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Concentração de vitamina A no leite humano maduro

Resumos

OBJETIVO: Quantificar a concentração de vitamina A no leite maduro de nutrizes assistidas em maternidade pública no município do Rio de Janeiro e avaliar a sua relação com variáveis sociodemográficas e grau de conhecimento de nutrição. MÉTODOS: Para a quantificação do retinol, foram coletadas amostras de 10 mL de leite maduro. Os pontos de corte adotados para identificação da deficiência de vitamina A e constituição de reserva hepática foram de < 1,05 µmol/L e > 2,3 µmol/L, respectivamente. Foram avaliadas, ainda, as variáveis: grau de conhecimento de nutrição, sexo, idade, renda familiar, escolaridade, condições de saneamento básico, número de moradores na residência, idade materna e assistência pré-natal. Resultados: Participaram do estudo 196 nutrizes, com concentração média de vitamina A no leite maduro de 1,76±0,85 µmol/L e prevalência de 20,5% de deficiência de vitamina A. Não houve diferença na concentração de vitamina A no leite das nutrizes segundo as variáveis sociodemográficas e conhecimento de nutrição. Apenas 38,9% das nutrizes apresentavam concentração de vitamina A no leite suficiente para constituição de reserva hepática dos lactentes. RESULTADOS: Participaram do estudo 196 nutrizes, com concentração média de vitamina A no leite maduro de 1,76±0,85 µmol/L e prevalência de 20,5% de deficiência de vitamina A. Não houve diferença na concentração de vitamina A no leite das nutrizes segundo as variáveis sociodemográficas e conhecimento de nutrição. Apenas 38,9% das nutrizes apresentavam concentração de vitamina A no leite suficiente para constituição de reserva hepática dos lactentes. CONCLUSÕES: Os achados aqui apresentados revelam alta prevalência de inadequação do estado nutricional de vitamina A materno e do lactente, concordante com a prevalência nacional descrita em mulheres em idade fértil e crianças brasileiras, e que as medidas de intervenção para combate à carência devem ser estendidas a todas as gestantes e puérperas, independentemente das condições sociodemográficas e do grau de conhecimento de nutrição, visando melhorar a saúde do binômio mãe/filho.

Vitamina A; leite humano; renda; escolaridade materna


OBJECTIVE: To quantify vitamin A levels in mature milk of 196 nursing women who were treated at the Maternity School of Rio de Janeiro and to evaluate its correlation with sociodemographic variables and degree of nutrition knowledge. METHODS: To quantify retinol concentrations, 10 mL of mature milk were collected by manual expression of one breast, 2 hours after the last feed, in the morning period. Values below 1.05 µmol/L and 2.3 µmol/L were considered inadequate to meet satisfactory intake and to constitute vitamin A liver reserve, respectively. The following variables were also assessed: sex, age, familiar income, maternal education, basic sanitation conditions, number of people in the household, maternal age, prenatal care, and degree of nutrition knowledge. RESULTS: Among the 196 lactating mothers analyzed, the average vitamin A concentration observed in mature milk was 1.76±0.85 µmol/L and prevalence of vitamin A deficiency was observed in 20.5% mothers. There was no significant difference between vitamin A levels in maternal milk and the variables socioeconomic status and nutrition knowledge. Only 38.9% of lactating women presented enough vitamin A concentrations in milk for the infants' liver reserves (2.3 µmol/L). CONCLUSIONS: These findings reveal high prevalence of inadequate vitamin A nutritional status of mothers and infants, consistent with the national prevalence reported in women of childbearing age and Brazilian children, and that the intervention measures to fight this shortage should be extended to all pregnant and postpartum women, regardless of sociodemographic conditions and degree of nutrition knowledge, in order to improve the health of mother and child.

