Acessibilidade / Reportar erro

Viagem espacial: Um desafio sob o ponto de vista da oftalmologia

RESUMO

No final do século vinte, com o surgimento de novas tecnologias e de novos programas espaciais, a medicina aeroespacial ganhou destaque no meio científico uma vez que os estudos relacionados às alterações da fisiologia humana no espaço tornaram-se cada vez mais necessário para a manutenção da saúde de cosmonautas. Os olhos são considerados uma das estruturas mais sensíveis do corpo às alterações vasculares, estruturais e bioquímicas provocadas pela microgravidade e radiação cósmica. Nesse sentido, essa revisão narrativa busca identificar e explicar as principais alterações morfológicas e funcionais que ocorrem no sistema visual em decorrência de missões espaciais.

Descritores:
Medicina Aeroespacial; Manifestações oculares; Radiação cósmica; Catarata; Papiledema

ABSTRACT

At the end of the twentieth century, with the emergence of new technologies and new space programs, aerospace medicine gained prominence in the scientific community since studies related to changes in human physiology in space have become increasingly necessary for the maintenance of cosmonaut health. The eyes are considered one of the most sensitive structures in the body to vascular, structural and biochemical changes caused by microgravity and cosmic radiation. In this sense, this narrative review seeks to identify and explain the main morphological and functional changes that occur in the visual system as a result of space missions.

Keywords:
Aerospace Medicine; Eye manifestations; Cosmic radiation; Cataract; Papilledema

INTRODUÇÃO

O período correspondente à "Guerra Fria" foi marcado pela bipolaridade de forças entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que naquele momento disputavam a hegemonia geopolítica, tecnológica e financeira do mundo.(11 Launius RD. The historical dimension of space exploration. Reflections and possibilities. Space Policy. 2000;16(1):23-38.,22 Berry CA, Hoffler GW, Jernigan CA, Kerwin JP, Mohler SR. History of space medicine: the formative years at NASA. Aviat Space Environ Med. 2009;80(4):345-52.) Neste cenário, houve o desenvolvimento dos primeiros mísseis e foguetes aeroespaciais do planeta, dando início à "Era Espacial".(22 Berry CA, Hoffler GW, Jernigan CA, Kerwin JP, Mohler SR. History of space medicine: the formative years at NASA. Aviat Space Environ Med. 2009;80(4):345-52.)

Em 1961, o então presidente dos EUA John Franklin Kennedy anunciou o plano de levar o primeiro homem a Lua, todavia, os conhecimentos sobre os efeitos da aceleração, pressurização e microgravidade sobre o corpo humano eram bastante precários naquele momento.(33 Launius RD. Interpreting the moon landings: project apollo and the historians. Hist Technol. 2006;22(3):225-55.

4 Hodkinson PD, Anderton RA, Posselt BN, Fong KJ. An overview of space medicine. Br J Anaesth. 2017 ;119 Suppl_1:i143-53.
-55 Capova KA. The New Space Age in the making: emergence of exo-mining, exo-burials and exo-marketing. Int J Astrobiol. 2016;15(4):307-10.)

A medicina espacial passou a estudar fenômenos fisiológicos que ocorrem em humanos durante voos de órbita terrestre baixa, como aquele realizado pela estação espacial internacional e satélites e nos voos de exploração que ultrapassam a órbita do planeta Terra, incluindo as expedições para a lua e marte.(55 Capova KA. The New Space Age in the making: emergence of exo-mining, exo-burials and exo-marketing. Int J Astrobiol. 2016;15(4):307-10.,44 Hodkinson PD, Anderton RA, Posselt BN, Fong KJ. An overview of space medicine. Br J Anaesth. 2017 ;119 Suppl_1:i143-53.)

Um dos maiores desafios a permanência do homem no espaço pode ser a sua saúde ocular, uma vez que os olhos estão parcialmente protegidos pela pele, uma importante barreira contra agentes agressores como a radiação.(66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.) Na Terra existe uma camada de ar que envolve todo o planeta e atua como uma barreira aos raios UVB emitidos pelo sol e à radiação cósmica advinda de diversos corpos celestes no espaço.(66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.)

