Perfil epidemiológico de doadores de córnea no Piauí

Resumo

Objetivo:

O estudo objetivou traçar o perfil epidemiológico dos doadores de córneas no Piauí através de buscas em prontuários.

Métodos:

Trata-se de um estudo descritivo, quantitativo, observacional, transversal e retrospectivo, que se propõe a avaliar dados obtidos de prontuários de 811 doadores de córneas do Banco de Olhos do Hospital Getúlio Vargas em Teresina-PI, no período de 1º de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2016.

Resultados:

O trabalho mostrou um acréscimo do número de doadores ao longo do período de 2010 a 2014, porém decresceu ao longo do período de 2015 a 2016. Observou-se, também, o predomínio dos doadores do gênero masculino, da faixa etária entre 21 a 59 anos, de procedência do município de Teresina e no que diz respeito às causa mortis dos doadores, a maioria dos óbitos ocorreram por causas externas de morbidade e mortalidade (onde se incluem, principalmente, mortes violentas por acidentes automobilísticos, suicídios, ferimentos por arma branca ou de fogo) e a segunda maior causa foi representada por doenças do aparelho circulatório.

Conclusão:

Para o êxito desse processo é fundamental a conscientização da população sobre a importância e a necessidade das doações de órgãos e tecidos para o benefício de pacientes enfermos, salvando vidas ou reabilitando-os e, dessa forma, permitindo que estes indivíduos participem integralmente da vida social e de atividades econômicas habituais da maioria dos cidadãos. Portanto, é necessário investir em programas, treinamentos e, também ampliar o número de profissionais qualificados, desde a equipe de captação à equipe de transplantes, todos são de extrema importância para o aumento da captação de córneas.

Descritores:
Doador de tecidos; Córnea; Banco de olhos; Perfil de saúde; Causa de morte

Abstract

Purpose:

The study aimed to trace the epidemiological profile of donors of corneas in Piauí through searches in medical records.

Methods:

This is a descriptive, quantitative, observational, cross-sectional and retrospective study that aims to evaluate data obtained from medical records of 811 donors of corneas from the Getúlio Vargas Hospital in Teresina-PI, in the period of January 1, 2010 to 31 December 2016.

Results:

The study showed an increase in the number of donors over the period from 2010 to 2014, but decreased over the period from 2015 to 2016. There was also a predominance of male donors, aged between 21 and 59 years, from the city of Teresina and with regard to the donor's cause of death, the majority of deaths occurred due to external causes of morbidity and mortality (which include, mainly, violent deaths due to automobile accidents, suicides, stab wounds or fire) and the second largest cause was represented by diseases of the circulatory system.

Conclusions:

For the success of this process, it is essential to make the population aware of the importance and the need for organ and tissue donations for the benefit of sick patients, saving lives or rehabilitating them and, thus, allowing these individuals to participate fully in social life. and the usual economic activities of most citizens. Therefore, it is necessary to invest in programs, training and also to increase the number of qualified professionals, from the capture team to the transplant team, all of which are extremely important for the increase in corneal uptake.

Keywords:
Tissue donors; Eye bank; Health profile; Cause of death

Introdução

A córnea é um tecido transparente, localizado na parte anterior do globo ocular. Ela representa o sexto anterior do olho e é a mais curva de suas estruturas, com uma forma de menisco elíptico. Considera-se que a córnea possui uma função mecânica (resistência do olho a pressão ocular e proteção contra agentes externos) e uma função óptica (transmissão, difusão, reflexão e refração da luz). Diversas patologias de origem degenerativa, infecciosa ou traumática podem levar a alterações da função óptica ou transparência da córnea, levando à diminuição da acuidade visual com possibilidade de cegueira e re¬sultar na necessidade de transplante do tecido corneano.^(1-5)

O transplante de córnea consiste na substituição de córnea opaca ou doente por córnea doadora sadia. Essa substituição de tecido pode ser de espessura total (penetrante) ou parcial (lamelar). Dependendo de sua finalidade, o transplante penetrante de córnea pode ser classificado em óptico, tectônico, terapêutico e cosmético.^(6,7)