Vitamin A; human milk; income; maternal education


ARTIGO ORIGINAL

Concentração de vitamina A no leite humano maduro

Gisele SouzaI; Cláudia SaundersII; Manuela DolinskyIII; Juliana QueirozIV; Aline CamposV; Andrea RamalhoVI

IDoutoranda, Clínica Médica, Faculdade de Medicina, Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ. Pesquisadora, Núcleo de Pesquisa em Micronutrientes (NPqM), INJC, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ

IIDoutora, Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Rio de Janeiro, RJ. Professor adjunto, Departamento de Nutrição e Dietética, INJC, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ. Coordenadora, Grupo de Pesquisa em Saúde Materna e Infantil (GPSMI), NPqM, INJC, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ

IIIDoutora, Ciências da Nutrição, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. Professor adjunto, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ

IVNutricionista. Mestranda em Nutrição, Programa de Pós-Graduação em Nutrição, INJC, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ. Pesquisadora, GPSMI, NPqM, INJC, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ

VNutricionista. Doutoranda, Nutrição, Programa de Pós-Graduação em Nutrição, INJC, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ. Pesquisadora, GPSMI, INJC, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ

VIDoutora, Ciências, Escola Nacional de Saúde Pública, FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ. Professor titular, Departamento de Nutrição Social e Aplicada, INJC, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ. Coordenadora, NPqM, INJC, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ

Correspondência Correspondência: Aline Bull F. Campos Rua Dois de Dezembro, 66/1004, Flamengo CEP 22220-040 - Rio de Janeiro, RJ Tel.: (21) 2245.5779, (21) 9832.5509 E-mail: alinebull@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Quantificar a concentração de vitamina A no leite maduro de nutrizes assistidas em maternidade pública no município do Rio de Janeiro e avaliar a sua relação com variáveis sociodemográficas e grau de conhecimento de nutrição.

MÉTODOS: Para a quantificação do retinol, foram coletadas amostras de 10 mL de leite maduro. Os pontos de corte adotados para identificação da deficiência de vitamina A e constituição de reserva hepática foram de < 1,05 µmol/L e > 2,3 µmol/L, respectivamente. Foram avaliadas, ainda, as variáveis: grau de conhecimento de nutrição, sexo, idade, renda familiar, escolaridade, condições de saneamento básico, número de moradores na residência, idade materna e assistência pré-natal. Resultados: Participaram do estudo 196 nutrizes, com concentração média de vitamina A no leite maduro de 1,76±0,85 µmol/L e prevalência de 20,5% de deficiência de vitamina A. Não houve diferença na concentração de vitamina A no leite das nutrizes segundo as variáveis sociodemográficas e conhecimento de nutrição. Apenas 38,9% das nutrizes apresentavam concentração de vitamina A no leite suficiente para constituição de reserva hepática dos lactentes.

RESULTADOS: Participaram do estudo 196 nutrizes, com concentração média de vitamina A no leite maduro de 1,76±0,85 µmol/L e prevalência de 20,5% de deficiência de vitamina A. Não houve diferença na concentração de vitamina A no leite das nutrizes segundo as variáveis sociodemográficas e conhecimento de nutrição. Apenas 38,9% das nutrizes apresentavam concentração de vitamina A no leite suficiente para constituição de reserva hepática dos lactentes.

CONCLUSÕES: Os achados aqui apresentados revelam alta prevalência de inadequação do estado nutricional de vitamina A materno e do lactente, concordante com a prevalência nacional descrita em mulheres em idade fértil e crianças brasileiras, e que as medidas de intervenção para combate à carência devem ser estendidas a todas as gestantes e puérperas, independentemente das condições sociodemográficas e do grau de conhecimento de nutrição, visando melhorar a saúde do binômio mãe/filho.

Palavras-chave: Vitamina A, leite humano, renda, escolaridade materna.

Introdução

A deficiência de vitamina A (DVA) afeta inúmeros processos fisiológicos, como crescimento e reprodução, o que coloca essa vitamina como nutriente em destaque durante a gestação e lactação, devido ao aumento da sua necessidade para garantir as demandas relacionadas ao processo reprodutivo1.

