participativo: guia para a elaboração pelos municípios e cidadãos. Brasília: Confea. argumentam que, mesmo com o avanço da política urbana no Brasil, os instrumentos sobre as formas de participação da sociedade civil ainda são insuficientes, e pouco conhecidos, frente à complexa realidade brasileira. Sobretudo no que diz respeito às desigualdades socioterritoriais, assimetrias de poder nas formas de gestão municipais, ambiguidades de compreensão sobre a função social da cidade, e, principalmente, à falta de cumprimento do Estado com as políticas públicas para responder às demandas econômico-sociais nos contextos de vida local da população. Assim, os autores recomendam que deve existir um campo fértil de criações metodológicas que coadunem com os interesses populacionais e com seus saberes locais e modos de fazer cotidianamente construídos e conduzidos pelos coletivos e movimentos sociais engajados nas pautas do direito à cidade, para efetivar, desta forma, as políticas urbanas. Tal compreensão deve guiar o raciocínio técnico e a operacionalização das equipes que geralmente conduzem as etapas dos planos diretores junto aos gestores municipais. “O método de promover a participação é fator definidor do sucesso na elaboração do PD [plano diretor]” (Freitas & Bueno, 2018Freitas, E. L. H., & Bueno, L. M. M. (2018). Processos participativos para elaboração de Planos Diretores Municipais: inovações em experiências recentes. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, 10(2), 304-321. http://dx.doi.org/10.1590/2175-3369.010.002.ao09.
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, p.308).

A literatura relacionada ao tema traz poucas pesquisas sobre metodologias de participação de agentes locais no planejamento urbano, o que reforça o exposto por Rolnik & Pinheiro (2004)Rolnik, R., & Pinheiro, O. M. (2004). Plano diretor participativo: guia para a elaboração pelos municípios e cidadãos. Brasília: Confea.. Aquelas identificadas demonstram as possibilidades metodológicas e a sua eficácia nas leituras comunitárias nas revisões ou criações de PDP. Como no estudo de Mussi (2016)Mussi, A. Q. (2016). Leitura comunitária do futuro loteamento Canaã: senso de comunidade, expectativas e prioridades. Interações, 17(4), 607-620. http://dx.doi.org/10.20435/1984-042X-2016-v.17-n.4(05).
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, por exemplo, a pesquisa-intervenção foi proposta enquanto desenho metodológico para atender às demandas do plano diretor e o engajamento de agentes locais na resolução de seus problemas territoriais. Saboya & Karnaukhova (2007)Saboya, R., & Karnaukhova, E. (2007). Uma metodologia para a obtenção de possíveis objetivos e eixos estratégicos para planos diretores a partir dos dados da leitura comunitária. In Anais do 12º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em planejamento urbano e regional. Belém: ANPUR. apresentaram técnicas de visualização, problematização, categorização, priorização e trabalho em grupo, por meio de oficinas de capacitação e audiências públicas. Ferreira & Cardoso (2008)Ferreira, M., & Cardoso, E. M. (2008). Experiência de apoio técnico à construção dos Planos Diretores Participativos de cinco municípios de Minas Gerais pela FESP| UEMG. Ciência et Práxis, 1(1), 39-46. destacaram a importância da articulação territorial, mapeando e usando equipamentos escolares e de saúde como pontos estratégicos para a realização de capacitação e escutas públicas junto à população. A mobilização e a organização de grupos específicos, como o de mulheres, em fóruns destinados a pautas específicas, são apresentadas como estratégias metodológicas no estudo de Moreira (2010)Moreira, A. D. S. (2010). A participação das mulheres na leitura comunitária do plano diretor participativo de Florianópolis. In Anais do Seminário Internacional Fazendo Gênero 9: Diásporas, Diversidades, Deslocamentos (pp. 1–11). Florianópolis: UFSC.. Já no estudo de Freitas & Bueno (2018)Freitas, E. L. H., & Bueno, L. M. M. (2018). Processos participativos para elaboração de Planos Diretores Municipais: inovações em experiências recentes. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, 10(2), 304-321. http://dx.doi.org/10.1590/2175-3369.010.002.ao09.
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, os autores demonstraram o uso de formulários atrelados às capacitações e audiências públicas para coletar informações sobre as demandas da cidade. Vieira et al. (2013)Vieira, R., Pereira, L. N., Anjos, F. A., & Schroeder, T. (2013). Participação popular no processo de planejamento urbano: a universidade como decodificadora de um sistema de muitos códigos. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, 5(20), 115-130. http://dx.doi.org/10.7213/urbe.05.002.AC03.
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utilizam recursos gráficos-imagéticos para dinamizar rodas de conversa e oficinas para qualificar as escutas públicas. Correia et al. (2017Correia, R. L., Costa, S. L., & Akerman, M. (2017). Processos de ensinagem em desenvolvimento local participativo. Interações, 18(3), 23-39. http://dx.doi.org/10.20435/inter.v18i3.1526.
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, 2018Correia, R. L., Costa, S. L., & Akerman, M. (2018). Processos de inclusão Quilombola nas políticas urbanas da cidade. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 2(4), 827-839.) utilizaram a abordagem de ensinagem em desenvolvimento local participativo, com base em uma perspectiva educativa e comunitária, específica em terapia ocupacional, para engajar os agentes locais em Projetos de Vida Coletiva e atender às demandas locais para a revisão e criação de um Plano Diretor Participativo.

De acordo com os estudos mencionados, as metodologias para conduzir a leitura comunitária podem assegurar processos democráticos previstos na política urbana brasileira. Isso interessa à terapia ocupacional, pois os processos terapêutico-ocupacionais se baseiam nas ocupações, enquanto tecnologias e recursos de intervenção de diversas ordens, materiais e imateriais, que cumprem o objetivo de facilitar e garantir a participação, de indivíduos e coletivos, na vida social. Contudo, processos terapêutico-ocupacionais na condução da leitura comunitária irão exigir o conhecimento de um panorama de estratégias já existentes e coerentes aos instrumentos jurídico-institucionais previstos no Estatuto da Cidade, a fim de fomentar o debate e estruturar as ações específicas e gerais da área de terapia ocupacional para o campo do planejamento urbano.

À vista disso, o objetivo deste artigo é identificar as abordagens metodológicas da leitura comunitária de Planos Diretores Participativos de municípios brasileiros e aproximar as informações produzidas à área de terapia ocupacional, a fim de corroborar com as ações no campo do planejamento urbano.

