Acessibilidade / Reportar erro

Interações medicamentosas potenciais entre medicamentos psicotrópicos dispensados

Potential drug-drug interactions between psychotropic drugs

RESUMO

Objetivo

Estimar a frequência e caracterizar as interações medicamentosas potenciais entre fármacos psicotrópicos sujeitos a controle especial pela portaria 344/98 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os quais foram prescritos e dispensados em uma farmácia pública do Município de Cascavel, Paraná.

Métodos

Estudo retrospectivo com desenho seccional foi realizado em uma Farmácia Pública Municipal. A amostra foi composta por prescrições de medicamentos sujeitos a controle especial, dispensados entre primeiro de julho a 31 de agosto de 2010. As prescrições retidas na farmácia foram analisadas retrospectivamente e as informações, coletadas. As interações medicamentosas potenciais foram identificadas em 824 prescrições.

Resultados

As prescrições eram na maioria para pacientes do sexo feminino e com idade entre 19 e 59 anos. Em relação à especialidade do prescritor, 30,6% foram prescritas por psiquiatra. Em 77,9% das prescrições identificou-se pelo menos uma interação medicamentosa potencial. Foram descritas 54 diferentes interações medicamentosas potenciais, sendo 34 graves e 20 moderadas. Encontrou-se uma correlação linear entre medicamentos prescritos e interações medicamentosas potenciais (p valor < 0,001).

Conclusão

O presente estudo identificou uma alta frequência de interações medicamentosas potenciais envolvendo fármacos de controle especial e uma associação positiva entre o número de fármacos prescritos com a maior frequência dessas interações.

Interações de medicamentos; psicotrópicos; medicamentos sob prescrição; pacientes ambulatoriais

ABSTRACT

Objective

The aim of this study was to estimate the frequency and classify the potential drug-drug interactions that occur between psychotropic drugs subject to special control by Decree Order 344/98 of National Health Surveillance Agency (Anvisa), which were prescribed and were dispensed in a public pharmacy of the Cascavel City, Paraná.

Methods

A descriptive cross-sectional study was performed in a public community pharmacy in a city of Parana. The sample was the prescriptions of drugs subject to special control, dispensed between day 1 July 2010 to 31 August of the same year. The prescriptions retained in the public pharmacy were retrospectively analyzed and the information collected. The potential drug-drug interactions were identified in 824 prescriptions.

Results

The prescriptions were mostly for female patients, with aged between 19 and 59 years old. Regarding the prescriber specialty, psychiatrist prescribed 30.6% of prescriptions. In 77.9% of them at least one potential drug-interaction has been identified. Fifty-four different potential drug interactions have been reported, with 34 serious and 20 moderate. There was a linear correlation between prescribed medication and potential drug interactions (p < 0.001).

Conclusion

The present study showed a high frequency of potential drug interactions involving special control drugs and positive association between the number of drugs prescribed as often these interactions.

Drug interactions; psychotropic drugs; prescription drugs; outpatients

INTRODUÇÃO

Os medicamentos constituem uma importante estratégia terapêutica na atualidade e são utilizados em larga escala. Entretanto, existem riscos inerentes à sua ação farmacológica ou ligados ao seu processo de utilização que podem levar ao desenvolvimento de eventos adversos a medicamentos (EAM). Um fator contribuinte para o aparecimento de um EAM pode ser devido a uma interação medicamentosa11. Lafata JE, Schultz L, Simpkins J, Chan KA, Horn JR, Kaatz SDO, et al. Potential drug-drug interactions in the outpatient setting. Med Care. 2006;44(6):534-41..

Uma interação medicamentosa é definida como o fenômeno que ocorre quando os efeitos ou a farmacocinética de um fármaco são alterados pela administração prévia ou coadministração de um segundo fármaco22. Tatro DS. Drug interaction facts. Saint Louis, Mo.: Wolters Kluwer Health/Facts & Comparisons, 2011.. As associações medicamentosas podem ser benéficas quando proporcionam um melhor efeito terapêutico ou uma redução da toxicidade, entretanto, podem ser prejudiciais quando favorecem o aparecimento de reações adversas ou diminuição do efeito de um ou ambos os fármacos33. Fleite CP, Sánchez OMM, Moreno MR, Ferral NY. Importancia clínica de las interacciones medicamentosas. Rev Cubana Hig Epidemiol. 2000;38(1):48-52..

