Acessibilidade / Reportar erro

Hipertensão arterial pulmonar: uso do realce tardio miocárdico pela ressonância magnética cardíaca na avaliação de risco

Resumos

FUNDAMENTO: A hipertensão arterial pulmonar é uma doença grave e progressiva. O maior desafio clínico é seu diagnóstico precoce. OBJETIVO: Avaliar a presença e a extensão do realce tardio miocárdico pela ressonância magnética cardíaca bem como verificar se o percentual da massa de fibrose miocárdica é indicador de gravidade. MÉTODOS: Estudo transversal com 30 pacientes com hipertensão arterial pulmonar dos grupos I e IV, submetidos às avaliações clínica, funcional e hemodinâmica, e à ressonância magnética cardíaca. RESULTADOS: A média de idade dos pacientes foi de 52 anos, com predomínio do gênero feminino (77%). Dentre os pacientes, 53% apresentavam insuficiência ventricular direita ao diagnóstico, e 90% encontravam-se em classe funcional II/III. A média do teste de caminhada de 6 minutos foi de 395 m. No estudo hemodinâmico com o cateterismo direito, a média da pressão arterial pulmonar foi de 53,3 mmHg, do índice cardíaco de 2,1 L/min.m², e a mediana da pressão atrial direita foi de 13,5 mmHg. Realce tardio do miocárdio pela ressonância magnética cardíaca foi encontrado em 28 pacientes. A mediana da massa de fibrose foi 9,9 g e do percentual da massa de fibrose de 6,17%. A presença de classe funcional IV, insuficiência ventricular direita ao diagnóstico, teste de caminhada de 6 minutos < 300 metros e pressão atrial direita > 15 mmHg, com índice cardíaco < 2,0 L/min.m², teve associação significativa com maior percentual de fibrose miocárdica. CONCLUSÃO: O percentual da massa de fibrose miocárdica mostra-se um marcador não invasivo com perspectivas promissoras na identificação do paciente portador de hipertensão pulmonar com fatores de alto risco.

Hipertensão Pulmonar; Medição de Risco; Fibrose Endomiocárdica; Imagem por Ressonância Magnética


BACKGROUND: Pulmonary arterial hypertension is a severe and progressive disease. Its early diagnosis is the greatest clinical challenge. OBJECTIVE: To evaluate the presence and extension of the delayed myocardial contrast-enhanced cardiovascular magnetic resonance, as well as to verify if the percentage of the myocardial fibrosis mass is a severity predictor. METHODS: Cross-sectional study with 30 patients with pulmonary arterial hypertension of groups I and IV, subjected to clinical, functional and hemodynamic evaluation, and to cardiac magnetic resonance. RESULTS: The mean age of patients was 52 years old, with female predominance (77%). Among the patients, 53% had right ventricular failure at diagnosis, and 90% were in functional class II/III. The mean of the 6-minute walk test was 395m. In hemodynamic study with right catheterism, the mean average pulmonary arterial pressure was 53.3mmHg, of the cardiac index of 2.1L/ min.m², and median right atrial pressure was 13.5 mmHg. Delayed myocardial contrast-enhanced cardiovascular magnetic resonance was found in 28 patients. The mean fibrosis mass was 9.9 g and the median percentage of fibrosis mass was 6.17%. The presence of functional class IV, right ventricular failure at diagnosis, 6-minute walk test < 300 meters and right atrial pressure > 15mmHg, with cardiac index < 2.0L/ min.m², there was a relevant association with the increased percentage of myocardial fibrosis. CONCLUSION: The percentage of the myocardial fibrosis mass indicates a non-invasive marker with promising perspectives in identifying patients with high risk factors for pulmonary hypertension.

Hypertension, Pulmonary; Risk Assessment; Endomyocardial Fibrosis; Magnetic Resonance Imaging


Hipertensão arterial pulmonar: uso do realce tardio miocárdico pela ressonância magnética cardíaca na avaliação de risco

Luiz Gustavo Pignataro Bessa; Flávia Pegado Junqueira; Marcelo Luiz da Silva Bandeira; Marcelo Iorio Garcia; Sérgio Salles Xavier; Guilherme Lavall; Diego Torres; Daniel Waetge

Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Ilha do Fundão, RJ - Brasil

Correspondência Correspondência: Luiz Gustavo Pignataro Bessa Rua Divino Salvador, 261, Piedade CEP 20756-210, Rio de Janeiro, RJ - Brasil E-mail: lgpignataro@ig.com.br, lgpignataro@iff.fiocruz.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A hipertensão arterial pulmonar é uma doença grave e progressiva. O maior desafio clínico é seu diagnóstico precoce.

