Focalizando a inseminação artificial com doador anônimo (IAD), o artigo incursiona na lógica social que subjaz ao princípio do anonimato do doador de sêmen. O argumento central é que a estratégia de camuflagem de sua identidade e .outros mecanismos sociais correlatos comportam uma dupla faceta: de um ládo, eles anunciam um mal-estar no sistema IAD, cuja inteligibilidade funda-se na identificação entre laços familiares e biologia/natureza. Sob esse ponto de vista os dispositivos denotam a primazia conferida aos laços biológicos ou genéticos sobre os sociais. Mas, de outro lado, e ao mesmo tempo, o anonimato e estratégias similares afirmam-se como recursos socialmente estipulados para contornar, senão driblar, a força supostamente irresistível dos laços naturais. Desponta, sob essa ótica, a concepção da vontade humana ou da cultura como capaz de manipular e subordinar constrangimentos provindos da natureza. É com base na constatação dessa duplicidade inerente aos dispositivos sociais examinados que o artigo sugere serem eles expressivos de um dilema de ordem mais geral: o da tensão no modo de conceber a força relativa da natureza sobre a cultura e desta sobre aquela.