Método

Trata-se de uma pesquisa documental (Kripka et al., 2015Kripka, R. M. L., Scheller, M., & Bonotto, D. de L. (2015). Pesquisa Documental: considerações sobre conceitos e características na Pesquisa Qualitativa. In Anais do 4º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa e 6º Simpósio Internacional de Educação e Comunicação (pp. 243-247). Aracaju: Universidade Tiradentes.) de abordagem exploratória e natureza quali-quantitativa, com foco nos procedimentos da leitura comunitária de municípios brasileiros. Os argumentos que fomentaram a problematização, hipótese, análise e resultados são baseados em estruturas lógicas, explicativas, causais e não completamente generalizáveis, por isso seu alcance é hipotético-dedutivo. O objeto de estudo é amplo, assim, não se alcançaria, devido à impossibilidade de tempo e recursos para a sua constatação, o universo de 5.570 municípios. Com isso, houve a necessidade de determinar uma amostra aleatória, selecionada ao acaso pelo procedimento de busca transversal (Minayo, 1994Minayo, M. C. S. (1994). Pesquisa Social : teoria, método e criatividade. Petropólis: Editora Vozes.).

Desta forma, garimpou-se (Pimentel, 2001Pimentel, A. (2001). O método da análise documental: seu uso numa pesquisa historiográfica. Cadernos de Pesquisa, (114), 179-195. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742001000300008.
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) a base de dados Google®, a fim de obter informações documentadas sobre os processos metodológicos da leitura comunitária de municípios brasileiros. Foi utilizada a chave de busca: “leitura comunitária AND plano diretor”. Em seguida, foram acessados 131 links disponíveis em 13 abas do Google® e selecionados 42 documentos em todos os formatos disponíveis, oriundos de fontes de comunicação e/ou repositórios dos órgãos municipais e que não sofreram inferências de métodos científicos. A busca foi feita entre maio de 2018 e julho de 2019, e os achados foram armazenados e categorizados em tabela Excel®.

Todos os dados coletados compreenderam documentos de domínio público e que, obrigatoriamente, conforme a Lei nº 10.257/01, devem estar disponíveis a toda população, órgãos de pesquisa e governamentais, garantindo, assim, a sua transparência e acessibilidade.

Para a análise dos dados foi utilizada a Análise Documental que, segundo Pimentel (2001)Pimentel, A. (2001). O método da análise documental: seu uso numa pesquisa historiográfica. Cadernos de Pesquisa, (114), 179-195. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742001000300008.
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, consistiu em catalogar os achados e distribuí-los em um quadro, a fim de identificar as propriedades documentais e suas principais informações de acordo com o objetivo da pesquisa, ancorados na experiência do pesquisador e na literatura específica da área para a sua discussão. Para isso, foram propostas duas variáveis de desfecho: as estratégias metodológicas da leitura comunitária, considerando períodos, etapas, instrumentos e recursos, e as características das equipes de condução, que possibilitaram um debate sobre a inserção técnica da terapia ocupacional na área de planejamento urbano.

Resultados e Discussão

Os documentos incluídos nesta pesquisa são relativos às leituras comunitárias de 42 municípios brasileiros (0,75% do universo de 5.570), de 13 (48,1%) Unidades da Federação. Os estados de Minas Gerais e São Paulo apresentaram igualmente o maior número de documentos identificados, 9 (22%), como demonstrado na Figura 1.

Figura 1
Percentual de municípios/documentos por Unidades da Federação incluídos na pesquisa. Fonte: Correia, 2019.

A maioria dos documentos, 35 (83,3%), é relatório em formato PDF, de autoria entre prefeituras e agências privadas (escritórios de arquitetura especializados em planos diretores) e universidades (majoritariamente públicas, a partir de projetos de extensão), conforme descrito na Tabela 1.

Tabela 1
Informações gerais sobre os municípios brasileiros e os seus respectivos documentos sobre a leitura comunitária.

Apenas 6 (14,2%) são capitais brasileiras: Campo Grande/MS, Recife/PE, Teresina/PI, Aracajú/SE, Natal/RN e Distrito Federal/DF; e uma metrópole, Guarulhos/SP (2,3%). Apenas 4 (9,5%) municípios identificados possuem menos de 20 mil habitantes. Esses municípios são obrigados a realizar o PDP somente quando integrados a regiões metropolitanas, como é o caso de Santo Amaro da Imperatriz/SC, ou inseridos em áreas de forte influência de empreendimentos com impacto ambiental, turístico e econômico, como é o caso de Carrancas/MG e Juscimeira/MT. Este último por ter tido, nos últimos 10 anos, um significativo aumento da urbanização devido à exploração de minérios na região (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010bInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2010b). @cidades: Brasil/Mato Grosso/Jucimeira. Recuperado em 03 de junho de 2019, de https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mt/juscimeira/panorama.
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). De qualquer maneira, espera-se que os municípios de pequeno porte, mesmo fora das condições previstas pelo Estatuto da Cidade, também possam garantir a implementação da política de urbanização e os seus processos democráticos, uma vez que as disputas por terras são intensas e demarcam, histórica e politicamente, os modos de governança local (Rolnik, 1995Rolnik, R. (1995). O que é cidade. São Paulo: Brasiliense.). Desta forma, a implementação de PDP em municípios de pequeno porte pode servir como dispositivo de controle e função social da terra, em especial para garantir a sobrevivência e o trabalho de famílias do campo, bem como a gestão do desenvolvimento local.

Sobre o período de início e término da leitura comunitária, apenas foi identificado 1 (2,3%) documento referente ao município de São José dos Campos/SP, correspondendo a 2 anos. Tal período compreendeu tarefas da leitura comunitária propriamente dita, capacitações, oficinas e audiências públicas, redação do texto de lei juntamente aos dados da leitura técnica3 3 A leitura técnica compreende o diagnóstico de demandas do meio ambiente, economia, moradia, impacto de vizinhança, infraestrutura, entre outras, realizadas por profissionais especializados. , deliberações em instâncias colegiadas e aprovação na câmara de vereadores. Os demais documentos apenas apresentaram o período de término. Informações mais detalhadas sobre o tempo médio de condução de uma leitura comunitária, como de todo o processo de um PDP, facilitariam o planejamento das equipes de trabalho e uma melhor destinação dos recursos financeiros para as tarefas previstas.

A respeito dos processos de condução das leituras comunitárias de cada município, observou-se uma série de “estratégias” (Correia et al., 2017Correia, R. L., Costa, S. L., & Akerman, M. (2017). Processos de ensinagem em desenvolvimento local participativo. Interações, 18(3), 23-39. http://dx.doi.org/10.20435/inter.v18i3.1526.
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), que compreendem, de forma geral, a exploração e criação de meios para materializar ideias e valores de distintos profissionais, a fim de levar a cabo a participação e a compreensão de agentes locais sobre a cidade que desejam ter. Desta forma, como demonstrado na Figura 2, foram identificadas 5 etapas: 1) Divulgação; 2) Mobilização; 3) Capacitação; 4) Diagnóstico e 5) Pactuações. Essas etapas foram assim nomeadas considerando a coerência com os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, em seu capítulo IV, artigo 43.