No Brasil, essa modalidade de transplante é realizada desde 1998 e apresenta-se em ascensão devido à ampliação da faixa etária da população de doadores, à melhor seleção de tecido doado, às novas técnicas operatórias que permitem a realização de cirurgias em situações consideradas inoperáveis até dez anos atrás e à crescente conscientização da população.⁽⁸⁾ No país, foram realizados 100.521 transplantes de córnea entre 2012 a 2018 e 14.943 de janeiro a setembro de 2019 segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos e Tecidos (ABTO).⁽⁹⁾

Os bancos de olhos têm responsabilidade de captar, processar, avaliar, classificar, armazenar e distribuir tecidos oculares e devem atender às exigências legais para sua instalação e autorização de funcionamento⁽¹⁰⁾. Em vários estados do Brasil, a falta de tecidos oculares e de Banco de Olhos capacitados para fornecer córneas em quantidade e qualidade adequadas para suprir a demanda de transplantes ainda é uma realidade. Por esse motivo, a atuação dos Bancos de Olhos é de fundamental importância, seja na busca ativa de doadores, entrevista dos familiares, captação dos tecidos doados em tempo hábil e sua distribuição com padrão de qualidade.⁽¹¹⁾

A identificação dos potenciais doadores se dá por meio da notificação passiva e da busca ativa. Todo paciente que vai a óbito entre 02 a 80 anos em até 06 horas após a parada cardiorrespiratória, ou 24 horas, se todo o corpo estiver em câmara refrigerada, constitui um potencial doador de tecidos oculares para transplante, não sendo necessário que o paciente esteja em morte encefálica. As pálpebras do doador devem ser mantidas fechadas para evitar o ressecamento da córnea por exposição à luz. O procedimento pode ser realizado fora de ambiente hospitalar (necrotério). O tempo máximo de preservação extracorpórea da córnea é de 14 dias.⁽¹²⁾

O atual estudo tem como objetivo principal traçar o perfil epidemiológico dos doadores de córneas no Piauí por meio de buscas em prontuários, considerando os seguintes parâmetros: faixa etária, gênero, causa mortis e procedência dos doadores de córnea.

Metódos

Trata-se de um estudo descritivo, quantitativo, observacional e transversal do tipo retrospectivo, que se propõe descrever dados obtidos de prontuários de doadores de córneas em banco de olhos em um hospital de rede pública no município de Teresina-PI e traçar o perfil epidemiológico, no período de 1º de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2016. Este estudo foi realizado no Hospital Getúlio Vargas (HGV), localizado na Avenida Frei Serafim, nº 2352, Bairro Centro (Sul), CEP 64001-020, Teresina-PI.

A população em estudo foi constituída por 811 doadores de córneas registrados no Banco de Olhos do Hospital Getúlio Vargas em Teresina-PI (BTOC-HGV), no período de 1° de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2016. O levantamento dos dados foi censitário e englobou todos os casos de doações registrados no período de referência do estudo.

Foram incluídos todos os prontuários dos doadores de córneas, captadas, processadas, avaliadas, classificadas, armazenadas e distribuídas pelo Banco de Olhos do Hospital Getúlio Vargas, no período de 1º de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2016.

Foram excluídos do estudo os prontuários preenchidos de forma incompleta, sendo 11 no item de causa mortis e 01 no de procedência, totalizando-se 12 prontuários excluídos.

Os dados foram coletados no Banco de Olhos do Hospital Getúlio Vargas (BTOC-HGV), através da análise dos prontuários e preenchimento do formulário (APÊNDICE) de autoria dos pesquisadores, estruturado com perguntas definidas. Seu conteúdo abrange dados sociodemográficos dos pacientes (idade, gênero, causa mortis do doador e procedência). As causa mortis foram agrupadas em categorias de acordo com os capítulos do Código Internacional de Doenças (CID-10), totalizando 13 grupos.