Atualmente, sabe-se que a DVA subclínica aumenta a susceptibilidade a processos infecciosos, podendo provocar quadros de imunodeficiência de origem nutricional, além de agravar quadros diarréicos. Calcula-se que a cada minuto morra uma criança de causa direta ou indiretamente atribuível à DVA1.

Ao nascer, o recém-nascido apresenta limitada reserva hepática de vitamina A devido ao controle homeostático materno, que regula a transferência placentária da vitamina A para o feto e evita que altas concentrações sejam transferidas. O estoque hepático do recém-nascido pode ser aumentado durante o aleitamento materno, caso a nutriz apresente ingestão dietética ou reserva hepática adequada de vitamina A, assim como produção de leite em concentração e volume adequado2.

Durante os primeiros 6 meses de lactação, as necessidades maternas de vitamina A aumentam, tornando-se maiores que as da gestação3, e sua transferência de mãe para filho aumenta cerca de 60 vezes comparada à acumulação feita pelo feto durante a gestação4, configurando o momento de maior demanda nutricional de vitamina A3.

O conteúdo de vitamina A no leite humano é variável e possivelmente influenciado pela ingestão materna e por fatores como idade na concepção e no pós-parto, paridade e situação socioeconômica da mãe5. Apesar de a literatura apontar possível interferência dos fatores socioeconômicos sobre a concentração de vitamina A no leite materno, são escassos trabalhos que avaliem tais associações.

Considerando a relevância do estado nutricional de vitamina A materno adequado e seu impacto sobre a saúde do lactente, o presente estudo teve como objetivo descrever a concentração de vitamina A no leite maduro de nutrizes atendidas em uma maternidade pública no município do Rio de Janeiro, sua relação com variáveis sociodemográficas e grau de conhecimento materno sobre nutrição, como forma de contribuir para o cuidado nutricional e de saúde do binômio mãe/filho.

Métodos

O presente trabalho foi realizado em maternidade pública do Rio de Janeiro, que atende gratuitamente mulheres com características semelhantes à clientela de gestantes/puérperas adultas e adolescentes atendidas em outras unidades do Rio de Janeiro.

A captação das puérperas ocorreu na consulta de retorno do pós-parto na unidade. As mulheres que atendiam aos critérios de inclusão no estudo – ter tido gestação de feto único, parto a termo, não ter utilizado suplemento contendo vitamina A durante a gestação e/ou na lactação, estar em aleitamento materno exclusivo e aceitar participar do estudo assinando o termo de consentimento livre e esclarecido – tiveram uma consulta agendada no Serviço de Nutrição da unidade para encaminhamento ao Banco de Leite da Unidade em torno do 30º dia pós-parto e em aleitamento materno exclusivo. Na coleta de dados, realizada por equipe de pesquisadores treinados e supervisionados, foram utilizados instrumentos pré-testados em estudo piloto.

A amostra estudada foi constituída por 196 nutrizes e seus respectivos lactentes, atendidos na unidade no período de setembro de 2000 a março de 2001, representando 28% da população atendida no período do estudo.

Foi considerado aleitamento materno exclusivo quando a criança recebia somente leite materno, diretamente da mama ou extraído, e nenhum outro líquido ou sólido, com exceção de gotas ou xaropes de vitaminas, minerais e/ou medicamentos6.

Foram coletadas amostras de leite materno maduro (10 mL) pela manhã, após jejum mínimo de 8 horas, por aspersão manual, pela própria nutriz, após limpeza da mama com água destilada7. As amostras foram acondicionadas em recipientes esterilizados e preferencialmente obtidas do seio não sugado na última mamada, mantendo-se um intervalo de, aproximadamente, 2 horas entre a última mamada e a coleta da amostra.

A coleta de leite foi feita diretamente em frascos de polipropileno com tampa de rosca, envolvidos em papel alumínio, previamente lavados e imersos por 24 horas em detergente extraneutro, enxaguados com água deionizada e colocados em solução de ácido nítrico (1:1) por 24 horas7. As amostras de leite coletadas foram submetidas a rigoroso controle de luz e temperatura para evitar perdas de retinol e carotenóides. Posteriormente, alíquotas de leite foram congeladas a -20 ºC até o momento das análises.

