O artigo explora as diferenças e as relações entre feitiçaria e xamanismo entre os Wauja do Alto Xingu com ênfases nos processos de transformações corporais, nas noções de agência letal e na ontologia da predação. A feitiçaria é descrita como uma categoria de acusação de assassinato e de responsabilidade por malefícios de diversas ordens e como um dispositivo de contrapoder no cenário de chefias fortes e relativamente autoritárias. As acusações, sobretudo as de assassinato, tecem uma urdidura política que traz a feitiçaria para o centro da socialidade wauja. A hipótese principal é a de que a feitiçaria tenha um duplo efeito político, simultâneo ou sucessivo, na paisagem sociológica wauja: ela pode servir para perseguir, eliminar ou exilar os adversários de um chefe, bem como pode se voltar contra este para contestar seu status e comprometer seu prestígio. Tem também um duplo sentido estético: é a encarnação mais perfeita da fealdade e da tristeza-morte, por isso, profundamente oposta ao ritual e à matéria própria das realizações terapêuticas que caracterizam o xamanismo xinguano.
Feitiçaria; Xamanismo; Índios Wauja; Categorias de acusação; Estética