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Dança do ventre em São Paulo: cena, mercado e sustentabilidade em uma prática de dança local

Belly dancing in Sao Paulo: scene, market and sustainability in a local dance practice

RESUMO

Neste artigo, apresento a cena da dança do ventre em São Paulo discutindo seu status artístico e seus meios de sustentabilidade. Embora globalmente conhecida, o que interessa, neste momento, é o exame da prática dessa dança em sua localidade. Concordo com a noção disseminada por Roland Robertson (1992; 1995) de “glocalização”, reconhecendo seu mérito em restituir à globalização a sua realidade multidimensional. A interação entre global e local evitaria que a palavra “local” definisse apenas um conceito identitário, contra o “caos” da modernidade, considerada dispersiva e tendente à homologia. Assim, podemos pensar que repertórios globalmente disseminados podem perfeitamente abarcar características locais.

PALAVRAS-CHAVE
Dança do ventre; São Paulo; mercado; sustentabilidade; musicar local

ABSTRACT

In this article, I present the belly dance scene in São Paulo discussing its artistic status and its means of sustainability. Although globally known, I will focus on the examination of the practice of this dance in its locality. I agree with Roland Robertson’s (1992, 1995) notion of “glocalization,” acknowledging his merit in restoring globalization to its multidimensional reality. The interaction between global and local would prevent the word “ local” f rom defining only a n identity concept, against the “chaos” of modernity, considered dispersive and tending toward homology. Thus, we can think that globally disseminated repertoires can perfect ly encompass local characteristics.

KEYWORDS
Belly dance; São Paulo; market; sustainability; local musicking

Á margem

Ao anunciar que pretendia realizar um estudo sobre praticantes da dança do ventre - também referida como dança oriental ou dança árabe por suas praticantes - nem sempre recebi reações encorajantes. Ouvi de vários colegas, por exemplo, que essa dança em nada lhes chamava a atenção, fosse esteticamente, fosse por interesse de pesquisa. Do mesmo modo, o público leigo que desavisadamente se depara com bailarinas em restaurantes árabes demonstra, por vezes, algum incômodo com sua presença; estão ali apenas para comer e se socializar com os demais sentados à mesa, espaço que as bailarinas parecem invadir. Tem-se a impressão de uma sensualidade exacerbada transmitida pela maquiagem intensa, pelos cabelos exuberantes, pelo figurino brilhante que deixa colo, barriga e pernas à mostra. Movimentando-se sinuosamente pelo recinto, bem como chacoalhando e tremendo, bailarinas provocam nesses espectadores certo constrangimento. Há, no imaginário geral, uma noção de que essa é uma mulher “fácil”, que dança para seduzir, remetendo a dança do ventre e suas praticantes a uma espécie de margem: estão à margem das expectativas do público leigo, das preferências estéticas, da comida no prato; estão à margem da própria dança.

Essa situação de margem se estende para o plano do circuito cultural num centro urbano como São Paulo. Espetáculos de dança do ventre não ocupam os palcos das unidades do Sesc2 2 Unidades de esporte, cultura e lazer do Serviço Social do Comércio (Sesc). São várias espalhadas por São Paulo, oferecendo extensa programação cultural subsidiada gratuita ou a preço reduzido para a população. A estrutura é largamente utilizada por artistas de diversas áreas residentes em São Paulo. , da Funarte3 3 A Fundação Nacional de Artes (Funarte) é o órgão responsável, no âmbito do governo federal, pelo desenvolvimento de políticas públicas de fomento às artes visuais, à música, ao circo, à dança e ao teatro. Os principais objetivos da instituição, atualmente vinculada ao Ministério da Cidadania, são o incentivo à produção e à capacitação de artistas, o desenvolvimento da pesquisa, a preservação da memória e a formação de público para as artes no Brasil. Em São Paulo, a fundação está sediada no Complexo Lulu Librandi, na área central da cidade, desde uma reforma realizada em 2007. O espaço recebe eventos de diversos segmentos artísticos e é bastante utilizado por profissionais da dança, oferecendo à população programação cultural gratuita ou a preços reduzidos. ou de outros centros culturais espalhados pela cidade. Tampouco constam em sites de cultura, que oferecem programação diária de opções de lazer. Menos ainda têm chances de receber apoio de políticas de fomento à cultura, como é o caso de vários dos artistas que se apresentam nesses centros culturais. A cena da dança do ventre, no entanto, se mantém em alguns espaços de apresentação, como os já comentados restaurantes, mas também em certos estabelecimentos especializados na dança, além de inúmeros eventos organizados por suas praticantes.

Para o entendimento dessa cena, é necessário olhar para além da prática da dança e perceber que também envolve músicos profissionais e amadores, escolas de dança, estilistas, vendedores de roupas e demais acessórios, produtores de shows, além dos próprios restaurantes árabes. Se estivéssemos nos referindo a um estilo musical, esses agentes poderiam facilmente ser compreendidos como “musicantes”, no sentido proposto por Christopher Small (1998)SMALL, Christopher. Musicking: the meanings of performing and listening. Middletown: Wesleyan University Press, 1998.. Proponho aqui a ampliação desse conceito para um estilo de dança, abarcando públicos, donos de estabelecimentos onde essa dança acontece, músicos especializados, organizadores de eventos, vendedores de roupas e acessórios etc. Há também que se salientar que, não raro, as próprias bailarinas assumem muitas dessas múltiplas funções. “Musicar”, portanto, para além de dançar, significa ensinar, tomar aulas, produzir shows, bordar o próprio figurino, postar e “curtir” vídeos e fotografias de outras bailarinas no Facebook, dentre outras atividades.

Tendo esse panorama em vista, o objetivo deste artigo é compreender de que modo a cena de dança do ventre se sustenta, como se relacionam as pessoas nela envolvidas e de que recursos lançam mão para se manter enquanto cena. Buscaremos, através dessas observações, obter subsídios para discutir a ideia preliminar de margem, tanto no que diz respeito à aceitação do público, quanto em relação aos engajamentos que a dança do ventre é capaz de produzir como atividade cultural.

À margem dos estudos sobre dança

Alguns estudos afirmam que “dança oriental” ou “dança do ventre” foram nomes ocidentalizados criados num processo de apropriação de uma variedade de danças reconhecidas no Oriente Próximo, Ásia, partes do Mediterrâneo e norte da África (MCDONALD & SELLERS-YOUNG, 2014MCDONALD, Caitlin; SELLERS-YOUNG, Barbara (Ed.). Belly dance around the world: new communities, performance and identity. Londres: McFarland and Co, 2013.; MOE, 2012MOE, Anderson. Beyond the belly: an appraisal of Middle Eastern (aka Belly Dance) as leisure. Journal of Leisure Research, v. 44, n. 2, 2012, p. 201-233.). Estilizadas, especialmente pelas bailarinas modernas americanas, passaram a ser praticadas por mulheres ocidentais tendo como referência uma concepção específica sobre o Oriente, materializada em figurinos, musicalidade e corporalidade (DOX, 2006DOX, Donnalee. Dancing around orientalism. TDR: The Drama Review, v. 50, n. 4, 2006, p. 52-71.; CAVRELL, 2014CAVRELL, Holly. Dando corpo à história. Campinas: Prismas, 2014.). Desde então, a dança tem sido globalmente divulgada como meio de reencontro de um feminino ancestral, de reconexão com o “sagrado feminino”, com “a Grande Deusa” e com um “passado matriarcal”, como base da organização social.

No Brasil, há registros de dançarinas do ventre que alcançaram alguma notoriedade em canais midiáticos entre os anos 1950 e 1970, período em que teria ocorrido representativa migração de grupos sociais muçulmanos ao país, advindos de diferentes regiões do Oriente Médio (BENCARDINI, 2002BENCARDINI, Patrícia. Dança do ventre: ciência e arte. São Paulo: Textonovo, 2002. ). Houve, no entanto, um notório interesse pela dança no início dos anos 2000, quando a telenovela O clone, exibida pela Rede Globo, teve como protagonista uma personagem que frequentemente fazia da dança do ventre um meio de expressão, como relatam alunas e professoras com quem venho mantendo contato desde 2010.

Há nos estudos produzidos sobre a dança do ventre uma tendência em apresentá-la como uma prática essencializante, quando não um olhar exotizado sobre o Oriente Próximo. Algumas críticas são dirigidas ao corpo à mostra, salientado pelos figurinos, e à movimentação sensual, argumentando que esse tipo de dança torna suas praticantes oprimidas e objetificadas . A descrição de Donalee Dox (2006)DOX, Donnalee. Dancing around orientalism. TDR: The Drama Review, v. 50, n. 4, 2006, p. 52-71. sobre a entrada da dança no mundo ocidental localiza a expressão danse du ventre na Feira Internacional de Chicago de 1893, onde, num determinado “corredor oriental”, danças do Egito, Marrocos e Tunísia eram interpretadas por bailarinas sem corpetes (não necessariamente com o ventre à mostra) de maneira lasciva e extravagante.

De acordo com Anthony Shay (2008)SHAY, Anthony. Dancing across borders: the American fascination with exotic dance forms. Jefferson: McFarland & Company, Inc. Publishers, 2008., a nova modalidade teria se tornado uma febre nos vaudevilles e cabarés das grandes cidades americanas, constituindo um tipo de entretenimento vulgar e burlesco por algumas décadas. Foi apenas após sofrer um processo de recodificação, no início do século XX, que a dança do ventre passou a ser apreciada pelo público ocidental mais amplo. Inspiradas em iconografia e literatura orientalistas produzidas entre os séculos XVII e XIX, nas quais dançarinas eram retratadas com corpos seminus e voluptuosos, coreógrafas modernas, como Maud Allen, Ruth St. Denis e Loie Fuller, estruturaram uma dança de braços sinuosos e movimentação acentuada nos quadris, com figurinos carregados de bijuterias, criando o estilo cabaré. MacMaster e Lewis (1998, p. 123)MACMASTER, Neil; LEWIS, Tony. Orientalism: from unveiling to hyperveiling. Journal of European Studies, v. 28, n.1, 1998, p. 121-135. afirmam que o cabaré teria se espalhado por todo o mundo, reformulando códigos de dança mesmo nos países da África do Norte e no Oriente Médio. A partir de então, dançarinas, do Ocidente ao Oriente, teriam se essencializado, tornando-se objetos de prazer visual de públicos sobretudo masculinos. Ainda que os discursos de suas praticantes exaltassem outros valores, a dança teria caído numa trama mercadológica inescapável, sendo definitivamente associada ao sex appeal (KEFT-KENNEDY, 2013KEFT-KENNEDY, Virginia. 1970s belly dance and the “how-to” phenomenon: feminism, fitness and orientalism. In: MCDONALD, Caitlin E.; SELLERS-YOUNG, Barbara (Ed.). Belly dance around the world. new communities, performance and identity. Londres: McFarland and Co, 2013.).

Já os estudos orientalistas condenam na dança aquilo que consideram distorções estereotipadas da corporalidade feminina em países do Magrebe e do Oriente Médio. Tina Frühauf (2009)FRÜHAUf, Tina. Decolonizing Bellydance. Project Muse, v. 53, n. 3, 2009, p. 22-37. defende que o colonialismo, enquanto dominação ocidental sobre o Outro, seria incorporado pelas mulheres ocidentais que buscam alternativas para suas próprias frustrações nessa forma de dança. Um Oriente mitificado, em que mulheres são mantidas belas e “femininas” (cobertas por véus brilhantes, maquiagem, perfumes, joias) por seus maridos (sultões) em suntuosos haréns, operaria como uma alternativa, um escape à dureza cotidiana, que envolve longas jornadas de trabalho, a assunção de papéis masculinizados e a competitividade com os homens no mundo ocidental (FRÜHAUF, 2009FRÜHAUf, Tina. Decolonizing Bellydance. Project Muse, v. 53, n. 3, 2009, p. 22-37., p. 120). Em suma, ambas as correntes tendem a perceber a dança do ventre como um exercício a serviço do prazer masculino e de visões colonizadas sobre o Oriente; em outras palavras, uma colonização do próprio corpo.