Figura 2
Síntese dos processos metodológicos da leitura comunitária, segundo as estratégias, recursos e profissionais envolvidos. Fonte: Correia (2019)Correia, R. L. (2019). Estratégias metodológicas sobre Leitura Comunitária em Planos Diretores Participativos de municípios brasileiros. São Paulo: Centro Universitário SENAC..

As etapas para a criação e exploração de estratégias na leitura comunitária possuem uma relação decrescente no alcance e participação populacional conforme elas avançam. De acordo os dados desta pesquisa, a metade dos documentos informou 117.463 participantes ao longo de todas as etapas da leitura comunitária, tendo uma média de 5.593 participantes por município. Destes, 115.629 foram alcançados na etapa de divulgação e somente 1.834 participantes na etapa de pactuação. A quantidade de pessoas variou entre 100.000 e 254 pessoas na divulgação nos municípios de Londrina/PR e Carrancas/MG, respectivamente, e entre 60 e 69 no município de Juatuba/MG e Caeté/MG, respectivamente.

Este dado parece ser uma tendência de processos coletivos que demandam o engajamento cotidiano associado a algum conhecimento técnico prévio ou processual (Freitas & Bueno, 2018Freitas, E. L. H., & Bueno, L. M. M. (2018). Processos participativos para elaboração de Planos Diretores Municipais: inovações em experiências recentes. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, 10(2), 304-321. http://dx.doi.org/10.1590/2175-3369.010.002.ao09.
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; Machado et al., 2016Machado, E. G., Freire, G. M. C. A., & Almeida, A. P. (2016). Extensão universitária, planejamento urbano e democracia na elaboração de um plano diretor participativo no semiárido nordestino. Revista Ciência em Extensão, 12(1), 63-79.; Maricato, 2002Maricato, E. (2002, março). Erradicar o analfabetismo urbanistico. Revista FASE, pp. 1-4.). Isso implica a fragilidade do acompanhamento e avaliação das políticas públicas (Moretti & Rolnik, 2005Moretti, R. S., & Rolnik, R. (2005). Planos diretores participativos. Oculum Ensaios, (4), 110- 115.), que pode ter como causa a burocratização dos processos e a linguagem jurídica pouco acessível e, muitas vezes, excludente para grande parte da população.

Assim, um primeiro foco de possíveis intervenções da terapia ocupacional consistiria em acessibilizar a linguagem dos instrumentos jurídicos, compreendendo-os como ferramentas que fomentam a participação social. Terapeutas ocupacionais podem cumprir tal tarefa, por meio de materiais educativos na etapa de divulgação, bem como em oficinas e grupos operados com atividades e recursos em multiformatos sensoriais para a assimilação dos conteúdos.

De acordo com os dados coletados nesta pesquisa, na primeira etapa, denominada Divulgação da leitura comunitária, o objetivo foi garantir a ampla informação sobre a abertura da implementação ou revisão do PDP. Contudo, isso não significou a efetiva participação da população, assim como uma fidedigna percepção sobre a cidade. No mais, parece cumprir a transparência e a publicização obrigatória dos processos, conforme rege o Estatuto da Cidade. Assim, o alcance populacional nesta etapa se mostra amplo e bastante difuso, com estratégias diversificadas e de natureza informacional. Por isso, a maioria dos municípios, de acordo com os documentos incluídos nesta pesquisa, utilizaram mídias sociais, como sites e Facebook, e informativos impressos em boletos de companhia de abastecimento de água e luz. Destaca-se que, sendo a maioria dos municípios incluídos nesta pesquisa de pequeno e médio porte, o uso de carros de som nos bairros também foi uma estratégia bastante utilizada.

A fim de se obter um amplo alcance da divulgação, seria necessária a criação e exploração de estratégias que levassem em conta a diversidade de funcionamento da população local. Isso compreende a necessidade de multiformatos das estratégias informacionais, como o uso de recursos de acessibilidade para a população com deficiência e pessoas não alfabetizadas, por exemplo, assim como linguagens específicas para pessoas em ciclos etários distintos, como os jovens, ou de culturas dissidentes da heterocisnormativa, como a comunidade LGBTQI+, a população negra, mulheres, povos tradicionais, entre outros, para que a motivação e o interesse fossem valorizados neste momento.

Sobre este aspecto, a terapia ocupacional considera que os espaços sociais determinam as condições e situações de vida das populações de modos específicos (Kantartzis & Molineux, 2017Kantartzis, S., & Molineux, M. (2017). Collective occupation in public spaces and the construction of the social fabric. Canadian Journal of Occupational Therapy, 84(3), http://dx.doi.org/10.1177/0008417417701936.
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). Portanto, as estratégias utilizadas para mediar as relações são marcadas pelos valores socio-histórico-culturais que formam este espaço social. Desta maneira, as estratégias podem assumir um caráter de dispositivo de transformação, bem como de manutenção do status quo da invisibilidade e das violências estruturais instituídas pelos órgãos de Estado.

Quando o pensamento sobre determinado conteúdo de interesse coletivo, como é o caso do PDP, é materializado em formas de comunicação que somente podem ser acessadas por pessoas alfabetizadas, ou que enxergam, ou que possuem determinado domínio linguístico sobre leis, entre outras, exclui parcela significativa da população que pode ter, nesta primeira etapa de divulgação, a oportunidade de tomar percepção sobre um instrumento que lhe dê voz e reconhecimento sobre as suas experiências na cidade. Assim, a divulgação em multiformatos pode garantir maior representação dos distintos segmentos, organizados ou não, de pessoas que vivem na cidade e possuem experiências específicas. Essa compreensão pode ser útil para o aumento da participação da sociedade civil nas etapas seguintes da leitura comunitária.