Os dados dos formulários aplicados foram registrados primeiramente em planilha de Microsoft Excel 2010 e em seguida exportados para o programa IBM SPSS Statistics 20.0. A análise quantitativa foi feita no programa estatístico, buscando estabelecer a estatística descritiva (frequência e porcentagem) dos resultados. A apresentação dos resultados foi realizada em forma de figuras e tabelas.

A pesquisa foi realizada após submissão do projeto, análise e aprovação do mesmo pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário UNINOVAFAPI em 18 de Abril de 2017, sob o número CAAE 64944917.0.0000.5210, em consonância com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta as questões operacionais e éticas dos trabalhos científicos envolvendo seres humanos e todos os aspectos éticos vigentes no país.

Resultados e discussão

O transplante de córnea é o procedimento de maior sucesso entre os transplantes teciduais em humanos, tendo como objetivo a restauração da transparência corneal. Os avanços constantes nas técnicas, no processamento dos órgãos, na avaliação e na conservação das córneas têm propiciado um crescimento no número de transplantes de córnea efetuados no Brasil e no estado de Piauí, bem como uma melhora importante dos resultados pós-operatórios.^(7,13)

Durante os sete anos incluídos neste estudo (2010-2016), foram cadastrados 811 doadores de córnea no BTOC-HGV. A quantidade de córneas doadas mostrou-se crescente ao longo do período de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, porém decresceu ao longo do período de 2015 a 2016 (Figura 1).

Figura 1
Distribuição do número de doadores por ano.

Como se pode observar na Figura 1, constatou-se um aumento gradativo e variável na quantidade de doadores ao longo dos sete anos estudados, passando de apenas 111 doações em 2010 para 127 em 2013, atingindo um pico de 151 em 2014 com uma ligeira redução de doadores de 2015 (118) a 2016 (86). O resultado coincide com os resultados de estudos realizados em outros bancos de olhos, como o realizado no Hospital São Paulo, na cidade de São Paulo (SP), em 2007, cujo número de doadores subiu de 740 no período de 1996 a 2000 para 2047 no intervalo de 2001 a 2005, ⁽¹⁴⁾ bem como também um estudo realizado no Hospital Oftalmológico de Sorocaba (SP), que constatou um aumento gradativo do número de córneas doadas, passando de 260 em 1984 para 2778 em 2004. ⁽¹⁵⁾

Acredita-se que o motivo do crescimento de doadores seja o maior conhecimento da população quanto à doação de órgãos e sua importância, mediante campanhas e divulgações realizadas na mídia e no âmbito social e hospital. Isso também é descrito no estudo realizado no Hospital Oftalmológico de Sorocaba (SP), que constatou o impacto positivo das ações de marketing externo sobre a quantidade de doações em seu banco de olhos.^(13,15)

Neste estudo observou-se uma redução gradual de doadores entre 2015 e 2016, possivelmente associada às causas externas e à deficiência de agentes de saúde qualificados e treinados para o procedimento de coleta e transplante de córnea, influenciando diretamente no número de captação das córneas doadas. Por isto a necessidade de investimento em treinamento e em ampliação do número de profissionais qualificados, desde a equipe de captação à equipe de transplantes, todos são de extrema importância para o aumento da captação (Figura 1).

De acordo com Diaz et al. ⁽⁸⁾ diversos fatores influenciam o processo de doação de córneas, gerando perdas que impactarão no número final de transplantes. Os autores estudaram os fatores que influenciam o processo de doação de córneas, utilizando dados secundários coletados nos livros de registro de óbitos, prontuários dos pacientes e nos registros da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos da Zona da Mata. Variáveis analisadas: potencial doador, recusa familiar, contraindicações médicas, problemas logísticos ou estruturais e doação de córneas. Foram registrados 863 óbitos. 16% dos óbitos não foram notificados pelo enfermeiro à Central de Notificação. Dos óbitos devidamente notificados, 21,5% foram identificados como potenciais doadores e, destes, 37,2% não efetivaram a doação devido à recusa familiar e 43,6% devido a problemas logísticos ou estruturais institucionais. Apenas 25% das córneas captadas foram transplantadas.