Na contramão dessas interpretações, outros estudos indicam um novo horizonte de possibilidades analíticas, interessando-se pelas reflexões que as próprias bailarinas fazem a respeito de sua prática. Banasiak (2014)BANASIAK, Krista. Dancing the East in the West: orientalism, feminism, and belly dance. Critical Race and Whiteness Studies, v. 10, n. 1, 2014, p. 6-24. expõe a fragilidade de abordagens a partir das teorias do olhar, transformando a dança num objeto que se analisa a partir do exterior. Essa crítica ela dirige diretamente às perspectivas que remetem a dança do ventre à essencialização e ao orientalismo. Com base em depoimentos de suas interlocutoras, percebe sentimentos de empoderamento experimentados na dança em seus corpos, e reflexões que se aproximam das discussões da terceira onda feminista, por tocarem diretamente na construção de subjetividades femininas.

Essas aproximações já haviam sido notadas por Wright e Dreyfus (1998)WRIGHT, Jan; DREYFUS, Shoshana. Belly Dancing: A Feminist Project?. Women in Sport and Physical Activity Journal, v. 7, n. 2, 1998, p. 95-114., que, por trás de uma aparente discrepância entre a busca do “tornar-se mais feminina” e teorias feministas, percebem que a tal feminilidade aspirada pelas praticantes da dança não se dirige aos modelos hegemônicos que prescrevem papéis às mulheres, mas à aceitação e à projeção social do corpo “como ele é”. Já o trabalho de Rachel Krauss (2009)KRAUSS, Rachel. Straddling the sacred and secular: creating a spiritual experience through belly dance. Sociological Spectrum, v. 29, n. 5, 2009, p. 598-625. contempla as dimensões espiritualizadas alcançadas pelas praticantes da dança do ventre a partir de suas declarações, opondo-se diretamente a visões que reduziram esse aspecto a apelos comerciais ou a visões distorcidas sobre uma ancestralidade feminina exotizada. À lista de questões levantadas a partir da percepção das praticantes, juntam-se a abordagem da autoimagem corporal (DOWNEY et al., 2010DOWNEY, Dennis et al. Body image in belly dance: integrating alternative norms into collective identity. Journal of Gender Studies, v. 19, n. 4, 2010, p. 377-393.), as relações entre a prática da dança e o envelhecimento (MOE, 2014MOE, Anderson. Beyond the belly: an appraisal of Middle Eastern (aka Belly Dance) as leisure. Journal of Leisure Research, v. 44, n. 2, 2012, p. 201-233.), dentre outras.

Fundamentado nas enunciações das praticantes da dança, o modo de análise empregado nesses estudos valoriza reflexões nativas tal como orientou John Blacking nos anos 1980. Ao defender que uma etnografia da dança deve dar especial atenção à maneira como as ideias dos praticantes são articuladas verbalmente, Blacking (1983, p. 90)BLACKING, John. Movimento e significado: a dança na perspectiva da antropologia social. In: CAMARGO, Giselle Guillon Antunes (Org.). Antropologia da dança I. Florianópolis: Insular, 2013, p. 75-86. nos alerta que podem escapar dos discursos convencionais: “A explicação do significado dos movimentos é tão importante para sua descrição como para analisar os usos da dança na sociedade, pois é o significado dos movimentos no contexto o que deve guiar nossa identificação das unidades significativas”. Dançarinos, desse modo, podem ser vistos não como consumidores passivos de visões de mundo distorcidas, mas como sujeitos, trazendo histórias de vida, potencialidades de transformação e constituindo-se como seres no mundo a partir de processos criativos de dança.

Minha proposta de pesquisa se alinha diretamente ao entendimento da dança a partir da perspectiva de quem as pratica. Para além de enunciações, porém, esta investigação se interessa por expressões não verbais. Concordando com Marie Bardet, acredito que uma investigação sobre dança precisa levar em conta deslocamentos de peso, porte dos figurinos, força muscular e formas de sustentação do corpo como questões centrais e significantes (BARDET, 2015BARDET, Marie. A filosofia da dança: um encontro entre dança e filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2015., p. 64-65). E mais: voltando a Blacking, vemos que seus estudos também ensinam que a dança demanda uma abordagem que se aproxime, sobretudo, da experiência sensível dos dançarinos, desde a extenuação do corpo durante os treinos, até as mobilizações que os corpos dançantes são capazes de efetuar socialmente (BLACKING, 1985BLACKING, John. Movimento e significado: a dança na perspectiva da antropologia social. In: CAMARGO, Giselle Guillon Antunes (Org.). Antropologia da dança I. Florianópolis: Insular, 2013, p. 75-86.).

Fios da vida

No final de 2013, quando me mudei para São Paulo, fiz uma rápida busca pela internet para saber onde poderia continuar a tomar aulas de dança do ventre na nova cidade, prática que iniciei em 20104 4 Ainda enquanto realizava minha pesquisa de doutorado, senti a necessidade de criar um exercício de estranhamento para meu próprio corpo, já totalmente imerso na dança dos grupos de Campinas, justamente para poder voltar a refletir sobre aquela dança a partir de fora. A solução foi praticar outro estilo de dança. Escolhendo a dança do ventre, por diferenciar-se dos repertórios de dança afro-brasileiros em diversos aspectos, acabei encontrando um campo social no qual a interação entre corpo e música também propicia aos corpos reestruturações, operando, ao mesmo tempo, como forma expressiva de diversas enunciações dos praticantes. . Desde então me surpreendeu o fato de haver escolas exclusivamente dedicadas à dança (o que diferia muito de minha cidade natal na época, onde se podiam tomar aulas apenas com professoras particulares), sendo praticamente todas localizadas no entorno do bairro Vila Mariana. Hoje, algumas dessas escolas também abarcam o ensino de outras modalidades de dança - como dança cigana, dança indiana, pole dance5 5 Pole dance é uma forma de dança que se originou na Inglaterra nos anos 1980 (HOLLAND, 2010). Pode ser praticada de modo sensual ou esportivo, utilizando, como elemento coreográfico e cênico, um poste ou barra vertical sobre o qual o(a) bailarino(a) realiza sua performance. Embora seja comumente associada ao âmbito dos strip clubs, recentemente vem ganhando conotação artística em cabarés e nos circos em espetáculos acrobáticos que não apelam ao erotismo como ferramenta visual. Além disso, tornou-se modalidade olímpica em 2017. , stilleto6 6 Stiletto é uma dança que surgiu e evoluiu nos Estados Unidos e na Europa no final do século XX e início do século XXI. Seu nome deriva de um modelo de sapato feminino de salto agulha bem alto, utilizado pelos bailarinos durante a performance. Apresentada de forma artística ou em night-clubs, a dança se inspira no hip-hop e no jazz. Cantoras pop como Madonna, Britney Spears, Beyoncé e o grupo The Pussycat Dolls usam largamente esse estilo em seus videoclipes. Há também grupos masculinos que o performam, muitas vezes como militância artística ligada a movimentos LGBT (PHILLIPS, 2010) , todas voltadas para mulheres. No entanto, a dança do ventre continua sendo o carro-chefe mesmo nessas escolas.

Em 2017, quando iniciei minha etnografia, conheci oito escolas - Pandora Danças, Centro Cultural Shangrila, Khan el Khalili (emicamente conhecido como “Casa de Chá”), Al Qamar Artes do Corpo, Espaço Dancesmeralda, Espaço de Danças e Vivências Bete Medeiros, Estúdio Dumuaini, uma unidade da rede Luxor de Escolas de Dança do Ventre - todas localizadas em uma área de cerca de seis quilômetros quadrados, nas imediações da Vila Mariana. Embora haja escolas e espaços de apresentação em outras regiões paulistanas, é nesse centro nervoso que a cena mais proeminente da dança do ventre acontece. Quando me refiro à cena, compartilho do sentido proposto por Grossberg (2002, p. 49-50)GROSSBERG, Lawrence. Reflections of a disappointed popular music scholar. In: BEEBE, Roger et al. (Ed.). Rock over the edge: transformations of popular music. Durham: Duke University Press, 2002, p. 25-59., de que se trata de um fenômeno situacional, apoiado especificamente pelas interações e especificidades de seus públicos.

A cena da dança do ventre na Vila Mariana envolve basicamente saraus produzidos nas próprias escolas ou em outros espaços de apresentação; “noites” em restaurantes árabes da região, que concentra certa quantidade de imigrantes sírios e libaneses proprietários desses estabelecimentos; e, particularmente, espaços educacionais, voltados para um “público” essencialmente feminino e que permitem que as pessoas se conheçam e se informem sobre a própria dinâmica da cena. De maneira esparsa, esses eventos acontecem em outras regiões de São Paulo. Há restaurantes árabes na zona leste, como o Dunas7 7 Localizado na Vila Carrão, o Dunas Bar é o local onde desde 2001 a bailarina Giselle Kenj dirige a programação semanal de noites árabes com dança do ventre e música ao vivo. Seus donos não são árabes, mas contrataram Giselle e banda (formada por Mohamad Azrapor, Gege Mouzayek, Thiago Faruk e convidados) por admirarem seu trabalho. O cardápio árabe e a programação oferecida às quartas e domingos no bar sempre atraem descendentes de árabes residentes na zona leste. e o El Maktub8 8 Também localizado na Vila Carrão, o El Maktub pertence à família de Alfredo e Kadige Kadri Caramelo. Também possui uma programação de noites árabes nas quais se apresentam bailarinas, o grupo folclórico de Dabke Yalla Shabab e, ocasionalmente, o cantor Tony Mouzayek. , que promovem uma agenda regular de shows, por exemplo. O diferencial da área da Vila Mariana, no entanto, é a quantidade de entrecruzamentos que ali ocorrem, principalmente em função da existência dos estabelecimentos de ensino.

Aulas, das oferecidas a iniciantes aos cursos avançados, são também meios de divulgação de formas de participação nas apresentações, seja como público, seja como performer. Isso porque eventos como saraus e noites, por exemplo, abrem espaço não apenas para bailarinas profissionais como também para alunas que queiram experimentar se apresentar, tendo ou não a intenção de se profissionalizarem. Assim, se por um lado as aulas alimentam os espaços de apresentação, esses últimos as retroalimentam. É em eventos apresentacionais que se toma contato com profissionais atuantes na cena. Como a maioria das bailarinas profissionais é também professora, essas apresentações fazem as vezes de vitrine, um modo de atrair alunas.

Outra modalidade de ensino, os cursos especiais de curta duração com bailarinas renomadas são, de certa forma, um misto de oferecimento de educação e formação de público, no qual se vendem aulas com “estrelas” que se pode ver de perto. Há que notar também que a maior parte das escolas investe em apresentações de final de ano, das mais simples a elaboradas produções em teatros particulares, contando com roteiro, figurino encomendado, maquiagem profissional, filmagem, fotografia, iluminação, sonorização etc. Finalmente, as escolas mais conceituadas emitem certificados, sobre os quais voltarei a falar, que distinguem as bailarinas. As audições para obtenção desses certificados, por vezes abertas, são também constituintes da cena.

Importante notar que a referência ao núcleo da Vila Mariana não exclui as atividades relacionadas à dança do ventre em outros cantos da cidade. Pelo contrário, é uma percepção do quanto essa região atrai pessoas para o que ali está acontecendo e de como funciona como centro de projeção de pessoas e práticas. Bailarinas/professoras de toda a região metropolitana - e por vezes até do interior de São Paulo - vêm se apresentar no famoso sarau “Noites do harém” promovido pelo Khan el Khalili, não para conquistar seu pedaço na Vila Mariana, mas para se destacarem em sua própria região de atuação. As redes sociais, com recurso de divulgação de fotografia e vídeo, desempenham um papel crucial nessa dinâmica, uma vez que permitem que a performance seja registrada (oficialmente pelo próprio estabelecimento que promove o sarau ou simplesmente pelo celular de alguém na plateia) e “postada” na mesma noite em que a bailarina se apresentou. A rede de pessoas que assistirá ao vídeo e o e “curtirá” está muito mais localizada na região em que a bailarina atua do que propriamente na região da Vila Mariana.

