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A medicina nuclear no Sistema Único de Saúde no Brasil

O artigo publicado por Pozzo et al.(11. Pozzo L, Coura Filho G, Osso Júnior JA, et al. O SUS na medicina nuclear do Brasil: avaliação e comparação dos dados fornecidos pelo Datasus e CNEN. Radiol Bras. 2014;47:141-8.) neste número da Radiologia Brasileira aborda aspectos interessantes e intrigantes sobre a situação da medicina nuclear no Sistema Único de Saúde (SUS). Primeiro, observa-se que não existe, aparentemente, uma plena confiabilidade do sistema de registro do Datasus, considerando que um número significativo de equipamentos de medicina nuclear registrados neste sistema de dados do governo federal (440 de 875 equipamentos registrados) estariam incorretamente categorizados, pois não constam do sistema de cadastro da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), e portanto, estariam instalados em clínicas odontológicas e/ou radiológicas que não possuem, teoricamente, serviços de medicina nuclear. Contudo, não é possível, pelo trabalho realizado, identificar as razões exatas para as discrepâncias observadas entre os dois registros. É preocupante reconhecer que existem clínicas e laboratórios que cobram do SUS por serviços de medicina nuclear executados e que não possuem licença e/ou registro na CNEN. A integração destes dois registros é essencial para que se possa reconhecer os motivos desta diferença no número de serviços cadastrados para realizar procedimentos de medicina nuclear no SUS. A constatação de que existem serviços cadastrados na CNEN, mas que não possuem cadastro no Datasus, pode ser explicada pois podem representar serviços que só realizam procedimentos na área de saúde suplementar e na área privada.

Outro aspecto que chama a atenção é a enorme carência de serviços próprios do SUS na prestação destes exames de medicina nuclear para a população brasileira. De todos os serviços que realizam exames cintilográficos, apenas 6,3% são públicos. Igualmente, do total de quase 393.000 procedimentos diagnósticos realizados no SUS, 82% foram realizados na esfera privada. Nas regiões Norte e Centro-Oeste observa-se que estes procedimentos são realizados quase exclusivamente por empresas privadas com fins lucrativos.

Isso demonstra algo que já é bastante conhecido na área de saúde em geral, em que as verbas alocadas para o sistema público de saúde são limitadas quando comparadas com outros países onde a saúde é considerada como área prioritária de investimento. O SUS, como conceito e proposta, poderia ser considerado um sucesso. Prover saúde gratuita para o cidadão brasileiro é um direito constitucional. Contudo, prover saúde com qualidade é o grande desafio que hoje o SUS vem enfrentando.

Vários problemas têm colocado o SUS sob questionamento, dentre os quais se destacam a heterogeneidade da distribuição regional de médicos no Brasil como um todo, a falta de leitos hospitalares, a falta de recursos para a saúde da população considerando não apenas a quantidade de recursos que é alocado na saúde pública em comparação ao produto interno bruto. Quando olhamos para a quantidade de médicos disponíveis nas regiões Norte e Nordeste, comparado com os Estados das regiões Sul e Sudeste, podemos perceber as discrepâncias existentes. Temos hoje cerca de 1,01 médico por grupo de 1.000 habitantes na Região Norte, 1,22 para o Nordeste, em contraste com 2,6 médicos para a Região Sudeste e 2,09 para a Região Sul. Se avaliarmos as áreas mais remotas, sem considerar as grandes capitais e cidades, essa figura fica ainda mais dramática. Na área de medicina nuclear, possuímos atualmente cerca de 499 especialistas de medicina nuclear no País. Isso representa apenas 0,24% de todos os médicos especialistas registrados no Brasil. A maioria destes especialistas se concentra nas grandes capitais, em especial na Região Sudeste, onde atuam cerca de 180 médicos nucleares (37%). Portanto, apesar de todos os esforços dos centros acadêmicos e universitários e dos serviços privados e públicos que promovem estágios profissionalizantes credenciados pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR) e pela Sociedade Brasileira de Biologia e Medicina Nuclear (SBBMN), verifica-se ainda acentuada heterogeneidade de distribuição de médicos nucleares nas diferentes regiões do País.

Outra deficiência que notamos e que pode explicar parcialmente os resultados apresentados no trabalho de Pozzo et al. é a deficiência que se observa na infraestrutura de medicina nuclear nos hospitais e serviços do SUS. Isso é mais crítico e notório nos hospitais universitários de algumas regiões do País, onde percentual razoável não possui serviços de medicina nuclear instalados e operantes, com parque instrumental atualizado ou com corpo de profissionais em número suficiente para o desenvolvimento e disseminação da especialidade. A carência de serviços universitários que objetivam não apenas a formação de novos profissionais, como também disseminar o conhecimento entre alunos de graduação e pós-graduação, e entre os pares de diversas especialidades clínicas, pode possivelmente contribuir para este cenário. Contudo, é importante reconhecer a importância dos serviços privados, com ou sem fins lucrativos, em especial em certas regiões do Brasil, que vêm ocupando lugar de destaque no atendimento à população e também na disseminação do conhecimento dentro e fora da especialidade, principalmente na ausência de investimentos significativos na esfera pública.

Um aspecto fundamental é avaliar se a quantidade de recursos está sendo suficiente para implantar as necessidades para uma assistência ampla e de qualidade no SUS. O governo reserva 4% do produto interno bruto para a aplicação em saúde pública, e isso é muito pouco comparado a países desenvolvidos, e mesmo em comparação a alguns países em desenvolvimento. Porém, além dos recursos serem limitados, a forma de gestão também tem que ser aprimorada. Gestão por metas e resultados ainda não tem sido implantada, e seria mandatória para priorizar os centros com maior comprometimento com o uso de verba pública.

Como bem relatado no trabalho citado, investimentos em favor de um reator multipropósito brasileiro para suprir as necessidades internas de insumos básicos dentro da especialidade pode certamente auxiliar, em muito, o desenvolvimento e crescimento da especialidade no País. Todavia, isso não irá ocorrer se não houver investimentos na área de educação, com fortalecimento da modalidade nos centros universitários na maioria das regiões do País, como também alocação de recursos para suprir as necessidades de infraestrutura dos serviços regionais.

REFERÊNCIA

  • 1
    Pozzo L, Coura Filho G, Osso Júnior JA, et al. O SUS na medicina nuclear do Brasil: avaliação e comparação dos dados fornecidos pelo Datasus e CNEN. Radiol Bras. 2014;47:141-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2014
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