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Condutas terapêuticas e uso alternado de antipiréticos no manejo da febre em crianças

Resumos

OBJETIVO: As evidências sobre a eficácia do uso alternado de antitérmicos no manejo da febre são escassas e apontam diferenças clinicamente desprezíveis. O objetivo do estudo foi descrever condutas terapêuticas e uso alternado de antipiréticos em crianças, e avaliar fatores associados ao uso alternado. MÉTODOS: Estudo transversal com 692 crianças de zero a seis anos, residentes no Sul do Brasil. Por meio de amostragem por conglomerados, foram realizadas entrevistas domiciliares com os cuidadores, utilizando questionário estruturado. Foi realizada análise descritiva e avaliada a associação entre o uso alternado de antipiréticos e fatores sociodemográficos. Foram analisados 630 casos (91,0%), correspondendo às crianças com histórico de febre. RESULTADOS: Cerca de 73% dos cuidadores informaram que a primeira medida adotada no último episódio de febre foi administrar medicamentos. A média de temperatura considerada febre foi de 37,4 ºC, e febre alta, 38,7 ºC. A utilização de terapia alternada com antipiréticos foi relatada por 26,7% dos entrevistados, justificada pela ausência de resposta à monoterapia e indicação médica, na maioria dos casos. Os medicamentos mais utilizados foram dipirona e paracetamol. Crianças cujo principal cuidador era um dos pais, com melhores condições socioeconômicas e maior nível educacional, receberam mais medicamentos alternados. Cerca de 70% das doses utilizadas estavam abaixo da dose mínima recomendada para tratamento de febre. CONCLUSÕES: O uso de medicamentos para controlar a febre é uma prática comum, incluindo esquemas alternados de antipiréticos. A maioria dos cuidadores considera como febre temperaturas inferiores às preconizadas, e apontou não resposta à monoterapia e indicação médica como as principais razões para o uso alternado.

Febre; Crianças; Tratamento; Terapia alternada; Antipiréticos


OBJECTIVE: The evidence on the effectiveness of alternating antipyretics in fever management is scarce and indicates clinically negligible differences. The present study aimed to describe therapeutic procedures and the use of alternating antipyretics in children, and to evaluate associated factors. METHODS: This was a cross-sectional study with 692 children aged 0 to 6 years, living in Southern Brazil. Household interviews of the children's caregivers were conducted through cluster sampling using a structured questionnaire. A descriptive analysis was carried out, and the association between the use of alternating antipyretics and sociodemographic factors was evaluated. A total of 630 cases were analyzed (91.0%), corresponding to children with a history of fever. RESULTS: Approximately 73% of caregivers reported that the first measure adopted during the last fever episode was the administration of medication. The mean temperature considered as fever by caregivers was 37.4 ºC, and as high fever, 38.7 ºC. The use of alternating antipyretic therapy was reported by 26.7% of respondents, justified by the lack of response to monotherapy and medical indication, in most cases. The drugs most often used were dipyrone and paracetamol. Children whose primary caregiver was a parent with higher socioeconomic status and higher educational level received more alternating medications. Approximately 70% of the doses used were below the minimum recommended dose for the treatment of fever. CONCLUSIONS: The use of medication to control fever is a common practice, including alternating antipyretic regimens. Most caregivers consider as fever temperatures lower than those established and they reported lack of response to monotherapy and medical indication as the main reasons for alternating medication.

Fever; Children; Treatment; Alternating therapy; Antipyretics


ARTIGO ORIGINAL

Condutas terapêuticas e uso alternado de antipiréticos no manejo da febre em crianças

Gracian Li PereiraI, Noemia U.L. TavaresII; Sotero S. MengueIII; e Tatiane da S. Dal PizzolIII,* * Autor para correspondência. E-mail: wmbernardo@usp.br (W.M. Bernardo).