Para determinação das concentrações de retinol no leite materno, foi utilizado o método de cromatografia líquida de alta eficiência, segundo técnica descrita por Hess et al.8. Visto que o retinol não é padrão primário, realizou-se a determinação da concentração de uma solução de acetato de retinol em metanol, construindo-se uma curva padrão, segundo os procedimentos do controle de qualidade recomendado pelo Grupo Internacional Consultor de Vitamina A9.

Para diagnóstico da DVA, foi adotado ponto de corte < 1,05 µmol/L de leite (30,0 µg/dL), sugerido pela Organização Mundial da Saúde (OMS)10. Para análise da ingestão diária de vitamina A, foi calculado o volume médio de ingestão diária de leite, tomando por base a média de necessidade calórica diária dos lactentes participantes do estudo.

Para determinação da necessidade energética diária, multiplicou-se a média de peso dos lactentes obtida na primeira consulta pós-parto por 116 kcal, valor correspondente à necessidade energética para essa faixa etária11. Considerando que o leite materno contém, aproximadamente, 70 kcal/100 mL11 e tomando por base a média de necessidade calórica dos lactentes, foi possível estimar o volume médio diário de leite materno ingerido pelos lactentes.

A partir da concentração de vitamina A encontrada no leite materno e do volume médio de ingestão dos lactentes, foi possível estimar a ingestão média de vitamina A pelos lactentes e comparar esta à ingestão proposta pelo Institute of Medicine (IOM)3 e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)12, sendo de 400 µg retinol (RE)/dia e 375 µg RE/dia, respectivamente.

A concentração de vitamina A no leite materno também foi avaliada, segundo o atendimento à necessidade diária para a constituição de reserva hepática para recém-nascidos. Foram utilizados os pontos de corte sugeridos por Stoltzfus & Underwood4, que indicam uma concentração mínima de vitamina A no leite materno de 2,3 µmol/L para constituição dessa reserva.

As variáveis sociodemográficas e ambientais foram obtidas através de um questionário estruturado, aplicado em entrevista com as nutrizes, sendo elas: sexo, renda familiar per capita, grau de escolaridade materna, condições de saneamento básico da moradia, número de moradores na residência, idade materna e assistência pré-natal.

O nível de escolaridade materna foi estratificado em não alfabetizadas, ensino fundamental incompleto e completo, ensino médio incompleto e completo, nível superior.

A renda familiar mensal per capita foi calculada pela soma das rendas individuais de pessoas da família, expressa em dois grupos: < 1,0 salário mínimo (SM) e > 1 SM.

Com relação às condições de saneamento básico, consideraram-se como adequadas quando a moradia possuía fornecimento de água com canalização interna, presença de rede de esgoto e coleta de lixo regular, e inadequadas quando não possuía um desses serviços.

A assistência pré-natal foi considerada adequada caso a gestante tenha participado de seis consultas ou mais durante a gestação13.

O grau de conhecimento de nutrição foi avaliado através de questionamento às nutrizes sobre alimentos que não deveriam faltar na alimentação e sobre a inclusão e exclusão de alimentos durante a gestação e lactação14. Na análise do grau de conhecimento de nutrição, compararam-se os alimentos citados, considerando os grupos de alimentos sugeridos pelo Daily Food Guide e pelo United States Department of Agriculture, utilizado como guia prático para planejamento de refeições de indivíduos sadios15. Tais grupos foram divididos em: 1) Grupo do leite: leite e derivados lácteos; 2) Grupo da carne: carnes, aves, peixes, embutidos, vísceras, miúdos, ovos, leguminosas e oleaginosas; 3) Grupo das frutas e hortaliças: vegetais folhosos verdes, de raízes, talos ou bulbos e frutas; 4) Grupo de pães e cereais: arroz, trigo, aveia, cevada, milho, centeio, farinhas e derivados.