A segunda etapa identificada nos documentos foi a de Mobilização da leitura comunitária, a qual compreende o uso de estratégias para registrar a opinião pública sobre a cidade e as suas respectivas demandas. Para tanto, foram utilizados, majoritariamente, questionários online e/ou afixados nos boletos informativos das companhias de abastecimento de água e energia. A maioria dos documentos registrou a dificuldade em manejar as demandas imediatas da população para um período de 10 anos, como prevê o PDP. Por isso, havia, unanimemente, nos questionários, uma pergunta ou um enunciado orientador “o que você deseja para a sua cidade daqui a 10 anos?”. Após isso, a população deveria responder os questionários, com respostas de múltipla escolha, sobre “setores” ou “áreas” já pré-definidas pelo comitê gestor, como saúde, educação, transporte, economia, entre outros, que fazem parte de demandas básicas do PDP, mas que induzem, de certa maneira, a percepção da população sobre as suas formas de significar a realidade. Esse tipo de estratégia parece funcionar mais como uma espécie de avaliação das ações já existentes do poder público municipal do que a coleta de percepção propriamente dita, além de ser uma estratégia mais fácil de “contabilizar” respostas.

Enquanto exemplos, distintos ao exposto, de acordo com os documentos incluídos nesta pesquisa, tem-se o programa “Teresina Participativa”, Teresina/PI. Para a etapa de Mobilização da leitura comunitária desta cidade, foi utilizado o aplicativo gratuito COLAB. Trata-se de uma startup criada em 2013 que usa da tecnologia para aproximar cidadãos de seus governantes. Por meio de website e aplicativo, os cidadãos podem ser consultados por gestores públicos sobre a cidade, podem fiscalizar a implementação de políticas públicas e sugerir projetos para a cidade. Outra ação foi o “Projeto Cidade do Amanhã”, da prefeitura de Passo Fundo/RS. O projeto teve como objetivo compreender e registrar a visão da criança sobre a cidade, suas expectativas, seu senso de pertencimento, sua visão de bairro e de cidade. O projeto compreendeu as crianças como pessoas cidadãs que compunham e formavam a cidade, e que, portanto, seriam as principais agentes de transformação do futuro. Assim, o projeto utilizou estratégias de oficinas lúdicas sobre planejamento urbano, incluindo palestra conceitual, exposição permanente de cartaz com uma timeline da cidade, teatro de fantoches, Quiz sobre a cidade, percurso na cidade registrado em mapas plotados e mapas da cidade ideal feitos à mão.

No entanto, na maioria dos documentos incluídos nesta pesquisa, a noção de participação apresentada na etapa de Mobilização ignora estratégias face a face para a leitura comunitária. Sob uma visão comunitária em terapia ocupacional, estratégias face a face garantem, sobremaneira, maior participação da população, sobretudo de grupos populacionais específicos que apresentam pautas importantes que merecem melhor escuta e maior aprofundamento e encaminhamentos singulares de suas demandas (Correia et al., 2017Correia, R. L., Costa, S. L., & Akerman, M. (2017). Processos de ensinagem em desenvolvimento local participativo. Interações, 18(3), 23-39. http://dx.doi.org/10.20435/inter.v18i3.1526.
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). Nas estratégias face a face, leva-se em conta os saberes e os modos de fazer já incorporados pelos segmentos e movimentos sociais, como argumenta Mussi (2016)Mussi, A. Q. (2016). Leitura comunitária do futuro loteamento Canaã: senso de comunidade, expectativas e prioridades. Interações, 17(4), 607-620. http://dx.doi.org/10.20435/1984-042X-2016-v.17-n.4(05).
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. Desta maneira, estratégias de mobilização que valorizem o encontro face a face, como rodas de conversa, oficinas e eventos lúdicos e festivos sobre a cidade, por exemplo, assim como a identificação de lideranças comunitárias, a aproximação com associações de moradores, visitas domiciliares e mapeamentos de rede (Correia et al., 2018Correia, R. L., Costa, S. L., & Akerman, M. (2018). Processos de inclusão Quilombola nas políticas urbanas da cidade. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 2(4), 827-839.) podem ser excelentes oportunidades para que as equipes de condução da leitura comunitária consigam despertar o interesse da população geral de forma mais ampla. Também, é uma eficiente estratégia o acompanhamento de agentes comunitários de saúde, de redução de danos e assistência social, que são profissionais vinculados a serviços de saúde e social, respectivamente, que atuam diretamente na articulação territorial e com foco nas famílias (Ferreira & Cardoso, 2008Ferreira, M., & Cardoso, E. M. (2008). Experiência de apoio técnico à construção dos Planos Diretores Participativos de cinco municípios de Minas Gerais pela FESP| UEMG. Ciência et Práxis, 1(1), 39-46.). Além disso, equipamentos de educação e cultura podem ser ótimos espaços para a realização de oficinas com recursos gráficos, materiais plásticos e verbais que podem facilitar a compreensão sobre a proposta e a obtenção de dados (Gonçalves, 2020Gonçalves, M. V. (2020). A mobilidade urbana de jovens em projetos sociais do complexo do alemão, no Rio de Janeiro, e suas relações com a terapia ocupacional social (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Vieira et al., 2013Vieira, R., Pereira, L. N., Anjos, F. A., & Schroeder, T. (2013). Participação popular no processo de planejamento urbano: a universidade como decodificadora de um sistema de muitos códigos. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, 5(20), 115-130. http://dx.doi.org/10.7213/urbe.05.002.AC03.
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), a fim de agregar diversos públicos e multiformatos sensoriais de percepção e tomadas de decisão pela população local.

A terceira etapa da leitura comunitária identificada no conjunto de documentos foi a Capacitação, que tem como objetivo garantir a compreensão e assimilação dos agentes locais sobre as informações conceituais que envolvem o plano diretor. Trata-se de uma etapa em que o conhecimento técnico e político se faz necessário para a condução das demandas de opinião pública junto à etapa da leitura técnica. Assim, nesta etapa, observa-se, como já mencionado, a diminuição do número de participantes, especialmente pela barreira, possivelmente, que a comunicação jurídica do Estatuto da Cidade estabelece. Verificou-se, quase que exclusivamente, a participação de delegados ou lideranças comunitárias, de representantes de movimentos sociais e, sobretudo, de representantes de órgãos de classe profissional, como a de Engenharia. Este último segmento compreende agentes locais-chave nas questões que envolvem o uso e a apropriação, sobretudo privado, do espaço social das cidades. Ainda, observou-se que as agendas para as estratégias de encontros possuíam dias e horários díspares aos vivenciados pela maioria da população trabalhadora no Brasil, como encontros no período da manhã ou meio da tarde, assim como locais que provavelmente não possibilitavam a participação de determinados segmentos sociais, como moradores de zonas rurais, por exemplo. É nesta etapa que surgem com maior força os discursos e manifestações sobre os jogos de interesse da cidade, uma vez que a linguagem é usada como dispositivo de controle e poder sobre determinados grupos, exigindo, assim, mais atenção para os modos de organização do tempo das tarefas e as escolhas das estratégias, a fim de não prevalecer o domínio de certos grupos sociais sobre outros (Maricato, 2002Maricato, E. (2002, março). Erradicar o analfabetismo urbanistico. Revista FASE, pp. 1-4.).