IMestre, Programa de Pós-graduação em Epidemiologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

IIDoutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Epidemiologia, Faculdade de Medicina, UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil

IIIDoutor, Epidemiologia. Docente, Programa de Pós-graduação em Epidemiologia, Faculdade de Medicina, UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: As evidências sobre a eficácia do uso alternado de antitérmicos no manejo da febre são escassas e apontam diferenças clinicamente desprezíveis. O objetivo do estudo foi descrever condutas terapêuticas e uso alternado de antipiréticos em crianças, e avaliar fatores associados ao uso alternado.

MÉTODOS: Estudo transversal com 692 crianças de zero a seis anos, residentes no Sul do Brasil. Por meio de amostragem por conglomerados, foram realizadas entrevistas domiciliares com os cuidadores, utilizando questionário estruturado. Foi realizada análise descritiva e avaliada a associação entre o uso alternado de antipiréticos e fatores sociodemográficos. Foram analisados 630 casos (91,0%), correspondendo às crianças com histórico de febre.

RESULTADOS: Cerca de 73% dos cuidadores informaram que a primeira medida adotada no último episódio de febre foi administrar medicamentos. A média de temperatura considerada febre foi de 37,4 ºC, e febre alta, 38,7 ºC. A utilização de terapia alternada com antipiréticos foi relatada por 26,7% dos entrevistados, justificada pela ausência de resposta à monoterapia e indicação médica, na maioria dos casos. Os medicamentos mais utilizados foram dipirona e paracetamol. Crianças cujo principal cuidador era um dos pais, com melhores condições socioeconômicas e maior nível educacional, receberam mais medicamentos alternados. Cerca de 70% das doses utilizadas estavam abaixo da dose mínima recomendada para tratamento de febre.

CONCLUSÕES: O uso de medicamentos para controlar a febre é uma prática comum, incluindo esquemas alternados de antipiréticos. A maioria dos cuidadores considera como febre temperaturas inferiores às preconizadas, e apontou não resposta à monoterapia e indicação médica como as principais razões para o uso alternado.

Palavras-chave: Febre; Crianças; Tratamento; Terapia alternada; Antipiréticos

Introdução

A febre é uma entidade clínica comum na infância, sendo responsável por grande parte das consultas de prontoatendimento e emergência em Pediatria. Apesar de ser considerada benigna e desejável para uma melhor resposta do hospedeiro contra uma possível infecção,1,2 os pais ou responsáveis pelas crianças ainda a veem como uma doença em si e como um risco para complicações maiores, como convulsões ou dano cerebral, gerando um temor descrito como "febrefobia".3-5 Esse termo, introduzido na literatura em 1980, diz respeito à preocupação exagerada de muitos pais com febres baixas e moderadas. A crença de que mesmo febres moderadas poderiam causar danos neurológicos e que, sem tratamento medicamentoso, a temperatura subiria até 43 ºC, levaria ao manejo agressivo da febre com o uso de antipiréticos.6

Estudos com pais e cuidadores demonstraram que a principal medida adotada frente a um episódio febril é a utilização de medicamentos, sendo os métodos não farmacológicos utilizados antes do medicamento ou associados ao mesmo.7,8 Uma parcela dos pais, no entanto, acaba adicionando um medicamento diferente, motivado pela suposta falha do primeiro ou pelo fato de a criança continuar febril, por orientação médica ou por temores em relação à febre,9,10 passando a administrar dois antitérmicos de forma alternada.

As evidências sobre a eficácia de esquemas alternados, em comparação à monoterapia, são escassas e apontam para diferenças clinicamente desprezíveis,6,11,12 além de agregar riscos de intoxicação e efeitos adversos.13,14 Especialistas de vários países desaconselham essa prática.6,12,15-17

No Brasil, estudos sobre o uso de medicamentos em crianças para tratamento de diversas condições médicas revelam que os antipiréticos constituem uma das classes mais utilizadas em Pediatria.18,19 Poucos estudos investigaram especificamente o padrão de uso de antipiréticos em episódios febris a partir de amostras populacionais.19,20 Em nenhum deles o uso alternado de antipiréticos foi investigado.

