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Abordagem reversa: novo paradigma no tratamento da metástase hepática sincrônica de câncer colorretal

EDITORIAL

Professor de cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e Cirurgião Oncológico do Instituto Nacional do Câncer (INCA)

Em torno de 25% dos portadores de câncer colorretal apresentam metástase hepática no momento do diagnóstico do tumor primário. A ressecção tumoral completa (primário + metástases) é a forma mais eficiente de tratamento capaz de proporcionar sobrevida longa1, porém a apresentação sincrônica (metástase hepática) tem sido associada a pior prognóstico2. Inúmeros avanços têm sido alcançados no tratamento do câncer colorretal metastático, dentre eles: a utilização de quimioterápicos mais eficientes e o desenvolvimento tecnológico, que permitiu a realização de ressecções hepáticas mais complexas e com menor morbidade. A combinação dessas duas formas terapêuticas (cirurgia + quimioterapia) tem sido responsável pela melhoria nos resultados oncológicos, sendo alcançada sobrevida em cinco anos até então não imaginadas para doença metastática3. Apesar de todos esses avanços, o prognóstico dos pacientes com doença sincrônica é pior. Dessa forma, algumas estratégias tem sido propostas na tentativa de otimizar esses resultados4, uma delas seria a alteração na sequência do tratamento proposta por Mentha et al.4. O tratamento clássico tem sido a ressecção do tumor primário seguido de quimioterapia e posterior cirurgia hepática. Mentha et al.4 propuseram a chamada "abordagem reversa", que consiste em iniciar o tratamento com quimioterapia sistêmica seguida de ressecção hepática e posterior tratamento da lesão primária. Esses autores publicaram em 20064 uma série de 20 casos de câncer colorretal com metástases hepáticas sincrônicas tratados com a "abordagem reversa", sendo nove casos de adenocarcinoma primário de cólon e 11 de reto (todos casos de tumores não-obstrutivos). Os pacientes foram inicialmente tratados com dois a seis ciclos de quimioterapia composta por oxaliplatina, irinotecan, 5-FU e leucovorin. A resposta à quimioterapia era avaliada após os três ciclos iniciais, sendo indicado ciclos adicionais caso ainda não fosse possível a ressecção cirúrgica da doença hepática. Setenta por cento dos pacientes (14 pacientes) apresentavam doença hepática bilobar e 60% apresentavam lesões maiores que 5 cm. Houve necessidade de hepatectomia estadiada para tratamento das lesões bilobares e embolização portal nos casos em que o volume hepático remanescente previsto era insuficiente. A ressecção do tumor primário era planejada dentro de três a oito semanas após a hepatectomia ou após completado a radioterapia nos casos de câncer retal. Dezesseis pacientes (80%) tiveram ressecção hepática com intenção curativa, enquanto que 20% (quatro pacientes) evoluíram com progressão da doença hepática, não sendo possível a ressecção. A sobrevida mediana alcançada foi de 46 meses e a sobrevida global em quatro anos de 56%.

Esses resultados foram surpreendentemente melhores que os resultados até então publicados para doença metastática sincrônica de mesmo escore de gravidade5. Além do provável beneficio em termos de sobrevida, alguns argumentos teóricos suportam a adoção dessa nova estratégia. Primeiro, o uso de quimioterapia mais potente (oxaliplatina, irinotecan) como passo inicial permite o tratamento imediato da doença sistêmica (metástase hepática),ou seja, da doença mais grave e a responsável por mais de dois terços das causas de morte por câncer colorretal. Além disso, a taxa de resposta em torno de 70%, evidenciado em estudos prévios6,7 , justifica a postergação da cirurgia e a utilização da "abordagem reversa", particularmente em subgrupos de pior prognóstico (doença hepática metastática sincrônica, bilobar, metástases múltiplas, etc). Segundo, a utilização inicial de quimioterapia permite a seleção de pacientes cujo tratamento terá intenção curativa (independente do número e tamanho das metástases) e evita tratamentos agressivos subseqüentes em maus respondedores, nos quais o tratamento paliativo apenas seria mais benéfico. Terceiro, entre os respondedores, a remoção inicial de toda doença hepática protege do recrescimento das lesões hepáticas enquanto se trata da lesão primária. Isso é particularmente relevante nos casos em que ocorrem complicações relacionadas ao tratamento da lesão primária, ocasionando atraso no inicio da quimioterapia. Finalmente, essa estratégia permitiu o uso da radioterapia pré-tratamento da ressecção retal, sendo benéfico em termos de controle local.