A fisiologia do aparelho visual está intimamente ligada às condições de radiação e pressão encontradas no nosso planeta.(77 Kandarpa K, Schneider V, Ganapathy K. Human health during space travel: an overview. Neurol India. 2019;67(8 Suppl):S176-81.) No ambiente de microgravidade ocorre redistribuição sanguínea na qual a parte superior do corpo torna-se congesta com aumento na pressão hidrostática dos vasos sanguíneos.(77 Kandarpa K, Schneider V, Ganapathy K. Human health during space travel: an overview. Neurol India. 2019;67(8 Suppl):S176-81.) A congestão venosa cerebral afeta diretamente a pressão intraocular e pode causar danos ao fundo do olho como papiledema e hemorragias retinianas.(77 Kandarpa K, Schneider V, Ganapathy K. Human health during space travel: an overview. Neurol India. 2019;67(8 Suppl):S176-81.,88 Lee SH, Dudok B, Parihar VK, Jung KM, Zöldi M, Kang YJ, et al. Neurophysiology of space travel: energetic solar particles cause cell type-specific plasticity of neurotransmission. Brain Struct Funct. 2017;222(5):2345-57.)

Desse modo, o estudo tem por objetivo revisar os impactos estruturais causados pela microgravidade e pela exposição à radiação cósmica aos olhos.(88 Lee SH, Dudok B, Parihar VK, Jung KM, Zöldi M, Kang YJ, et al. Neurophysiology of space travel: energetic solar particles cause cell type-specific plasticity of neurotransmission. Brain Struct Funct. 2017;222(5):2345-57.,99 Kramer LA, Sargsyan AE, Hasan KM, Polk JD, Hamilton DR. Orbital and intracranial effects of microgravity: findings at 3-T MR imaging. Radiology. 2012;263(3):819-27.)

METODODOLOGIA

O presente estudo trata-se de uma revisão narrativa acerca das adaptações e alterações oftalmológicas dos humanos no espaço. Para comtemplar a pesquisa foram usadas as bases de dados do PubMed, Lilacs, Scielo e o GoogleScholar com uso de space and ophthalmology como descritores e seus respectivos termos em português. Foram inclusos nesse trabalho os artigos que citavam em seus resumos alterações oculares resultantes da microgravidade e efeitos oftalmológicos da radiação cósmica e alterações vasculares em astronautas durante as missões espaciais. Foram achados 20 e então excluídos 8 por não mencionarem essas alterações nos resumos. Desse modo, foram selecionados 12 artigos sendo todos os idiomas contemplados para a inclusão na pesquisa.

RESULTADOS

As alterações oculares denotadas por essa revisão narrativa são resultantes da microgravidade e da radiação cósmica. (Quadro 1) Sendo assim, os estudos analisados afirmam que o olho é uma estrutura bastante sensível ao contexto espacial, desse modo, alterações como edema de disco óptico, manchas retinianas em algodão, dobras de coroide, catarata são vistos.

Quadro 1
Análise dos estudos que sinalizam alterações no sistema visual provocadas pela exposição à microgravidade e à radiação

Somado a isso, ainda pode ter acometimento do sistema cardiovascular que repercute no sistema visual, no qual, devido a gravidade, há uma congestão venosa levando alterações no fundo do olho como: papiledema e inchaço periorbital. Achados de imagens como protusão do nervo óptico e achatamento do globo posterior são também descritas em decorrência da ida do homem ao espaço.

Ademais, a exposição prolongada a microgravidade gera o aumento da pressão intracraniana (PIC) que se apresenta clinicamente com distúrbios visuais, náuseas, vômitos em jatos e cefaleia. Além disso, são descritos a suscetibilidade ao câncer, à alterações degenerativas e distróficas. O fenômeno de fosfena é resultante da interação da retina com partículas iônicas e foi descrito por alguns astronautas. Ainda pode ser visto dobras da coroide resultante do papiledema.

DISCUSSÃO

Desde a primeira viagem interplanetária ficou claro que os riscos para a saúde dos humanos no espaço dependem do tempo e da distância da viagem espacial.(77 Kandarpa K, Schneider V, Ganapathy K. Human health during space travel: an overview. Neurol India. 2019;67(8 Suppl):S176-81.,1010 West JB. Physiology in microgravity. J Appl Physiol (1985). 2000;89(1):379-84.) Com o desenvolvimento de novos programas espaciais americanos como Gemini e Apollo, novos parâmetros fisiológicos passaram a ser estudados.(1010 West JB. Physiology in microgravity. J Appl Physiol (1985). 2000;89(1):379-84.) Os principais foram: perda de densidade óssea, perda de cálcio ósseo, nitrogênio muscular e da massa de células vermelhas, sendo resultantes da alta taxa metabólica do organismo durante as missões.(1010 West JB. Physiology in microgravity. J Appl Physiol (1985). 2000;89(1):379-84.