O objetivo do presente estudo foi descrever condutas terapêuticas e uso alternado de antipiréticos frente a episódios febris por cuidadores de crianças de zero a seis anos. Também avaliamos a associação entre o uso alternado de antipiréticos e características sociodemográficas, de diagnóstico e manejo da febre.

Métodos

A pesquisa foi realizada no município de Bagé, localizado na região da Campanha Meridional do Rio Grande do Sul, região Sul do Brasil, distante 396 km da capital do estado. A população, em 2009, era de aproximadamente 115 mil habitantes, com 81,92% de residentes na área urbana, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No período do estudo, a estimativa da população de crianças de zero a cinco anos era de 11.221.21 O índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM), em 2000, era de 0,802, estando acima do índice nacional (0,766).

A pesquisa seguiu um modelo de estudo transversal. Por meio de um questionário estruturado, foram realizadas entrevistas domiciliares com os pais ou responsáveis por crianças com seis anos ou menos que residiam na área urbana do município, no período entre 13 de abril a 25 de maio de 2009. Para os propósitos deste estudo, o termo cuidador será utilizado para referir-se ao principal responsável pelas decisões em relação às condutas com a saúde da criança, e que respondeu ao questionário. Em caso de dúvida, os entrevistadores perguntavam "Quem é a pessoa da casa que toma as decisões sobre os cuidados com a saúde da <NOME DA CRIANÇA>, na maioria das vezes?" Se o responsável pela criança não estivesse presente no momento, era agendada nova visita em um horário mais conveniente, para a realização da entrevista.

O cálculo da amostra para um nível de confiança de 95% e uma estimativa de utilização do esquema alternado de antipiréticos em estudos prévios de 60% foi de 369 crianças. Foi realizada amostragem por conglomerados, com sorteio de 30 setores censitários. As quadras de cada setor foram numeradas, e a primeira a ser percorrida foi sorteada, com uma esquina de ponto de partida também escolhida aleatoriamente, por sorteio. O entrevistador abordava todas as casas daquela quadra sorteada procurando por crianças que atendessem ao critério de inclusão no estudo, ou seja, ter nascido após 13 de abril de 2003. Caso não fosse possível realizar a entrevista ou agendá-la com o cuidador após três tentativas de contato, em dias e horários diferentes, a criança era considerada como perda. Havendo duas ou mais crianças elegíveis no mesmo domicílio, uma delas era sorteada, da qual se colhiam os dados. Os critérios de exclusão foram crianças com problemas graves de saúde e cuidadores com dificuldades de comunicação.

Foram investigadas as condutas dos cuidadores frente a episódios febris e uso de medicamentos para tratamento de febre. Em relação às condutas dos cuidadores no diagnóstico e manejo da febre, foram investigadas: frequência com que costuma medir a febre utilizando termômetro em caso de suspeita de episódio febril (nunca/raramente/quase sempre/sempre);, parte do corpo em que coloca o termômetro (axila/boca/reto/ouvido); temperatura que considera febre e febre alta (em graus Celsius); e condutas no último episódio febril (medicou/buscou atendimento/chá/aplicou compressas/banho morno/aguardou/outro). A conduta de uso alternado de antipiréticos foi investigada com a pergunta: «O (A) Sr.(a) já usou dois medicamentos diferentes no mesmo dia para tratar a febre do(a) <NOME DA CRIANÇA>?» Em caso positivo, foi questionado o motivo do uso (não resposta/um dos medicamentos acabou/médico receitou/outro), as doses utilizadas de cada medicamento (em mL, gotas, supositório ou comprimido) e os intervalos entre as doses, em horas. Também foram coletados os seguintes dados da criança: sexo, idade (em anos completos) e número de irmãos. Do cuidador, foram coletados dados sobre a relação parental (mãe/pai/avó (ô)/tia(o)/outro), idade (anos completos), raça autorreferida (branca/preta/parda/amarela/indígena), escolaridade (série/grau), ocupação, se possuía convênio médico, e dados para a classificação econômica, de acordo com o Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB), que estima o poder de compra familiar.