Mais recentemente, Brouquet et al.8 publicaram a experiência do MD Anderson Cancer Center no tratamento de 156 casos consecutivos de câncer colorretal com metástase hepática sincrônica, comparando a abordagem clássica (tratamento do tumor primário antes da metástase hepática), a combinada (ressecção combinada do tumor primário e da metástase hepática) e a "reversa"(tratamento da metástase hepática seguida do tratamento do primário). Esses autores evidenciaram resultados oncológicos similares entre as três estratégias, além de morbi-mortalidade semelhante. A conclusão dos autores é que a "abordagem reversa" deve ser considerada uma alternativa em casos avançados de doença colorretal metastática sincrônica e que os resultados dessa abordagem em pacientes com doença mais extensa são similares ao da abordagem clássica e combinada utilizada em doença menos extensa.

Os avanços na quimioterapia e no tratamento cirúrgico do câncer colorretal metastático tem sido nítidos nos últimos anos. Apesar disso, um subgrupo particular (doença hepática metastática sincrônica) ainda necessita de medidas com a finalidade de otimizar esses resultados. É possível que esse novo paradigma (mudança na sequencia do tratamento) potencialize os efeitos da abordagem clássica. Dessa forma, apesar do racional da "abordagem reversa" ser bastante lógico e os resultados publicados até o momento serem interessantes, fica evidente a necessidade de estudos prospectivos randomizados para definir o real papel dessa nova estratégia e validar sua implementação na prática clínica.

  • 1. Abdalla EK, Vauthey JN, Ellis LM, et al: Recurrence and outcomes following hepatic resection, radiofrequency ablation, and combined resection/ablation for colorectal liver metastases. Ann Surg 239:818-825, 2004.
  • 2. Adam R. Colorectal cancer with synchronous liver metastases. Br J Surg 2007;94: 129-131.
  • 3. Bismuth H, Adam R, Levi F, et al Resection of nonresectable liver metastases from colorectal cancer after neoadjuvant chemotherapy. Ann Surg 1996;224:509-20
  • 4. Mentha G, Majno PE, Andres A,Rubbia-Brandt L, Morel P, Roth AD. Neoadjuvant chemotherapy and resection of advanced synchronous liver metastases before treatment of the colorectal primary. Br J Surg 2006 ; 93: 872-8.
  • 5. Fong Y, Fortner J, Sun RL, Brennan MF, Blumgart LH. Clinical score for predicting recurrence after hepatic resection for metastatic colorectal cancer: analysis of 1001 consecutive cases. Ann Surg 1999; 230: 309-318.
  • 6. Masi G, Allegrini G, Cupini S, Marcucci L,et al First-line treatment of metastatic colorectal cancer with irirnotecan, oxaliplatin and 5-fluoracil/leucovorin (FOLFOXIRI): results of a phase II study with a simplified biweekly schedule. Ann Oncol 2004;15: 1766-1772.
  • 7. Seium Y, Stupp R, Ruhstaller T, Gervaz P, Mentha G, Philippe M, et al Oxaliplatin combined with irinotecan and 5-fluoracil/leucovorin (OCFL) in metastatic colorectal cancer: a phase I-II study. Ann Oncol 2005;16: 762-766.
  • 8. Bruquet A, Mortenson M, Vauthey JN, Rodriguez-Bigas M, et al Surgical strategies for synchronous colorectal liver metastases in 156 consecutive patients:classic, combined or reversed strategy? J Am Coll Surg 2010; 210: 934-941.
  • Abordagem reversa: novo paradigma no tratamento da metástase hepática sincrônica de câncer colorretal

    TCBC-RJ Marcus Valadão
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010
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