11 Michael AP, Marshall-Bowman K. Spaceflight-Induced Intracranial Hypertension. Aerosp Med Hum Perform. 2015;86(6):557-62.
-1212 Homick JL. Space motion sickness. Acta Astronaut. 1979;6(10):1259-72.)

Sendo assim, para explicar essas alterações, pode-se lembrar que a atmosfera terrestre é conhecida como "escudo protetor da Terra", que envolve e protege o planeta dos raios cósmicos advindos dos corpos celestes. Além disso, exerce uma força constante e unidirecional, a gravidade, sobre os corpos que nela estão.(66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.) Quando presente fora desse "escudo", o corpo humano está sujeito a ação da radiação cósmica.(66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.)

Um estudo realizado com cosmonautas da estação espacial internacional evidenciou que um terço dos tripulantes que retornavam ao planeta apresentavam sintomas oculares resultantes do aumento da PIC e da radiação presente no espaço.(1313 Reichhardt T, Abbott A, Saegusa A. Science struggles to gain respect on the space station. Nature. 1998;391(6669):732-7.)

Essas alterações ocorrem pois os olhos são estruturas bastante suscetíveis à radiação cósmica já que há descontinuidade da pele, uma importante barreira de proteção.(66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.) Segundo Cucinotta et al., (1414 Cucinotta F, Cacao E, Kim MH, Saganti P. Non-targeted effects lead to a paradigm shift in risk assessment for a mission to the earth's moon or martian moon phobos. Radiat Prot Dosimetry. 2018;183(1/2):213-8.) a probabilidade de astronautas desenvolverem câncer secundário à radiação está intimamente ligada ao tempo de exposição e idade do indivíduo.(1414 Cucinotta F, Cacao E, Kim MH, Saganti P. Non-targeted effects lead to a paradigm shift in risk assessment for a mission to the earth's moon or martian moon phobos. Radiat Prot Dosimetry. 2018;183(1/2):213-8.,1515 Takahashi A, Ikeda H, Yoshida Y. Role of high-linear energy transfer radiobiology in space radiation exposure risks. Int J Part Ther. 2018;5(1):151-9.)

O cristalino se apresenta como uma estrutura do sistema visual bastante radiossensível e pode sofrer opacificação quando exposto à níveis de radiação abaixo de 0,5 Gy.(1616 Kleiman NJ, Stewart FA, Hall EJ. Modifiers of radiation effects in the eye. Life Sci Space Res (Amst). 2017;15:43-54.) A radiação atua nos tecidos do corpo humano através de dois principais mecanismos.(66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.) O primeiro é proveniente de lesão direta, causando mutações irreparáveis até a morte celular.(66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.,1717 Okuno E. Efeitos biológicos das radiações ionizantes. Acidente de Goiânia. Estud Av. 2013;27(77):185-200.) O segundo, o mecanismo indireto, vai ocorrer a formação de radicais livres gerando desequilíbrio das moléculas próximas.(1717 Okuno E. Efeitos biológicos das radiações ionizantes. Acidente de Goiânia. Estud Av. 2013;27(77):185-200.)

Ademais, a exposição à radiação cósmica varia com a atmosfera de cada planeta ou satélite.(66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.) (Figura1) A superfície lunar, por exemplo, apresenta níveis de radiação superiores aos encontrados em Marte, isso porque a Lua possui uma pequena camada de gás circundando-a enquanto Marte apresenta uma atmosfera mais espessa.(1515 Takahashi A, Ikeda H, Yoshida Y. Role of high-linear energy transfer radiobiology in space radiation exposure risks. Int J Part Ther. 2018;5(1):151-9.,1818 Sato T, Nagamatsu A, Ueno H, Kataoka R, Miyake S, Takeda K, et al. Comparison of cosmic-ray environments on Earth, Moon, Mars and in spacecraft using phits. Radiat Prot Dosimetry. 2018;180(1-4):146-9.)

Figura 1
Taxa de exposição à radiação cósmica em diferentes ambientes*.