Saraus, noites, aulas e workshops especiais são atividades regulares concentrando um número limitado de pessoas e produzindo engajamentos com a cena da dança do ventre. Essas pessoas se envolvem se apresentando, ensinando, tomando aulas, assistindo, tocando para as apresentações (no caso dos músicos), recebendo, servindo, cozinhando para as pessoas (no caso do staff dos restaurantes), filmando ou fotografando performances (no caso dos profissionais contratados para fotografia e filmagem) etc. Circulando por esse ambiente, os envolvidos têm a oportunidade de se conhecer, reencontrar e interagir. As possibilidades de entrecruzamento são intensificadas pela própria condição de marginalidade desse circuito; raramente prestigiado pelo público leigo, acaba sendo frequentado pelas mesmas pessoas. Isso, no entanto, não seria suficiente para explicar o intricado emaranhado de relações produzidas nessa cena. De fato, ela conta com eficazes mecanismos de convergência, produzidos pelos próprios sujeitos envolvidos. Dentre eles, estão os festivais, que anualmente concentram profissionais do Brasil e do mundo.

Como me contou Shalimar Mattar, organizadora de um desses festivais, o Mercado Persa, o evento foi idealizado por sua mãe, Samira Samia9 9 Batizada como Teresa Carnicelli, a carioca que mais tarde adotaria o nome artístico de Samira Samia, veio morar com a família em São Paulo na infância. Conta, em sua biografia, que só pôde começar a dançar após adulta e que sua insistência a levou a se separar do marido aos 37 anos. Iniciou sua carreira em clubes, restaurantes, buffets e festas da comunidade árabe de São Paulo. Autodidata, diz te ganho muito dinheiro quando iniciou, chegando mesmo a fazer shows para a TV nos anos 1980. , uma das precursoras da dança no Brasil. Em 1995 Samira reuniu as poucas profissionais que atuavam em São Paulo e suas alunas para “um dia de dança e muita festa [...] sem saber ao certo que caminhos esse evento tomaria” (MATTAR, s. d.). Seu objetivo era criar uma oportunidade de divulgação do trabalho daquelas bailarinas, uma vez que os espaços disponíveis para suas apresentações eram ainda mais escassos, limitando-se aos estabelecimentos árabes (restaurantes, cafés, casas de chá) e ao público que os frequentava, em geral imigrantes árabes e seus descendentes. Samira alugou um modesto salão no bairro do Brooklin10 10 Festivais não se concentram na Vila Mariana; são realizados em locais próprios para eventos em São Paulo, que podem variar anualmente. Mesmo assim, a Vila Mariana permanece como um local de concentração de pessoas e atividades regulares ao longo do ano. e reuniu,

[...] cerca de 30 profissionais, suas alunas e um público da região, atraído pela curiosidade. O evento contou com cerca de 7 estandes com algumas mercadorias para dança, mas a ideia inicial não era venda mas sim um mercado de troca de produtos. Uma a uma, sem pressa, as profissionais subiam ao palco e dançavam tranquilamente apresentando seus trabalhos… e entre muitas danças, confraternizações, bate-papos o dia foi um sucesso! Uma festa alegre com cerca de 300 pessoas! (MATTAR, s. d.MATTAR, Shalimar. Histórico. Para pesquisadores da área. Disponível em: <http://mercadopersa.com.br/historico.html>. Acesso em: maio 2019.
http://mercadopersa.com.br/historico.htm...
).

A participação de Shaly aumentaria no ano seguinte, quando introduziria normas para as mostras de dança (inscrições, categoria, duração) e, como conta, “o primeiro concurso de dança do ventre da América do Sul, Europa e Oriente”, porque só havia concursos do gênero nos Estados Unidos”11 11 Entrevista concedida em janeiro de 2018. . Ao longo dos anos, a sistematização do festival incorporaria dezenas de concursos, incluindo diversas modalidades de dança, além de trajes típicos para dança oriental, feira de produtos para o segmento, um código de ética e um espaço amplo para debates e palestras sobre a dança oriental.

Se na celebração organizada por Samira as bailarinas profissionais tinham receio de trazer suas alunas, por temerem expô-las a outras professoras e correrem o risco de perdê-las, a partir da sistematização de Shalimar, o Mercado Persa passou a ser lugar de projeção por excelência não somente para essas profissionais, como para praticantes com variados níveis de aprendizado, reunindo pessoas de São Paulo, do Brasil e do mundo.

Agregando hoje cerca de 8 mil pessoas entre artistas renomados, praticantes de dança e música oriental, artesãos, prestadores de serviços, lojistas, estilistas e apreciadores, o Mercado Persa gerou o desenvolvimento da dança oriental como atividade produtiva e construiu uma nova visibilidade para o segmento. O evento é reconhecido entre as profissionais de São Paulo como o maior festival de dança oriental no mundo12 12 Essa dimensão se refere ao número de pessoas que frequenta o Mercado Persa. Há, no entanto, festivais fora do Brasil com maior duração (sete ou oito dias) ou que concentram mais pessoas advindas de outras partes do mundo. e conta com mais de 500 apresentações entre competições e shows, além de cerca de 70 expositores. Tido como o primeiro evento no mundo realizado nesse modelo de festival - um final de semana intenso de concursos, mostras de danças, desfiles, congresso e feira -, passou a ser replicado em São Paulo13 13 Mostra Cultural Arte e Magia (2000); E-ventre: Encontro de Dança do Ventre (2004); Ventre Mania (2006), em Osasco - SP; Encontro Sahira Fatin (2007); Luz do Ventre (2008); Festival Oriente - A Mulher e o Sonho (2008); Yalla Festival (2010); Tilim de Dendera (2010), em Guarulhos - SP; São Paulo Bellydance Festival - SPBF (2011); Festival Nacional Shimmie (2011) em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Aracaju; Glam Luxor - Festival Internacional de Dança do Ventre (2011); Dançando com Arte - Interamericano de Danças - CIAD (2014), em Santo André; Expo Dança (2016); Festival Essência (2018) (LOLATO, s. d.). e em outras cidades brasileiras (LOLATO, s. d.LOLATO, Mariana. Conheça os maiores eventos de dança do ventre do Brasil. s. d. Disponível em: <https://www.centraldancadoventre.com.br>. Acesso em: maio 2019.
https://www.centraldancadoventre.com.br...
), além de diversos países14 14 Dentre esses, o Nile Group Festival (2005), com várias edições ao ano em cidades como Cairo, Sharm el Sheikh, e a partir de 2013 levado à China e à Coreia do Sul; Ahlan wa Sahlan (2000), no Cairo; Salamat Masr Festival (2011) Cairo (CENTRAL Dança do Ventre, s. d.); .

O Mercado Persa foi decisivo para a configuração da cena da dança do ventre em São Paulo, que hoje conta com mais de uma dezena de festivais anuais onde se pode “dançar, competir, comprar, fazer workshop e montar stands de venda” (LOLATO, s. d.LOLATO, Mariana. Conheça os maiores eventos de dança do ventre do Brasil. s. d. Disponível em: <https://www.centraldancadoventre.com.br>. Acesso em: maio 2019.
https://www.centraldancadoventre.com.br...
). Competições, que em muitos contextos musicais podem ser essenciais para aproximar concorrentes (HOSOKAWA, 2000HOSOKAWA, Shuhei. Singing contests in the ethnic enclosure of the post-war Japanese-Brazilian community. British Journal of Ethnomusicology, v. 9, n. 1, 2000, p. 95-118.), não tiveram papel diferente aqui, aproximando não apenas bailarinas, mas também comerciantes, em um espaço único de exposição.

Aproximações por concorrência também ocorrem nas audições para obtenção de certificados de estabelecimentos renomados, mecanismo que se replica a partir da criação do primeiro pela Casa de Chá Khan el Khalili15 15 Após a criação do Padrão de Qualidade Khan el Khalili, outros certificados foram fabricados por escolas ou bailarinas em São Paulo e outras cidades brasileiras. , cuja origem vale esmiuçar, especialmente por nos dar a compreensão das imbricadas relações entre cena e mercado na dança do ventre em São Paulo.

Criado em meados dos anos 1990 pela bailarina Lulu Sabongi, quando ainda codirigia a Casa de Chá Khan el Khalili junto a seu ex-marido, o empresário Jorge Sabongi, o primeiro certificado do Brasil tinha o propósito de distinguir profissionais da dança e garantir-lhes melhores condições de entrada no mercado de apresentações. Como me contou Lulu, hoje Lulu from Brazil e diretora do Centro Cultural Shangrila16 16 Criada em 1990 a partir de uma dissidência com a Casa de Chá Khan el Khalili, o Centro Shangrilá está sob a coordenação artística e pedagógica das bailarinas Lulu from Brazil e Málak Alaoni. A sede está localizada a 300 metros da Casa de Chá, tendo sido essa separação a última etapa de uma divisão de bens e negócios entre Lulu e seu ex-marido, Jorge Sabongi, proprietário do Khan el Khalili. , durante a década de 1990 a dança do ventre transcendeu os espaços frequentados pela comunidade árabe (casas de chá, bares, restaurantes, cafés, clubes) e começou a ganhar espaço em festas de casamento, eventos diversos e restaurantes árabes que se popularizavam17 17 A rede Habib’s se inicia em 1988 no centro de São Paulo (HABIB’S, 2019). . Isso gerou uma grande demanda, abrindo espaço para que mais pessoas pudessem trabalhar como bailarinas, sem, necessariamente, possuírem formação na dança.

Um número maior de praticantes começava a criar o sentido de concorrência entre bailarinas e, para Lulu, criou-se a necessidade de distinção. “Tinha gente que fazia aula um ano e já pegava trabalho em festa, dançava em restaurante... Como que a gente ia distinguir quem era profissional de fato? Para quem não conhece a dança, é tudo a mesma coisa”. Naquele momento, a intenção de Lulu era certificar a própria dança, que corria o risco de banalização. Assim, a Casa de Chá criava o primeiro “selo de qualidade” de dança do ventre no Brasil. Através de uma avaliação de banca, eram examinados qualidade técnica, dinâmica, familiaridade com o palco, coerência com a cultura árabe, expressão, espontaneidade, dentre outros quesitos.

Note-se que as trajetórias da própria Lulu e de Samira atestam o momento de criação do mercado de ensino e popularização da dança do ventre em São Paulo. Ambas dançavam apenas em espaços de comensalidade e convívio de imigrantes árabes, que passavam a se multiplicar e ser frequentados por novos públicos. Ao vê-las dançar, algumas mulheres perguntavam por aulas. “Eram todas minhas amigas, gente que frequentava a Casa de Chá. Eu nem sabia que podia ensinar”, diz Lulu. Shalimar conta que sua mãe dava aulas na sala de casa para suas amigas. O Khan el Khalili, aberto como casa de chá em 1982, começa a oferecer aulas regulares em 1985 (SABONGI, 2017SABONGI, Jorge. Dança do ventre - como e quando começou. Revisado em jun./2017. Disponível em: <http://www.khanelkhalili.com.br/nobrasil.htm>. Acesso em: maio 2019.
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); em 1993 é inaugurada a primeira escola da franquia Luxor de ensino de dança do ventre, que atualmente conta com 12 escolas espalhadas pela cidade. A oferta de ensino da dança vai se ampliando por outros espaços e escolas que vão sendo inaugurados. Ao longo dessa década, portanto, técnicas de ensino foram criadas e aprimoradas, espaços de ensino e apresentação foram multiplicados.

