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Religião e criminalidade: traficantes e evangélicos entre os anos 1980 e 2000 nas favelas cariocas

Religion and crime: drug dealers and evangelicals between 1980 and 2000 in Rio's slums

Resumos

Neste artigo tenho como objetivo discutir a relevância dos estudos de religião para a compreensão de dinâmicas do crime violento em periferias e favelas nas cidades. A abordagem analítica que desenvolvo aqui é inspirada, em parte, nas contundentes reflexões feitas sobre a adesão ao evangelismo não como ruptura com o universo simbólico e semântico anterior. No entanto, se essas análises consideravam a combinação de elementos de outras religiões no interior do pentecostalismo, chamo atenção para combinações, fluxos e passagens entre o universo cristão e criminal ativado por evangélicos e traficantes de drogas no contexto de favelas. Entre os anos 1980 e 2000 são intensas as mudanças verificadas no contato de traficantes com o universo religioso local, evidenciadas pelos símbolos religiosos, mensagens e orações dispostas nos muros, em altares e em outdoors na favela, assim como em tatuagens nos corpos dos próprios traficantes. Os dados empíricos que sustentam minhas análises estão baseados, principalmente, em pesquisas de campo realizadas nas favelas de Acari (nas décadas de 1990 e 2000) e Santa Marta (entre os anos 2005 e 2009).

favelas; traficantes de drogas; religião; evangélicos; metodologia


In this paper I aim to discuss the relevance of religious studies for understanding the dynamics of violent crimes in the suburbs and slums in the cities. The analytical approach I develop here is inspired, in part, in the stinging reflections made on adherence to evangelism not as a break with the previous semantic and symbolic universe. However, if these analyzes considered the combination of elements of other religions within Pentecostalism, I call attention to combinations, flows and passages between the Christian and criminal universe activated by evangelicals and drug dealers in the context of slums. Between the years 1980 and 2000 intense changes are observed in the contact between drug dealers and the local religious universe, as evidenced by religious symbols, messages and prayers arranged on the walls, on altars and on billboards in the slums, as well as in tattoos on the bodies of drug dealers themselves. The empirical data supporting my analyzes are based mainly on field research conducted in the slums of Acari (in the decades of 1990 and 2000) and Santa Marta (between 2005 and 2009).

slums; drug dealers; religion; Evangelicals; methodology


R eligião e criminalidade: traficantes e evangélicos entre os anos 1980 e 2000 nas favelas cariocas

Religion and crime: drug dealers and evangelicals between 1980 and 2000 in Rio's slums

Christina Vital da CunhaI

IUniversidade Federal Fluminense - Niterói Rio de Janeiro - Brasil

RESUMO

Neste artigo tenho como objetivo discutir a relevância dos estudos de religião para a compreensão de dinâmicas do crime violento em periferias e favelas nas cidades. A abordagem analítica que desenvolvo aqui é inspirada, em parte, nas contundentes reflexões feitas sobre a adesão ao evangelismo não como ruptura com o universo simbólico e semântico anterior. No entanto, se essas análises consideravam a combinação de elementos de outras religiões no interior do pentecostalismo, chamo atenção para combinações, fluxos e passagens entre o universo cristão e criminal ativado por evangélicos e traficantes de drogas no contexto de favelas. Entre os anos 1980 e 2000 são intensas as mudanças verificadas no contato de traficantes com o universo religioso local, evidenciadas pelos símbolos religiosos, mensagens e orações dispostas nos muros, em altares e em outdoors na favela, assim como em tatuagens nos corpos dos próprios traficantes. Os dados empíricos que sustentam minhas análises estão baseados, principalmente, em pesquisas de campo realizadas nas favelas de Acari (nas décadas de 1990 e 2000) e Santa Marta (entre os anos 2005 e 2009).

Palavras-chave: favelas, traficantes de drogas, religião, evangélicos, metodologia.

ABSTRACT

In this paper I aim to discuss the relevance of religious studies for understanding the dynamics of violent crimes in the suburbs and slums in the cities. The analytical approach I develop here is inspired, in part, in the stinging reflections made on adherence to evangelism not as a break with the previous semantic and symbolic universe. However, if these analyzes considered the combination of elements of other religions within Pentecostalism, I call attention to combinations, flows and passages between the Christian and criminal universe activated by evangelicals and drug dealers in the context of slums. Between the years 1980 and 2000 intense changes are observed in the contact between drug dealers and the local religious universe, as evidenced by religious symbols, messages and prayers arranged on the walls, on altars and on billboards in the slums, as well as in tattoos on the bodies of drug dealers themselves. The empirical data supporting my analyzes are based mainly on field research conducted in the slums of Acari (in the decades of 1990 and 2000) and Santa Marta (between 2005 and 2009).