Neste contexto, foram utilizadas na Capacitação, majoritariamente, apresentações expositivas por meio de slides, com imagens e textos, em espaços denominados de encontros, seminários, fóruns e oficinas. Esses espaços tiveram a finalidade, primeiramente, de expor os conteúdos da Lei nº 10.257, as etapas do PDP, os papéis e funções do Comitê Gestor e as exigências de cumprimento da lei municipal, e, posteriormente, sanar dúvidas da população sobre os conteúdos expostos. Observa-se que o caráter estruturado, duro e bancário da comunicação se faz com a mesma dureza jurídica da linguagem do Estatuto da Cidade. Isso, de certo modo, atende ao perfil do público majoritário que permanece nesta etapa da leitura comunitária.

Uma experiência distinta, sobre as estratégias para a Capacitação durante a leitura comunitária, foi a da equipe de extensão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), nas cidades de Juatuba e Caeté. A equipe, formada por docentes e estudantes de diversos cursos de graduação, com maior concentração para Arquitetura e Urbanismo, e Geografia, criou uma metodologia, replicada em vários municípios, que consistia na criação de uma rede de formação e acompanhamento sobre as atividades, informações e conhecimentos produzidos sobre o plano diretor, chamada Lugar de Urbanidade Metropolitana – LUMEs. A rede visava à qualificação e participação cidadã da população.

Enquanto estratégia em rede, a equipe de extensão da UFMG criou o “Espaço Plano Diretor” para encontros e debates periódicos com a população sobre as estratégias e os encaminhamentos de forma coletiva e contínua. Neste mesmo espaço, foram construídos grupos de acompanhamento do plano diretor que, futuramente, tiveram inserções no Conselho Gestor da Cidade. Tais grupos foram formados por membros das comunidades, entidades representativas e governo. A estratégia LUMEs possibilitou o desenvolvimento de habilidades e capacidades da população para a gestão democrática da cidade, assim como a participação de uma equipe multi e interdisciplinar, e, sobretudo, a formação técnico-política de estudantes de graduação, compreendendo a importância do papel, atual e futuro, destes como agentes de articulação social para a garantia do direito à cidade.

Outro exemplo foi a leitura comunitária da cidade do Recife – PE, em que a equipe de condução explorou estratégias diversificadas, como oficina de fotografia e uso de fotos antigas e novas para verificar mudanças na paisagem da cidade, com base na metodologia de mapeamento participativo ou mapa falado.

O mapeamento participativo é uma metodologia de pesquisa que busca reconhecer o conhecimento espacial das pessoas como ferramenta para gerar conhecimento e informações geográficas sobre pessoas e lugares (Herlihy & Knapp, 2003, apud Acserald & Coli 2008, p. 15)

Para tanto, utilizou-se das memórias da própria população, promovendo uma perspectiva intergeracional sobre a cidade.

Nesses exemplos, destaca-se que a participação conjunta de diversos segmentos sociais é necessária para a construção da leitura comunitária, assim como em todas as etapas do PDP. No entanto, é importante considerar momentos estratégicos para que grupos específicos possam ampliar e aprofundar as suas demandas, com base nas especificidades de suas realidades (Moreira, 2010Moreira, A. D. S. (2010). A participação das mulheres na leitura comunitária do plano diretor participativo de Florianópolis. In Anais do Seminário Internacional Fazendo Gênero 9: Diásporas, Diversidades, Deslocamentos (pp. 1–11). Florianópolis: UFSC.). Quando a atenção e a escuta às especificidades dos grupos não são garantidas, geram-se constrangimentos entre os agentes locais, acentuando assimetrias de poder entre os grupos. Os constrangimentos podem ir do silenciamento nos espaços de debate e decisão, da coerção até a violência. Neste sentido, é importante que a condução das estratégias de Capacitação equilibre espaços coletivos abertos com os específicos e fechados a agentes-chaves. Trata-se de oportunizar que entre um espaço e outro as habilidades dos agentes locais sejam desenvolvidas e convertidas em capacidades para a transformação do espaço social (Sen, 2001Sen, A. (2001). Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia. das Letras.).

A este respeito, a terapia ocupacional apresenta experiências oportunas de como conteúdos de planejamento urbano e desenvolvimento local podem se constituir enquanto conhecimento apreendido por meio de processos de ensino-aprendizagem, garantindo estratégias mais acessíveis e diversas, de acordo com os distintos segmentos populacionais (Correia et al., 2017Correia, R. L., Costa, S. L., & Akerman, M. (2017). Processos de ensinagem em desenvolvimento local participativo. Interações, 18(3), 23-39. http://dx.doi.org/10.20435/inter.v18i3.1526.
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). A intenção não é ter um manual de possibilidades de estratégias, e sim um componente técnico-político-epistêmico que garanta a atenção profissional para a diversidade populacional e suas demandas complexas no espaço social da cidade.

[...] temos que considerar a enorme heterogeneidade dos modelos de práticas e de vínculos sociais presentes em nossas cidades, além, é claro, do fato de que as influências globais em nosso cotidiano colidem de forma diferenciada com contextos socioculturais também específicos. O cotidiano nas nossas cidades é, assim, um universo próprio ao lugar, independentemente das ferrenhas e constantes tentativas de homogeneizar o espaço e as suas lógicas. O resultado é que temos práticas distintas de produzir cidades segundo condições físicas, culturais, econômicas e sociais, o que torna difícil generalizar o processo, mesmo se estamos todos sob a ótica do capitalismo global. Nesse sentido, é na capacidade de criar e reproduzir vínculos sociais que devemos procurar entender a lógica de nossa formação urbana naquilo que ela tem de particular (Nunes, 2006Nunes, B. F. (2006). Sociologia de capitais brasileiras: participação e planejamento urbano. Brasília: Líber Livro Editora., p. 9).

A quarta etapa da leitura comunitária é a construção do Diagnóstico. Trata-se do momento de analisar as percepções da população sobre a cidade vivida e as demandas para os próximos 10 anos. Essas percepções se tornam dados, a partir da opinião pública levantada na terceira etapa, os quais serão organizados e encaminhados para o texto final do PDP.