*Figura desenhada por Cunha CEX. (2020) usando recursos do Freepik.com (https://br.freepik.com/)

Diferentes ambientes no sistema solar com taxa de radiação inversamente proporcional a espessura da atmosfera/estrutura segundo Sato et al. (1818 Sato T, Nagamatsu A, Ueno H, Kataoka R, Miyake S, Takeda K, et al. Comparison of cosmic-ray environments on Earth, Moon, Mars and in spacecraft using phits. Radiat Prot Dosimetry. 2018;180(1-4):146-9.)


Existem dois fenômenos oftalmológicos que decorrerem da exposição do sistema ocular à radiação: fosfena e catarata.(66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.) O primeiro é resultante da interação da radiação com o humor vítreo e o cristalino sendo descritos pelos astronautas como pontos brancos em movimento ou estacionários que interferem na leitura, condução e função visual normal.(66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.,1919 Sannita WG, Narici L, Picozza P. Positive visual phenomena in space: A scientific case and a safety issue in space travel. Vision Res. 2006;46(14):2159-65.,2020 Zhang K, Zhu X, Lu Y. The Proteome of cataract markers: focus on crystallins. Adv Clin Chem. 2018;86:179-210.)

O segundo é o efeito de indução da catarata nos tripulantes expostos a radiação sendo que quanto maior a dose, maior a probabilidade de desenvolver a patologia, (66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.) além do aumento da prevalência em astronautas que participaram de missões lunares ou de alta inclinação sendo resultante da ação dos raios cósmicos galácticos de high-LET(66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.,1919 Sannita WG, Narici L, Picozza P. Positive visual phenomena in space: A scientific case and a safety issue in space travel. Vision Res. 2006;46(14):2159-65.) (Figura 2). A catarata é caracterizada pela opacificação do cristalino que é uma lente que participa do processo de acomodação visual e focalização dos raios de luz na retina.(2020 Zhang K, Zhu X, Lu Y. The Proteome of cataract markers: focus on crystallins. Adv Clin Chem. 2018;86:179-210.,2121 Helene O, Helene AF. Alguns aspectos da óptica do olho humano. Rev Bras Ensino Fis. 2011;33(3):1-8.)

Figura 2
Principais alterações estruturais e fisiológicas provocadas pela microgravidade e pela radiação cósmica*.

*Figura desenhada por Cunha CEX. (2020) usando recursos do Freepik.com (https://br.freepik.com/)

Mecanismos fisiopatológicos descritos por Aleci.(66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.)


A fisiopatologia da catarata envolve modificações pós-traducionais de proteínas formadoras do cristalino que ocorrem por influência genética ou até mesmo por dano direto ao DNA celular.(2020 Zhang K, Zhu X, Lu Y. The Proteome of cataract markers: focus on crystallins. Adv Clin Chem. 2018;86:179-210.) A radiação cósmica high-LET causam danos ao DNA por induzirem a formação de radicais livres como espécies reativas de oxigênio.(66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.,2222 Ivanov IV, Mappes T, Schaupp P, Lappe C, Wahl S. Ultraviolet radiation oxidative stress affects eye health. J Biophotonics. 2018;11(7):e201700377.) Em decorrência disso, há desregulação entre a diferenciação de células epiteliais lenticulares em fibras lenticulares deixando o cristalino opaco e com consequente diminuição na acuidade visual do indivíduo.(2020 Zhang K, Zhu X, Lu Y. The Proteome of cataract markers: focus on crystallins. Adv Clin Chem. 2018;86:179-210.,2222 Ivanov IV, Mappes T, Schaupp P, Lappe C, Wahl S. Ultraviolet radiation oxidative stress affects eye health. J Biophotonics. 2018;11(7):e201700377.)

A microgravidade também resulta em alterações estruturais do sistema visual.(1414 Cucinotta F, Cacao E, Kim MH, Saganti P. Non-targeted effects lead to a paradigm shift in risk assessment for a mission to the earth's moon or martian moon phobos. Radiat Prot Dosimetry. 2018;183(1/2):213-8.) Há fragmentação do DNA celular com danos a matriz celular e mutação no núcleo da célula. Ademais, ela é responsável por alterações cardiovasculares e esqueléticas.(66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.,88 Lee SH, Dudok B, Parihar VK, Jung KM, Zöldi M, Kang YJ, et al. Neurophysiology of space travel: energetic solar particles cause cell type-specific plasticity of neurotransmission. Brain Struct Funct. 2017;222(5):2345-57.)