A popularidade da dança do ventre chegou a um novo pico em 2001, quando a novela O clone despertou interesse nacional. O programa é lembrado pelas bailarinas mais antigas como um marco no mercado de dança. Como me explicou Lulu, “Se por um lado isso trazia mais alunas, por outro teve muita gente que achava que era só colocar um lenço com moedinhas na cintura e sair rebolando que já estava dançando”. Mais certificados foram sendo criados18 18 Hoje em dia muitas escolas de dança e até mesmo os saraus emitem selos de qualidade. , com a clara intenção de reserva de mercado para bailarinas profissionais.

Passadas cerca de duas décadas desde a criação do primeiro certificado no Brasil, a Casa de Chá Khan el Khalili mantém as audições para sua obtenção, mesmo após a saída de sua criadora, hoje proprietária do Centro Cultural Shangrilá. O selo de qualidade desperta opiniões diversas na cena da dança do ventre em São Paulo. É tido por muitas bailarinas como sinal de prestígio e distinção e, sobretudo, meio de projeção, especialmente por considerarem a Casa de Chá um dos espaços mais tradicionais da dança do ventre em São Paulo. Mas há também bailarinas que o criticam como uma espécie de “monopólio” de certificações, ou mesmo acreditam que suas carreiras independem da atribuição de um selo de qualidade, podendo se construir por outras vias.

Ressalvada a controvérsia, as audições para obtenção de certificação são capazes de reunir centenas de pessoas nas conhecidas “Noites do harém” promovidas pela Casa de Chá. Ao longo do ano, esses eventos, nos quais se apresentam bailarinas profissionais, são regularmente realizados. É possível verificar previamente quais bailarinas dançarão em cada noite no site da casa, que distingue, entre elas, quais estarão sendo submetidas à avaliação enquanto se apresentam. Audições de 150 candidatas são distribuídas entre esses eventos, atraindo um público distinto daquele mobilizado pelas demais bailarinas; esse é um público de torcedores - alunas, amigos, parentes -, que estão ali para dar suporte. Em outras palavras, distribuir as audições das “Noites do harém” ao longo do ano garante “casa cheia” para cada evento como um todo, pois sempre haverá um público certo mobilizado pelas bailarinas aspirantes ao certificado. Não seria demasiado dizer que as audições são a principal atração da noite, nutrindo grandes expectativas do público, da própria bailarina e das demais performers.

Tal qual os festivais, o “Selo de qualidade Khan el Khalili” foi essencial para a configuração da cena da dança do ventre em São Paulo, na medida em que também é capaz de reunir, por meio de concurso, centenas de pessoas em torno da dança. Além das próprias bailarinas, que nesse caso não concorrem entre si, mas por uma certificação, há um público extremamente engajado, composto de pessoas afetivamente ligadas a elas. Dentre essas, também se encontram praticantes da dança, suas alunas, que poderão em algum momento seguir a trajetória de suas professoras.

Vista de longe, a cena da dança do ventre em São Paulo dá a muitos a impressão de uma rede estruturada de relações, um mercado artístico solidificado onde as coisas acontecem. Podemos, entretanto, olhar para essa cena como um emaranhado de relações e fluxos de trajetórias pessoais, no sentido proposto por Tim Ingold (2007_____. Lines: a brief history. London: Routledge, 2007.; 2011_____. Being alive: essays on movement, knowledge and description. New York: Routledge, 2011. ; 2012)INGOLD, Tim. Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 18, n. 37, 2002, p. 25-44. - uma malha viva. A malha (meshwork) se opõe diretamente à rede (network), que na concepção de Bruno Latour (1999LATOUR, Bruno. On recalling ANT. In: LAW, J.; HASSARD, J. Actor network theory and after. Oxford: Blackwell, 1999.; 2005)_____. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Trad. Gilson César Cardoso de Sousa. Salvador/Bauru: Edufba/Edusc, 2012. se compõe de linhas intencionais de conexão19 19 Em obra recentemente lançada e rapidamente traduzida para o português (2012), Latour retoma a questão das conectividades intencionais, negando essa interpretação de sua obra e afirmando que a teoria ator-redes também admite imprevisibilidades. . Inspirado nas imprecisas linhas de devir tal como concebidas por Deleuze e Guatari, Ingold percebe que é através delas que a vida se desenvolve, sendo o ambiente um grande emaranhado dessas linhas. Na compreensão de Ingold20 20 Em suas mais recentes pesquisas, Ingold tem explorado três temas, todos decorrentes de seu trabalho anterior sobre a percepção do ambiente: a dinâmica de movimento das pessoas (linhas de devir), a criatividade da prática, e a linearidade da escrita. Esses temas se reúnem em seu projeto “Explorations in the comparative anthropology of the line”, que parte da premissa de que o caminhar, o observar e o escrever têm em comum a ideia de passar ao longo de linhas. , a dinâmica de movimento das pessoas é formada pela inexatidão da experiência humana, carregada de subjetividades, sentimentos e desejos que guiam suas trilhas. As relações entre essas trilhas, ou linhas, acontecem “ao longo de” sua constituição e não “entre” elas. Essas linhas não conectam necessariamente, ou se definem pelos pontos que conectam; pelo contrário, como linhas-devir, se transpassam e seguem em frente, preservando nada além de indeterminadas possibilidades de continuidade.

Tecendo fios vitais de improviso, cada um dos agentes dessas linhas contribui na formação de uma malha em contínuo crescimento e movimento, como a teia da aranha. A alusão às aranhas (NGOLD, 2008, p. 210-211) é bem-vinda neste trabalho, uma vez que se percebe que os fios são destilados por seus corpos e organizados a partir de seus movimentos. São linhas ao longo das quais as aranhas vivem e conduzem sua percepção e ação no mundo. De fato, as bailarinas do ventre acumulam múltiplas funções. Explico-me descrevendo algumas das trajetórias que acompanhei em 2016:

  • Cristina Antoniadis é proprietária e professora da escola Pandora Danças; promove eventos bimestrais, como o sarau “Noites do Oriente” e semanais como o “Quintas com dança”, no restaurante Al Maual; dirige a Cia. de Danças Pandora, organizando também suas apresentações em competições, festivais, dentre outros; além disso, se apresenta em eventos de projeção - em 2016 participou algumas vezes das “Noites do harém”, do Khan el Khalili, e competiu na categoria profissional do Festival Mercado Persa;

  • Najima Anjum não tem escola própria, mas organiza cursos de longa e média duração para bailarinas; promove e dirige shows temáticos com suas alunas em hotéis, restaurantes e outros espaços em cidades do interior de São Paulo; dirige o quadro Showtime, num programa independente afiliado ao Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) intitulado Top show, dedicado exclusivamente a profissionais da dança do ventre;

  • Giselle Kenj, famosa por dançar com suas cobras píton, é bailarina, atriz e cantora. Vem se apresentando em programas de TV (já recebeu convite para participar do quadro “Dança dos famosos” do programa Domingão do Faustão na Rede Globo). Apresenta-se em festas, restaurantes em São Paulo, mas também realizou turnês no exterior. Giselle dirige a programação semanal de dança do Dunas Bar, que reúne músicos árabes e bailarinas na zona leste de São Paulo, e criou o Selo Dunas, para certificação em dança, a exemplo do selo do Khan el Khalili.

Os parágrafos deste artigo poderiam se seguir listando as atuações de bailarinas importantes para o cenário, como Débora Sabongi, Esmeralda Colabone, Jade El Jabel, Mahaila El Helwa, Ju Marconato, dentre outras, que, além das já citadas, precisam tecer diariamente os fios da teia que, vista de fora, parece manter-se estavelmente sozinha. Muito ao contrário, não há nada “pronto”, “estável” ou “consolidado” nessa cena. Ainda que todas essas bailarinas recebam convites para atuação em determinados espaços, estes representam uma porcentagem ínfima de oportunidade de atuação. Verdadeiramente, necessitam agenciar continuamente suas ações para criar essas oportunidades.

O simples fato de abrirem uma escola ou curso não significa que automaticamente terão alunas. É claro que é preciso anunciar o curso ou escola nas redes sociais para trazer alunas de “fora”, mas é fundamental manter o nome da escola em evidência dentro do cenário, o que suas mentoras fazem por meio de apresentação em locais de projeção - saraus na Vila Mariana, apresentação/competição em grandes festivais etc. Por outro lado, para que se mantenham os espaços de apresentação, é preciso engajar participantes endógenos. O grande público desses eventos são as próprias alunas, que podem ter interesses que vão desde a apreciação de suas mestras, sua própria apresentação (que traz também seus parentes e amigos como plateia), até o ingresso nessa cena como profissionais. Observe-se, contudo, que as promotoras dos saraus são, em sua maioria, professoras ou donas de escolas, fechando-se um ciclo em que espaços apresentacionais (TURINO 2008_____. Music as social life: the politics of participation. Chicago: The University of Chicago Press, 2008) retroalimentam espaços educacionais e vice-versa. Isso cria uma situação em que bailarinas profissionais acumulam funções de donas de escola de dança, professoras, produtoras de eventos, produtoras de si mesmas - e, se não atuarem continuamente em todas essas frentes, não haverá cena. Aranhas lançando os fios sobre os quais delineiam suas trajetórias tecem continuamente a malha viva de relações que se trançam na cena de dança do ventre paulistana.

Entre os fios dessa trama, também estão aqueles emanados pelos demais agentes descritos no início do artigo como integrantes na cena da dança do ventre, embora não bailarinos. Assim, poderíamos continuar a lista há pouco interrompida com:

  • o cantor e empresário Tony Mouzayek, natural de Alepo na Síria, que migrou com a família na infância para o Brasil nos anos 1970. Iniciando a carreira musical ao lado de familiares nos clubes árabes de São Paulo ainda na adolescência, tanto ele quanto o irmão George Mouzayek tornaram-se renomados como músicos árabes no Brasil e no mundo. É da interpretação deles a canção “Azez Alaya”, que marcava as entradas do núcleo árabe da novela O clone, exibida em 2001 pela Rede Globo. No plano internacional, fez turnês em diversos países, tendo sido convidado a atuar com o músico Omar Faruk em 2002. Está, no momento, em vias de lançar seu sexagésimo álbum, que comporá sua extensa coleção “Belly Dance Oriente”21 21 A coleção, que tornou Tony célebre, propõe releituras de clássicos dos anos 1950, que tiveram grande exposição no cinema egípcio da mesma época. Essas canções, geralmente longas e acompanhadas de orquestras árabes, foram reinterpretadas utilizando arranjos para instrumentos mais modernos (teclado, guitarra, baixo elétrico, além de outros como o derbake, tabla e daff) e com ênfases rítmicas que tornaram as músicas apropriadas para a dança do ventre contemporânea. . Em suas apresentações, Tony está sempre acompanhado de bailarinas, algumas das quais “projetou”. Sua forte relação com a dança resultou no Congresso Internacional Luxor, festival de dança do ventre em parceria com a rede Luxor de escolas de dança. Se por um lado o cantor é um influente “padrinho” no mundo da dança do ventre em São Paulo, fazendo circular um repertório musical que, se não fosse por sua atuação, talvez nem mesmo fosse conhecido, por outro, depende diretamente das bailarinas, tanto como parceiras artísticas quanto consumidoras de sua produção musical;