Embora as interações medicamentosas sejam consideradas um problema relacionado com medicamentos que pode ser evitado44. Juurlink DN, Mamdani M, Kopp A, Laupacis A, Redelmeier DA. Drug-Drug Interactions Among Elderly Patients Hospitalized for Drug Toxicity. JAMA. 2003;289(13):1652-8., a polifarmácia tornou-se útil no tratamento de patologias coexistentes, no controle de reações medicamentosas indesejadas ou para potencializar o efeito farmacológico em condições refratárias e pouco responsivas55. Marcolin MA, Cantarelli MG, Garcia Junior M. Interações farmacológicas entre medicações clínicas e psiquiátricas. Rev Psiq Clin. 2004;31:70-81..

A ocorrência de interações medicamentosas e suas implicações clínicas despertam particular interesse nas áreas da neurologia e psicofarmacologia, pois a polifarmácia é prática frequente nessas áreas55. Marcolin MA, Cantarelli MG, Garcia Junior M. Interações farmacológicas entre medicações clínicas e psiquiátricas. Rev Psiq Clin. 2004;31:70-81.,66. Oga S, Basile AC, Carvalho MF. Guia de interações medicamentosas. Zanini-Oga. São Paulo: Atheneu; 2002. e tem aumentado progressivamente77. Davies SJ, Eayrs S, Pratt P, Lennard MS. Potential for drug interactions involving cytochromes P450 2D6 and 3A4 on general adult psychiatric and functional elderly psychiatric wards. Br J Clin Pharmacol. 2004;57: 464-72.. Muitos desses fármacos podem estar associados a interações medicamentosas com riscos aos pacientes66. Oga S, Basile AC, Carvalho MF. Guia de interações medicamentosas. Zanini-Oga. São Paulo: Atheneu; 2002..

Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi estimar a frequência e caracterizar as interações medicamentosas potenciais ocorridas entre fármacos psicotrópicos sujeitos a controle especial listados na portaria 344/98 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)88. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 344, de 12 de maio de 1998. Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 27. dez. 1978., os quais se encontravam prescritos e foram dispensados em uma farmácia pública de um Município de Cascavel, Paraná.

MÉTODOS

Desenho e população do estudo

A pesquisa teve caráter retrospectivo com desenho seccional, sendo realizada em uma farmácia pública do Município. Foram analisadas retrospectivamente as prescrições dos fármacos pertencentes à lista de medicamentos sujeitos a controle especial pela portaria 344/98 da Anvisa, dispensadas entre o dia primeiro de julho de 2010 a 31 de agosto do mesmo ano. A população do estudo foi constituída de 2.768 prescrições médicas retidas no estabelecimento e para a análise de interações medicamentosas potenciais foram consideradas 860 prescrições, as quais possuíam dois ou mais medicamentos prescritos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Parecer 079/2010-CEP).

Coleta de dados

As prescrições retidas na farmácia foram lidas e suas informações coletadas, em duplicata, de modo independente, por um grupo de quatro acadêmicos do curso de farmácia. As divergências foram resolvidas por uma acadêmica e supervisionada por uma pesquisadora com experiência em Farmacoepidemiologia. Consideraram-se informações pertinentes à pesquisa as seguintes variáveis: idade, sexo, especialidade do prescritor (neurologia, psiquiatria, clínico geral, outros), medicamento prescrito e número de medicamentos prescritos.

Fonte de informação e seleção dos pares de medicamentos que possivelmente interagem

Os medicamentos aqui considerados foram os presentes na lista de medicamentos sujeitos a controle especial pela portaria 344/98 da Anvisa e que compõem a Relação Municipal de Medicamentos do Município (Remume).

As possíveis interações medicamentosas descritas para cada par de medicamentos considerados foram identificadas em uma pesquisa na literatura especializada, Micromedex®9. A classificação de gravidade apresentada nesta base de dados foi usada e, para fins deste estudo, foram consideradas apenas as interações de gravidade maior e moderada.

Análise de dados

Os dados foram processados com o auxílio do Epidata 3.0 e a análise estatística descritiva foi realizada com o auxílio do programa SPSS 17.0. As potenciais interações relatadas na literatura foram identificadas em cada prescrição da amostra e sua presença contabilizada. As frequências absolutas e relativas das potenciais interações graves e moderadas foram apresentadas.