Segundo o departamento de medicina da National Astronautics and Spaces Administration's (NASA) foram documentadas modificações patológicas nos olhos de astronautas de voos espaciais de longa duração.(88 Lee SH, Dudok B, Parihar VK, Jung KM, Zöldi M, Kang YJ, et al. Neurophysiology of space travel: energetic solar particles cause cell type-specific plasticity of neurotransmission. Brain Struct Funct. 2017;222(5):2345-57.) O edema de disco óptico, achatamento de globo ocular, prega coroide, manchas em algodão e erros refrativos são os achados patológicos mais documentados pela NASA.(88 Lee SH, Dudok B, Parihar VK, Jung KM, Zöldi M, Kang YJ, et al. Neurophysiology of space travel: energetic solar particles cause cell type-specific plasticity of neurotransmission. Brain Struct Funct. 2017;222(5):2345-57.) (Figura 2) Foi realizado um estudo com astronautas de missões espaciais de longa duração no qual 60% apresentaram déficits na acuidade visual para perto e para longe.(2323 Carlotti JR CG, Colli BO, Dias LA. Hipertensão intracraniana. Medicina (Ribeirão Preto). 1998;31(4):552-62.)

Outra pesquisa realizada por Kramer et al.(99 Kramer LA, Sargsyan AE, Hasan KM, Polk JD, Hamilton DR. Orbital and intracranial effects of microgravity: findings at 3-T MR imaging. Radiology. 2012;263(3):819-27.) mostrou resultado nos exames de imagem da influência da microgravidade sobre a órbita sendo observado protusão do nervo óptico em quatro (15%) dos vinte e sete astronautas e achatamento do globo posterior em sete (26%) do mesmo total.(1010 West JB. Physiology in microgravity. J Appl Physiol (1985). 2000;89(1):379-84.)

Já no sistema cardiovascular a microgravidade atua diminuindo as forças hidrostáticas e, consequentemente, o bombeamento do coração.(1010 West JB. Physiology in microgravity. J Appl Physiol (1985). 2000;89(1):379-84.) Sendo assim, há uma redistribuição de sangue para a parte superior do corpo, com isso ocorre ingurgitamento de sangue arterial e distensão no sistema jugular venoso.(66 Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.

7 Kandarpa K, Schneider V, Ganapathy K. Human health during space travel: an overview. Neurol India. 2019;67(8 Suppl):S176-81.
-88 Lee SH, Dudok B, Parihar VK, Jung KM, Zöldi M, Kang YJ, et al. Neurophysiology of space travel: energetic solar particles cause cell type-specific plasticity of neurotransmission. Brain Struct Funct. 2017;222(5):2345-57.,1010 West JB. Physiology in microgravity. J Appl Physiol (1985). 2000;89(1):379-84.) Comumente, os astronautas cursam com inchaço ao redor da órbita e edema facial.(1010 West JB. Physiology in microgravity. J Appl Physiol (1985). 2000;89(1):379-84.)

Além disso, a drenagem do líquido cefalorraquidiano fica comprometida, sendo assim, uma vez que o sistema de drenagem do líquor está prejudicado, haverá acúmulo de líquido nos espaços intersticiais e/ ou intracelular.(88 Lee SH, Dudok B, Parihar VK, Jung KM, Zöldi M, Kang YJ, et al. Neurophysiology of space travel: energetic solar particles cause cell type-specific plasticity of neurotransmission. Brain Struct Funct. 2017;222(5):2345-57.,2323 Carlotti JR CG, Colli BO, Dias LA. Hipertensão intracraniana. Medicina (Ribeirão Preto). 1998;31(4):552-62.) Essa condição elevará a pressão intraocular, além da PIC, levando a edema de todo o aparelho.(2323 Carlotti JR CG, Colli BO, Dias LA. Hipertensão intracraniana. Medicina (Ribeirão Preto). 1998;31(4):552-62.,2424 Guerra RL, Silva IS, Guerra CL, Maia Júnior OO, Marback RL. Dobras de coroide. Rev Bras Oftalmol. 2013;72(5):348-51.)

Dentre os achados citados, destaca-se o papiledema, pela associação com HIC e por ser detectado pelo exame do fundo de olho.(2323 Carlotti JR CG, Colli BO, Dias LA. Hipertensão intracraniana. Medicina (Ribeirão Preto). 1998;31(4):552-62.) O edema cerebral irá comprimir o nervo óptico, dificultando a passagem de sangue pela veia oftálmica, logo, edemaciando o nervo.(2323 Carlotti JR CG, Colli BO, Dias LA. Hipertensão intracraniana. Medicina (Ribeirão Preto). 1998;31(4):552-62.)