  • a empresária Mariana Lolato, que começou a praticar dança do ventre na década de 1990 em sua cidade natal, São Carlos (SP), dedicou-se ao estudo e prática da dança, mas divergiu o foco de sua atuação nessa cena, criando o portal Central Dança do Ventre. O site reúne artigos sobre a história da dança do ventre, biografias de grandes bailarinas, danças folclóricas, música e instrumentos árabes. O portal também reúne anúncios de profissionais do mercado. Não apenas bailarinas anunciam suas aulas e apresentações, mas tanto elas quanto outros profissionais publicitam produtos - decoração para festa, figurinos novos e usados, maquiagem, fotografia e vídeo, acessórios de dança (véus, espadas, adagas, snujs22 22 Os snujs são címbalos de metal, usados um par em cada mão. Um deles se prende ao dedo médio, e o outro, ao dedão por meio de um elástico. O som deles é produzido pelo bater dessas duas partes, e a bailarina pode tocá-los enquanto dança em certos estilos, para destacar o ritmo. , livros, excursões etc.). O site ainda possui uma extensa seção de artigos científicos e livros produzidos sobre dança do ventre e temas relativos à cultura árabe para download. Além disso, há uma publicação periódica de artigos sobre a cena da dança no Brasil, funcionando o site também como uma revista. O Central Dança do Ventre aparece geralmente entre os primeiros resultados quando se busca no Google algum termo relativo à dança do ventre, o que indica sua popularidade. Para além de um conteúdo bem elaborado e direcionado para praticantes da dança do ventre, essas buscas dão indícios da demanda por interações geradas nesse campo. O alto índice de visitação se deve à existência de um público cativo, com necessidade de trocas entre si e que encontra no “Central” as ferramentas necessárias para exercer diariamente suas inter-relações;

  • as empresárias Daniella Ogeda e Josiane Madureira, donas da produtora de filmes Kaleidoscopio de Ideias, editoras da revista Shimmie e produtoras do Festival Shimmie, que acontece anualmente em São Paulo, Belo Horizonte e Aracaju. Nas várias frentes em que atuam, essas produtoras mobilizam a cena de dança produzindo-a de forma estruturante. A revista Shimmie possui prestígio nesse meio artístico, destacando mensalmente bailarinas em suas capas e entrevistas. Além disso, também é um meio bastante utilizado para oferta de produtos e serviços relacionados à dança do ventre. O Festival Shimmie, por sua vez, vem ganhando notoriedade desde sua criação em 2012, reunindo, a exemplo do Mercado Persa, bailarinas de São Paulo e de todo Brasil em mostras, fóruns de cultura e competições. Já através da Kaleidoscopio de Ideias, produziram inúmeros vídeos didáticos ou promocionais de bailarinas profissionais, sendo uma referência na prestação desse tipo de serviço. Em 2018, criaram o programa Dança Empreendedora, em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-SP), no qual têm oferecido, juntamente com outros profissionais, cursos, palestras e workshops especificamente voltados para donos de escolas de dança, envolvendo assim, profissionais da área da dança do ventre, além dos ligados a outros estilos.

O inventário de agentes poderia tomar páginas e mais páginas deste artigo, mas acredito que, por ora, as pessoas mencionadas já transmitam a ideia dos envolvimentos possíveis na cena da dança do ventre em São Paulo. A própria criatividade desses profissionais em oferecer serviços, produtos ou soluções inéditas, atendendo a necessidades e gerando oportunidades dentro desse campo, é um indicativo do improviso sobre o qual reflete Ingold. Concorrentes entre si, mas vitalmente interligados por mecanismos como os festivais e os certificados, esses agentes tornam possível a sobrevivência de uma cena, diferenciando-se de outras cenas de dança23 23 Ver mais adiante as reflexões da bailarina Samira Marana sobre a cena de dança contemporânea, por exemplo. . Fiando continuamente seus caminhos, os envolvidos na cena paulistana da dança do ventre se entrelaçam continuamente numa malha indeterminada de relações que se constroem enquanto se tece.

Sustentabilidade da cena: o enigma da pirâmide

“Quem sustenta a dança é a dança”, me dizia a bailarina Ila Cassandra (CENTRO CULTURAL SHANGRILA, s. d.CENTRO Cultural Shangrila. Ila Cassandra. Disponível em: <http://www.centroculturalshangrila.com.br/dt_portfolio/ila-cassandra>. Acesso em: maio 2019.
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), que tem recentemente ganhado notabilidade na cena da dança do ventre paulistana. Professora desde 2012 no Centro Cultural Shangrila, é sempre convidada para os shows mais prestigiosos, passando a integrar o elenco das “Noites do harém” da Casa de Chá Khan el Khalili em 2017.

“Mas vocês é que são o mercado”, respondeu a renomada bailarina Jade El Jabel (s. d.)JADE El Jabel. Estúdio Dumani. Disponível em: <https://www.jadeeljabel.com>. Acesso em: maio 2019.
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quando questionada, em uma palestra que proferiu no Festival Mercado Persa, por uma bailarina na plateia que queria saber se o mais importante era manter sua própria arte ou dançar segundo os parâmetros do mercado.

Expliquei anteriormente como se desenvolve a sustentabilidade da cena de dança do ventre em São Paulo: resumidamente, as aulas oferecidas nas escolas formam o público dos espetáculos, seja de alunas que vão para assistir suas mestras, seja de alunas que desejam ter a experiência da apresentação, trazendo consigo uma audiência particular de amigos e familiares. Espetáculos, por sua vez, dão visibilidade às bailarinas que se apresentam, condição imprescindível para a captação de novas alunas e continuidade da atividade de ensino, na maioria dos casos base de sustentação financeira das bailarinas profissionais. A mesma lógica se aplica aos festivais competitivos e às audições para obtenção de certificado. Além de darem visibilidade e retorno a quem se apresenta, essas instâncias possibilitam entrecruzamentos entre trajetórias no campo. A frase de Ila, no entanto, sintetiza uma compreensão êmica dessa cena enquanto “mercado”, tema que me interessa explorar.

Tal entendimento abarca usos e significados de categorias que servem para pensar e agir economicamente dentro desse universo de relações humanas. Examiná-la nos permite acessar ideias, conceitos, valores e emoções, agências individuais e coletivas. Como sugere Gustavo Onto (2011, p. 186)ONTO, Gustavo. The market as lived experience: on the knowledge of markets in antitrust analysis. Vibrant - Virtual Brazilian Anthropology, v. 11, n. 1, 2014, p. 159-190. , experiências de vida e subjetividades são caras à compreensão antropológica da constituição de mercado, trazendo alternativas para o entendimento do comportamento de seus agentes e respondendo a questões que dificilmente encontrariam resposta através de modos tradicionais de conhecimento tecnocrático.

Motta et al. (2014)MOTTA, Eugênia et al. Foreword - ethnographies of economy/ics: making and reading. Vibrant - Virtual Brazilian Anthropology, v. 11, n. 1, 2014, p. 50-56. examinam as distinções entre os termos economy e economics, que em português seriam indistintamente traduzidos como “economia”, em seus domínios semânticos. Economy faz referência ao que chamaríamos de “economia doméstica”, o campo das decisões e ações práticas que tomamos no dia a dia em relação ao mundo econômico. Já economics abarca a área de conhecimento dedicada ao entendimento das reações econômicas e seus agentes. Os autores sugerem que, na prática, essas duas concepções se atravessam mútua e continuamente, sendo, muitas vezes, os valores e compreensões da economy determinantes das práticas dos agentes, não importando se são indivíduos, famílias, empresas ou o Estado. O mundo prático de economy seria, em última análise, a dimensão na qual os agentes teriam maior controle sobre o funcionamento das coisas; o mundo de economy é um mundo familiar e, portanto, referencial para a tomada de ações e decisões.

Não por acaso, a chamada “economia comportamental” idealizada pelos psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky desafiou a noção de “racionalidade” do comportamento econômico humano. Segundo essa perspectiva, inovadora nos anos 1970, agimos economicamente com base em certa segurança; se levássemos em conta todas as variáveis macro e microeconômicas para tomar decisões racionalmente, enlouqueceríamos (SBICCA, 2014SBICCA, Adriana. Heurísticas no estudo das decisões econômicas: contribuições de Herbert Simon, Daniel Kahneman e Amos Tversky. Estudos Econômicos, n. 44, v. 3, 2014, p. 579-603.). Essa sensação de segurança é baseada em memórias, impressões, intuições, noções de sofrimento e felicidade; ela orienta nossos julgamentos e guia nossas decisões econômicas.

Uma mostra recente do valor dado à perspectiva comportamental foi a entrega do Nobel de Economia a Richard Thaler em 2018. Na visão do economista americano, o conceito de preço justo está atrelado ao modo como as pessoas estão dispostas a gastar seu dinheiro, não apenas ao desejo de obter alguma vantagem econômica. Não obstante as dinâmicas globais do mercado, que afetam preços em diversas escalas seguindo uma lógica de oferta e demanda, as noções de justiça atreladas a preços de produtos, serviços ou mesmo valores de salários são indicativos mais fiéis para a análise do comportamento dos consumidores. E são eles, em última instância, responsáveis por equilíbrios e desequilíbrios nas relações comerciais (THALER; SUNSTEIN, 2009THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: o empurrão para a escolha certa: aprimore suas decisões sobre saúde, riqueza e felicidade. Tradução de Marcello Lino. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.).

Como em qualquer situação de mercado, um leque de produtos é ofertado no universo da dança do ventre. Atreladas ao aprendizado da dança, podem vir diferentes roupagens ou qualidades que os diferenciam. Assim, determinada professora/escola pode ofertar uma dança enraizada em alguma tradição árabe; outra pode aprofundar-se na “essência feminina” e oferecer algo mais próximo de uma dança-terapia visando ao empoderamento feminino; outros oferecimentos podem ser profissionalização, produção e espetáculo, dança para gestantes, dança para mães com bebês de colo, dentre outras possibilidades criativas. Vale tudo para alcançar um diferencial e atingir a um nicho específico num campo em que consumidoras são disputadas, incluindo combinar abordagens ou elaborar outras completamente novas.

Há uma relação entre consumidores e ofertantes na dança do ventre de São Paulo, na qual, via de regra, alunas compõem a primeira categoria, e profissionais, a segunda. Note-se que os termos “aluna” e “profissional” são perfeitamente flexíveis e intercambiáveis.

Por um lado, a maior parte das bailarinas profissionais continua a tomar aulas, ainda que esporadicamente ou por interesse em temas específicos (instrumentos, técnicas corpóreas direcionadas, língua ou cultura árabe etc.). Por outro, tornar-se profissional não significa viver exclusivamente da dança (há profissionais que mantêm outros empregos), mas ter passado por uma série de etapas cujas aprovações dependem de sanções socialmente compartilhadas nesse âmbito: é necessário ter sido aluna de professora reconhecida ou renomada, ter se apresentado em eventos, sobretudo os da Vila Mariana, ter participado de competições em festivais realizados ou reconhecidos em São Paulo e que certificam a capacidade de se apresentar e lecionar. Uma profissional que viesse de outra cidade, sem qualquer reconhecimento em São Paulo e sem passagem por essa cadeia produtiva, mesmo que abrisse uma escola na Vila Mariana, dificilmente teria público ou alunas; é preciso ser ou ter sido aluna para ser reconhecida como profissional. Em outras palavras, é preciso consumir para poder ofertar.

Considerando que o número de alunas excede vantajosamente o de bailarinas profissionais, temos um modelo de sustentação piramidal nesse sistema de trocas, no qual as primeiras constituem a base e as últimas o topo. Tal sustentação não provém somente do consumo de aulas e espetáculos, mas também dos espaços apresentacionais, artigos para dança (figurinos, artefatos cênicos), dentre outros produtos. À medida que evolui, uma aluna é estimulada a participar de saraus, festivais e outros espaços apresentacionais. Em eventos mais corriqueiros, como os saraus, precisará desembolsar entre R$ 100,00 e R$ 150,00 de taxa de apresentação. Além disso, precisará de um figurino, ainda que básico, que não sairá por menos de R$ 300,00. Esse figurino não poderá se repetir muitas vezes. Caso queira continuar se apresentando, terá que investir em novos, ou aprender a confeccionar os seus próprios. Dependendo da magnitude do evento, a bailarina iniciante poderá ainda gastar com outros serviços: fotografia ou filmagem profissional, CD contendo as músicas tocadas no espetáculo, maquiagem profissional etc. Além disso, terá que gastar com seu deslocamento e alimentação, pois passará algumas horas no local (um restaurante, um teatro, um salão, uma escola) até que o evento termine. Em suma, para ter um momento de cerca de cinco minutos no palco, cada bailarina terá que desembolsar em torno de R$ 500,00, que serão distribuídos entre os fornecedores dos produtos que ela está consumindo, do vendedor do figurino à produtora da apresentação. Isso sem contar o investimento prévio em sua formação, destinado ao(s) estabelecimento(s) e profissional(is) que a instruíram.