Também foi investigada a associação entre interação medicamentosa potencial e o tamanho da prescrição (número de fármacos) por meio de correlação de Sperman e análise de regressão linear, com intervalos de confiança de 95%.

RESULTADOS

As 824 prescrições que possuíam dois ou mais medicamentos prescritos, sujeitos a controle especial segundo a portaria 344/98 da Anvisa, foram incluídas no presente estudo. As prescrições eram na maioria para pacientes do sexo feminino e com idade entre 19 e 59 anos. Em relação à especialidade do prescritor, 30,6% foram prescritas por psiquiatra (Tabela 1). As prescrições apresentaram em média 2,54 (2-6) medicamentos.

Tabela 1
Característica dos pacientes que retiraram dois ou mais medicamentos de controle especial segundo portaria 344/98 da ANVISA, entre julho a agosto de 2010, em uma farmácia básica de um Município do Oeste do Paraná.

Em 642 das prescrições avaliadas foram identificadas 1.024 interações medicamentosas potenciais classificadas como graves ou moderadas, ou seja, 77,9% das prescrições apresentaram pelo menos uma interação medicamentosa potencial entre os fármacos prescritos.

Foram descritas 54 diferentes interações medicamentosas potenciais, sendo 34 dessas classificadas como graves e 20 como moderadas. Quanto às interações de maior gravidade, a que ocorreu com maior frequência foi a associação de fluoxetina com amitriptilina, resultando numa prevalência de 24,5%. Outra interação grave verificada foi entre os fármacos clorpromazina e haloperidol, representando 7,4% das prescrições (Tabela 2).

Tabela 2
Perfil das interações potenciais de maior gravidade entre os medicamentos sujeitos a controle especial segundo portaria 344/98 da Anvisa, usados por pacientes selecionados para o estudo que retiraram a medicação entre julho a agosto de 2010, em uma farmácia básica de um município do Oeste do Paraná

Já entre as interações de gravidade moderada aquela que apresentou uma maior frequência foi entre os medicamentos carbamazepina e fenobarbital (os dois medicamentos utilizados como anticonvulsivantes), representando 6,8% do total das prescrições. Outra interação importante foi entre a carbamazepina e haloperidol, que apresentou prevalência de 5,3% e amitriptilina com diazepam com 5,1% dos casos (Tabela 3).

Tabela 3
Perfil das interações potenciais de gravidade moderada entre os medicamentos sujeito a controle especial segundo portaria 344/98 da Anvisa, usados por pacientes selecionados para o estudo que retiraram a medicação entre julho a agosto de 2010, em uma farmácia básica de um município do Oeste do Paraná

Os dados que relacionam as interações entre fármacos e o número de medicamentos utilizados indicaram que, quando os pacientes possuíam prescrição com dois medicamentos, a possibilidade de uma interação medicamentosa potencial foi de 71,2%, podendo chegar a 100% em prescrições com seis medicamentos (Tabela 4). O gráfico de dispersão da figura 1 apresenta a correlação linear entre o número de medicamentos prescrito com o número de interações, o índice de correlação linear foi de 0,57 e a associação entre as duas variáveis foi significativa (p- valor < 0,001). Temos ainda que 53,6% (R22. Tatro DS. Drug interaction facts. Saint Louis, Mo.: Wolters Kluwer Health/Facts & Comparisons, 2011. 0,536) da variabilidade do número de interações pode ser explicada pelo número de medicamentos prescritos, e o parâmetro retornado da regressão linear indica que, para o aumento de um medicamento prescrito, aumenta em 13% (IC95%: 6-20) o número de interações medicamentosas potenciais, após o controle por idade e sexo.

Tabela 4
Relação entre o número de medicamentos usados com a frequência de interações medicamentosas potenciais entre os pacientes selecionados para o estudo que retiraram os medicamentos sujeitos a controle especial, segundo portaria 344/98 da Anvisa, entre julho a agosto de 2010, em uma farmácia básica de um município do Oeste do Paraná

Figura 1
Correlação entre o número de medicamentos prescritos com o número de potenciais interações medicamentosas apresentadas nas prescrições selecionadas de medicamentos sujeitos a controle especial, segundo a portaria 344/98 da Anvisa, entre julho a agosto de 2010, em uma farmácia básica de um município do Oeste do Paraná.

