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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, TRABALHO E PRODUTIVIDADE

HUMAN + MACHINE: REIMAGINING WORK IN THE AGE OF AIPaul, R. Daugherty; Wilson, H. James. . Boston, USA: Harvard Business Review Press, 2018. Edição do Kindle.

Os avanços recentes das novas tecnologias prometem revolucionar diferentes dimensões da vida social, sobretudo o mercado de trabalho. Especialmente nesse campo, as atenções de inúmeros pesquisadores têm se voltado para as possibilidades de ampliação da automação e para a destruição de empregos que ela pode gerar (Frey & Osborne, 2013Frey, C. B., & Osborne, M. A. (2013). The future of employment: How susceptible are jobs to computerisation? The Oxford Martin Programme on Technology and Employment. Retrieved from https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/future-of-employment.pdf
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). Sem descartar esse risco, Paul R. Daugherty e H. James Wilson - executivos seniores da consultoria global Accenture - exploram uma possibilidade alternativa: a criação de tarefas de trabalho ou mesmo de empregos completamente novos ligados à Inteligência Artificial (IA), entendida como “[...] sistemas que ampliam a capacidade humana ao detectar, compreender, agir e aprender”

Em um estudo global com 1.500 empresas usando ou testando essa tecnologia, os pesquisadores encontraram tarefas e empregos do gênero em cerca de 9% do universo pesquisado. Nesse rol, estão as gigantes da tecnologia, mas também firmas de outros segmentos, como Coca-Cola e a mineradora Rio Tinto, denotando o impacto pervasivo das novas tecnologias. Os autores apontam que a característica comum aos membros desse seleto grupo é o cuidado com o meio ausente.

A palavra meio refere-se a dinâmicas de trabalho em que humanos e máquinas colaboram de maneira bastante estreita uns com os outros, em uma situação que se aproxima da simbiose. Nessas parcerias orgânicas, os humanos permitem às máquinas fazerem o que fazem melhor: realizar atividades repetitivas, analisar grandes quantidades de dados e lidar com casos rotineiros. Sendo a recíproca verdadeira, as máquinas permitem aos humanos se verem “turbinados” na realização de tarefas como a resolução de informações ambíguas, o exercício de julgamento em casos difíceis e o contato com clientes insatisfeitos. Já a palavra ausente procura registrar que, apesar de indispensável, o meio é muito pouco discutido, recebendo a atenção de um número diminuto de empresas. Entre as novas profissões e tarefas, estão, por exemplo, os “explicadores” - responsáveis por elucidar a membros de suas organizações decisões e recomendações feitas por máquinas, uma vez que o funcionamento dos algoritmos que embasam tais decisões e recomendações tem se tornado nebuloso mesmo para quem trabalha com eles diretamente.

Ao promoverem essa forte conexão entre seus funcionários e as tecnologias ligadas à IA, as empresas em questão estão conseguindo atender com agilidade demandas flutuantes e pedidos customizados de seus clientes. Por essa razão, os autores concluem que as organizações estudadas estão utilizando a IA para potencializar a relação entre humanos e máquinas (e, assim, aumentar a produtividade), e não para a promoção de rodadas maciças de automação. Por isso, apostam os pesquisadores, empresas que utilizarem a IA apenas para a substituição de trabalhadores terão apenas ganhos circunstanciais com ela.

Daugherty e Wilson observaram, ainda, novos e bem-sucedidos tipos de interação entre humanos e máquinas em profissões e tarefas de áreas diversas. Ou seja, mesmo em atividades e habilidades consideradas mais simples, as novas tecnologias não seriam um perigo iminente aos trabalhadores. Como notam os pesquisadores no caso da empresa General Electric, “[ela] e os clientes que compram seus equipamentos sempre precisarão de funcionários para manutenção, e precisarão também que estes funcionários estejam aptos a trabalhar bem com sistemas novos que podem fundir de novas maneiras as habilidades deles com tecnologias avançadas”. Nesse caso, o bom desempenho dos funcionários depende da capacidade de formular questões aos softwares com os quais trabalham de modo a obterem as informações que precisam, como históricos de reparos e taxas de desgaste do produto que devem consertar. Os autores denominam essa habilidade interrogação inteligente. Nas empresas de vanguarda, ela é uma entre outras capacidades que as lideranças organizacionais vêm procurando desenvolver entre seus colaboradores com o objetivo de preencher o meio ausente, e que, por isso, são chamadas, por Daugherty e Wilson, de habilidades de fusão.