Com relação à distribuição dos doadores por gênero (Figura 2), observou-se predomínio de doadores do gênero masculino (71,64%), em detrimento do feminino (28,36%), assemelhando-se aos resultados encontrados em estudos realizados em hospitais da região Sudeste do país, tais como o Hospital São Paulo (56,8%), o Hospital Oftalmológico de Sorocaba (55,3%) e a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (54,44%)^(7,15,14).

Figura 2
Perfil demográfico da amostra

A maior prevalência de doadores do gênero masculino é encontrada na literatura e deve-se presumivelmente ao fato dos homens morrerem mais jovens por causas externas (trauma) e doenças cardiovasculares. Neste estudo foi observado (Figura 2) uma proporção significativamente maior de doadores do gênero masculino no BTOC-HGV (71,64%), em relação à média citada na literatura (55%). A razão para este achado é o fato de que o sexo masculino tem o maior risco à exposição de fatores ambientais associada a sua atividade laboral ou social ^(7,13-16).

No que concerne à distribuição etária dos doadores (Figura 2), ressalta-se um predomínio de doadores adultos, com idade entre 21 a 59 anos (65,60%) e doadores idosos, acima dos 60 anos (24,29%). Isto difere de outros estudos na literatura revisada, como o do Hospital São Paulo (SP), no qual há preponderância de doadores da faixa de 70 a 79 anos (18,9%), seguida pela faixa de 60 a 69 (18,6%) e do Hospital Universitário Pedro Ernesto (RJ), que apresentou o predomínio na faixa etária acima de 60 anos (55,6%). Tal achado aponta para as diferenças na expectativa de vida entre as regiões nordeste e sudeste. Observou-se também uma quantidade menos expressiva de doações na faixa etária de 11 a 20 anos (9,62%), apesar de estarem bastante propensos a mortes por causas externas. ^(14,17)

Quanto à procedência, o maior número de doadores (48,95%) foi do município de Teresina, seguido por outros municípios do Piauí (37,36%) e (13,69%) procedentes de outros estados. Esse dado é explicado pelo fato de que as equipes de captação atuam apenas na cidade de Teresina e que ainda não se dispõe de equipes em outros municípios do Piauí. Os doadores procedentes de outros municípios ou estados encontravam-se em Teresina no momento da doação (Figura 2).

Silva et al. ⁽¹⁸⁾ caracterizaram sociodemografica e epidemiologicamente doadores de córneas do Banco de Tecidos Oculares do Rio Grande do Norte. A amostra foi composta por 612 doadores, que tiveram suas córneas doadas no período de Janeiro de 2007 a Julho de 2012. Os resultados mostraram predomínio do sexo masculino (71,4%), idade entre 40 e 60 anos (41,3%), proveniente da re¬gião metropolitana (71,1%), óbito por causas externas (36,9%). Dos 1.209 tecidos captados, 341 foram descartados e a principal causa foi a má qualidade do tecido.

Em relação às causas mortis, foram categorizadas de acordo com os capítulos do Código Internacional de Doenças (CID-10), totalizando 13 grupos. A maioria dos óbitos ocorreu por causas externas de morbidade e mortalidade (onde se incluem, principalmente, mortes violentas por acidentes automobilísticos, suicídios, ferimentos por arma branca ou de fogo) totalizando 328 casos. A segunda maior causa foi representada por doenças do aparelho circulatório (englobando doenças isquêmicas do coração, doenças cerebrovasculares, doenças cardíaca pulmonar e da circulação pulmonar) com 240 casos. Seguida por outras causas, como lesões e envenenamentos e outras consequências de causas externas, doenças dos aparelhos respiratório e neoplasias, que acometeram, respectivamente, 46, 45 e 35 doadores. Em relação a doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas, houve 25 casos e doenças do sistema nervoso 23 casos. Doenças do sistema digestivo e doenças do sistema geniturinário foram responsáveis por 22 mortes cada. Enquanto que sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e laboratoriais acometeram 21 doadores, doenças do sistema osteomuscular englobou 2 pacientes. Gravidez, parto e puerpério e doença do sangue e dos tecidos hematopoiéticos apareceram em 1 doador cada (Figura 3).