Saraus são normalmente compostos de duas entradas: a das bailarinas debutantes ou amadoras e a de bailarinas convidadas. Esse segundo momento é performado por outras bailarinas profissionais, e, quanto mais renomadas, mais sucesso terá o evento. As profissionais recebem cachê por sua apresentação e são estimuladas a também trazerem alunas para se apresentar; quanto mais larga a base da pirâmide, maiores as possibilidades de lucro distribuído entre os níveis acima. O lucro das organizadoras, no entanto, não é fabuloso e nem mesmo garantido. De fato, os custos para promover um sarau são altos, envolvendo os cachês das profissionais, o aluguel do espaço, dentre outros gastos. Uma vez que a bilheteria é incerta, o lucro esperado com a produção desses eventos vem do próprio número de bailarinas não profissionais inscritas. As organizadoras desses eventos precisam operar com noções de justiça para fazê-los girar. O valor justo ofertado às alunas, portanto, condiz com a oportunidade de se apresentar ao lado de “estrelas” em um lugar reconhecido.

A necessidade de “pagar para se apresentar” não cessa necessariamente com o ganho de profissionalização e reconhecimento. Saraus, como mencionei anteriormente, são eventos mais contumazes (considerando que muitas bailarinas profissionais organizam vários saraus anualmente, pode-se contar com vários desses eventos mensalmente). É necessário às próprias bailarinas profissionais, no entanto, estar em evidência. Há sempre um evento de reputação mais elevada em que é preciso aparecer vez ou outra. A mesma lógica permeia a participação em festivais. Dispondo de várias categorias, que vão das infantis às profissionais, operam igualmente como espaços de projeção e dependem de inscrições e bilheteria para sua viabilidade. Tal bilheteria, note-se, provém igualmente de um público engajado (alunas, parentes, amigos etc.).

Não há, portanto, uma relação de interdependência, na qual o grupo de alunas de determinada profissional a sustenta exclusivamente, remunerando-a por suas aulas ou garantindo a bilheteria de seus espetáculos. Verdadeiramente, é através do convívio presencial (aulas, apresentações, festivais) e virtual (blogs, vlogs24 24 Vlog é a abreviação de videoblog (vídeo + blog), um tipo de blog em que os conteúdos predominantes são os vídeos. A grande diferença entre um vlog e um blog está mesmo no formato da publicação. Ao invés de publicar textos e imagens, o vlogger ou vlogueiro faz vídeos sobre o assunto que deseja tratar. , sites, páginas pessoais no Facebook) que as alunas tomam contato com outras profissionais e transitam pelo campo.

Assim, se uma aluna inicia seu aprendizado com determinada bailarina ou escola, entra em contato com outras alunas, por vezes provindas de outras escolas, cujos nomes passará a conhecer; quando passa a frequentar saraus, noites e festivais, começa a se familiarizar com o trabalho de outras profissionais com quem poderá ter aulas algum dia; ao buscar informações na internet encontra desde os canais das próprias bailarinas, sites de outros profissionais, tais como músicos, vendedores de roupas e acessórios, donos de restaurantes, dentre outros. Em resumo, essa aluna pode ter escolhido fazer aulas com determinada professora, mas, à medida que transita pelo campo, consome de várias fontes, dando sustentação a outras pessoas. Assim, essas alunas formam uma larga base de consumo, sustentando uma cadeia de profissionais que se afunila de acordo com seu grau de especialização. “É a dança que sustenta a dança”, como dizia Ila Cassandra.

As relações que as alunas criam com essa estrutura de mercado são as mais diversas. Algumas preferem continuar eternamente como alunas, desfrutando da segurança, do conforto e do sentimento de irmandade que geralmente se criam em sala de aula. Há também aquelas que, quando percebem que se profissionalizar demanda investimento, desistem. Já presenciei reações de alunas que se diziam incomodadas com a situação de ter de “pagar para dançar”, questionando se não deveria ser exatamente o contrário e abandonando a ideia de profissionalização. As que persistem são aquelas que se inscrevem nos saraus, competições e festivais e, ainda que se queixem pelos valores que precisam gastar, o fazem mesmo assim. Não há de fato outro caminho. Para essas, há diversas motivações envolvendo sensação de liberdade no palco, autodesafio, desejo de “viver da dança”, além do tão enunciado empoderamento feminino - assunto profundamente complexo e que deverá ser tratado em outra ocasião.

As percepções das profissionais são igualmente diversificadas, ainda que compartilhem da ideia de que “é a dança que sustenta a dança”. Compreendem os encadeamentos que sustentam a cena e assumem suas posições. Algumas se entendem no andar do meio da pirâmide, reconhecendo o suporte de suas alunas e mapeando patamares mais elevados, cientes de que para alcançá-los é preciso sustentá-los inicialmente. Em se tratando de um mercado que quase completa quatro décadas, as pessoas que estão no “topo” são geralmente precursoras. Algumas de suas enunciações, que buscam legitimar suas posições, já foram mencionadas, como as declarações de Lulu from Brazil sobre o porquê de manter um “selo de qualidade”, ou as de Shalimar Mattar sobre a importância dos festivais e das competições. Há ainda bailarinas que preferem criar suas próprias pirâmides, mantendo-se à margem dos espaços de referência - Casa de Chá Khan el Khalili; Festival Shimmie, Festival Mercado Persa - e desenvolvendo linhas independentes de trabalho.

As motivações das praticantes da dança, não importando se alunas ou professoras, são também objeto de reflexão das bailarinas profissionais. Cristina Antoniadis, dona da escola Pandora Danças, me revelou certa vez que antigamente as noivas contratavam bailarinas do ventre profissionais para dançar em suas festas. Hoje em dia, essas mesmas noivas a procuram para dar workshops relâmpago e dançarem elas próprias em seus casamentos, o que Cristina entende como sintoma de uma “sociedade do selfie”, usando aqui suas próprias palavras25 25 O artigo de Jesse Shipley (2015) examina o sentimento contemporâneo do selfie. .

Giselle Kenj teve uma percepção parecida quando foi convidada a participar como instrutora no quadro “Dança dos famosos” do Domingão do Faustão na Rede Globo. Naquela ocasião, tinha uma semana para ensinar a dança do ventre à cantora Luiza Possi. No dia em que retornariam ao programa para apresentar sua dança, Giselle levou uma de suas cobras píton, que a tornaram famosa em São Paulo, para realizar a performance. Luiza Possi se irritou, não permitiu que Giselle se apresentasse com ela, alegando que ela roubaria sua cena ao usar a cobra. Giselle não protestou. Apenas ofereceu o animal para que Luiza entrasse no palco e a instruiu rapidamente. Luiza Possi dançou sozinha no programa, acompanhada apenas de Tot, a cobra píton (GLOBOPLAY, 2017GLOBOPLAY. Domingão do Faustão. Luiza Possi se apresenta como Shakira na final do “Show dos famosos”. Exibição em 2 de julho de 2017. Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/5980538>. Acesso em: maio 2019.
https://globoplay.globo.com/v/5980538...
).

Tanto na fala de Cristina quanto na de Giselle, prevalece o tom de uma tendência recente à supervalorização do selfie. Embora ambas reconheçam que há também outras motivações, demonstram-se apreensivas em relação aos futuros rumos da dança. Nessa imprevisibilidade evidenciam-se as linhas imprecisas de Ingold (2007), cujas progressões nos escapam ao controle. Admitir tal indeterminabilidade não nos impede, no entanto, de perceber relações de reciprocidade e interdependência criadas entre os cruzamentos do presente.

Concluindo esta seção, em que analiso a sustentabilidade da cena da dança do ventre em São Paulo, retomo as reflexões de Marshal Sahlins sobre a introdução do capitalismo em terras colonizadas. Percebendo que, associado aos modos de dominação, assentava-se um projeto de “redução de valores sociais ao preço”, Sahlins (1988a) revela a intenção colonizadora de substituição da lógica da dádiva pela lógica de mercadoria. Sistemas de dádiva, em sua visão, eram “sistemas de mundo” e contrapunham-se ao sistema capitalista que, nos termos já descritos por Marx e Weber, pressupõe a produção do dinheiro e a institucionalização da competição, fundando um terreno estéril para atos de aliança, dádiva ou hospitalidade. A argúcia de Sahlins estava em compreender que os sistemas de dádiva não se rendiam necessariamente ao capitalismo, mas o moldavam de acordo com práticas de reciprocidade já convencionadas. Com esse autor percebemos que a sobrevivência do capitalismo depende da dádiva, dela alimentando-se em algumas instâncias, em outras a destruindo.

Nas tramas que hoje compõem a cena da dança do ventre na capital paulistana, um complexo sistema de trocas e reciprocidade coloca dinheiro, noções de justiça, desejos de empoderamento e sensibilidades em circulação. Se é verdade que uma larga base de alunas/bailarinas iniciantes sustenta um grupo profissional reduzido enquanto consumidoras de seus ensinos, espetáculos e oportunidades de apresentação, por outro lado, essa base jamais teria sequer existido se não fosse a atuação de tal grupo. De igual forma, a sustentabilidade da cena depende das relações de reciprocidade entre esses profissionais. Ainda que concorrentes entre si, associam-se, tornando possíveis grandes eventos como o Mercado Persa ou o Festival Shimmie, produções que raramente partem da iniciativa dos próprios profissionais em outros segmentos de dança (MATOS; NUSSBAUMER, 2016MATOS, Lucia; NUSSBAUMER, Gisele. Mapeamento da dança em São Paulo. In: MATOS, Lúcia; NUSSBAUMER, Gisele (Coord.). Mapeamento da dança: diagnóstico da dança em oito capitais de cinco regiões do Brasil. Salvador: UFBA, 2016, p. 1507-1668.). Desse modo, enquanto “sistema de mundo”, a dança do ventre se organiza como um circuito cultural que praticamente se autossustenta sobre uma base muito particular de reciprocidades e alianças, ainda que tensões e disputas estejam nos entrelaçamentos que as constituem.

Engajamentos

Simultaneamente à finalização da escrita deste artigo, estava frequentando o Festival Shimmie (setembro de 2018), durante o qual me deparei com novas demandas e expectativas no mundo da dança do ventre. Em uma programação paralela à mostra de dança, chamada Fórum Orienta, dentre várias mesas e oficinas em que temas inéditos foram abordados26 26 Pela primeira vez em São Paulo houve um encontro acadêmico, reunindo bailarinas e não bailarinas que têm produzido publicações científicas sobre dança do ventre em diversas áreas de conhecimento. Esse encontro também recebeu a primeira mostra “BellyBlack” de dança, na qual todas as bailarinas eram negras, incorporaram dreadlocs, powerblack, tranças embutidas e outros penteados identitários negros a seus figurinos e lançaram mão de músicas de artistas brasileiros negros para apresentar dança do ventre. , houve uma rodada em particular, a “Rumos da Dança do Ventre”, na qual se discutiam aspectos como a necessidade de portar DRT27 27 DRT, também conhecida como Documento de Registro Técnico, é a sigla de Delegacia Regional do Trabalho. Na prática, “tirar um DRT” significa ser registrado profissionalmente, ter sua profissão regulamentada na sua carteira de trabalho. Esse registro é por vezes requerido quando atores ou bailarinos são empregados por escolas, centros culturais e locais de entretenimento. para fins de contratação por instituições como o Serviço Social do Comércio (Sesc)28 28 Rever nota 2. ou o Serviço Social da Indústria (Sesi)29 29 As unidades do Sesi promovem cursos de educação técnica voltada para a indústria e o comércio, serviços de saúde, programação cultural gratuita ou a preço reduzido para população, além de esportes e lazer. Existem unidades em várias capitais e grandes cidades brasileiras. ; a inexistência da categoria “bailarino” para fins de registro de pessoa jurídica via MEI30 30 Registro de Microempreendedor Individual, criado no Brasil em 2008 para formalizar legalmente trabalhadores informais e para regulamentar uma carga tributária reduzida para eles. ; as recentes iniciativas do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)31 31 É uma entidade privada brasileira de serviço social, sem fins lucrativos, criada em 1972, que objetiva a capacitação de pequenos empresários em todo o país. para promover empreendedorismo em dança; o desconhecimento geral do meio a respeito das políticas governamentais de fomento à cultura32 32 Em São Paulo, artistas podem concorrer a diversos editais culturais lançados pelas secretarias de cultura municipal e estadual, além daqueles lançados pelo Ministério da Cultura. Esses editais oferecem prêmios em diversas modalidades artísticas. Outro recurso são as leis de incentivo fiscal (municipais e estaduais) no modelo da Lei Rouanet (nacional), nas quais empreendimentos artísticos são fomentados pelo setor privado, que tem suas contribuições fiscais reduzidas no mesmo valor investido. , dentre outras questões. As preocupações e interesses externalizados durante esse evento, que reuniu cerca de trinta bailarinas de várias partes do Brasil, revelam uma percepção recente de que a dança precisa sair do nicho e procurar formas de continuidade já usufruídas por outros campos artísticos.