Os autores não esclarecem, no entanto, como as habilidades em questão vêm sendo desenvolvidas pelas empresas estudadas, assim como não investigam o processo de criação de novas tarefas e de novos empregos. Preencher essas lacunas é fundamental para que agendas de pesquisa de outras áreas possam progredir. Tomemos como exemplo o modelo baseado em tarefas, que assume como unidade de análise as atividades que, somadas, constituem as diferentes ocupações. Um de seus principais representantes é o estudo de James Manyika, Michael Chui, Mehdi Miremadi, Jacques Bughin, Katy George, Paul Willmott e Martin Dewhurst (2017)Manyika, J., Chui, M., Miremadi, M., Bughin, J., George, K., Willmott, P., & Dewhurst, M. (2017). A future that works: Automation, employment, and productivity - Executive summary. McKinsey Global Institute. Retrieved from https://www.mckinsey.com/~/media/mckinsey/featured%20insights/Digital%20Disruption/Harnessing%20automation%20for%20a%20future%20that%20works/MGI-A-future-that-works-Executive-summary.ashx
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. Os autores analisaram, em escala global, 2 mil tarefas de trabalho em 800 ocupações diferentes, e concluíram que metade dessas atividades (em um total de US$ 15 trilhões em salários) poderia ser automatizada a partir de adaptações de tecnologias já existentes. Em relação às ocupações, menos de 5% poderiam ser automatizadas integralmente e, das 800 analisadas, 60% apresentam pelo menos 30% de tarefas automatizáveis.

O olhar granular para o trabalho rende duas virtudes à abordagem em questão: (i) permite análises parcimoniosas sobre o número de vagas a serem criadas e destruídas pelas novas tecnologias, desencorajando visões distópicas de um futuro sem empregos; (ii) incentiva investigações sobre mudanças na natureza do trabalho - por exemplo, no universo de Daugherty e Wilson, o modo como os funcionários de manutenção desempenham seu papel. Para que o modelo baseado em tarefas avance, outras incursões no interior de unidades produtivas são necessárias. Afinal, como apontam os economistas Daron Acemoglu e Pascual Restrepo (2018)Acemoglu, D., & Restrepo, P. (2018). Artificial intelligence, automation and work [Working Paper #24196]. NBER - The National Bureau of Economic Research. doi: 10.3386/w24196
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, a criação e a destruição de tarefas “[...] não é um processo autônomo que avança a uma taxa predeterminada, mas sim um processo cuja velocidade e natureza são moldadas por decisões das firmas, dos trabalhadores e de outros atores sociais” (p. 2).

Apesar de suas lacunas, o trabalho de Daugherty e Wilson é importante para entendermos esse processo, sobretudo pelas questões que suscita nos leitores: (i) Quando tarefas são extintas, em que se baseia a decisão de retreinar ou de demitir funcionários? E, quando são criadas, as empresas têm conseguido encontrar funcionários qualificados no mercado? Em caso negativo, as estratégias de formação de mão de obra têm sido mais do tipo in house ou em parceria com instituições de ensino técnico? Em outros termos, essas estratégias têm variado de acordo com a estrutura das relações trabalhistas de cada país (como prevê a literatura sociológica de variedades de capitalismo, ligada a Hall e Soskice [2001]Hall, P., & Soskice, D. (2001).Varieties of capitalism: the institutional foundations of comparative advantage. USA: Oxford University Press.)? (ii) Por mais que uma dada empresa entenda investimentos em novas tecnologias como investimento em talento humano, o risco de extinção de vagas é sempre uma possibilidade. Movidos pela ansiedade, quais estratégias os funcionários têm adotado para barrar a adoção dessas tecnologias e como as lideranças organizacionais têm procurado contorná-las?

Como se pode perceber, Human + machine: Reimagining work in the age of AI é obra provocadora e instigante. Mais: é estratégica à formação de agendas de pesquisa interdisciplinares preocupadas em investigar os rumos do trabalho e da produtividade.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2020
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