OBJETIVO: Avaliar a presença e a extensão do realce tardio miocárdico pela ressonância magnética cardíaca bem como verificar se o percentual da massa de fibrose miocárdica é indicador de gravidade.

MÉTODOS: Estudo transversal com 30 pacientes com hipertensão arterial pulmonar dos grupos I e IV, submetidos às avaliações clínica, funcional e hemodinâmica, e à ressonância magnética cardíaca.

RESULTADOS: A média de idade dos pacientes foi de 52 anos, com predomínio do gênero feminino (77%). Dentre os pacientes, 53% apresentavam insuficiência ventricular direita ao diagnóstico, e 90% encontravam-se em classe funcional II/III. A média do teste de caminhada de 6 minutos foi de 395 m. No estudo hemodinâmico com o cateterismo direito, a média da pressão arterial pulmonar foi de 53,3 mmHg, do índice cardíaco de 2,1 L/min.m2, e a mediana da pressão atrial direita foi de 13,5 mmHg. Realce tardio do miocárdio pela ressonância magnética cardíaca foi encontrado em 28 pacientes. A mediana da massa de fibrose foi 9,9 g e do percentual da massa de fibrose de 6,17%. A presença de classe funcional IV, insuficiência ventricular direita ao diagnóstico, teste de caminhada de 6 minutos < 300 metros e pressão atrial direita > 15 mmHg, com índice cardíaco < 2,0 L/min.m2, teve associação significativa com maior percentual de fibrose miocárdica.

CONCLUSÃO: O percentual da massa de fibrose miocárdica mostra-se um marcador não invasivo com perspectivas promissoras na identificação do paciente portador de hipertensão pulmonar com fatores de alto risco.

Palavras-chave: Hipertensão Pulmonar / diagnóstico; Medição de Risco; Fibrose Endomiocárdica; Imagem por Ressonância Magnética.

Introdução

A Hipertensão Pulmonar (HP) é uma síndrome que resulta de uma variedade de condições que afetam a circulação pulmonar. Causas de HP que acometem o leito arterial da circulação pulmonar incluem a Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP) e a Hipertensão Pulmonar Tromboembólica Crônica (HPTEC), conhecidas como grupo I e IV da atual classificação de HP (Dana Point, 2008)1.

Define-se como HAP uma Pressão Arterial Pulmonar Média (PAPm) > 25 mmHg em repouso, em uma situação de Pressão em Cunha da Artéria Pulmonar (PCAP) < 15 mmHg, com Resistência Vascular Pulmonar (RVP) > 3 unidades Wood2. Essa condição têm prognóstico ruim, com mortalidade de aproximadamente 15% em 1 ano para aqueles tratados com terapia moderna3. A Insuficiência Ventricular Direita (IVD) é a principal causa de morbimortalidade4.

Esforços são feitos para o diagnóstico precoce. Recentemente, foram revisados fatores prognósticos que têm impacto na sobrevida5. A mortalidade é maior para os pacientes com Classe Funcional (CF) III e IV6. A progressão rápida dos sintomas, assim como sinais de IVD no diagnóstico, aponta um pior prognóstico. O desempenho no Teste de Caminhada de 6 Minutos (TC6M) é preditor independente de sobrevida7. Presença de derrame pericárdico, aumento do átrio direito e sinais de disfunção ventricular direita pelo menos moderada no ecocardiograma transtorácico são preditores consistentes de mortalidade8. Pacientes com aumento da Pressão Atrial Direita (PAD) e diminuição do Índice Cardíaco (IC) tiveram risco aumentado de morte9.

Estudo envolvendo 64 pacientes constatou que imagens de Ressonância Magnética Cardíaca (RMC) revelando função deficiente do Ventrículo Direito (VD) - volume sistólico < 25 mL/m2, volume diastólico final do VD > 84 mL / m2 e volume diastólico final do Ventrículo Esquerdo (VE) < 40 mL/m2 - são preditores independentes de mortalidade e insucesso terapêutico10.