Já as dobras de coroide são descritas como ondulações no epitélio pigmentado da retina, membrana de Bruch e porção interna coriocapilar, e podem ter várias etiologias, sendo associadas ao papiledema desde o primeiro registro na literatura.(2424 Guerra RL, Silva IS, Guerra CL, Maia Júnior OO, Marback RL. Dobras de coroide. Rev Bras Oftalmol. 2013;72(5):348-51.)

Outra repercussão ocular importante no ambiente de microgravidade é a hipóxia hipobárica, tal situação é decorrente de uma menor pressão parcial de oxigênio (O2) no ambiente extra-atmosférico.(2525 Wessel JH 3rd, Schaefer CM, Thompson MS, Norcross JR, Bekdash OS. Retrospective evaluation of clinical symptoms due to mild hypobaric hypoxia exposure in microgravity. Aerosp Med Hum Perform. 2018;89(9):792-7.) A menor pressão de O2 no sangue dificulta a oxigenação tecidual e requer mecanismos adaptativos que evitem hipóxia aos diversos tecidos humanos.(2626 Russo A, Agard E, Blein JP, Chehab HE, Lagenaite C, Ract-Madoux G, et al. Rétinopathie de haute altitude: à propos de 3 cas. J Fr Ophtalmol. 2014;37(8):629-34.)

Um estudo realizado pela NASA com 250 tripulantes do programa shuttle shuttle analisou indivíduos expostos a baixas pressões de O2 1-3 dias após término das suas missões.(2525 Wessel JH 3rd, Schaefer CM, Thompson MS, Norcross JR, Bekdash OS. Retrospective evaluation of clinical symptoms due to mild hypobaric hypoxia exposure in microgravity. Aerosp Med Hum Perform. 2018;89(9):792-7.) Desconforto gástrico , perda de apetite e cefaleia foram alguns achados encontrados , todavia, sintomas oculares também podem ocorrer como resultado da oxigenação falha da retina.(2525 Wessel JH 3rd, Schaefer CM, Thompson MS, Norcross JR, Bekdash OS. Retrospective evaluation of clinical symptoms due to mild hypobaric hypoxia exposure in microgravity. Aerosp Med Hum Perform. 2018;89(9):792-7.,2626 Russo A, Agard E, Blein JP, Chehab HE, Lagenaite C, Ract-Madoux G, et al. Rétinopathie de haute altitude: à propos de 3 cas. J Fr Ophtalmol. 2014;37(8):629-34.)

Hemorragia retiniana é a primeira manifestação da hipóxia hipobárica na vascularização da retina, somado a isso , pode haver hemorragia vítrea , edema de nervo óptico e oclusão de veia retiniana.(2626 Russo A, Agard E, Blein JP, Chehab HE, Lagenaite C, Ract-Madoux G, et al. Rétinopathie de haute altitude: à propos de 3 cas. J Fr Ophtalmol. 2014;37(8):629-34.)

CONCLUSÃO

Constata-se que com o lançamento do sputinik, a humanidade avançou notavelmente sua tecnologia, fabricando aeronaves melhores e mais seguras. Além disso, houve um amplo progresso no entendimento dos efeitos colaterais dessas viagens para o corpo humano. Isso nos fez compreender como a radiação e a microgravidade afetam o sistema óptico e os achados clínicos decorrentes da viagem espacial.