Investigou-se também a presença de tabus e restrições alimentares durante a gestação e lactação, através de questionários com perguntas semiabertas, no qual as nutrizes responderam sobre hábitos e restrições alimentares durante os períodos de interesse.

O grau de conhecimento foi categorizado em: bom (citação de três ou quatro grupos de alimentos necessários para compor uma dieta equilibrada e nenhuma de tabus alimentares), regular (citação de dois ou três grupos de alimentos, com repetição de alimentos do mesmo grupo e/ou citação de tabus alimentares) e insuficiente (citação de apenas um grupo de alimentos, de alimentos do mesmo grupo e de tabus alimentares)14.

O estudo ocorreu respeitando-se os aspectos éticos previstos pelo Conselho Nacional de Saúde16 após a sua aprovação pelo Comitê de Ética da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (parecer nº 435/01). As nutrizes participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram aplicados teste t de Student para avaliação da igualdade de médias e teste qui-quadrado para verificar associações entre variáveis categóricas. O nível de significância estabelecido foi de probabilidade menor que 5%. As análises foram realizadas no programa SPSS for Windows versão 13.

Resultados

Participaram do estudo 196 nutrizes, com média de idade de 27,45±6,8 anos, onde 78,5% encontravam-se na faixa de 20 a 35 anos de idade. Dentre os recém-nascidos, 54,6% eram do sexo masculino e 45,4% do sexo feminino.

A distribuição da amostra segundo as variáveis socioeconômicas encontram-se descritas na Tabela 1. A maioria das nutrizes teve acompanhamento pré-natal (97,9%), com média de 8,98±3,47 consultas, porém apenas 6,4% recebeu orientação nutricional.

A concentração média de vitamina A no leite maduro foi de 1,76±0,85 µmol/L, com prevalência de 20,5% de DVA nas nutrizes e seus respectivos lactentes, segundo o indicador concentração de vitamina A no leite materno. Não houve diferença significativa entre a concentração de vitamina A no leite das nutrizes e as variáveis idade materna, escolaridade materna, renda familiar total e per capita, número de moradores na residência e número de consultas pré-natal (Tabela 2).

Os lactentes apresentaram peso médio de 4.291,31±474,79 g, e sobre esse peso foi estimado o volume médio de ingestão de leite materno, sendo encontrado um volume de 710 mL/dia.

A ingestão média diária de vitamina A ingerida pelos lactentes foi de 357,03±172,43 μg. Mais da metade dos lactentes (50,4%) ingeria uma quantidade de vitamina A abaixo da recomendação de ingestão diária proposta pelo IOM3, e quase metade dos lactentes (46,4%) ingeria vitamina A em quantidades abaixo da recomendação, segundo a ANVISA13. Não houve associação entre a ingestão média de vitamina A pelos lactentes e as variáveis sociodemográficas maternas (Tabela 3).

Quanto à concentração de vitamina A no leite necessária para constituição de reserva hepática, observou-se prevalência de inadequação de 61,1%. Não houve associação significativa entre variáveis sociodemográficas e adequação de vitamina A no leite para constituição de reserva hepática do lactente (Tabela 4).

Com relação ao conhecimento de nutrição, 39,4% foram classificadas como possuindo bom conhecimento, 30,7% regular e 29,9% insuficiente. Não foram encontradas diferenças significativas quanto à concentração de vitamina A no leite das nutrizes, segundo o grau de conhecimento de nutrição (p = 0,35).

Discussão

A DVA é considerada um dos maiores problemas de saúde pública em mulheres em idade reprodutiva, manifestando-se, principalmente, durante a gestação e lactação. Tal deficiência diminui a disponibilidade desse nutriente no leite materno, única fonte alimentar para o lactente em regime de aleitamento materno exclusivo17.