Enquanto fluem esses diálogos, a cena de dança do ventre em São Paulo se mantém à margem das políticas culturais e do público em geral, sustentando-se por meio dos investimentos e audiência dos próprios envolvidos, sejam essas pessoas bailarinas ou não, e pelos engajamentos que as próprias concorrências promovem, em diversas dimensões. Estar nessa margem evita, de certa forma, a competição com outros setores artísticos; não se disputam espaços ou fomentos com artistas de outros estilos, vez que a dança se desenvolve, como demonstrado, por caminhos paralelos.

Na medida em que esses engajamentos produzem a sustentabilidade da cena, vemos como a ideia de localidade, proposta por Ruth Finnegan (1989)FINNEGAN, Ruth. The hidden musicians: music-making in an English town. Cambridge: Cambridge University Press, 1989., se produz a partir de uma prática de dança. Questionando as relações de “origem” que atrelam produções de música a locais determinados, a autora compreende o local como contexto dinâmico no qual podem coexistir diversos estilos de fazer musical. Tais práticas, dentre as quais estou incluindo a dança, acabam delineando laços entre os envolvidos, ressignificando localidades, caso evidente, por exemplo, da Vila Mariana em São Paulo. São, portanto, os engajamentos articulados pelas práticas de música e dança que produzem uma localidade e seus significados, e não o contrário.

Perceba o leitor que a ideia de “margem” nesse campo não significa carência de meios ou recursos para a automanutenção. Muito ao contrário, significa apoiar-se sobre os próprios meios, sejam eles financeiros ou humanos33 33 Durante o Fórum Orienta promovido pelo Festival Shimmie em 2018, uma de suas organizadoras, a empresária Josi Madureira, mencionou em sua palestra que conheceu bailarinas que chegam a faturar entre R$ 8.000 e R$ 10.000 mensais e que desconhecia profissionais de outros segmentos de dança em São Paulo que ganhassem a mesma quantia. . A observação de outras cenas artísticas (canto coral, bandas de garagem, grupos de hip-hop, grupos de cultura popular) mostra que seus processos não são tão diferentes. Com maior ou menor necessidade, com maior ou menor circulação de dinheiro, essas cenas se sustentam pelo envolvimento humano, sendo o público também formado pelos artistas da cena, tornando as proposições de Finnegan (1989, p. 3)FINNEGAN, Ruth. The hidden musicians: music-making in an English town. Cambridge: Cambridge University Press, 1989. ainda mais acertadas para o entendimento dessas dinâmicas.

O fator afetivo presente nessas interações não é de pouco peso aqui. Como mostra o artigo de Britta Sweers (2018)SWEERS, Britta. Protestant-Lutheran choir singing in Northern Germany: dimensions of presentational musicking in local community. In: REILY, Suzel; BRUCHER, Katherine. The routledge companion to the study of local musicking. Routledge: New York/ Oxon, 2018, p. 29-42., que discute envolvimentos afetivos em repertórios musicais que, de acordo com proposições de Thomas Turino (1993TURINO, Thomas. Moving away from silence: music of the Peruvian altiplano and the experience of urban migration. Chicago: The University of Chicago Press, 1993. ; 2008)_____. Music as social life: the politics of participation. Chicago: The University of Chicago Press, 2008, poderiam ser considerados “apresentacionais”34 34 A noção de música “apresentacional” (presentational music), elaborada por Thomas Turino (1993; 2008), refere-se a uma performance na qual há uma nítida separação performers e público, não sendo apropriadas as manifestações sonoras ou cinéticas deste último. , mesmo em performances em que públicos não são convidados a tomar parte ou em cujos ensaios o maior valor é a excelência da performance, em detrimento da interação social, formas de interação afetiva são igualmente motrizes e agem como forças perpetuadoras. Em sua análise das performances de corais religiosos amadores na Alemanha, Sweers percebe que a relação dos performers com o público das igrejas é substancialmente próxima. Muito embora a interação desses últimos não possa nem mesmo ser expressa em aplausos em alguns casos (censurados em cultos nos quais a performance da música não se dirige ao público, mas é realizada para louvar a Deus), grupos amadores possuem relações muito específicas com suas audiências. Em se tratando de grupos locais, podem ser vizinhos, parentes ou membros da mesma comunidade religiosa de quem está cantando. O amadorismo de certos grupos corais contribui também para que não soem de maneira uniforme, como é o caso dos coros profissionais. Assim, membros da plateia, quando entrevistados, dizem conseguir ouvir vozes específicas, fato que os leva a se identificarem de maneira especial com determinados cantores.

Seja pela identificação no momento da performance, seja pela proximidade previamente estabelecida, o que acontece no caso dos corais é muito similar ao que se passa entre diversos grupos “à margem”. No caso da dança do ventre, como já expliquei, a proximidade é “performada” pelos engajamentos. A identificação, como me explicou Samira Marana, vem por outra via. Bailarina formada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e com experiência em balé clássico, dança contemporânea e algumas danças indianas e gumboot35 35 O gumboot é uma dança sul-africana em que os dançarinos utilizam botas de borracha para produzir sons enquanto executam coreografias batendo com os pés e com as mãos, produzindo uma comunicação potente e poética. , Samira começou a estagiar na escola de dança do ventre de Esmeralda Colabone em 2017. Tendo feito parte de diversas companhias36 36 Dentre elas a Companhia de Dança Ivaldo Bertazzo, a Companhia Gumboot Dance e a Companhia Haiom em Bombaim, Índia. , se apresentado e assistido a muitos espetáculos de dança contemporânea, declara:

A relação com uma bailarina de dança do ventre é muito diferente... na dança contemporânea, o público geralmente não cria relação nenhuma. Aquilo pode ser uma viagem do bailarino, o público não se conecta... Mas a bailarina de dança do ventre está no imaginário, é a Jade, é uma coisa mais próxima. Ela mexe sim com que está assistindo.

Note-se que o público de quem Samira fala é o público engajado, que é diferente do cliente do restaurante árabe que vai jantar sem saber que haverá show. Esse é o público que vai ao local de apresentação por causa do show. Samira se surpreende com esse engajamento: “Numa audição de final de ano, a Esmê [Esmeralda Colabone] coloca muito mais gente num teatro do que eu jamais vi na Funarte, mesmo em show gratuito de dança”.

Arremate

Ao longo deste artigo, procurei demonstrar de que modo agentes imersos em uma cena relativa a um estilo específico de dança interagem de modo a perfazê-la. Descrevendo as atividades de alguns dos envolvidos, busquei mostrar como constroem uma malha de relações, ou a própria cena, por assim dizer. Produzindo seus shows, mantendo suas escolas, participando de festivais e mantendo seus produtos à mostra, esses agentes tecem continuamente suas trajetórias, que vão se entrecruzando ao acaso, produzindo parcerias e concorrências, ambas críticas para que a cena/malha se mantenha viva. Em outras palavras, a existência dessa cena/malha depende diretamente da continuidade das ações dessas pessoas, não havendo nenhuma estabilidade ou continuidade caso deixem de tecer seus fios.

Essa é uma cena em que a concorrência teve papel peculiar. Não que em outros campos estilísticos de dança ela não exista, mas na cena da dança do ventre em São Paulo, no lugar de desagregar, a concorrência foi fator de convergência. Dos festivais às audições para obtenção de certificados, dos restaurantes aos vendedores de figurinos e acessórios, a aproximação entre concorrentes foi fundamental para a sobrevivência da cena, esses ofertantes dependem da existência uns dos outros para sobreviver, por mais que disputem consumidores.

Uma das explicações para isso talvez esteja na marginalidade dessa dança em relação àqueles estilos mais afeitos a fomentos públicos diretos, leis de incentivo fiscal ou espaços de apresentação de “dança” existentes numa cidade como São Paulo. Dispersar-se pela megalópole seria enfrentar o mar aberto de uma diversidade de estilos de dança ofertados por escolas e academias, assim como disputar com eles espaços de apresentação. Às margens da concorrência em mar aberto, os ofertantes desse mercado “pescam no aquário”, produzindo constantemente para um mercado de pessoas já envolvidas de alguma forma com a cena, seja como aluna iniciante, seja como seus parentes, seja como uma bailarina em ascensão, seja como uma profissional.

À maneira de um riad, é necessário adentrar por uma pequena porta - que pode ser a primeira escola ou professora de dança, ou a ida a um espetáculo para assistir à apresentação de uma conhecida - para entrar em contato com a ampla construção repleta de cômodos envolvendo um jardim, escondidos atrás da pequena entrada. Trata-se de uma cena que envolve basicamente pessoas de classe média e conta com recursos privados disponibilizados de acordo com as formas de engajamento, que implicam diretamente em algum tipo de consumo.

Até o momento não contabilizada pelos índices de economia da cultura, a dança do ventre em São Paulo certamente movimenta uma quantidade considerável de recursos financeiros, e talvez essa malha viva se movimente ainda mais livremente por estar na posição de margem. Espero, com esta análise, contribuir para a compreensão de outras cenas, igualmente marginais, que se equilibram e se perpetuam no tempo, lançando mão de mecanismos de sustentação movidos por engajamento e criatividade.