A principal estratégia identificada nesta etapa foi o grupo de trabalho, que consistiu em organizar os diversos segmentos sociais, agora reduzidos a poucos agentes-chave, com interesses no uso do espaço social da cidade. Os grupos de trabalho compreenderam espaços estruturados com tarefas específicas, como a revisão dos dados, a sua organização por setores, caracterização do perfil dos participantes e produção de relatórios das etapas anteriores até o diagnóstico. A apresentação dos dados desta etapa foi majoritariamente transcrita em textos, com inclusão de gráficos e tabelas, e acompanhados de fotografias dos processos, em especial da Mobilização e Diagnóstico, e anexadas as listas de presenças de todos os encontros. A transcrição dos dados compreendeu especificamente os documentos que foram incluídos nesta pesquisa, e, como mencionado, são majoritariamente relatórios em formato PDF, sendo poucos aqueles em outros formatos, como informativos em HTML nos sites das prefeituras. Houve dificuldades na busca dos documentos, principalmente para compreender o caminho para acessá-los. Isso pode ser uma barreira importante para que a população mais ampla tenha acesso aos dados produzidos.

A etapa do Diagnóstico segue um processo mais rígido, pois deve possuir calendário e atividades publicados em edital público, como prevê o Estatuto da Cidade. O trabalho da terapia ocupacional, neste momento, seria, então, o de assessoria do Conselho Gestor da cidade, sobretudo, para garantir a execução dos prazos e das atividades. No entanto, há outras estratégias, como verificado no estudo de Correia (2017)Correia, R. L. (2017). Processos de ensinagem em desenvolvimento local participativo: a articulação comunitária e a produção do conhecimento fronteiriço enquanto capital social (Tese de doutorado). Faculdade de Medicina do ABC, Santo Andre. Recuperado em 18 de abril de 2019, de https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=4994383.
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, como a oportunidade de qualificar a gestão dos dados produzidos na leitura comunitária. O autor apresenta, por exemplo, oficinas de capacitação com gestores municipais e conselhos gestor que foram utilizadas durante a etapa de Diagnóstico da leitura comunitária na revisão de um PDP. Foram propostos temas relativos à análise qualitativa de dados, estratégias de participação em redes sociais e temas relativos ao contexto comunitário e territorial, sobretudo da governança de populações mais vulneráveis. O estudo apresenta resultados positivos dos participantes nas mudanças de atitudes com a análise e condução das demandas populacionais e a atenção dada aos limites que determinadas estratégias, como as de questionário, possuem ao se referirem à percepção da população sobre a realidade.

A última etapa é a de Pactuações, que compreende o momento de consensuar, votar e firmar os acordos entorno das propostas da leitura comunitária. A intenção central é pensar se os dados produzidos expressam uma realidade “média” das demandas da população. Os dados da leitura comunitária serão, assim, relacionados, combinados e avaliados juntos aos da leitura técnica, em especial sobre os estudos de impacto e viabilidade estrutural e econômica do PDP (Kirzner, 2006Kirzner, V. (2006). Planos diretores participativos: balanço dos processos de elaboração e das temáticas emergentes - aplicação dos instrumentos de democracia participativa durante o processo de elaboração e aprovação dos planos diretores. In Anais do 4º Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico (pp. 1-15). São Paulo: O Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico.). Será durante as audiências públicas que as pactuações serão deliberadas e encaminhadas para o texto final do PDP e, posteriormente, aprovadas como lei municipal pela câmara de vereadores da cidade.

A etapa de Pactuações também segue rigorosamente o previsto no Estatuto da Cidade com as audiências públicas, conduzidas pelo Comitê Gestor e com poucas interferências de novas propostas e debates. Como já mencionado, diminui a participação de agentes locais, destacando, entre estes, a presença hegemônica de grupos de interesse, sobretudo de vereadores, empresários e profissionais vinculados à construção civil e às incorporações imobiliárias.

Mesmo considerando as exigências jurídicas e restritas desta etapa, a terapia ocupacional pode contribuir articulando redes de movimentos sociais, no sentido de garantir que tanto os diversos segmentos sociais possam participar das pactuações da etapa final da leitura comunitária e do texto do PDP, como difundir a atenção sobre o debate do PDP nos equipamentos públicos, não-governamentais e privados da cidade, como nos conselhos de saúde, de assistência social, nas escolas, nos templos e igrejas, associações de moradores, entre outros. A etapa da Pactuação, de acordo com o que propõem Rolnik & Pinheiro (2004)Rolnik, R., & Pinheiro, O. M. (2004). Plano diretor participativo: guia para a elaboração pelos municípios e cidadãos. Brasília: Confea., é o momento em que se evidencia as assimetrias e disputas de poderes entre os grupos sociais, que passam a conduzir e participar do PDP em espaços restritos da cidade, como as audiências públicas.

A terapia ocupacional, ao tomar as etapas da leitura comunitária como momentos de envolvimento ocupacional na vida pública, política e compartilhada, tem a possibilidade de criar estratégias para facilitar que diversos grupos sociais possam realizar as atividades esperadas para cada etapa e, assim, participar de forma democrática da vida social da cidade. Neste sentido, a leitura comunitária precisa ser lida pela terapia ocupacional enquanto uma ocupação coletiva que organiza, ordena e projeta a vida política e comunitária dos agentes sociais na cidade e, portanto, é em si uma ocupação política, de interesse social e comunitário, de defesa da cidadania, bem como dos direitos sociais.

A segunda variável analisada no conjunto de documentos se referiu aos profissionais na condução da leitura comunitária, assim como em todo PDP. Esses são imprescindíveis, pois são eles que conduzem as diretrizes da política urbana e que devem articulá-la por meio de técnicas sensíveis que sejam capazes de equilibrar as necessidades jurídicas com as da vida local. Para tanto, devem promover e oportunizar uma diversidade de estratégias para realizar as etapas metodológicas, a fim de ampliar e relativizar as percepções sobre a cidade, para além dos aspectos administrativos referentes ao município. Assim, a interprofissionalidade, o conhecimento plural e a ação interdisciplinar são necessárias ao campo das políticas de urbanização, pois oferecem aportes mais coerentes com a complexidade dos espaços sociais das cidades (Moretti & Rolnik, 2005Moretti, R. S., & Rolnik, R. (2005). Planos diretores participativos. Oculum Ensaios, (4), 110- 115.).

Desta forma, dos 42 municípios, 29 (69,04%) contaram com a contratação de empresas ou universidades com equipes especializadas, para conduzir todo ou parte do processo de criação ou revisão do PDP, o que inclui a etapa da leitura comunitária. As categorias profissionais identificadas foram descritas na Figura 3.

Figura 3
Categorias profissionais identificadas nos documentos dos planos diretores participativos de municípios brasileiros. Fonte: Correia (2019)Correia, R. L. (2019). Estratégias metodológicas sobre Leitura Comunitária em Planos Diretores Participativos de municípios brasileiros. São Paulo: Centro Universitário SENAC..