A concentração média de vitamina A observada foi de 1,76±0,85 µmol/L, mostrando-se superior à média encontrada por Menezes & Trugo18 e Góes et al.19, em estudos realizados no leite maduro de nutrizes brasileiras, cuja concentração média encontrada foi 1,4±0 µmol/L e 1,51 µmol/L, respectivamente.

Quando a concentração de vitamina A no leite materno é inferior a 1,05 µmol/L, a reserva corpórea do lactente pode estar abaixo da concentração crítica estimada (17,5 µmol/g) para os requerimentos fisiológicos necessários na segunda metade da infância2. Ao nascimento, os estoques hepáticos de vitamina A do recém-nascido encontram-se extremamente baixos frente ao requerimento pós-natal dessa vitamina, sendo suficientes apenas para os primeiros dias de vida, mesmo quando os estoques maternos são adequados20.

No presente estudo, apenas 38,9% das nutrizes apresentavam concentração de vitamina A no leite suficiente para constituição de reserva hepática dos lactentes (> 2,3 µmol/L). Resultado semelhante foi observado no estudo de Mello-Neto et al.21, realizado no estado de São Paulo, onde apenas 50% das nutrizes apresentaram concentrações adequadas de vitamina A no leite. Tal fato chama a atenção, uma vez que algumas enfermidades, como infecções, são capazes de aumentar a demanda nutricional dessa vitamina, e caso não haja reserva hepática adequada, torna-se possível o desencadeamento da DVA e, consequentemente, todas as repercussões negativas inerentes a essa deficiência.

A ingestão média diária de vitamina A pelos lactentes foi de 357,03 μg retinol/dia, o que representou uma alta prevalência de lactentes com baixa ingestão de vitamina A segundo o IOM3 e segundo a ANVISA12, sendo essa prevalência de 50,4 e 46,47%, respectivamente. Esse resultado difere dos achados de Mello et al.1, que encontraram ingestão adequada dessa vitamina por lactentes segundo a recomendação do IOM3.

Entretanto, o estudo mencionado foi realizado utilizando o colostro, leite mais rico em vitamina A quando comparado ao leite maduro. Porém, o colostro é secretado apenas nos primeiros dias de lactação, e o leite maduro é secretado a partir da terceira semana pós-parto, sendo a concentração de vitamina A estável e mantida dessa forma até o final da lactação. Assim, é importante que a avaliação do estado nutricional de vitamina A do lactente seja realizada utilizando-se o leite maduro.

No estudo de Bezerra et al.22, o fornecimento de vitamina A através do leite maduro de nutrizes residentes na cidade de Natal contribuiu para o fornecimento de apenas 64% da recomendação de vitamina A, segundo o IOM3, mesmo após uma suplementação.

A literatura alerta que no caso de as reservas do lactente continuarem baixas, no nível da reserva hepática ao nascer, as chances de apresentar os agravos determinados pela DVA, sobretudo a deficiência marginal ou subclínica, são maiores, particularmente nos países em desenvolvimento23.

Nesta pesquisa, foi observada prevalência de 20,5% de DVA nas nutrizes e seus respectivos lactentes, sendo essa prevalência reconhecida como moderada pela OMS10. Tal prevalência torna-se ainda mais preocupante uma vez que o estudo excluiu todos os lactentes pré-termos, por ser consensual na literatura o reconhecimento de concentrações menores de vitamina A no leite de mães de recém-nascidos pré-termo, quando comparadas às mães de recém-nascidos a termo24. Dessa forma, é possível que em populações que contemplem tanto recém-nascidos pré-termo quanto a termo, a prevalência de DVA seja ainda mais expressiva, tornando o cenário ainda mais grave.

Ao se avaliar os aspectos epidemiológicos da DVA, observa-se que, com exceção das situações de extrema pobreza, renda e escolaridade, parecem não ter relação na determinação dessa condição carencial. Segundo Van Schaik25, grupos biológicos com nível socioeconômico extremamente baixo passam por severa privação nutricional, porém os recursos gastos na aquisição de alimentos não estão relacionados com a qualidade nutricional da dieta.