O Realce Tardio do Miocárdio (RTM) obtido pela RMC é um achado comum nos pacientes portadores de HAP. Estudos mostram sua relação com redução da função ventricular direita e anormalidades da hemodinâmica da circulação pulmonar11.

O objetivo deste estudo foi avaliar a presença e extensão do RTM pela RMC e verificar se o percentual da massa de fibrose é indicador de gravidade na HAP.

Métodos

Desenho de estudo e seleção de pacientes

Estudo transversal de pacientes do ambulatório de HAP do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), submetidos à RMC entre maio de 2010 a abril de 2012.

Foram selecionados e incluídos no estudo 30 pacientes maiores de 18 anos, independentes de gênero, classe, grupo social ou raça, acompanhados no ambulatório de HP do HUCFF e portadores de HAP dos grupos I e IV, que foram submetidos à avaliação clínica e hemodinâmica para início de tratamento específico.

Esses pacientes realizaram todos os exames do protocolo de avaliação de HP: laboratório específico, raio X de tórax, prova de função respiratória, cintilografia ventilação/perfusão (V/P), angiotomografia de tórax, Cateterismo Direito (CD) e TC6M.

Com intervalo de no máximo 72 horas do CD, esses pacientes foram submetidos à RMC, com protocolo específico para HP.

Foram excluídos do estudo os pacientes claustrofóbicos ou que possuíam algum implante ferromagnético (marca-passo, próteses ortopédicas etc.), portadores de insuficiência renal com clearance de creatinina < 30 mL/minuto e com contraindicação para realização do CD devido ao risco acentuado de sangramento por discrasia sanguínea grave (TAP < 60%, PTT rel > 2,0 e plaquetas < 50.000 cel/mm3).

Todos os pacientes que participaram do estudo receberam consentimento informado, e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do HUCFF.

Avaliação hemodinâmica pelo CD

O CD foi realizado no laboratório de hemodinâmica do HUCFF por cardiologista intervencionista do grupo de HP, pela passagem de um cateter de Swan-Ganz através da veia jugular interna (modelo 131F7, Edwards Baxter, Irvine, CA, USA).

O cateter foi posicionado na zona III de West. A constatação de sua posição adequada foi realizada por meio da escopia e comparando-se a variação da Pressão da Artéria Pulmonar Diastólica (PAPd) em relação à variação da Pressão de Oclusão da Artéria Pulmonar (POAP) com o ciclo respiratório.

A monitorização das pressões, do Débito Cardíaco (DC) e do traçado eletrocardiográfico foi realizada com o aparelho Hewlett-Packard modelo M1176-A (Hewlett-Packard, Walthan, MA, EUA).

Após calibração adequada do monitor, foram obtidos, de forma direta, os dados de PAD, Pressões da Artéria Pulmonar Sistólica (PAPs), PAPd, PAPm, POAP e Frequência Cardíaca (FC). Foram coletadas amostras de sangue, do lúmen distal do cateter de Swan-Ganz, para análise da Saturação Venosa Mista de Oxigênio (SVMO2).

A mensuração do DC foi realizada pela técnica de termodiluição. Foram feitas medidas com injeção de 10 mL de soro fisiológico, à temperatura ambiente, em qualquer fase do ciclo respiratório, até que fossem obtidas três mensurações com variação < 10%. A média desses valores, então, era usada no estudo.

Com o resultado do DC, calculava-se a RVP.

Avaliação hemodinâmica pela RMC

Os exames foram realizados por um radiologista com 10 anos de experiência, em um aparelho de ressonância magnética de 1,5-T (Magneton Avanto da Siemens, Erlangen, Alemanha), operando com um gradiente de potencia máxima de 45 mTm-1 e taxa de slew de 200 Tm-1s-1, usando seis canais anteriores e seis canais posteriores para aquisição de dados. Os pacientes foram solicitados a fazer expiração máxima e manter-se em apneia durante as sequências. Foi utilizada a sequência de cine-ressonância TRUE FISP (free steady-state precession), utilizando-se o software ARGUS, para avaliação da função cardíaca e cálculo dos índice de função sistólica direita e esquerda (fração de ejeção pelo método de Simpson volumétrico), volumes diastólico e sistólico finais, volume ejetivo, débito cardíaco e massa ventricular nos planos de curto eixo e eixo horizontal dos ventrículos, com técnica de aquisição paralela (TR: 200 ms; FOV: 400 mm; matrix: 128 x 88; flip angle: 15º slice thickness: 6 mm). Além disso, 10 minutos após a administração de 0,2 mmoL/kg-1 de gadodiamide (Dotaren TM, Gerbet, France), e depois da solicitação para inspiração máxima e apneia, foi utilizada a sequência PSIR (phase-sensitive inversion recovery - TR: 700 ms; TE: 4,18 ms; TI: 300 ms; FOV: 340 mm; matrix: 156 x 256; flip angle 25º slice thickness: 8 mm), utilizando-se a mesma posição e número de cortes da sequência cine TRUE FISP para avaliação do realce tardio miocárdico.

