Comportamento de Tylenchulus semipenetrans em laranjeira ‘Pera Rio’ enxertada em limoeiro ‘Cravo’

Behavior of Tylenchulus semipenetrans in ‘Pera Rio’ orange grafted onto ‘Rangpur’ lime

RESUMO

Tylenchulus semipenetrans é o principal nematoide em citros, amplamente disseminado nos pomares citrícolas brasileiros, causando perdas que variam de 10 a 30%. Assim, o objetivo dessa pesquisa foi estudar o comportamento de T. semipenetrans em pomar de 14 anos de laranja ‘Pera Rio’ enxertada em limoeiro ‘Cravo’, determinando sua flutuação populacional e correlacionando a produção com os níveis populacionais do nematoide. As amostragens foram realizadas no final de cada estação climática, em dois períodos, um de setembro de 2011 à junho de 2012 e outro de março à dezembro de 2013, numa profundidade de 0-30 cm em 10 plantas sem sintomas, 10 plantas com sintomas e suas adjacentes, totalizando 60 plantas . Os nematoides presentes no solo foram extraídos pela metodologia de flutuação em centrifuga e das raízes pela técnica do liquidificador e centrifugação. Na safra 2012/2013, os frutos de cada planta foram colhidos e pesados. O número de nematoides no solo e na raiz foram plotados em gráficos e correlacionados com dados de temperatura e precipitação pluviométrica pela análise de Pearson; enquanto que os dados de peso de fruto por planta e número de nematoides em solo e raiz, de cada época, foram transformados e submetidos à análise de correlação de Spearman (P=0,05). O maior nível populacional de T. semipenetrans ocorreu no final do inverno e o mais baixo no final da primavera, sendo mais comumente encontrado nas raízes. Temperaturas na faixa de 20^oC são favoráveis para melhor desenvolvimento de T. semipenetrans.

Palavras-chave
nematoides do citros; Citrus sinensis; dinâmica da população; produção

ABSTRACT

Tylenchulus semipenetrans is the main nematode affecting citrus; it is widespread among Brazilian citrus orchards, causing losses that range from 10 to 30%. The aim of this study was to investigate the behavior of T. semipenetrans in a 14-year-old orchard of ‘Pera Rio’ orange grafted onto ‘Rangpur’ lime, determining its population dynamics and correlating production with the population levels of this nematode. Samples were taken at the end of each weather station, in two periods: from September 2011 to June 2012 and from March to December 2013, at a depth of 0-30 cm, from 10 plants without symptoms, 10 with symptoms and their adjacent plants, totaling 60 plants. The nematodes present in the soil were extracted based on flotation method in a centrifuge, while those in the roots, based on blender technique and centrifugation. In the 2012/2013 harvest, the fruits of each plant were collected and weighed. The number of nematodes in the soil and in the roots were plotted on graphs and correlated with temperature and precipitation data according to Pearson’s analysis, while data of fruit weight per plant and number of nematodes in the soil and roots, in each period, were transformed and subjected to Spearman’s correlation analysis (P-0.05). The largest population level of T. semipenetrans occurred in late winter and the lowest one in late spring, and it was most commonly found in roots. Temperatures in the range of 20°C are favorable for better development of T. semipenetrans.

Keywords
citrus nematodes; Citrus sinensis; population dynamics; production

A citricultura brasileira tem grande importância para economia mundial. Os problemas nematológicos em citros, no Brasil, estão relacionados à presença de Pratylenchus jaehni Inserra et al. e a Tylenchulus semipenetrans Cobb ⁽¹⁴⁾, esse último amplamente disseminado, presente em 72% do parque citrícola paulista ⁽³⁾.

As perdas causadas por T. semipenetrans podem variar entre 10 a 30%, dependendo do nível de infecção, do enxerto, da variedade copa e fatores bióticos e abióticos do ambiente ^(8,19). E esse nível é determinado por variáveis que diferem de região para região, ora fêmeas por grama/raiz, ora juvenis por grama/raiz ou ainda juvenis por cm³/solo. Por exemplo, na Califórnia, EUA, populações de T. semipenetrans acima de 1.400 fêmeas/g de raiz são consideradas elevadas, justificando o tratamento com produto químico ⁽⁸⁾. Enquanto que em Israel, níveis populacionais superiores a 4.000 juvenis/g de raiz promovem o sintoma de declínio lento nas plantas cítricas ⁽⁵⁾; e em Chipre, números superiores a 5.000 juvenis/250cm³ de solo, são suficientes para causar danos ⁽¹³⁾.