Estudos realizados no Rio de Janeiro com gestantes e pré-escolares demonstram que a ingestão inadequada de alimentos fonte de vitamina A é o principal fator etiológico da carência dessa vitamina e que sua exclusão ou baixo consumo estão mais relacionados a questões culturais e hábitos alimentares do que a fatores econômicos26.

Santos et al.27, ao estudarem a prevalência de DVA em pré-escolares do estado da Bahia, demonstraram que apesar de 69% da população estudada apresentar inadequação dos níveis séricos de retinol (< 1,05 µmol/L), a DVA não mostrou associação com escolaridade materna ou renda familiar per capita. Resultados semelhantes foram observados por Dimenstein et al.28 e Vítolo et al.7 ao investigarem a associação da concentração de vitamina A no leite materno em nutrizes brasileiras com variáveis socioeconômicas.

A ausência da associação entre variáveis socioeconômicas e concentração de vitamina A no leite maduro corrobora a tese de que a ingestão inadequada dos alimentos fonte de vitamina A seria o principal fator etiológico, em nível epidemiológico, da DVA26. Outro fator que reforça tal tese é que os estudos em que foi demonstrada a influência da condição socioeconômica materna sobre a concentração de vitamina A no leite foram realizados principalmente em populações vivendo em extrema pobreza, com elevada frequência de manifestações clínicas de DVA28.

Ressalta-se que a baixa ingestão de alimentos fonte dessa vitamina pode não estar relacionada ao baixo conhecimento de nutrição observado. A falta de associação entre concentração de vitamina A no leite materno, estado socioeconômico e conhecimento sobre nutrição aponta para o fato de que as nutrizes podem estar em risco para a DVA e reafirma a necessidade de intervenções nutricionais para esse grupo populacional.

A suplementação de vitamina A em gestantes e/ou puérperas que apresentam DVA ganha cada vez mais espaço na atenção pré-natal e no pós-parto imediato, sobretudo quando fatores que afetam a ingestão dietética estão presentes. Os resultados obtidos em estudos intervencionais sobre suplementação de vitamina A durante a gestação e no pós-parto imediato têm sido animadores, apontando benefícios decorrentes do atendimento às necessidades dessa vitamina25,29.

Tais achados têm subsidiado ações do Ministério da Saúde, que recomenda a suplementação de vitamina A para nutrizes no pós-parto imediato e para lactentes entre 6-59 meses de idade, nas áreas consideradas de risco para a DVA30. Porém, diversos estudos apontam prevalências preocupantes de DVA fora da área de cobertura do programa, que precisam ser valorizadas20,26,28.

Outro fato preocupante é que no Brasil não existem programas de assistência nutricional à nutriz. Durante as consultas de puericultura, a atenção é dirigida, em grande parte, ao lactente. Torna-se ainda mais necessária a implementação de ações de orientação nutricional, que visem, além do atendimento às necessidades energético-protéicas da lactação, ao alcance das recomendações de micronutrientes, em especial com requerimento aumentado durante o ciclo gravídico-puerperal.

Os achados aqui apresentados revelam alta prevalência de inadequação do estado nutricional de vitamina A materno e do lactente, concordante com a prevalência nacional descrita em mulheres em idade fértil e crianças brasileiras, e apontam para que as medidas de intervenção para combate à carência devem ser estendidas a todas as gestantes e puérperas, independentemente das condições sociodemográficas e do grau de conhecimento de nutrição, visando melhorar a saúde do binômio mãe/filho.

Artigo submetido em 28.03.12, aceito em 20.06.12.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Souza G, Saunders C, Dolinsky M, Queiroz J, Campos A, Ramalho A. Vitamin A concentration in mature human milk. J Pediatr (Rio J). 2012;88(6):496-502.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      28 Mar 2012
    • Aceito
      20 Jun 2012
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