O volume de fibrose foi calculado manualmente por meio do contorno das áreas miocárdicas hiperintensas obtidas com a RMC após administração do gadolínio, no eixo curto do coração, em cada corte realizado (Figura 1). A massa foi obtida pela multiplicação do volume total de fibrose por 1,05 (densidade miocárdica).


Avaliação funcional

Todos os pacientes foram avaliados pela equipe de fisioterapia do HUCFF com a realização do TC6M, que foi realizado seguindo as recomendações da American Thoracic Society12. Nesse teste, o paciente é orientado a caminhar o mais rápido possível, durante 6 minutos, em uma pista plana de 30 m, sendo registrada a distância obtida em metros. Durante o teste, o paciente poderia diminuir a intensidade, parar e descansar se necessário, sem, no entanto, interromper a contagem do tempo. Não foi permitida corrida ou marcha a meio-trote.

A CF foi avaliada de acordo com a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Definiu-se a presença de sinais clínicos de IVD: turgência jugular, aumento do VD pela palpação, hepatomegalia, ascite e edema de membros inferiores.

Análise estatística

As variáveis demográficas, clínicas, funcionais e hemodinâmicas da RMC e do CD foram testadas para verificar o tipo de distribuição por meio de histogramas e do teste de Shapiro-Wilk. As variáveis que apresentaram distribuição normal foram expressas em média ± desvio padrão ou em mediana, com valores mínimo e máximo no caso de distribuição não normal.

Foram avaliadas a presença e a extensão do RTM nos pacientes portadores de HAP submetidos à RMC, e foi calculado o percentual de fibrose miocárdica, a partir dos dados da massa de fibrose e das massas ventriculares.

Verificou-se a associação do percentual de fibrose miocárdico a parâmetros clínicos (sinais de IVD), funcionais (CF e TC6M) e hemodinâmicos, pelo teste de Mann-Whitney, realizando uma tentativa de identificar os pacientes de "alto risco" segundo a curva ROC, um ponto ótimo (cuttoff) do percentual de fibrose.

A variável CF foi categorizada em CF IV ("alto risco") e CF II / III ("baixo risco"). A variável TC6M foi categorizada em distância percorrida < 300 m ("alto risco") e distância percorrida > 300 m ("baixo risco"). A variável hemodinâmica foi categorizada em pacientes apresentando, no estudo hemodinâmico invasivo: PAD > 15 mmHg e IC < 2,0 L/min.m2 ("alto risco") e PAD < 15 mmHg e IC > 2,0 L/min.m2 ("baixo risco").

Foram randomizados 15 exames de RMC, que foram examinados pelo mesmo radiologista e por um outro radiologista com experiência em exames cardiovasculares, em ocasiões diferentes. Os examinadores eram cegos em relação aos parâmetros de avaliação clínica, funcional e hemodinâmica. O Coeficiente de Correlação Intraclasses (CCI) foi aplicado para avaliar a reprodutibilidade intra e interobservadores na pesquisa do RTM e cálculo do percentual de fibrose miocárdica.

A análise estatística foi processada pelo programa Statistica Package for the Social Science (SPSS) 20.0 para MAC.

O critério de determinação de significância foi o nível de 5%.

Resultados

A população do estudo foi composta por 30 pacientes, dos quais 44% eram portadores de HAP idiopática. O restante dos pacientes pertenciam ao Grupo I da Classificação de Dana Point, sendo compostos por colagenose (5 pacientes), hipertensão portopulmonar (3 pacientes), esquistossomose (1 paciente) e HIV (1 paciente). Os outros 7 pacientes são portadores de HPTEC.

