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Escores de risco nas intervenções em valvopatia

Resumos

Os escores de risco utilizados assistencialmente em clínica de valvopatia já apresentam validações em todo mundo, entretanto, os dados não são homogêneos. As características epidemiológicas de cada população requerem uma validação local dessas ferramentas de risco. A troca valvar percutânea, que já é uma realidade em doença valvar (principalmente na estenose aórtica), está indicada em pacientes com risco cirúrgico elevado ou considerado proibitivo. Os estudos com essa nova estratégia de tratamento utilizam os escores de risco como um dos critérios de inclusão e são escassos trabalhos que utilizam tais ferramentas como preditoras de risco. Os escores de risco depois de validados em suas respectivas populações vieram para somar com a prática clínica (individualização da conduta) na definição da conduta em clínica de valvopatia.

Medição de risco; doenças das valvas cardíacas; doenças das valvas cardíacas; estenose da valva aórtica


The risk scores used as assistance agents in valve diseases are validated worldwide; however, the data are not homogeneous. The epidemiological characteristics of each population require local validation of these risk tools. The percutaneous valve replacement, which is a reality in valvular diseases (especially aortic stenosis), is indicated for patients with high or prohibitive surgical risk. Studies with this new treatment strategy use risk scores as criteria for inclusion and there are few studies that use such tools as predictors of risk. The risk scores, after due validation in their relevant populations, are combined with clinical practice (individualization of conduct) in the definition of the conduct to be adopted in the clinical practice of valvular heart disease.

Risk assessment; heart valve diseases; heart valve diseases; aortic valve stenosis


PONTO DE VISTA

Escores de risco nas intervenções em valvopatia

Ricardo Casalino; Flávio Tarassoutchi

InCor, São Paulo, SP - Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ricardo Casalino Rua Capote Valente, 442 - Pinheiros 05409-001 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: ricardocasalino@cardiol.br, ricardocasalino@gmail.com

RESUMO

Os escores de risco utilizados assistencialmente em clínica de valvopatia já apresentam validações em todo mundo, entretanto, os dados não são homogêneos. As características epidemiológicas de cada população requerem uma validação local dessas ferramentas de risco. A troca valvar percutânea, que já é uma realidade em doença valvar (principalmente na estenose aórtica), está indicada em pacientes com risco cirúrgico elevado ou considerado proibitivo. Os estudos com essa nova estratégia de tratamento utilizam os escores de risco como um dos critérios de inclusão e são escassos trabalhos que utilizam tais ferramentas como preditoras de risco.

Os escores de risco depois de validados em suas respectivas populações vieram para somar com a prática clínica (individualização da conduta) na definição da conduta em clínica de valvopatia.

Palavras-chave: Medição de risco, doenças das valvas cardíacas / cirurgia, doenças das valvas cardíacas / mortalidade, estenose da valva aórtica.

Introdução

Dados epidemiológicos recentes evidenciam algumas mudanças no perfil dos portadores de doenças valvares que frequentam consultórios, enfermarias e unidades de pronto atendimento. Destacam-se a idade avançada e a quantidade de comorbidades que elevam o risco cirúrgico do paciente.

Deste modo, a estratificação de risco pré-operatória é fundamental e auxilia na tomada de decisão direcionada para o paciente, levando em conta seus fatores de risco, chances de complicações e mortalidade.

Além do uso assistencial dos escores de risco para predição de morbimortalidade nos valvopatas, estes modelos são utilizados como critério de inclusão para os recentes estudos com as novas estratégias de substituição valvar1,2. Diante desse fato, surge uma dúvida: os escores de risco estão avaliando de maneira adequada os valvopatas em diferentes instituições?

Escores de risco

Os escores mais utilizados no contexto da cirurgia valvar são: o Euroscore3, STS score4,5e Ambler score6. Cada escore apresenta suas especificações. O Euroscore surgiu do banco de dados europeu com aproximadamente 19.000 pacientes, destes 29% foram submetidos à cirurgia valvar e sua validação inicial foi feita com 1.497 pacientes de forma prospectiva. O Euroscore aditivo é um cálculo matemático simples e a forma logística necessita de um computador (algoritmo complexo com as mesmas variáveis). O STS score foi gerado a partir do banco de dados americano, separado em três grandes coortes com mais 100.000 pacientes cada. Nos grupos 2 e 3, foram incluídos respectivamente apenas cirurgias valvares (troca valvar aórtica, troca valvar mitral e reparo mitral) e a combinação de cirurgia valvar e revascularização. O Ambler Score teve como base o banco de dados cirúrgico do Reino Unido com mais de 32.000 pacientes, todos portadores de doenças valvares.

Com objetivo de predizer mortalidade pós-operatória (desfecho principal), as variáveis do paciente e do procedimento cirúrgico que compõem os modelos de risco,foram escolhidas após análises uni e multivariada (Tabela 1). O desempenho dos escores é avaliado pela área sob a curva ROC (ASCR) e visa diferenciar os pacientes de baixo e alto risco de complicações (maior risco de ocorrência do desfecho). A ASRC igual à unidade significa 100% de acerto na capacidade preditiva. A capacidade discriminativa predita pelos escores nas validações iniciais foi considerada de boa a muito boa - ASCR de 0,72, 0,72, 0,77 e 0,80, respectivamente para Euroscore aditivo, logístico, Ambler e STS.