Foram identificadas 23 categorias profissionais, contemplando 160 técnicos envolvidos na condução da leitura comunitária. A área de Arquitetura e Urbanismo foi a que mais apresentou profissionais, sendo 67 (41,87%), o que reflete o domínio, importância e tradição desta área de conhecimento nos contextos de planejamento urbano, sendo coerente ao seu objeto de estudo – planejamento dos espaços sociais. A segunda área foi a Geografia, com 29 (18,12%) técnicos, o que leva a uma compreensão similar à Arquitetura e Urbanismo, uma vez que possui enquanto objeto de conhecimento a constituição e dinâmicas do espaço natural e social. Outras duas áreas que apresentaram juntas o terceiro maior número de profissionais envolvidos foram a Economia e a Engenharia Civil, 9 (5,62%). A primeira, na análise do desenvolvimento econômico do espaço social, e a segunda sobre a estrutura do espaço como as vias urbanas e edificações. É importante considerar que, no caso da Engenharia, foram identificadas 5 habilitações distintas (Figura 3). Assim, se a Engenharia for considerada como uma única categoria, ela se mantém sozinha na terceira posição, com 18 profissionais (11,25%). Especula-se que é entorno do capital intelectual e econômico da Arquitetura e Engenharia que estão as grandes empresas da construção civil, geotecnia, materiais, produção, saneamento e, sobretudo, moradia, que mobilizam interesses pela apropriação e controle do espaço social das cidades.

Outras áreas aparecem com menor frequência, destacando-se entre elas a Sociologia, 8 (5%), Direito, 7 (4,37%) e Administração e Análise de Sistemas, ambas com 4 (2,5%) técnicos. Destaca-se, mesmo quantitativamente sem expressão, a presença do Serviço Social e da Pedagogia enquanto áreas historicamente envolvidas com as políticas públicas e as questões sociais mais complexas, como as de habitação.

No entanto, nem sempre em uma equipe de condução do PDP será possível contar com um amplo quadro multidisciplinar, porque envolve custos e conhecimento técnico específico. Porém, o trabalho de consultores, em etapas específicas, é necessário, como afirmam Rolnik & Pinheiro (2004)Rolnik, R., & Pinheiro, O. M. (2004). Plano diretor participativo: guia para a elaboração pelos municípios e cidadãos. Brasília: Confea.. Assim, o que se verificou nesta pesquisa foi um quadro multidisciplinar restrito a uma média de três categorias profissionais, Arquitetura e Urbanismo, Geografia e Engenharia, que apareceram com maior frequência nos documentos, atreladas a uma noção frágil de interdisciplinaridade.

Lidar com campos que assumem isoladamente alguns objetos amplos e complexos, como a cidade, pode ser facilmente reduzido a uma pseudo-interdisciplinaridade, ou seja, a falsa crença de que qualquer arranjo entre categorias profissionais (multiprofissionalidade) garantirá a produção de uma ação baseada em conhecimento complexo, mantendo, na maioria das vezes, apenas o status quo de uma disciplina dominante, com ações genéricas deslocadas da realidade, na qual empregam semelhantes instrumentos de análise (Silva & Gracioso, 2018Silva, M. D. P., & Gracioso, L. S. (2018). A interdisciplinaridade como instrumento de ação comunicativa. Revista em Questão, 24(2), 188-209. http://dx.doi.org/10.19132/1808-5245242.188-209.
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). A produção de conhecimento está diretamente relacionada, sobretudo na contemporaneidade, com as disputas entre áreas profissionais que “carregam” tais conhecimentos como definidores de suas áreas e da identidade profissional. Com isso, fecham-se as possibilidades de criação de “categorias de ação” mais complexas (Fazenda, 2012Fazenda, I. C. A. (2012). Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas: Papirus., p. 28) que podem colaborar à resolução das questões sociais que são postas pelos campos.

Silva & Gracioso (2018)Silva, M. D. P., & Gracioso, L. S. (2018). A interdisciplinaridade como instrumento de ação comunicativa. Revista em Questão, 24(2), 188-209. http://dx.doi.org/10.19132/1808-5245242.188-209.
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argumentam que, para evitar uma falsa interdisciplinaridade ou o domínio disciplinar por determinado fenômeno, há que se compreender a importância da interdisciplinaridade enquanto uma ação comunicativa, que coloca o objeto do conhecimento dentro de um sistema interativo cognoscível entre especialistas e população geral. Assim, ao considerar a leitura comunitária como diretamente determinada pela percepção da população sobre a cidade e conduzida por agentes técnicos, considera-se, portanto, a sua natureza interdisciplinar, o que, na fala dos autores, trata-se de “uma necessidade intrasferível e inadiável”.

Ainda, como visto nos documentos incluídos nesta pesquisa, a simplificação administrativa da leitura comunitária significa reduzir a sua natureza participativa enquanto “aderência da população” nas estratégias hierarquicamente propostas pelas equipes. Com isso, os dados não alcançam informar as mudanças nas capacidades e oportunidades das populações decorrentes dos processos da leitura comunitária. A participação social, contra este sentido, deve ser a experiência de liderança, protagonismo e continuidade dos agentes locais nas transformações da cidade, o que Franco (2002)Franco, A. (2002). Pobreza & Desenvolvimento Local. Brasília: ARCA Sociedade do Conhecimento. chama de poder local – a governança das estruturas e dinâmicas do território em que se vive. E isso é vivido, pelo menos em tese, na conversão das habilidades em capacidades.

Para a terapia ocupacional, a cidade pode ser um território formado pelo envolvimento ocupacional e outras dinâmicas que implicam a participação social, como argumentam Kantartzis & Molineux (2017)Kantartzis, S., & Molineux, M. (2017). Collective occupation in public spaces and the construction of the social fabric. Canadian Journal of Occupational Therapy, 84(3), http://dx.doi.org/10.1177/0008417417701936.
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ao se referirem à participação das ocupações coletivas na formação do tecido social. Assim, as ações que acontecem em âmbito microssocial da cidade como um bairro, uma praça, ou um equipamento de saúde, escolar ou de cultura, expressam a articulação indissociável com o todo territorial que é a cidade. Neste sentido, ao considerar que diversos grupos populacionais vivenciam impedimentos cotidianos para se envolverem nos processos de ordenamento e planejamento urbano, e que, portanto, possuem a sua participação, enquanto direito social, fragilizada ou rompida, faz-se necessário que a terapia ocupacional colabore com os processos interdisciplinares da política urbana, a fim de facilitar que os agentes sociais se tornem capazes de realizar as atividades envolvidas nos processos de planejamento, e garantir que por meio desta realização se dê a efetiva participação social.