Em relação aos dados demográficos e funcionais (Tabela 1), os pacientes apresentavam idade média de 52 anos e a maioria era do gênero feminino (23%). A mediana do tempo de início de sintomas ao diagnóstico foi de 18 meses. Dentre eles, 53% tinham sinais de IVD ao exame clínico no diagnóstico e a maior parte apresentava-se em CF II ou III (90%). A média do TC6M foi de 395 m entre os pacientes.

Na Tabela 2 estão dispostos os dados morfológicos e funcionais obtidos com a RMC. Observa-se que o diâmetro médio do VD foi de 76 mm e da artéria pulmonar de 38,5 mm, e o índice de massa do VD médio foi de 46,4 g / m2 - todos estes parâmetros indicativos de aumento da resistência ao fluxo sanguíneo e sobrecarga do VD. O Derrame Pericárdico (DP) foi detectado em nove pacientes (30%). A fração de ejeção do VD média obtida pela RMC foi de 31,8%, assim como a média do IC do VE de 2,1 L/min.m2, o que pressupõe que a maior parte dos pacientes apresentava disfunção ventricular direita ao diagnóstico.

Na Tabela 3 estão dispostos os dados hemodinâmicos obtidos com o CD. Observamos que a PAPm foi de 53,3 mmHg, o índice de RVP (IRVP) de 22,2 Unidades Woods (UW) e a mediana da PAD de 13,5 mmHg. O IC médio foi de 2,1 L/min.m2, exatamente igual ao obtido com à RMC.

RTM esteve presente em 28 pacientes (93%), distribuídos no septo anterior e inferior, e nas áreas de inserção da parede livre do VD. A mediana da massa de fibrose foi de 9,9 g e do percentual de fibrose miocárdica de 6,17% (Tabela 2).

Fatores de alto risco, como CF IV, IVD ao diagnóstico, TC6M < 300 m, PAD > 15 mmHg e IC < 2,0 L/min.m2 tiveram associação significativa com maior percentual de fibrose (Tabela 4).

Pela análise da curva ROC (Gráfico 1), observou-se que um percentual de fibrose miocárdica > 5,99% é capaz de identificar o paciente com IVD (ou seja, alto risco) com Sensibilidade (S) de 82%, Especificidade (E) de 92%, Valor Preditivo Positivo (VPP) de 99% e Negativo (VPN) de 28%.


Um percentual de fibrose miocárdica > 6,67 % é capaz de identificar o paciente com CF mais avançada (CF IV, ou seja, alto risco) com S de 98%, E de 75%, VPP de 98% e VPN de 73%.

Um percentual de fibrose miocárdica > 6,49% é capaz de identificar o paciente com uma capacidade funcional de exercício no TC6M < 300 m (ou seja, alto risco), com S de 71%, E de 83%, VPP de 98% e VPN de 18%.

Percentual de fibrose miocárdica > 5,99% é capaz de identificar o paciente com PAD > 15 mmHg e IC < 2,0 L / min . m2 no CD (ou seja, alto risco), com S de 84%, E de 81 %, VPP de 97% e VPN de 18%.

O CCI intraobservador para massa de fibrose miocárdica foi de 0,984 (IC95% = 0,953-0,995) e interobservador de 0,966 (IC95% = 0,900-0,989).

Discussão

A disfunção ventricular direita é a principal causa de morbimortalidade no paciente com HAP4. Vários estudos são desenvolvidos com o objetivo de se encontrarem marcadores clínicos e hemodinâmicos que possam ser usados no diagnóstico e seguimento. Dessa forma, consegue-se caracterizar o paciente de maior risco, que deverá sofrer intervenções terapêuticas com caráter mais precoce.

A RMC é o método padrão-ouro para avaliação da função, do volume e da massa ventricular direita13, que podem ser quantificados com excelente variabilidade intra e interobservador14 e boa reprodutibilidade interestudo15.

O RTM foi inicialmente descrito em áreas acinética do VE após administração de contraste à base de gadolínio em pacientes submetidos a RMC com histórico de infarto prévio e cicatriz de fibrose16,17. Descrições a posteriori demonstraram a presença de RTM em pacientes com miocardiopatia hipertrófica e miocardiopatias de depósito ou inflamatória (miocardite viral), cada qual com um padrão característico de extensão18-22.