Figura 3
Distribuição das causas mortis

Silva et al. ⁽¹⁸⁾ traçaram o perfil epidemiológico dos doadores de córnea do Estado de Goiás. Foi utilizada amostra probabilística de 793 prontuários calculada pela fórmula de Leslie Kish (Epi Info 7), levando em consideração um número total de 3.093 prontuários no período de Janeiro de 2006 a Agosto de 2015. Os resultados mostraram que a média de idade foi de 37,33 anos, sendo que a maioria foi do sexo masculino (81,21%). A causa mortis mais frequente foi traumatismo crânio encefálico (34,04%) seguido pelo infarto agudo do miocárdio (14,12%).

Em relação ao sexo masculino, totalizaram-se 581 doadores. Destes predominaram os óbitos por causas externas (49,40%) seguido por doenças do aparelho circulatório (23,92%) e lesões, envenenamentos e outras consequências de causas externas (6,88%). As outras causas relacionadas ao sexo masculino foram: doenças do aparelho respiratório (4,48%); doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (2,75%); sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e laboratoriais, não classificados em outra parte (2,75%); neoplasias (2,58%); doenças do aparelho digestivo (2,58%); doenças do aparelho genitourinário (2,24%); doenças do sistema nervoso (2,07%); doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (0,17%); doenças do sangue e de órgãos hematopoiéticos e alguns transtornos imunitários (0,17%) (Figura 4).

Figura 4
Distribuição da vausa mortis dos doadores por sexo

Em contrapartida, dos 230 doadores do sexo feminino destacaram-se os óbitos por doenças do aparelho circulatório (43,91%) seguido por causas externas (17,83%) e neoplasias (8,7%). As outras causas relacionadas ao sexo feminino foram: doenças do aparelho respiratório (8,26%); doenças do sistema nervoso (4,78%); doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (3,91%); doenças do aparelho genitourinário (3,91%); doenças do aparelho digestivo (3,04%); lesões, envenenamentos e outras consequências de causas externas (2,61%); sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e laboratoriais, não classificados em outra parte (2,17%); doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (0,43%); gravidez, parto e puerpério (0,43%) (Figura 4).

Dessa forma, observou-se que apesar do óbito por causas externas ser a mais frequente considerando a totalidade dos doadores e o sexo masculino, no sexo feminino apresenta-se como segunda maior causa em prevalência. Além disso, doenças do aparelho circulatório que são as principais causa mortis entre as mulheres, aparecem em 2º lugar em relação à amostra total e ao sexo masculino.

Rocon et al.⁽¹⁹⁾ traçaram o perfil epidemiológico dos doadores de córneas e doadores de órgãos de cinco hospitais do Estado do Espírito Santo. Foi utilizada amostra censitária de 40 prontuários no período de Março a Agosto de 2010. Os resultados mostraram que entre os doadores do sexo feminino as principais causas de morte relacionam-se ao grupo das doenças do aparelho circulatório (63%); por outro lado, no sexo masculino predominou o grupo das causas externas de morbidade e mortalidade (66%). Esse resultado mostrou-se equivalente ao estudo em questão.

Em relação à faixa etária de 3 a 10 anos, no qual se totalizou 4 doadores, evidenciou-se que 75% dos casos foi devido às doenças do sistema nervoso e 25% às doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (Figura 5).