DISCUSSÃO

A análise retrospectiva das prescrições envolvendo medicamentos de controle especial demonstrou que aproximadamente 77,9% das prescrições avaliadas apresentaram uma interação medicamentosa potencial classificada como grave ou moderada. Essa frequência pode elevar-se progressivamente à medida que aumenta o número de medicamentos prescritos.

Souza et al.1010. Souza TT, Silva WB, Quintans JSS, Onofre ASC, Onofre FBM, Quintans-Júnior LJ. Drug utilization research in a primary mental health service in Northeast of Brazil. Rev Port Sau Pub. 2012;30(1):55-61., em estudo envolvendo 101 pacientes atendidos pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), identificaram 133 interações medicamentosas potenciais, o que representa uma taxa de 1,31 IMP por paciente, taxa próxima da encontrada no presente estudo, que foi de 1,24 IMP por prescrição (1.024 IMP em 824 prescrições). Já Andrade e Barreto-Neta1111. Andrade KVF, Barreto-Neta ZD. Perfil farmacoepidemiológico das interações medicamentosas potenciais em prescrições de psicofármacos. Rev Eletrônica Farm. 2014;11(4):72-85. avaliaram prescrições de um ambulatório de psiquiatria e identificaram 1.711 IMP em 782 prescrições analisadas (2,19 IMP por prescrição), entretanto, neste estudo os medicamentos prescritos não se limitaram aos presentes na REMUME, o que pode representa uma maior possibilidade de IMP justificando as maiores taxas por eles encontradas.

Do total de prescrições incluídas no presente estudo, apenas 33,5% apresentaram como prescritor médico especialista (neurologista ou psiquiatra), que provavelmente são os profissionais mais habilitados para o monitoramento de efeitos indesejados das interações medicamentosas. Outro fator que vem sendo relacionado com problemas na prescrição e uso de medicamentos baseia-se na falha de capacitação profissional, o que pode contribuir com diagnóstico equivocado da doença até prescrições de medicamentos desnecessárias1212. Fleck MPA, Laferb B, Sougeyc EB, Del Portod JA, Brasile MA, Juruenaf MF, et al. Diretrizes da Associação Médica Brasileira para tratamento da depressão. Rev Bras Psiquiatr. 2003;25(2):114-22..

Entre as interações encontradas, destaca-se a alta frequência do uso da amitriptilina e fluoxetina, a qual representa um total de 205 prescrições. Dados da literatura indicam que a fluoxetina pode aumentar três a quatro vezes a concentração plasmática de antidepressivos tricíclicos (ADT)1313. Westermeyer J. Fluoxetine-induced tricyclic toxicity: extent and duration. J Clin Pharmacol. 1991;31:388-92.. Isso ocorre porque a fluoxetina possui um efeito inibitório do citocromo P450, mais especificamente para a enzima CYP2D6, aumentando a concentração dos fármacos administrados concomitantemente e que possuem o mesmo mecanismo de biotransformação. Devido a essa inibição, há um aumento da concentração do ADT, o que pode resultar em toxicidade dos tricíclicos, levando a um quadro clínico de boca seca, retenção urinária, sedação e aumento do risco de cardiotoxicidade, que em casos graves pode resultar em parada cardíaca99. Micromedex DrugDex Drug Evaluations. Disponível em: www.periodicos.capes.gov.br. Acesso em: 12 abr. 2016.
www.periodicos.capes.gov.br...
.

Deve-se considerar, no entanto, que a combinação da terapia com fluoxetina e ADT pode ser usada para o tratamento de depressão resistente1313. Westermeyer J. Fluoxetine-induced tricyclic toxicity: extent and duration. J Clin Pharmacol. 1991;31:388-92.. Assim, as interações envolvendo esses fármacos poderiam estar sendo usadas para potencializar o tratamento medicamentoso e, em sendo o caso, o uso concomitante dos medicamentos deveria ser monitorado.

Nos casos das associações de amitriptilina e imipramina (11 prescrições) e de amitriptilina e clomipramina (7 prescrições), chama a atenção não pela frequência, mas pela duplicidade terapêutica. Essas associações podem levar ao aumento do risco de prolongamento do intervalo QT99. Micromedex DrugDex Drug Evaluations. Disponível em: www.periodicos.capes.gov.br. Acesso em: 12 abr. 2016.
www.periodicos.capes.gov.br...
, além de essa duplicidade não se justificar clinicamente1414. García NI, Jané CC, Creus MT, Dalmau LM, Vila RG, Sala JR. Evaluación de la integración del farmacéutico en equipos de atención de unidades de hospitalización. Farmácia Hosp (Madrid). 2002;18-27..