Para a determinação do nível de dano é importante considerar a época de amostragem, uma vez que, o nível populacional de T. semipenetrans flutua durante o ano podendo variar consideravelmente de estação para estação. Na Flórida, EUA, a população desse nematoide é mais elevada nos períodos de abril-maio e novembro-dezembro, enquanto em fevereiro-março e agosto-setembro, a população é baixa ⁽¹²⁾. No Egito, altas densidades da população do nematoide são encontradas nos meses de março e maio e baixas no mês de agosto ⁽¹⁾. No Brasil, no estado de Minas Gerais, altos níveis populacionais do nematoide foram observados nos meses de maio, junho e julho ⁽¹⁸⁾.

Assim, com o objetivo de se conhecer o comportamento de T. semipenetrans nos pomares cítricos da região centro oeste paulista, estudos foram realizados para determinar a flutuação populacional e também possível nível de dano do nematoide. Para isso um experimento foi conduzido em área cultivada com laranja ‘Pera Rio’ enxertada em limoeiro ‘Cravo’, avaliando os níveis populacionais, encontrados em amostras de solo e raiz, em cada estação climática e correlacionando a produção com esses níveis.

MATERIAL E MÉTODOS

Local de execução do experimento

O experimento foi conduzido em pomar implantado em 1998, com histórico de infestação de T. semipenetrans, formado com a variedade ‘Pera Rio’ [Citrus sinensis (L.) Osbeck] enxertada em limoeiro ‘Cravo’ (Citrus limonia Osbeck), localizado na Fazenda São Gabriel, dístrito de Vitoriana, município de Botucatu – SP, situado a 22°43’ 80,1”S e 48°20’02,3”W, com altitude de 530 m. O clima é classificado como Cwa de acordo com sistema de Köeppen ⁽¹⁶⁾, com índice pluviométrico anual de 1.894,0 mm, distribuídos de outubro a abril e estação seca de maio a setembro. A temperatura média anual é de 21,2 °C.

Obtenção das amostras

As amostragens de 250 ml de solo e 10 gramas de raiz foram realizadas no final de cada estação climática em dois períodos (setembro/11, dezembro/11, março/12, junho/12 e março/13, junho/2013, setembro/13, dezembro/13), numa profundidade de 0-30 cm, na projeção da copa das plantas. Foram selecionadas 10 plantas sem sintomas, 10 com sintomas e as quatro plantas adjacentes das sintomáticas, totalizando 60 plantas. As amostras foram acondicionadas em sacos plásticos, devidamente etiquetados e encaminhadas ao laboratório.

Extração de T. semipenetrans

As amostras coletadas foram processadas para extração dos nematoides presentes no solo pela metodologia de flutuação em centrífuga ⁽¹⁰⁾, e nas raízes seguindo a técnica do liquidificador e centrifugação ⁽⁶⁾. Os espécimes de T. semipenetrans encontrados nas amostras de solo e raiz foram contados com o auxilio da câmara de Peters sob microscópio de luz.

Colheita

Na safra 2012/2013, os frutos de cada planta avaliada, foram colhidos e pesados para a obtenção da produção.

Análise dos dados

Para o estudo da flutuação populacional, os dados populacionais de T. semipenetrans obtidos nas épocas de amostragem foram plotados em gráficos.

Os dados de nematoide em 250 ml de solo, nematoides em 10g de raiz, temperatura e precipitação pluviométrica, de todas as épocas avaliadas, foram submetidos à análise de correlação de Pearson.

Os dados de peso de fruto por planta e número de nematoides no solo e raiz, em cada época de avaliação, referente ao período de 2011/2012, foram transformados utilizando a função logaritmo neperiano e posteriormente submetidos à análise de correlação de Spearman, utilizando o programa estatístico SAS, considerando o nível de significância de 5%.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A densidade populacional de nematoides em 10g de raízes variou de 0 a 77.050 nematoides, com media de 4.811, nas épocas de avaliação de 2011/2012, e de 0 a 29.300 nematoides, com média de 3.768, nas de 2013. Em ambos os períodos de avaliação a maior população encontrada foi em setembro, final do inverno, e a menor em dezembro, final da primavera (Figura 1), tal como reportado por trabalho realizado na região de Monte Alto (SP) ⁽⁴⁾.

Figura 1
Números médios de Tylenchulus semipenetrans em amostras de raiz coletadas no período de setembro de 2011 a junho de 2012 e março de 2013 a dezembro de 2013, no Município de Botucatu – SP.

A população no solo variou de 0 a 5.832 nematoides por 250 ml, com media de 413,6, no período de 2011/2012, e variou de 0 a 3.560, com média de 328,2, no de 2013. Foi observado no primeiro período maior população em junho, final do outono, e a menor em setembro, final do inverno. No período de 2013, a menor população foi encontrada em setembro e maior em dezembro (Figura 2). O número de juvenis de T. semipenetrans no solo nos dois períodos de avaliação não diferiu estatisticamente. Pela população encontrada, verifica-se que a análise dos nematoides presentes na raiz (M= 4.290) representa melhor a população que ocorre no campo do que a análise dos nematoides presentes no solo (M= 371).