Dessa forma, depreende-se a importância de preservar a saúde visual dos astronautas não apenas debruçando-se mais sobre o assunto, mas também desenvolvendo tecnologias que os protejam e os mantenham cada vez mais seguros, com o mínimo de alterações possíveis.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Launius RD. The historical dimension of space exploration. Reflections and possibilities. Space Policy. 2000;16(1):23-38.
  • 2
    Berry CA, Hoffler GW, Jernigan CA, Kerwin JP, Mohler SR. History of space medicine: the formative years at NASA. Aviat Space Environ Med. 2009;80(4):345-52.
  • 3
    Launius RD. Interpreting the moon landings: project apollo and the historians. Hist Technol. 2006;22(3):225-55.
  • 4
    Hodkinson PD, Anderton RA, Posselt BN, Fong KJ. An overview of space medicine. Br J Anaesth. 2017 ;119 Suppl_1:i143-53.
  • 5
    Capova KA. The New Space Age in the making: emergence of exo-mining, exo-burials and exo-marketing. Int J Astrobiol. 2016;15(4):307-10.
  • 6
    Aleci C. From international ophthalmology to space ophthalmology: the threats to vision on the way to Moon and Mars colonization. Int Ophthalmol. 2020;40(3):775-86.
  • 7
    Kandarpa K, Schneider V, Ganapathy K. Human health during space travel: an overview. Neurol India. 2019;67(8 Suppl):S176-81.
  • 8
    Lee SH, Dudok B, Parihar VK, Jung KM, Zöldi M, Kang YJ, et al. Neurophysiology of space travel: energetic solar particles cause cell type-specific plasticity of neurotransmission. Brain Struct Funct. 2017;222(5):2345-57.
  • 9
    Kramer LA, Sargsyan AE, Hasan KM, Polk JD, Hamilton DR. Orbital and intracranial effects of microgravity: findings at 3-T MR imaging. Radiology. 2012;263(3):819-27.
  • 10
    West JB. Physiology in microgravity. J Appl Physiol (1985). 2000;89(1):379-84.
  • 11
    Michael AP, Marshall-Bowman K. Spaceflight-Induced Intracranial Hypertension. Aerosp Med Hum Perform. 2015;86(6):557-62.
  • 12
    Homick JL. Space motion sickness. Acta Astronaut. 1979;6(10):1259-72.
  • 13
    Reichhardt T, Abbott A, Saegusa A. Science struggles to gain respect on the space station. Nature. 1998;391(6669):732-7.
  • 14
    Cucinotta F, Cacao E, Kim MH, Saganti P. Non-targeted effects lead to a paradigm shift in risk assessment for a mission to the earth's moon or martian moon phobos. Radiat Prot Dosimetry. 2018;183(1/2):213-8.
  • 15
    Takahashi A, Ikeda H, Yoshida Y. Role of high-linear energy transfer radiobiology in space radiation exposure risks. Int J Part Ther. 2018;5(1):151-9.
  • 16
    Kleiman NJ, Stewart FA, Hall EJ. Modifiers of radiation effects in the eye. Life Sci Space Res (Amst). 2017;15:43-54.
  • 17
    Okuno E. Efeitos biológicos das radiações ionizantes. Acidente de Goiânia. Estud Av. 2013;27(77):185-200.
  • 18
    Sato T, Nagamatsu A, Ueno H, Kataoka R, Miyake S, Takeda K, et al. Comparison of cosmic-ray environments on Earth, Moon, Mars and in spacecraft using phits. Radiat Prot Dosimetry. 2018;180(1-4):146-9.
  • 19
    Sannita WG, Narici L, Picozza P. Positive visual phenomena in space: A scientific case and a safety issue in space travel. Vision Res. 2006;46(14):2159-65.
  • 20
    Zhang K, Zhu X, Lu Y. The Proteome of cataract markers: focus on crystallins. Adv Clin Chem. 2018;86:179-210.
  • 21
    Helene O, Helene AF. Alguns aspectos da óptica do olho humano. Rev Bras Ensino Fis. 2011;33(3):1-8.
  • 22
    Ivanov IV, Mappes T, Schaupp P, Lappe C, Wahl S. Ultraviolet radiation oxidative stress affects eye health. J Biophotonics. 2018;11(7):e201700377.
  • 23
    Carlotti JR CG, Colli BO, Dias LA. Hipertensão intracraniana. Medicina (Ribeirão Preto). 1998;31(4):552-62.
  • 24
    Guerra RL, Silva IS, Guerra CL, Maia Júnior OO, Marback RL. Dobras de coroide. Rev Bras Oftalmol. 2013;72(5):348-51.
  • 25
    Wessel JH 3rd, Schaefer CM, Thompson MS, Norcross JR, Bekdash OS. Retrospective evaluation of clinical symptoms due to mild hypobaric hypoxia exposure in microgravity. Aerosp Med Hum Perform. 2018;89(9):792-7.
  • 26
    Russo A, Agard E, Blein JP, Chehab HE, Lagenaite C, Ract-Madoux G, et al. Rétinopathie de haute altitude: à propos de 3 cas. J Fr Ophtalmol. 2014;37(8):629-34.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2021

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2020
  • Aceito
    06 Nov 2020
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br