Entre os medicamentos que atuam no sistema nervoso central, temos vários que são classificados como de baixo índice terapêutico, entre eles o carbonato de lítio, o qual também está associado a seis distintas interações medicamentosas potenciais, quatro classificadas como graves (haloperidol, clorpromazina, risperidona e amitriptilina) e duas como moderadas (fluoxetina e carbamazepina). O uso concomitante de antagonistas dopaminérgicos D2, tais como haloperidol, clorpormazina e risperidona, pode resultar em fraqueza, discinesias, aumento dos sintomas extrapiramidais, encefalopatia e danos cerebrais. Já sua associação com amitriptilina ou fluoxetina pode levar a um aumento do risco de desenvolvimento de síndrome seretoninérgica, a qual pode ser fatal99. Micromedex DrugDex Drug Evaluations. Disponível em: www.periodicos.capes.gov.br. Acesso em: 12 abr. 2016.
www.periodicos.capes.gov.br...
.

Outra classe de medicamentos que merece atenção especial são os anticonvulsivantes, representados principalmente pelos barbitúricos (fenobarbital), e iminostilbenos (carbamazepina), reconhecidos indutores enzimáticos. O mecanismo da interação medicamentosa baseia-se na indução do citocromo P450, mais especificamente as famílias CYP3A e CYP2C – enzimas responsáveis pelo aumento do metabolismo – que pode resultar em autoindução, a qual diminui o efeito do próprio fármaco. Além disso, pode haver indução do metabolismo de outros fármacos administrados concomitantemente1515. MacNamara JO. Farmacoterapia das epilepsias. In: As bases farmacológicas da terapêutica. Brunton LL, Lazo JS, Parker KL. Rio de Janeiro: Mas Graw Hill; 2007. p. 447-68.. Entre as prescrições analisadas, foi possível observar que houve 56 prescrições que continham dois indutores enzimáticos, carbamazepina e fenobarbital. Tais associações podem resultar na diminuição da eficácia da carbamazepina, como a perda do controle das crises convulsivas99. Micromedex DrugDex Drug Evaluations. Disponível em: www.periodicos.capes.gov.br. Acesso em: 12 abr. 2016.
www.periodicos.capes.gov.br...
. Outras associações frequentes foram da carbamazepina com fenitoína, haloperidol, imipramina ou clomipramina, fármacos estes que, quando associados, podem ter sua efetividade diminuída99. Micromedex DrugDex Drug Evaluations. Disponível em: www.periodicos.capes.gov.br. Acesso em: 12 abr. 2016.
www.periodicos.capes.gov.br...
, sendo necessário, em alguns casos, o ajuste da dose22. Tatro DS. Drug interaction facts. Saint Louis, Mo.: Wolters Kluwer Health/Facts & Comparisons, 2011..

Um número maior de medicamentos prescritos estava associado linearmente com o número de interações medicamentosas potenciais encontradas. Esse resultado é corroborado por dados de estudos em hospitais1616. Sabin SE, Jurgen D, Raymond GS. Potential drug-drug interaction in the medication of medical patients at hospital discharge. Eur J Clin Pharmacol. 2003;58:773-8.. Estudos em pacientes idosos também demonstraram associação semelhante1717. Jeffery CD. Understanding and preventing drug interaction in elderly patients. Crit Rev Oncol Hematol. 2003;48(2):133-43..

No entanto, os dados aqui apresentados devem ser analisados considerando algumas limitações, entre elas se referem ao ano de 2010, e o perfil das prescrições e do atendimento de saúde no município analisado pode ter alterado. Há de se considerar que não houve investigação clínica dos pacientes que apresentaram possíveis interações medicamentosas para verificar a existência de um dano real causado pelo uso concomitante dos fármacos. Outra situação relevante é que apenas se avaliou a dispensação dos medicamentos prescritos, não havendo informações concisas sobre o uso e a forma com que tais medicamentos foram utilizados.

CONCLUSÃO

O presente estudo identificou uma alta frequência de interações medicamentosas potenciais envolvendo fármacos de controle especial. Também foram destacadas as principais interações potenciais graves e moderadas encontradas. Foi observada ainda uma associação positiva entre o número de fármacos prescritos com a maior frequência dessas interações medicamentosas potenciais.