A adequação das doses utilizadas em esquema alternado foi analisada comparando-se as doses referidas pelos cuidadores com aquelas recomendadas para cada medicamento, conforme literatura,22 considerando a concentração do fármaco disponível na apresentação comercial do medicamento, a idade e o peso da criança no último episódio febril.

Os dados foram digitalizados pelo Teleform Workgroup V10, armazenados e analisados no programa SPSS versão 18.0 para Windows e STATA versão 11.2. Os dados foram expressos em frequências absolutas e relativas, médias e desvio-padrão. As estimativas da razão de prevalência (RP) para uso de terapia alternada foram calculadas por regressão de Poisson com variação robusta. Na primeira etapa da construção do modelo, foram testados: características das crianças (sexo, idade, raça autorreferida, número de irmãos); características do cuidador (relação parental, idade, escolaridade, ocupação, convênio médico); características da família (classe econômica); e manejo da febre (aferição da temperatura com termômetro, temperatura considerada febre e febre alta). As variáveis que apresentaram significância estatística, definida como p < 0,20 nas análises individuais, foram selecionadas para a segunda etapa, em que todas as variáveis selecionadas foram incluídas no modelo multivariável inicial. Na sequência, foram excluídas, uma a uma, as variáveis que apresentaram p > 0,20 no modelo multivariável.

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tendo sido aprovado na reunião 16, ata nº 96 de 11/10/2007. O termo de consentimento livre e esclarecido era lido e assinado antes do início da entrevista pelas partes, em duas vias.

Resultados

A amostra atingiu um número de 692 entrevistas. Não foi encontrado o total de crianças por setor censitário que preenchesse os critérios de inclusão em cinco setores. Ocorreram seis perdas por recusa ou residência vazia nas três tentativas de contato. A amostra corresponde a 6,2% da população de zero a seis anos da cidade de Bagé, no ano de 2009.21

Foram analisadas as entrevistas correspondentes às crianças com ao menos um episódio de febre na vida, totalizando 630 casos. As principais características das crianças e dos cuidadores estão sumarizadas na Tabela 1. As crianças sem histórico de febre (n = 56) apresentaram idade média (14,67 meses ±16,62) significativamente inferior às demais (40,03 meses ± 19,86) e um maior percentual de mães como cuidadoras (89,3%), em comparação ao grupo de crianças que apresentaram febre (77,6%). Não foram verificadas outras diferenças nas características da criança (sexo e número de irmãos), características do cuidador (idade, escolaridade, trabalhar fora, convênio médico) e características familiares (classe econômica).

As condutas dos cuidadores no diagnóstico e manejo da febre das crianças estão apresentadas na Tabela 2. A maioria dos cuidadores respondeu que medem a temperatura axilar, usando termômetro. A média de temperatura que os cuidadores consideram febre é de 37,4 ºC (DP 1,5; moda 38 ºC e mediana 37,5 ºC), e febre alta 38,7 ºC (DP 1,4; moda e mediana de 39 ºC) (Tabela 2). O uso alternado de antipiréticos foi declarado por quase um terço dos respondentes, sendo as principais razões para a utilização de outro medicamento a "não resposta" do medicamento usado na forma isolada (monoterapia) e a indicação médica.

Os medicamentos antipiréticos alternados citados pelos respondentes são apresentados na Tabela 3, sendo o paracetamol e a dipirona os mais utilizados.

Em relação à adequação das doses dos antipiréticos utilizados nos esquemas alternados, foi verificado que 9% das doses estavam acima da recomendada, e 70,5% estavam abaixo da dose mínima recomendada. Essa distribuição se manteve para todos os medicamentos, com exceção do diclofenaco, que foi utilizado em dose maior que a recomendada. Em 13 casos, a dose de ao menos um dos medicamentos utilizados alternadamente não foi referida pelos respondentes, perfazendo 7,8% dos casos. Os intervalos entre doses mais frequentes foram de 4/4 horas (35,6%) e de 6/6 horas (28,1%). Em 25,3% dos casos, foram citados intervalos menores de 4 horas. O intervalo não foi mencionado por oito respondentes (4,8% dos casos).