O RTM pode ser explicado pela habilidade do gadolínio se distribuir diferentemente entre o tecido normal e doente. A "lavagem" do contraste é menor no tecido miocárdico doente, criando uma diferença de sinal > 1.080% nas imagens de RMC. Consequentemente, áreas de tecido miocárdico doente podem ser identificadas precisamente com alta acurácia e reprodutibilidade23,24.

Embora existam numerosos estudos de RTM avaliados pela RMC em condições que afetam o VE, somente três de maior importância avaliaram esse achado nos pacientes portadores de HAP11,25,26.

No estudo de McCann e cols.25 foi observada a presença de RTM nas áreas de inserção do septo interventricular no VD em todos os 15 pacientes com HAP de seu estudo. A média da massa de fibrose foi de 3,1 ± 1,9 g e não houve correlação positiva com nenhuma variável clínica ou hemodinâmica - somente correlação inversa com a disfunção ventricular direita mensurada pela RMC. Blyth e cols.11 observaram a presença de RTM em 23 de 25 pacientes estudados, com as mesmas características de extensão. A média da massa de fibrose foi de 3,3 g e houve correlação positiva com várias variáveis hemodinâmicas, sobretudo nos pacientes que apresentavam desvio paradoxal do septo interventricular. Junqueira e cols.26 demonstraram a presença de RTM em 65% dos pacientes estudados e somente encontraram correlação positiva com a duração da doença à época do diagnóstico.

Várias especulações existem sobre o mecanismo fisiopatológico envolvido no RTM em pacientes com HAP. No estudo de MacCann e cols.25, dois pacientes que faleceram foram submetidos à autópsia e a fibrose estava presente nos pontos de inserção do septo interventricular no VD, sugerindo que este era o mecanismo do RTM nesses pacientes. Especula-se que a fibrose miocárdica é resultante do aumento da pós-carga do VD. A hipertrofia e a dilatação cavitária direita encontradas nesses pacientes levam a um estresse mecânico nesses pontos, com consequente hipóxia e isquemia27,28.

Neste estudo, RTM esteve presente em 28 dos 30 pacientes estudados. A mediana da massa de fibrose foi de 9,9 g (0-20,2 g). Devido ao fato de haver grande variação da massa ventricular na dependência de idade, gênero, índice de massa corporal e de comorbidades bastante prevalentes em nosso meio, como a hipertensão arterial sistêmica, optou-se por calcular o percentual de fibrose miocárdica, cuja a mediana foi de 6,17%.

Diferente de outros estudos, o percentual de fibrose miocárdica conseguiu identificar pacientes portadores de HP com fatores de alto risco, baseados na avaliação clínica (presença de sinais de IVD), funcional (CF IV e TC6M < 300 m) ou hemodinâmica (PAD > 15 mmHg e IC < 2,0 L/min.m2).

Este estudo teve algumas limitações. Ele foi realizado com um número relativamente pequeno de pacientes, que, em parte, é refletido pela baixa prevalência da HAP na população geral. Nenhum dos pacientes foi submetido a cineangiocoronariografia para descartar doença isquêmica cardíaca, que é uma importante causa de RTM. Contudo, o padrão de RTM observado nesses pacientes não é característico de dano miocárdico isquêmico.

Conclusão

O RTM é encontrado em grande parte dos pacientes com HAP, e o percentual de fibrose miocárdica avaliado pela RMC se mostrou um bom parâmetro não invasivo para avaliação de gravidade neste grupo de 30 pacientes estudados.

Esses resultados são interessantes, já que o grande desafio clínico, na avaliação da HP, é a identificação dos pacientes que necessitam ser submetidos a intervenções mais precoces, devido ao potencial de gravidade da doença. Estudos longitudinais e com maior número de pacientes necessitam ser realizados para avaliar o real papel prognóstico desse parâmetro na avaliação do paciente com HAP.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Bessa LGP, Junqueira FP, Garcia MI, Xavier SS, Waetge D; Obtenção de dados: Bessa LGP, Junqueira FP, Bandeira MLS, Lavall G, Torres D, Waetge D; Análise e interpretação dos dados: Bessa LGP, Bandeira MLS, Garcia MI, Xavier SS; Análise estatística e Redação do manuscrito: Bessa LGP; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Bessa LGP, Junqueira FP, Bandeira MLS, Garcia MI, Xavier SS, Lavall G, Torres D.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Luiz Gustavo Pignataro Bessa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Artigo recebido em 27/11/12; revisado em 03/05/13; aceito em 07/06/13.