  • 2
    Unidades de esporte, cultura e lazer do Serviço Social do Comércio (Sesc). São várias espalhadas por São Paulo, oferecendo extensa programação cultural subsidiada gratuita ou a preço reduzido para a população. A estrutura é largamente utilizada por artistas de diversas áreas residentes em São Paulo.
  • 3
    A Fundação Nacional de Artes (Funarte) é o órgão responsável, no âmbito do governo federal, pelo desenvolvimento de políticas públicas de fomento às artes visuais, à música, ao circo, à dança e ao teatro. Os principais objetivos da instituição, atualmente vinculada ao Ministério da Cidadania, são o incentivo à produção e à capacitação de artistas, o desenvolvimento da pesquisa, a preservação da memória e a formação de público para as artes no Brasil. Em São Paulo, a fundação está sediada no Complexo Lulu Librandi, na área central da cidade, desde uma reforma realizada em 2007. O espaço recebe eventos de diversos segmentos artísticos e é bastante utilizado por profissionais da dança, oferecendo à população programação cultural gratuita ou a preços reduzidos.
  • 4
    Ainda enquanto realizava minha pesquisa de doutorado, senti a necessidade de criar um exercício de estranhamento para meu próprio corpo, já totalmente imerso na dança dos grupos de Campinas, justamente para poder voltar a refletir sobre aquela dança a partir de fora. A solução foi praticar outro estilo de dança. Escolhendo a dança do ventre, por diferenciar-se dos repertórios de dança afro-brasileiros em diversos aspectos, acabei encontrando um campo social no qual a interação entre corpo e música também propicia aos corpos reestruturações, operando, ao mesmo tempo, como forma expressiva de diversas enunciações dos praticantes.
  • 5
    Pole dance é uma forma de dança que se originou na Inglaterra nos anos 1980 (HOLLAND, 2010HOLLAND, Samantha. Pole dancing, empowerment, and embodiment. New York: Palgrave Macmillan, 2010.). Pode ser praticada de modo sensual ou esportivo, utilizando, como elemento coreográfico e cênico, um poste ou barra vertical sobre o qual o(a) bailarino(a) realiza sua performance. Embora seja comumente associada ao âmbito dos strip clubs, recentemente vem ganhando conotação artística em cabarés e nos circos em espetáculos acrobáticos que não apelam ao erotismo como ferramenta visual. Além disso, tornou-se modalidade olímpica em 2017.
  • 6
    Stiletto é uma dança que surgiu e evoluiu nos Estados Unidos e na Europa no final do século XX e início do século XXI. Seu nome deriva de um modelo de sapato feminino de salto agulha bem alto, utilizado pelos bailarinos durante a performance. Apresentada de forma artística ou em night-clubs, a dança se inspira no hip-hop e no jazz. Cantoras pop como Madonna, Britney Spears, Beyoncé e o grupo The Pussycat Dolls usam largamente esse estilo em seus videoclipes. Há também grupos masculinos que o performam, muitas vezes como militância artística ligada a movimentos LGBT (PHILLIPS, 2010PHILLIPS, Erica E. These workouts offer a chance to really pump it up: exercising in high heels requires solid footing; “they’re getting taller”. The Wall Street Journal, Jan. 31, 2013.)
  • 7
    Localizado na Vila Carrão, o Dunas Bar é o local onde desde 2001 a bailarina Giselle Kenj dirige a programação semanal de noites árabes com dança do ventre e música ao vivo. Seus donos não são árabes, mas contrataram Giselle e banda (formada por Mohamad Azrapor, Gege Mouzayek, Thiago Faruk e convidados) por admirarem seu trabalho. O cardápio árabe e a programação oferecida às quartas e domingos no bar sempre atraem descendentes de árabes residentes na zona leste.
  • 8
    Também localizado na Vila Carrão, o El Maktub pertence à família de Alfredo e Kadige Kadri Caramelo. Também possui uma programação de noites árabes nas quais se apresentam bailarinas, o grupo folclórico de Dabke Yalla Shabab e, ocasionalmente, o cantor Tony Mouzayek.
  • 9
    Batizada como Teresa Carnicelli, a carioca que mais tarde adotaria o nome artístico de Samira Samia, veio morar com a família em São Paulo na infância. Conta, em sua biografia, que só pôde começar a dançar após adulta e que sua insistência a levou a se separar do marido aos 37 anos. Iniciou sua carreira em clubes, restaurantes, buffets e festas da comunidade árabe de São Paulo. Autodidata, diz te ganho muito dinheiro quando iniciou, chegando mesmo a fazer shows para a TV nos anos 1980.
  • 10
    Festivais não se concentram na Vila Mariana; são realizados em locais próprios para eventos em São Paulo, que podem variar anualmente. Mesmo assim, a Vila Mariana permanece como um local de concentração de pessoas e atividades regulares ao longo do ano.
  • 11
    Entrevista concedida em janeiro de 2018.
  • 12
    Essa dimensão se refere ao número de pessoas que frequenta o Mercado Persa. Há, no entanto, festivais fora do Brasil com maior duração (sete ou oito dias) ou que concentram mais pessoas advindas de outras partes do mundo.
  • 13
    Mostra Cultural Arte e Magia (2000); E-ventre: Encontro de Dança do Ventre (2004); Ventre Mania (2006), em Osasco - SP; Encontro Sahira Fatin (2007); Luz do Ventre (2008); Festival Oriente - A Mulher e o Sonho (2008); Yalla Festival (2010); Tilim de Dendera (2010), em Guarulhos - SP; São Paulo Bellydance Festival - SPBF (2011); Festival Nacional Shimmie (2011) em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Aracaju; Glam Luxor - Festival Internacional de Dança do Ventre (2011); Dançando com Arte - Interamericano de Danças - CIAD (2014), em Santo André; Expo Dança (2016); Festival Essência (2018) (LOLATO, s. d.LOLATO, Mariana. Conheça os maiores eventos de dança do ventre do Brasil. s. d. Disponível em: <https://www.centraldancadoventre.com.br>. Acesso em: maio 2019.
    https://www.centraldancadoventre.com.br...
    ).
  • 14
    Dentre esses, o Nile Group Festival (2005), com várias edições ao ano em cidades como Cairo, Sharm el Sheikh, e a partir de 2013 levado à China e à Coreia do Sul; Ahlan wa Sahlan (2000), no Cairo; Salamat Masr Festival (2011) Cairo (CENTRAL Dança do Ventre, s. d.CENTRAL Dança do Ventre. Disponível em: <https://www.centraldancadoventre.com.br>. Acesso em: maio 2019.
    https://www.centraldancadoventre.com.br...
    );
  • 15
    Após a criação do Padrão de Qualidade Khan el Khalili, outros certificados foram fabricados por escolas ou bailarinas em São Paulo e outras cidades brasileiras.
  • 16
    Criada em 1990 a partir de uma dissidência com a Casa de Chá Khan el Khalili, o Centro Shangrilá está sob a coordenação artística e pedagógica das bailarinas Lulu from Brazil e Málak Alaoni. A sede está localizada a 300 metros da Casa de Chá, tendo sido essa separação a última etapa de uma divisão de bens e negócios entre Lulu e seu ex-marido, Jorge Sabongi, proprietário do Khan el Khalili.
  • 17
    A rede Habib’s se inicia em 1988 no centro de São Paulo (HABIB’S, 2019HABIB’S. In: Wikipédia, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2019. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Habib%27s>. Acesso em: maio 2019.
    https://pt.wikipedia.org/wiki/Habib%27s...
    ).
  • 18
    Hoje em dia muitas escolas de dança e até mesmo os saraus emitem selos de qualidade.
  • 19
    Em obra recentemente lançada e rapidamente traduzida para o português (2012), Latour retoma a questão das conectividades intencionais, negando essa interpretação de sua obra e afirmando que a teoria ator-redes também admite imprevisibilidades.
  • 20
    Em suas mais recentes pesquisas, Ingold tem explorado três temas, todos decorrentes de seu trabalho anterior sobre a percepção do ambiente: a dinâmica de movimento das pessoas (linhas de devir), a criatividade da prática, e a linearidade da escrita. Esses temas se reúnem em seu projeto “Explorations in the comparative anthropology of the line”, que parte da premissa de que o caminhar, o observar e o escrever têm em comum a ideia de passar ao longo de linhas.
  • 21
    A coleção, que tornou Tony célebre, propõe releituras de clássicos dos anos 1950, que tiveram grande exposição no cinema egípcio da mesma época. Essas canções, geralmente longas e acompanhadas de orquestras árabes, foram reinterpretadas utilizando arranjos para instrumentos mais modernos (teclado, guitarra, baixo elétrico, além de outros como o derbake, tabla e daff) e com ênfases rítmicas que tornaram as músicas apropriadas para a dança do ventre contemporânea.
  • 22
    Os snujs são címbalos de metal, usados um par em cada mão. Um deles se prende ao dedo médio, e o outro, ao dedão por meio de um elástico. O som deles é produzido pelo bater dessas duas partes, e a bailarina pode tocá-los enquanto dança em certos estilos, para destacar o ritmo.
  • 23
    Ver mais adiante as reflexões da bailarina Samira Marana sobre a cena de dança contemporânea, por exemplo.
  • 24
    Vlog é a abreviação de videoblog (vídeo + blog), um tipo de blog em que os conteúdos predominantes são os vídeos. A grande diferença entre um vlog e um blog está mesmo no formato da publicação. Ao invés de publicar textos e imagens, o vlogger ou vlogueiro faz vídeos sobre o assunto que deseja tratar.
  • 25
    O artigo de Jesse Shipley (2015)SHIPLEY, Jesse Weaver. Selfie love: public lives in an era of celebrity pleasure, violence, and social media. American Anthropologist, v. 117, n. 2, jun. 2015, p. 403-413. examina o sentimento contemporâneo do selfie.
  • 26
    Pela primeira vez em São Paulo houve um encontro acadêmico, reunindo bailarinas e não bailarinas que têm produzido publicações científicas sobre dança do ventre em diversas áreas de conhecimento. Esse encontro também recebeu a primeira mostra “BellyBlack” de dança, na qual todas as bailarinas eram negras, incorporaram dreadlocs, powerblack, tranças embutidas e outros penteados identitários negros a seus figurinos e lançaram mão de músicas de artistas brasileiros negros para apresentar dança do ventre.
  • 27
    DRT, também conhecida como Documento de Registro Técnico, é a sigla de Delegacia Regional do Trabalho. Na prática, “tirar um DRT” significa ser registrado profissionalmente, ter sua profissão regulamentada na sua carteira de trabalho. Esse registro é por vezes requerido quando atores ou bailarinos são empregados por escolas, centros culturais e locais de entretenimento.
  • 28
    Rever nota 2 2 Unidades de esporte, cultura e lazer do Serviço Social do Comércio (Sesc). São várias espalhadas por São Paulo, oferecendo extensa programação cultural subsidiada gratuita ou a preço reduzido para a população. A estrutura é largamente utilizada por artistas de diversas áreas residentes em São Paulo. .
  • 29
    As unidades do Sesi promovem cursos de educação técnica voltada para a indústria e o comércio, serviços de saúde, programação cultural gratuita ou a preço reduzido para população, além de esportes e lazer. Existem unidades em várias capitais e grandes cidades brasileiras.
  • 30
    Registro de Microempreendedor Individual, criado no Brasil em 2008 para formalizar legalmente trabalhadores informais e para regulamentar uma carga tributária reduzida para eles.
  • 31
    É uma entidade privada brasileira de serviço social, sem fins lucrativos, criada em 1972, que objetiva a capacitação de pequenos empresários em todo o país.
  • 32
    Em São Paulo, artistas podem concorrer a diversos editais culturais lançados pelas secretarias de cultura municipal e estadual, além daqueles lançados pelo Ministério da Cultura. Esses editais oferecem prêmios em diversas modalidades artísticas. Outro recurso são as leis de incentivo fiscal (municipais e estaduais) no modelo da Lei Rouanet (nacional), nas quais empreendimentos artísticos são fomentados pelo setor privado, que tem suas contribuições fiscais reduzidas no mesmo valor investido.
  • 33
    Durante o Fórum Orienta promovido pelo Festival Shimmie em 2018, uma de suas organizadoras, a empresária Josi Madureira, mencionou em sua palestra que conheceu bailarinas que chegam a faturar entre R$ 8.000 e R$ 10.000 mensais e que desconhecia profissionais de outros segmentos de dança em São Paulo que ganhassem a mesma quantia.
  • 34
    A noção de música “apresentacional” (presentational music), elaborada por Thomas Turino (1993TURINO, Thomas. Moving away from silence: music of the Peruvian altiplano and the experience of urban migration. Chicago: The University of Chicago Press, 1993. ; 2008)_____. Music as social life: the politics of participation. Chicago: The University of Chicago Press, 2008, refere-se a uma performance na qual há uma nítida separação performers e público, não sendo apropriadas as manifestações sonoras ou cinéticas deste último.
  • 35
    O gumboot é uma dança sul-africana em que os dançarinos utilizam botas de borracha para produzir sons enquanto executam coreografias batendo com os pés e com as mãos, produzindo uma comunicação potente e poética.
  • 36
    Dentre elas a Companhia de Dança Ivaldo Bertazzo, a Companhia Gumboot Dance e a Companhia Haiom em Bombaim, Índia.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2018
  • Aceito
    21 Jul 2019
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