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A HERESIA DE JECA TATU * * Outro título possível para este artigo é “O problema Monteiro Lobato”, levando-se em conta que o seu pano de fundo é o escândalo provocado pelo escritor na intelligentsia brasileira do início do século XX, a partir do momento em que esta se esforça, com indisfarçado fervor, a revisar o sentimento de nacionalidade, nesta introduzindo uma noção de tipo brasileiro que fizesse contraste com o suposto tipo nativo europeizado até então em voga. O leitmotiv desta atitude, redirecionado segundo vetores antropológicos e estéticos mais bem definidos pela plataforma iluminista assentada, hélas, nos princípios do individualismo, seria repisado à exaustão e com estrondo pelo grupo idealizador do movimento modernista que marcou presença na Semana de Arte de 1922. Justamente em oposição ao mainstream quasi-nacionalista que então se consolidava, os temas tratados nos escritos “adultos” de Lobato, com destaque para os livros de contos Urupês, Cidades Mortas e Negrinha, surgem como um desafio ao curioso etnocentrismo às avessas do antropologismo modernista (e seus avatares cultural-literários), cujo jargão era propalado aos quatro ventos pelos autores mais mediáticos da época. Pode-se dizer que nesse quadro de referências Lobato tornou-se uma espécie de fantasma que passara a assombrar as convicções do novo quasi-patriotismo rebuscado e por certo constrangia (como constrangeu por algum tempo), a reduzir ao cômico as representações do “tipo” brasileiro, como se depreende ao examinar mais de perto a forma tomada pela personagem homônima do Macunaíma de Mário de Andrade, livro este escrito, como se pode supor, ao menos em parte, em reação à bomba que as ideias lobatianas fizera deflagrar no campo da ideologia “antropofagista”.

THE HERESY OF JECA TATU

Resumo

No conto “Urupês” de Monteiro Lobato a linguagem do autor identifica-se com a da personagem, embora haja um conflito de ideias opondo-os mutuamente. A compreensão dos efeitos dessa discrepância, a qual se reflete, dum lado, no nível da linguagem e, de outro, no da visão de mundo, torna-se crucial para a crítica lobatiana, por expor um aspecto essencial da atitude do escritor diante da vida social.

Palavras-chave:
Linguagem e ideologia; ângulo crítico; Urupês; marcionismo; monotelismo

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