  • 1. Simonneau G, Galie N, Rubin LJ, Langleben D, Seeger W, Domenighetti G, et al. Clinical classification of pulmonary hypertension. J Am Coll Cardiol. 2004;43(12 Suppl S):5S-12S.
  • 2. McGoon M, Gutterman D, Steen V, Barst R, McCrory DC, Fortin TA, et al; American College of Chest Physicians. Screening, early detection, and diagnosis of pulmonary arterial hypertension: ACCP evidence based clinical practice guidelines. Chest. 2004;126(1 Suppl):14S-34S.
  • 3. Thenappan T, Shah SJ, Rich S, Gomberg-Maitland M. A USA-based registry for pulmonary arterial hypertension: 1982-2006. Eur Respir J. 2007;30(6):1103-10.
  • 4. Voelkel NF, Quaife RA, Leinwand LA, Barst RJ, McGoon MD, Meldrum DR, et al; National Heart, Lung, and Blood Institute Working Group on Cellular and Molecular Mechanisms of Right Heart Failure. Right ventricular function and failure: report of a National Heart, Lung, and Blood Institute working group on cellular and molecular mechanisms of right heart failure. Circulation. 2006;114(17):1883-91.
  • 5. McLaughlin VV, Presberg KW, Doyle RL, Abman SH, McCrory DC, Fortin T, et al; American College of Chest Physicians. Prognosis of pulmonary arterial hypertension: ACCP evidence-based clinical practice guidelines. Chest. 2004;126(1 Suppl):78S-92S.
  • 6. D'Alonzo GE, Barst RJ, Ayres SM, Bergofsky EH, Brundage BH, Detre KM, et al. Survival in patients with primary pulmonary hypertension: results from a national prospective registry. Ann Intern Med. 1991;115(5):343-9.
  • 7. Barst RJ, Rubin LJ, Long WA, McGoon MD, Rich S, Badesch DB, et al; Primary Pulmonary Hypertension Study Group. A comparison of continuous intravenous epoprostenol (prostacyclin) with conventional therapy for primary pulmonary hypertension. N Engl Med. 1996;334(5):296-301.
  • 8. Eysmann SB, Palevsky HI, Reicken N, Hackney K, Douglas PS. Two-dimensional and Doppler-echocardiographic and cardiac catheterization correlates of survival in primary pulmonary hypertension. Circulation. 1989;80(2):353-60.
  • 9. Sitbon O, Humbert M, Nunes H, Parent F, Garcia G, Hervé P, et al. Long-term intravenous epoprostenol infusion in primary pulmonary hypertension: prognostic factors and survival. J Am Coll Cardiol. 2002;40(4):780-8.
  • 10. Van Wolferen SA, Marcus JT, Boonstra A, Marques KM, Bronzwaer JG, Spreeuwenberg MD et al. Prognostic value of right ventricular mass, volume, and function in idiopathic pulmonary arterial hypertension. Eur Heart J. 2007;28(10):1250-7.
  • 11. Blyth KG, Groenning BA, Martin TN, Foster JE, Mark PB, Dargie HJ, et al. Contrast enhanced-cardiovascular magnetic resonance imaging in patients with pulmonary hypertension. Eur Heart J. 2005;26(19):1993-9.
  • 12. ATS Committee on Proficiency Standards for Clinical Pulmonary Function Laboratories. ATS statement: guidelines for the six- minute walk test. Am J Respir Crit Care Med. 2002;166(1):111-7.
  • 13. Pennel DJ, Sechtem UP, Higgins CB, Manning WJ, Pohost GM, Rademakers FE, et al. Clinical indications for cardiovascular magnetic resonance (CMR): consensus panel report. Eur Heart J. 2004;25(21):1940-65.
  • 14. Alfakih K, Plein S, Thiele H, Jones T, Ridgway JP, Sivananthan MU. Normal human left and right ventricular dimensions for MRI as assessed by turbo gradient echo and steady state free precession imaging sequences. J Magn Reson Imaging. 2003;17(3):323-9.
  • 15. Grothues F, Moon JC, Bellenger NG, Smith GS, Klein HU, Pennel DJ. Interstudy reproducibility of right ventricular volumes, function, and mass with cardiovascular magnetic resonance. AM Heart J. 2004;147(2):218-23.