Figura 5
Distribuição da vausa mortis dos doadores por faixa etária

Entre 11 a 20 anos, houve 78 doadores com o predomínio de causas externas (75,64%) e lesões, envenenamentos e outras consequências de causas externas (8,97%). As outras causa mortis foram: doenças do sistema nervoso (5,13%), doenças do sistema circulatório (3,85%), doenças do aparelho respiratório (1,28%), doenças do aparelho digestivo (1,28%), doenças do aparelho genitourinário (1,28%), neoplasias (1,28%) e sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e laboratoriais (1,28%) (Figura 5).

Na faixa etária de 21 a 59 anos observou-se o maior número de doações com um total de 532 doadores. Destacou-se os óbitos por causas externas com 46,80% dos casos e por doenças do aparelho circulatório com 26,13%. As outras causas de óbitos foram: lesões, envenenamentos e outras consequências de causas externas (6,95%); neoplasias (4,14%); doenças do aparelho respiratório (3,38%); sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e laboratoriais (2,82%); doenças do aparelho genitourinário (2,44%); doenças do sistema nervoso (2,44%); doenças do aparelho digestivo (2,26%); doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (2,07%); doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (0,38%) e gravidez, parto e puerpério (0,19%) (Figura 5).

No que diz respeito à faixa etária de maior ou igual a 60 anos, ocorreram 197 doações. Nesta faixa prevaleceu os óbitos por doenças do aparelho circulatório com 49,75%. Em seguida, ocorreram mortes por: doenças do aparelho respiratório (13,20%); causas externas (10,15%); doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (6,60%); neoplasias (6,09%); doenças do aparelho digestivo (4,57%); doenças do aparelho genitourinário (4,06%); sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e laboratoriais (2,54%); doenças do sistema nervoso (1,52%); lesões, envenenamentos e outras consequências de causas externas (1,02%) e doenças do sangue e de órgãos hematopoiéticas e alguns transtornos imunitários (0,51%) (Figura 5).

Foram analisadas em cinco hospitais do Estado do Espirito Santo as razões de óbito por faixa etária entre os 40 doadores no período de Março a Agosto de 2010. Dentro as causas de óbito, as causas externas de morbidade e mortalidade foram as mais prevalentes nas primeiras quatro faixas etárias, entre 10 e 41 anos, e corresponderam a 100% dos óbitos entre 18 e 25 anos. A partir de 42 anos, doenças do aparelho circulatório foram os principais motivos de óbito até 59 anos, equiparando-se aos óbitos por causas externas de morbidade e mortalidade entre os doadores maiores de 60 anos (Rocon et al.⁽¹⁹⁾). Assim, definiu-se que os dados obtidos para doadores entre 11 a 59 anos condiz com a literatura, no qual predominou causas externas. No entanto, entre a faixa etária de 60 anos, obteve-se resultados diferentes do encontrado nos trabalhos científicos, apresentando como principal causa mortis as doenças do aparelho circulatório (Figura 5).

Dessa forma, observou-se o maior número de óbitos dos doadores por causas externas, destacando-se como a principal causa mortis nas faixas etárias de 11 a 20 anos e de 21 a 59 anos. Levando em consideração a faixa etária de 60 ou mais, as causas externas apareceram em terceira colocação. Enquanto que, na faixa etária de 3 a 10 anos, não houve casos de óbitos por esta causa. A maior parte das córneas desse banco de olhos é proveniente do Hospital de Urgências de Teresina e do Instituto Médico-Legal, onde é grande a proporção de óbitos por causas externas, dos quais os homens, na faixa de 21 a 59 anos, representam a maioria das vítimas. Este relevante fato apresenta impacto econômico, pois esse grupo específico configura a maior parte da população economicamente ativa de uma nação, trazendo prejuízo à sociedade.⁽¹⁸⁾ (Figura 5).

No que concerne aos óbitos por doenças do aparelho circulatório, aparece como a causa mais frequente na faixa etária de maior ou igual a 60 anos. Porém, apresenta-se em segundo e quarto lugares nas faixas etárias de 21 a 59 anos e de 11 a 20 anos, respectivamente. Não observou-se casos entre 3 a 10 anos (Figura 5).