Outra metodologia utilizada na validação de escores de risco é a calibração, na qual se comparam as mortalidades preditas pelo escore e a observada na população estudada. O método mais comumente utilizado é o Hosmer-lemeshow. Espera-se que as mortalidades observadas e preditas sejam iguais do ponto de vista estatístico (p > 0,05). Nas respectivas validações, os escores apresentaram boa calibração. Entretanto, em outras análises com diferentes populações, o Euroscore logístico e o Ambler superestimaram a mortalidade, enquanto que o STS a subestimou.

Vale ressaltar que existem diferenças entre nossos pacientes e a população avaliada nos estudos iniciais de validação dos escores de risco. Destacam-se a idade mais jovem de nossos pacientes, o predomínio da etiologia reumática, que aumenta a frequência de procedimentos combinados (mitro-aórtica e mitro-tricúspideo) e a quantidade de reoperações7. Essas considerações são importantes pela possibilidade de mudar as porcentagens dos pacientes de baixo e alto risco e podem prejudicar a acurácia do escore em nossa população. Entretanto, quando o Euroscore foi aplicado em população brasileira apresentou ASRC de 0,73, ou seja, capacidade discriminativa boa8.

Apesar de objetivo, existem limitações na aplicabilidade do escore à beira do leito e a individualização da conduta é fundamental. Cada variável tem um peso que é comparável quando utilizamos o escore, mas, do ponto de vista da prática clínica, esta comparação pode ser imprecisa. Um exemplo dessa imprecisão foi o de paciente com 60 anos e disfunção ventricular esquerda grave, que teve Euroscore aditivo de 4 e o de paciente com 73 anos, feminina, sem comorbidades, que teve no Euroscore aditivo os mesmos 4 pontos. Definitivamente, não são pacientes com o mesmo risco operatório, apesar de apresentarem a mesma pontuação pelo Euroscore.

Novos procedimentos

O procedimento percutâneo veio preencher uma lacuna complicada para os clínicos e cirurgiões na indicação cirúrgica na doença valvar. Até 35% dos portadores de estenose aórtica grave, idosos e com comorbidades significativas não são submetidos a quaisquer procedimentos pelo alto risco operatório9.

Com esse propósito, a terapia percutânea (troca valvar percutânea) foi testada e comprovada como procedimento elegível na estenose aórtica de risco operatório elevado. A evidência foi gerada por relatos de casos, registros e um trabalho prospectivo1,2. A avaliação de risco de cada paciente era determinada pela equipe cirúrgica responsável em cada centro e esperava-se um risco mínimo de 15% de mortalidade perioperatória (até 30 dias pós-procedimento). Para deixar a amostra mais homogênea com relação à predição de risco, utilizou-se o STS de no mínimo 10% como critério de inclusão. Os pacientes foram randomizados para receber quaisquer das terapias (cirurgia ou troca percutânea)1,2. Foi um estudo de não inferioridade em que não ocorreu diferença entre os procedimentos testados em até um ano de seguimento. Apesar do uso dos escores nesse trabalho, devemos saber que as publicações que validaram o uso clínico destas ferramentas não incluíram nenhum caso de troca percutânea. Logo, o uso dos escores para predizer morte nesses pacientes é considerado uma extrapolação de dados.

Um estudo retrospectivo holandês com 168 casos submetidos à troca valvar percutânea tentou avaliar o desempenho do Euroscore logístico e do STS na capacidade de predizer mortalidade e obteve resultados pouco impactantes com ASCR de 0,49 e 0,69 respectivamente10.

Considerações finais e perspectivas

A estratificação pré-operatória na cirurgia é elemento fundamental, pois é uma forma de prever eventos e, se possível, programar intervenções. Para tal, as ferramentas devem ser validadas em suas respectivas instituições (locais com baixo e alto volume de pacientes; proporções adequadas dos percentis de risco) e de preferência serem atualizadas continuamente.

O tratamento percutâneo é procedimento completamente diferente da cirurgia e tais escores de risco não devem ser as únicas ferramentas utilizadas na tomada de decisão em clínica de valvopatia. Com aumento do volume desse procedimento, os dados gerados podem levar a confecções de novas ferramentas preditoras de risco.

Portanto, apesar das limitações, os escores de risco quando devidamente utilizados e interpretados são ferramentas úteis na prática clínica.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Doutorado de Ricardo Casalino e Flávio Tarassoutchi pelo Instituto do Coração - InCor - FMUSP.

Artigo recebido em 10/11/11

Revisado recebido em 12/11/12

Aceito em 15/03/12

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  • 5. Shahian DM, O'Brien SM, Filardo G, Ferraris VA, Haan CK, Rich JB, et al. The Society of Thoracic Surgeons 2008 cardiac surgery risk models: part 3—valve plus coronary artery bypass grafting surgery. Ann Thorac Surg. 2009;88(1 Suppl):S23-42.
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  • Endereço para correspondência:
    Ricardo Casalino
    Rua Capote Valente, 442 - Pinheiros
    05409-001 - São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Maio 2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Nov 2011
    • Aceito
      15 Mar 2012
    • Revisado
      12 Nov 2012
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