  • 16. Kim RJ, Fieno DS, Parrish TB, Harris K, Chen EL, Simonetti O, et al. Relationship of MRI delayed contrast enhancement to irreversible injury, infart age and contractile function. Circulation. 1999;100(19):1992-2002.
  • 17. Kim RJ, Wu E, Rafael A, Chen EL, Parker MA, Simonetti O, et al. The use of contrast-enhanced magnetic resonance imaging to identify reversible myocardial disfunction. N Engl J Med. 2000;343(20):1445-53.
  • 18. Kim RJ, Judd RM. Gadolinium-enhanced magnetic resonance imaging in hypertrophic cardiomyopathy: in vivo imaging of the pathologic substrate for premature cardiac death? J Am Coll Cardiol. 2003;41(9):1568-72.
  • 19. McCrohon JA, Moon JC, Prasad SK, McKenna WJ, Lorenz CH, Coats AJ, et al. Differentiation of heart failure related to dilated cardiomyopathy and coronary artery disease using gadolinium-enhanced cardiovascular magnetic resonance. Circulation. 2003;108(1):54-9.
  • 20. Moon JC, McKenna WJ, McCrohon JA, Elliott PM, Smith GC, Pennell DJ. Toward clinical risk assessment in hypertrophic cardiomyopathy with gadolinium cardiovacular magnetic resonance. J Am Coll Cardiol. 2003;41(9):1561-7.
  • 21. Moon JC, Sachdev B, Elkington AG, McKenna WJ, Mehta A, Pennell DJ, et al. Gadolinium enhanced cardiovascular magnetic resonance in Anderson-Fabry disease: evidence for a disease specific abnormality of the myocardial interstitium. Eur Heart J. 2003;24(23):2151-5.
  • 22. van Dockum WG, ten Cate FJ, ten Berg JM, Beek AM, Twisk JWR, Vos J, et al. Myocardial infarction after percutaneous transluminal septal myocardial ablation in hypertrophic obstructive cardiomyopathy: evaluation by contrast-enhanced magnetic resonance imaging. J Am Coll Cardiol. 2004;43(1):27-34.
  • 23. Wagner A, Mahrholdt H, Holly TA, Elliot MD, Regenfus M, Parker M, et al. Contrast-enhanced MRI and routine single photon emission computed tomography (SPECT) perfusion imaging for detection of subendocardial myocardial infarcts: an imaging study. Lancet. 2003;361(9355):374-9.
  • 24. Azevedo Filho CF, Hadlich M, Petriz JL, Mendonca LA, Moll Filho JN, Rochitte CE. Quantification of left ventricular infarcted mass on cardiac magnetic resonance imaging: comparison between planimetry and the semiquantitative visual scoring method. Arq Bras Cardiol. 2004;83(2):118-24, 111-17.
  • 25. McCann GP, Gan CT, Beek AM, Niessen HW, Vonk Noordegraaf A, van Rossum AC. Extent of MRI delayed enhancement of myocardial mass is related to right ventricular dysfunction in pulmonary artery hypertension. AJR Am J Roentgenol. 2007;188(2):349-55.
  • 26. Junqueira FP, Macedo R, Coutinho AC, Loureiro R, De Pontes PV, Domingues RC, et al. Myocardial delayed enhancement in patients with pulmonary hypertension and right ventricular failure: evaluation by cardiac MRI. Br J Radiol. 2009;82(982):821-6.
  • 27. Marcus JT, Vonk Noordegraaf A, Roeleveld RJ, Postmus PE, Heethaar RM, Van Rossum AC, et al. Impaired left ventricular filling due to right ventricular pressure overload in primary pulmonary hypertension: noninvasive monitoring using MRI. Chest. 2001;119(6):1761-5.
  • 28. Vonk Noordegraaf A, Gan T, Marcus J, Boonstra A, Postmus P. Interventricular mechanical asynchrony is an important cause of cardiac dysfunction in pulmonary hypertension. Eur Respir Soc. 2004;24(Suppl. 48):S203.
  • Correspondência:

    Luiz Gustavo Pignataro Bessa
    Rua Divino Salvador, 261, Piedade
    CEP 20756-210, Rio de Janeiro, RJ - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2013

    Histórico

    • Recebido
      27 Nov 2012
    • Aceito
      07 Jun 2013
    • Revisado
      03 Maio 2013
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br