Levando em consideração as doenças do sistema nervoso, foi a primordial causa mortis na faixa etária de 3 a 10 anos. No entanto, mostra-se em terceira, oitava e nona colocações nas faixas etárias de 11 a 20 anos, de 21 a 59 anos e de 60 ou mais anos (Figura 5).

Atualmente, a deficiência de doadores de órgãos é obstáculo universal e o fator mais importante na provisão de tecidos para transplante. Shiratori et al. ⁽²⁰⁾ relataram que a deficiência de doadores de órgãos não é primariamente o resultado da falta de doadores, mas consequência da dificuldade de identificá-los, obter o consentimento da família e captar o órgão ou tecido em tempo hábil. Em muitos estados do Brasil, a falta de tecidos oculares e de Banco de Olhos capacitados para fornecer córneas em número e qualidade adequados para transplante ainda é uma realidade. Por esse motivo, a atuação dos Bancos de Olhos é de fundamental importância, seja na busca ativa de doadores, entrevista dos familiares, captação dos tecidos doados em tempo hábil e sua distribuição com padrão de qualidade.

O planejamento e a execução de políticas sócio-educativas e medidas preventivas na medicina de trânsito podem reduzir a incidência de causas externas de óbitos na população jovem, tendo como consequência direta a atenuação deste alto fator de impacto sócio econômico na população geral. Por fim, salienta-se a importância da divulgação da doação de córnea nas mídias sociais para que a população seja conscientizada da sua importância e dos seus benefícios conduzindo a uma melhora do nível sócio econômico da nação.⁽¹⁸⁾

Assim, espera-se que novos e aprofundados estudos sejam realizados para melhor avaliação dos bancos de olhos e que isto contribua para definição de estratégias para obtenção de mais córneas e de melhor qualidade.

Conclusão

De acordo com os resultados obtidos e considerando a literatura e a metodologia, é lícito concluir que durante os sete anos incluídos neste estudo (2010-2016), foram cadastrados 811 doadores de córnea no BTOC-HGV. A quantidade de córneas doadas mostrou-se crescente ao longo do período de 2012, 2013 e 2014, porém decresceu ao longo do período de 2015 a 2016. Observou-se, também, o predomínio dos doadores do gênero masculino, da faixa etária entre 21 a 59 anos, de procedência do município de Teresina e no que diz respeito às causa mortis dos doadores, a maioria dos óbitos ocorreram por causas externas de morbidade e mortalidade (onde se incluem, principalmente, mortes violentas por acidentes automobilísticos, suicídios, ferimentos por arma branca ou de fogo) e a segunda maior causa foi representada por doenças do aparelho circulatório.

Por fim, é de fundamental importância a divulgação da doação de córnea nas mídias sociais para que a população seja beneficiada com maiores números de doadores, bem como, de transplantes realizados. Espera-se que novos e aprofundados estudos sejam realizados para melhor avaliação dos bancos de olhos e que isto contribua para definição de estratégias para obtenção de mais córneas e de melhor qualidade.

Para o êxito desse processo é fundamental a conscientização da população sobre a importância e a necessidade das doações de órgãos e tecidos para o benefício de pacientes enfermos, salvando vidas ou reabilitando-os e, dessa forma, permitindo que estes indivíduos participem integralmente da vida social e de atividades econômicas habituais da maioria dos cidadãos. Portanto, é necessário investir em treinamento e, também ampliar o número de profissionais qualificados, desde a equipe de captação à equipe de transplantes, todos são de extrema importância para o aumento da captação de córneas.

• Trabalho realizado no Centro Universitário UNINOVAFAPI e Hospital Getúlio Vargas (HGV), em Teresina (PI), Brasil.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  07 Ago 2020
• Data do Fascículo
  May-Jun 2020

Histórico

• Recebido
  19 Jun 2019
• Aceito
  16 Jan 2020