A Tabela 4 apresenta as estimativas das RP bruta e ajustada para cada uma das variáveis. Na análise bruta, o uso de terapia alternada mostrou associação positiva com idade da criança superior a um ano, pai ou mãe como cuidador, escolaridade dos pais igual ou superior a nove anos, raça autorreferida branca, possuir convênio médico, classificação econômica média e alta e aferição da temperatura. Na análise ajustada, essas características mantiveram-se positivamente associadas com o uso de terapia alternada, com exceção de convênio médico e aferição da temperatura, que perderam significância estatística.

Discussão

O presente estudo avaliou o comportamento de cuidadores quanto ao uso de terapia alternada de antipiréticos para tratar a febre em crianças de zero a seis anos. Por ser uma pesquisa de base populacional e com uma amostra representativa das crianças residentes em um município brasileiro, os achados deste estudo trazem dados inéditos para a discussão sobre uma prática terapêutica comum, porém pouco investigada em nosso meio.

Para a avaliação do percentual de uso alternado verificado em nosso estudo (26,7%), é necessário considerar que os achados de estudos prévios variam amplamente (de 4% a 67%), e que muitos limitaram o uso alternado ao paracetamol e ibuprofeno. O uso alternado de paracetamol e ibuprofeno foi referido por 26% dos cuidadores entrevistados no ambulatório de um hospital londrino3 e por 52% dos pais australianos que responderam a um questionário enviado pelo correio.23 Nos Estados Unidos, Crocetti et al.24 verificaram que 27% dos cuidadores entrevistados em duas clínicas pediátricas em Baltimore referiram o uso de terapia alternada, percentual inferior ao reportado por cuidadores atendidos na emergência de um hospital em Alabama (67%).25 Em outro estudo realizado nos Estados Unidos com pais latino-americanos, apenas 4% reportaram uso alternado de paracetamol e ibuprofeno.26

O medicamento mais utilizado na terapia alternada foi o paracetamol, seguido pela dipirona, enquanto os estudos realizados nos Estados Unidos e Inglaterra mostram que o ibuprofeno é o principal antitérmico usado de forma alternada com o paracetamol.3,24,25 No presente estudo, verificamos que a dipirona foi o medicamento mais utilizado neste esquema de tratamento, possivelmente pelo menor custo em relação ao ibuprofeno e pela maior disponibilidade em nosso meio, considerando que o fármaco não é comercializado em muitos países, incluindo Estados Unidos e Inglaterra.

A análise das doses utilizadas aponta para elevado percentual de subdosagem, para todos os medicamentos citados, com exceção do diclofenaco. Não localizamos estudos contendo dados sobre as doses utilizadas em esquema alternado para comparação com os nossos achados. Nos ensaios clínicos publicados sobre terapia alternada, as doses e os intervalos entre as doses divergem, embora em todos tenham sido utilizadas doses plenas recomendadas em monoterapia (12,5 a 15,0 mg/kg de paracetamol e 5 a 12,5 mg/kg de ibuprofeno, de acordo com a faixa etária).11

Parece que o desconhecimento ou falta de orientação dos cuidadores quanto às doses recomendadas para tratamento da febre estende-se à temperatura considerada febre. Considerando a variabilidade de medidas obtidas por diferentes termômetros e locais de aferição, a oscilação natural da temperatura corporal de acordo com a hora do dia, fatores ambientais, idade e variabilidade individual, a definição de febre pela temperatura corporal é arbitrária.6 Em virtude da necessidade de um parâmetro para fins de diagnóstico e de aconselhamento aos pais, os valores mais usuais na literatura apontam como limite inferior para febre moderada a temperatura axilar de 38,5 ºC, e para febre alta, 39,5 ºC.6 Usando esses limites para comparação com os nossos achados, é possível sugerir que as medianas de 37,5 ºC para febre e 39 ºC para febre alta verificadas neste estudo mostram que uma parcela expressiva de cuidadores considera febre alta valores inferiores aos preconizados.