Reconhecem-se a utilidade e a necessidade de associações medicamentosas para potencialização do tratamento em casos de depressão ou epilepsia refratárias, entretanto é necessário que a prescrição seja tão parcimoniosa quanto possível, uma vez que o aumento do número de fármacos encontra-se associado com a maior frequência de interações medicamentosas potenciais. Para isso, é importante que os profissionais da saúde, especialistas ou não, tenham formação para que usem racionalmente os medicamentos e saibam reconhecer as interações medicamentosas potenciais, bem como manejar, de forma adequada, possíveis eventos adversos que podem ser desencadeados pelo uso dessas associações.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Lafata JE, Schultz L, Simpkins J, Chan KA, Horn JR, Kaatz SDO, et al. Potential drug-drug interactions in the outpatient setting. Med Care. 2006;44(6):534-41.
  • 2
    Tatro DS. Drug interaction facts. Saint Louis, Mo.: Wolters Kluwer Health/Facts & Comparisons, 2011.
  • 3
    Fleite CP, Sánchez OMM, Moreno MR, Ferral NY. Importancia clínica de las interacciones medicamentosas. Rev Cubana Hig Epidemiol. 2000;38(1):48-52.
  • 4
    Juurlink DN, Mamdani M, Kopp A, Laupacis A, Redelmeier DA. Drug-Drug Interactions Among Elderly Patients Hospitalized for Drug Toxicity. JAMA. 2003;289(13):1652-8.
  • 5
    Marcolin MA, Cantarelli MG, Garcia Junior M. Interações farmacológicas entre medicações clínicas e psiquiátricas. Rev Psiq Clin. 2004;31:70-81.
  • 6
    Oga S, Basile AC, Carvalho MF. Guia de interações medicamentosas. Zanini-Oga. São Paulo: Atheneu; 2002.
  • 7
    Davies SJ, Eayrs S, Pratt P, Lennard MS. Potential for drug interactions involving cytochromes P450 2D6 and 3A4 on general adult psychiatric and functional elderly psychiatric wards. Br J Clin Pharmacol. 2004;57: 464-72.
  • 8
    BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 344, de 12 de maio de 1998. Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 27. dez. 1978.
  • 9
    Micromedex DrugDex Drug Evaluations. Disponível em: www.periodicos.capes.gov.br. Acesso em: 12 abr. 2016.
    » www.periodicos.capes.gov.br
  • 10
    Souza TT, Silva WB, Quintans JSS, Onofre ASC, Onofre FBM, Quintans-Júnior LJ. Drug utilization research in a primary mental health service in Northeast of Brazil. Rev Port Sau Pub. 2012;30(1):55-61.
  • 11
    Andrade KVF, Barreto-Neta ZD. Perfil farmacoepidemiológico das interações medicamentosas potenciais em prescrições de psicofármacos. Rev Eletrônica Farm. 2014;11(4):72-85.
  • 12
    Fleck MPA, Laferb B, Sougeyc EB, Del Portod JA, Brasile MA, Juruenaf MF, et al. Diretrizes da Associação Médica Brasileira para tratamento da depressão. Rev Bras Psiquiatr. 2003;25(2):114-22.
  • 13
    Westermeyer J. Fluoxetine-induced tricyclic toxicity: extent and duration. J Clin Pharmacol. 1991;31:388-92.
  • 14
    García NI, Jané CC, Creus MT, Dalmau LM, Vila RG, Sala JR. Evaluación de la integración del farmacéutico en equipos de atención de unidades de hospitalización. Farmácia Hosp (Madrid). 2002;18-27.
  • 15
    MacNamara JO. Farmacoterapia das epilepsias. In: As bases farmacológicas da terapêutica. Brunton LL, Lazo JS, Parker KL. Rio de Janeiro: Mas Graw Hill; 2007. p. 447-68.
  • 16
    Sabin SE, Jurgen D, Raymond GS. Potential drug-drug interaction in the medication of medical patients at hospital discharge. Eur J Clin Pharmacol. 2003;58:773-8.
  • 17
    Jeffery CD. Understanding and preventing drug interaction in elderly patients. Crit Rev Oncol Hematol. 2003;48(2):133-43.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    8 Ago 2016
  • Aceito
    22 Jul 2017
Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro Av. Venceslau Brás, 71 Fundos, 22295-140 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel./Fax: (55 21) 3873-5510 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: editora@ipub.ufrj.br