Figura 2
Números médios de Tylenchulus semipenetrans em amostras de solo coletadas no período de setembro de 2011 a junho de 2012 e março de 2013 a dezembro de 2013, no Município de Botucatu – SP.

Foi observado nos dois períodos de avaliação que a flutuação populacional de T. semipenetrans em planta de laranja ‘Pera Rio’ enxertada em limoeiro ‘Cravo’ seguiu a tendência dos nematoides presentes na raiz, mesmo quando somado ao número destes encontrados nos solo (Figura 3), demonstrando que a análise dos nematoides presentes no solo não representa a população real que ocorre no campo, podendo levar a recomendações errôneas.

Figura 3
Números médios de Tylenchulus semipenetrans em amostras de solo e raiz coletadas no período de setembro de 2011 a junho de 2012 e março de 2013 a dezembro de 2013, no Município de Botucatu – SP.

As correlações entre a população de T. semipenetrans na raiz e temperatura foram negativas e semelhantes nos dois períodos de avaliação. No primeiro (r = -0,75), houve um ajuste ao modelo linear: y = -0,0006x + 24,408 e no segundo (r = -0,76), o mesmo se repetiu: y = -0,0007x + 24,287, sendo para ambas as equações: y = temperatura (°C) e x = número de nematoides em 10g de raiz (Figura 4).

Figura 4
Correlações entre temperatura e o número de Tylenchulus semipenetrans em amostras de raiz, coletadas no período de setembro de 2011 a junho de 2012 e março de 2013 a dezembro de 2013, no Município de Botucatu – SP.

No Iran, também foi verificado correlação negativa entre estas variáveis. Altas populações foram encontradas no inverno, com temperatura média registrada em torno de 21°C, e inicio da primavera, com temperatura média em torno de 25°C. Baixa densidade populacional foi observada durante o verão, onde a temperatura média foi de 41,2 °C. Acredita-se que altas temperaturas sejam um dos fatores abióticos que afetam a reprodução e penetração do nematoide, reduzindo sua população nos meses mais quentes ⁽²⁾. Esses resultados são semelhantes aos obtidos no presente trabalho, que verificou maior população do nematoide no final do inverno, com temperatura média registrada de 19,8°C.

De acordo com O’Bannon ⁽¹²⁾, na Florida, EUA, a população de T. semipenetrans foi mais elevada na primavera (25°C) e no outono (17°C), enquanto que no inverno (12°C) e verão (27°C) a população foi baixa. Embora a princípio pareçam dados contraditórios, as temperaturas médias registradas nos períodos que antecederam as avaliação, na primavera e no outono, foram em torno de 20°C. Sendo o ciclo de T.semipenetrans de 6 a 8 semanas, foram estas temperaturas que atuaram na reprodução do nematoide, proporcionando uma população mais elevada no momento da amostragem em que se verificou o pico populacional.

Embora O’Bannon et al. ⁽¹¹⁾ mencionem que a faixa ideal para o desenvolvimento de T. semipenetrans seja entre 20 a 31°C , sendo a temperatura ótima 25°C, diferentes autores verificaram maior densidade populacional de T. semipenetrans quando temperaturas em torno de 20°C foram registradas, o mesmo foi verificado no presente estudo ^(12,2,3).

Apesar dos estudos de flutuação populacional de T.semipenetrans, terem sidos realizados em diferentes regiões do mundo, incluindo Estados Unidos, Iran e Brasil, observa-se que a dinâmica da população do nematoide foi fortemente afetada pela temperatura, sendo a ideal em torno de 20°C, não sofrendo grande interferência da variação geográfica ^(12,2,3). Duncan ⁽⁹⁾ menciona que em lugares como o Egito, Texas, Omã e Espanha, quando a temperatura se aproxima do limite superior verificado por O’Bannon ⁽¹¹⁾, que é proximo de 31°C, ocorre o declínio populacional do nematoide. No presente trabalho, também foi verificado redução na densidade populacional no mês de dezembro, quando temperaturas proximas a esta foram registrada.

Entre a temperatura e a população do nematoide no solo, no primeiro período de avaliação, foi verificada a existência de uma correlação negativa fraca (r = -0,28), não considerável estatisticamente, que se ajustou ao modelo linear: y = -0,0056x + 23,939. Já no segundo período de avaliação verificou-se uma correlação negativa forte (r = -0,96) se ajustando também ao modelo linear: y = -0,0384x + 34,841, onde para ambas as equações: y = temperatura (°C) e x = número de nematoides em 250 ml de solo (Figura 5).