Contudo, a participação social parece funcionar, ao menos na terapia ocupacional, como um amálgama que permite a coesão em contextos em que o tecido social se encontra frágil e rompido. Este amálgama se faz na identificação, articulação e processos de realização de atividades que compreendem o envolvimento ocupacional no espaço social das cidades. Logo, terapeutas ocupacionais são profissionais ideais para trabalhar no contexto interdisciplinar do planejamento urbano, no qual a participação é o meio e o fim de todo o processo, sobretudo quando se coloca em foco aquelas populações mais vulneráveis e com amplo histórico de exclusão, como as pessoas com deficiência, transtornos mentais, em situação de rua, em territórios tradicionais, entre outras. A prática da terapia ocupacional, centrada nas ocupações e instrumentalizada pelas atividades, permite uma ação técnica criativa, crítica, complexa e contextualizada nos modos vida cotidianos que se dão por meio de uma comunicação intersubjetiva, na qual os indivíduos são sujeitos socialmente contextualizados e que necessitam de condições simbólicas e materiais para se envolverem ocupacionalmente. Com isso, terapeutas ocupacionais apresentam condições para assumirem técnica e eticamente as responsabilidades com as políticas públicas de urbanização, bem como utilizá-las enquanto dispositivos de garantia dos direitos sociais e defesa da cidadania nas cidades.

Considerações Finais

Este estudo abordou a leitura comunitária enquanto instrumento obrigatório do Plano Diretor Participativo, previsto no Estatuto da Cidade. Com base na identificação dos processos de municípios brasileiros, buscou-se aproximar questões pertinentes aos interesses da área de terapia ocupacional, demonstrando as suas possíveis contribuições na área de planejamento urbano.

Com isso, identificou-se que as estratégias da leitura comunitária são criadas e exploradas por meio de cinco etapas: Divulgação, Mobilização, Capacitação, Diagnóstico e Pactuações. Em cada uma das etapas, as estratégias ainda representam perspectivas tradicionais e hegemônicas, pouco acessíveis e participativas, conduzidas, majoritariamente, por profissionais da Arquitetura e Urbanismo, Geografia e Engenharia. Com isso, a ação interdisciplinar, que o campo do planejamento urbano exige, é insuficiente, e a participação é tratada como uma simples noção de “aderência populacional” na construção da política pública.

De acordo com o Estatuto da Cidade, o gestor público municipal (prefeito) que não garantir a gestão democrática por meio dos instrumentos previstos em lei, incorre a processo de improbidade administrativa. Com isso, é muito possível que o tratamento da participação social como “aderência” seja consequência de uma interpretação demasiada da gestão institucional administrativa e da pressão legal, e, portanto, insuficiente a uma compreensão crítica sobre gestão democrática da cidade. Ao contrário do exposto, a “obrigatoriedade” da participação significa a “garantia da gestão democrática” no ordenamento da cidade. Tal gestão implica processos que levem em conta a lei e seus instrumentos previstos, situados e coerentes com a vida local da população, pois é na vida local que a existência e a materialização da democracia podem ser compreendidas.

Neste sentido, os processos que envolvem a participação social, ou a sua ausência, interessam à terapia ocupacional. A profissão pode contribuir com estratégias orientadas por um compromisso local, que respeite os modos de vida e os sistemas de valores locais, pois é assim que se estrutura a compreensão sobre a ocupação humana e se instrumentaliza a sua intervenção técnica. O objetivo da terapia ocupacional é colaborar, com abordagens gerais e específicas, no desenvolvimento das habilidades humanas para que indivíduos e coletivos possam adquirir capacidades para realizar, gerir e participar das estruturas e dinâmicas de seus espaços sociais. No entanto, essa assimilação (reconhecimento) de terapeutas ocupacionais no campo das políticas urbanas ainda é um processo em construção.

Até aqui, esta pesquisa se apoiou em dados primários e não completamente generalizáveis, isso apresenta limitações tanto nos resultados como nas discussões apresentadas, o que pode ser fruto do método e procedimentos adotados. Assim, outros estudos são necessários para validar estas e outras proposições, e quem sabe a constituição de um novo campo de inserção profissional e de conhecimento para a terapia ocupacional.

No mais, destaca-se a importância da cidade enquanto um direito social e as políticas públicas de planejamento urbano enquanto instrumentos que participam da defesa da cidadania, sobretudo das populações mais vulneráveis. A leitura comunitária guarda em si a participação social como o seu fundamento e colabora para a garantia do direito à cidade e, portanto, um campo que brinda à responsividade da terapia ocupacional.

  • 1
    Este artigo é uma contribuição original e inédita, derivado do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado Estratégias metodológicas sobre Leituras Comunitárias em Planos Diretores Participativos de municípios brasileiros, como requisito para obtenção de título de Especialista em Projetos Sociais e Políticas Públicas do Centro Universitário SENAC-SP, defendido pelo autor em novembro de 2019.
  • 2
    A expressão “direito à cidade”, empregada pelo filósofo Henri Lefebvre, no fim da década de 1960, na França, não é um conceito, muito menos um termo relativo às políticas públicas ou direito social à cidade. Para Lefebvre, o direito à cidade é uma noção filosófica para reivindicar o direito de uso das cidades, frente à dominação capitalista após a Revolução Industrial nos países europeus. O debate sobre o direito à cidade como direito social é feito somente no fim dos anos 1990, segundo Harvey (2013), quando a cidade passa a ser, teórica e politicamente, colocada como peça central das questões de justiça, democracia e cidadania nos Estados democrático-capitalistas. No caso brasileiro, com a criação do Estatuto da Cidade, a expressão “direito à cidade” é utilizada para orientar os instrumentos da política urbana como direito social. Logo, não significa dizer que a expressão foi incorporada com base na noção de Lefebvre. Inclusive, porque a política urbana brasileira defende, por exemplo, uma perspectiva de função social da cidade atrelada à obtenção e à manutenção da propriedade privada, fortemente contrária ao que propõe Lefebvre ao cunhar a sua expressão.
  • 3
    A leitura técnica compreende o diagnóstico de demandas do meio ambiente, economia, moradia, impacto de vizinhança, infraestrutura, entre outras, realizadas por profissionais especializados.
  • Como citar: Correia, R. L. (2021). Estratégias de participação social em leituras comunitárias de municípios brasileiros: aproximações da terapia ocupacional com a política urbana. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, e2752. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO2079

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Editado por

Editora de seção Profa. Dra. Sandra Maria Galheigo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 2020
  • Revisado
    06 Dez 2020
  • Aceito
    28 Fev 2021
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