A administração de subdoses de antipiréticos e os valores de temperatura utilizados para o diagnóstico de febre abaixo dos valores preconizados sugerem falta de orientação dos cuidadores e «febrefobia». A ansiedade que acomete os pais e o desconhecimento sobre o tempo necessário para o início do efeito antitérmico poderia explicar, em parte, a utilização de doses em intervalos menores que quatro horas e a suposta ausência de resposta ao primeiro medicamento utilizado, referida pelos cuidadores como justificativa para o uso de terapia alternada.

Se levarmos em consideração que a maioria dos cuidadores refere utilizar um segundo antipirético pela «falha» de ação do primeiro, a correta orientação da dose a ser utilizada poderia evitar o emprego de um segundo medicamento e consequente exposição ao risco de efeitos adversos inerentes a eles. Embora muitos profissionais postulem que o uso alternado de antipiréticos não apresenta riscos óbvios para as crianças, pode ocorrer muita confusão devido às várias dosagens, formulações, concentrações e dispositivos de administração,25 gerando resposta negativa ou retardo no efeito antitérmico desejado. Nas consultas ao pediatra pelo telefone, corriqueiras para uma parcela da população que utiliza planos de saúde, o risco de erros de dosagem por má compreensão da posologia pode ser ainda maior.27

Cabe ressaltar como limitações do presente estudo, a possibilidade de viés recordatório em relação ao último episódio febril, aos medicamentos e às doses administradas. Para reduzir este viés, era perguntado o número de episódios febris no último ano e, depois, eram coletadas as informações sobre o último deles. Cabe também destacar que as doses dos medicamentos utilizados são prescritas geralmente em gotas ou mL por quilograma de peso da criança, sendo mais importante o cuidador lembrar-se da quantidade do medicamento administrada (em gotas ou mL) que do peso exato da criança no episódio febril, reduzindo o viés. Nessa perspectiva, ganhos de peso inferior a um quilo entre o último episódio febril e a data da entrevista não mudariam a dose recomendada.

Neste estudo, não acessamos os temores ou razões que levam os cuidadores a tratarem o aumento da temperatura em suas crianças, já que optamos por uma abordagem metodológica quantitativa. Walsh et al.23 desenvolveram, após vários estudos sobre a "febrefobia" em pais australianos, uma escala para avaliar esse temor em qualquer comunidade. No entanto, o instrumento ainda precisa ser validado para outros países, como o Brasil.

Conclui-se que o uso de medicamentos no manejo da febre é uma prática comum em crianças de zero a seis anos, incluindo a adoção de esquemas alternados de antipiréticos. A maioria dos cuidadores considera como febre valores de temperatura inferiores aos recomendados, apontando a não resposta à monoterapia e indicação médica como as principais razões para o uso alternado de antitérmicos. Medidas educativas, que esclareçam a população sobre o que é a febre, quando e como tratá-la, poderão auxiliar no uso correto dos medicamentos e evitarão a procura excessiva por consultas não programadas e atendimentos de emergência.

Financiamento

CNPq.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Agradecimentos

À equipe de coleta de campo, professora Lúcia Azambuja Saraiva Vieira pela supervisão de campo, aos entrevistadores Bruna Saraiva Severo, Jorge Maubrigades, Lorena da Silva Lima, Luana Lucas Alves, Raquel Leivas Spenst e Raquel Lemos Nobre.

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Recebido em 9 de junho de 2012; aceito em 5 de agosto de 2012

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    Autor para correspondência. E-mail:
    wmbernardo@usp.br (W.M. Bernardo).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      09 Jun 2012
    • Aceito
      05 Ago 2012
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