Figura 5
Correlações entre temperatura e o número de Tylenchulus semipenetrans em amostras de solo, coletadas no período de setembro de 2011 a junho de 2012 e março de 2013 a dezembro de 2013, no Município de Botucatu – SP.

As correlações entre a precipitação pluviométrica a os nematoides nas amostras de solo e de raízes também foram verificadas. Nas raízes as correlações foram negativas em ambos os períodos avaliados, (r = -0,96) no primeiro e (r = -0,46) no segundo. Nos dois períodos houve um ajuste equacional ao modelo linear, sendo: y = -0,0274x + 274,47, para o primeiro período e y = -0,0007x + 7,3777 para o segundo, onde y = precipitação pluviométrica (mm) e x = número de nematoides em 10g de raiz. (Figura 6).

Figura 6
Correlações entre precipitação pluviométrica e o número de Tylenchulus semipenetrans em amostras de raiz, coletadas no período de setembro de 2011 a junho de 2012 e março de 2013 a dezembro de 2013, no Município de Botucatu – SP.

No solo as correlações foram diferentes nos dois períodos, sendo positiva no primeiro (r = 0,46) ajustando-se ao modelo linear: y = 0,2995x + 8,8495 e negativa no segundo (r = -0,64) também se ajustando ao modelo linear, onde y = precipitação pluviométrica (mm) e x = número de nematoides em 250 ml de solo (Figura 7).

Figura 7
Correlações entre precipitação pluviométrica e o número de Tylenchulus semipenetrans em amostras de solo, coletadas no período de setembro de 2011 a junho de 2012 e março de 2013 a dezembro de 2013, no Município de Botucatu – SP.

De acordo com Sorribas et al. ⁽¹⁷⁾ T. semipenetrans tem seu desenvolvimento beneficiado com baixa umidade, porém o mesmo fica prejudicado quando estas são extremas, pois apresentam pouca capacidade para anidrobiose. Tais fatos justificam a ocorrência do pico populacional no inverno no presente estudo. Período este em que o solo apresentava baixa umidade, uma vez que foi registrado índice pluviométrico de 81,7 mm durante toda estação. Baixos níveis populacionais do nematoide foram encontrados em dezembro, sendo a soma da precipitação dos meses de outubro, novembro e dezembro igual a 605,5 mm. Considerando ainda que os períodos de maior precipitação pluviométrica coincidem com os de altas temperaturas, a correlação pode ser mais influenciada pela ação da temperatura do que pela precipitação pluviométrica ⁽³⁾. Sendo assim, nas regiões subtropicais, os picos populacionais desse nematoide, ocorrem nos meses de seca que antecedem temporada de verão chuvoso ⁽¹²⁾.

Não foi encontrada correlação entre o número de nematoides no solo e na raiz com a produção de laranja ‘Pera Rio’ enxertada em limoeiro ‘Cravo’. Tal fato pode ser explicado por plantas com sintomas acentuados do ataque do nematoide apresentarem sistemas radiculares deficientes, deteriorados e com poucas radicelas, condições que não propiciam a multiplicação satisfatória do nematoide. As radicelas quando altamente infectadas são ligeiramente mais espessas do que as saudáveis e possuem uma aparência suja devido às partículas de solo que aderem as massas gelatinosas sobre a superfície radicular. As radicelas se deterioram mais rapidamente devido à perda de integridade na epiderme, causada pela alimentação do nematoide no córtex, podendo resultar invasão de organismos secundários. Esses sintomas são expressos quando as raízes são levemente infectadas, altas infecções resultam em descamação cortical e morte das radicelas ⁽⁹⁾, com consequente diminuição populacional do nematoide.

Por outro lado, algumas plantas assintomáticas, mas com elevada população do nematoide, apresentaram o sistema radicular vigoroso, com radicelas adequadas ao desenvolvimento de T. semipenetrans, oferecendo maior quantidade de locais para o parasitismo, assim como já observado por Duncan e Noling ⁽⁷⁾. Tudo indica que estas plantas futuramente apresentarão sintomas na parte aérea, sistema radicular deficiente e deteriorado e baixa produção.

A análise de nematoides na raiz é mais indicada para representar a densidade de T. semipenetrans no campo do que a análise de solo.

Os picos populacionais de T. semipenetrans em Botucatu-SP ocorrem no final do inverno e as baixas densidades no final da primavera.

Temperaturas em torno de 20°C favorecem o aumento populacional de T. semipenetrans.

Agradecimentos

Ao Sr. Dirceu Bovi e toda a equipe da fazenda São Gabriel, Botucatu – SP e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Jul-Sep 2016

Histórico

• Recebido
  22 Abr 2015
• Aceito
  25 Abr 2016