Keywords: slums, drug dealers, religion, Evangelicals, methodology.

Introdução

As elaborações forjadas por evangélicos sobre a conversão como um momento de ruptura com o "mundo" - categoria que, na perspectiva da Teologia do Domínio1 1 Teologia caracterizada pela ênfase nas batalhas espirituais contra demônios hereditários e territoriais e na quebra de maldições de família, concepções doutrinárias forjadas e popularizadas pelo Fuller Theological Seminary. Cf. Mariano 1999. , preponderante entre os pentecostais, configuraria o lugar da "guerra", da "batalha espiritual"2 2 Sobre "batalha espiritual", cf. Mariz 1999. contra os males ali dominantes, geralmente associados ao dinheiro e ao sexo - geraram expectativas e estudos que pretendiam analisar a ruptura que significava na trajetória de atores sociais específicos a adesão ao pentecostalismo. Essas análises buscavam capturar tal ruptura em sua dimensão individual/privada, assim como também cultural/pública. No entanto, uma gama de autores, principalmente na segunda metade dos anos 1990, passou a observar a relativização de fronteiras que vinham sendo apresentadas, até então, como fortemente marcadas. Assim, assinalavam a utilização comum de símbolos e rituais no interior do pentecostalismo, do candomblé e da umbanda. Nesses casos, analisa Birman (1996), tratava-se de pôr em relevo igrejas evangélicas que mobilizavam símbolos e performances das religiões de matriz africana em seus rituais, evidenciando as composições possíveis do pentecostalismo no Brasil3 3 Questão posteriormente debatida por Almeida 2009. . Sanchis, nesse mesmo sentido, vaticina:

Ao contrário do que se deveria esperar em termos de rupturas entre membros das mesmas famílias, dos mesmos bairros populares, rupturas acarretadas pelas 'conversões' ao pentecostalismo, emergem novas formas de empréstimos, passagens, reinterpretações, pontes entre universos simbólicos e rituais que se reconhecem mutuamente sentido e força. Relativização de fronteiras, destas mesmas fronteiras teoricamente afirmadas com tanta radicalidade (Sanchis 1997:109).

Essa combinação simbólica ritual, chamada de "abrasileiramento do pentecostalismo" por Sanchis (1998), teria sido um importante corolário do surgimento da Igreja Universal do Reino de Deus. Até o surgimento dessa denominação, as discussões sobre a chegada do pentecostalismo ao Brasil apontavam para uma ruptura cultural e ética com os moldes sobre os quais se assentaria a sociedade brasileira de então. As reflexões de Sérgio Buarque de Holanda e de Roberto DaMatta afirmavam ser a ambiguidade um traço fundamental de nossa sociedade. Segundo esses autores, o "jeitinho brasileiro", nos termos de Lívia Barbosa (1992), expressava, assim, o desejo dos nacionais pela adaptação de normas e sugere a prática cotidiana de comportamentos que buscam equilibrar a lei e o costume. O pentecostalismo, na perspectiva de Sanchis, Birman e outros autores, ao invés de impor uma nova ordem cultural orientada pelos valores ascéticos que guiaram as denominações surgidas no início do evangelismo no país, como era a expectativa, foi se adaptando, negociando perspectivas e práticas, sucumbindo ao "jeitinho brasileiro". Nas palavras de Mafra e Paula (2002:61):

Aparentemente, nada mais oposto a esta identificação nacional que o pentecostalismo. Repondo o dualismo do bem e do mal por onde quer que vá, o pentecostalismo parece dividir o mundo em dois, sem meio-termo. Mais que isto, popularizando doutrinas que exigem castidade e contenção, o pentecostalismo parece fazer ressoar uma versão moderna do puritanismo norte-americano (...). Pierre Sanchis (1998), na mesma linha, perguntando-se sobre a continuidade da expansão da Igreja Universal do Reino de Deus, sugere que 'entre a pentecostalização da cultura brasileira e o abrasileiramento do pentecostalismo', a Universal é a prova cabal de que foi o segundo movimento que foi bem-sucedido. Inúmeros outros estudos somaram-se ao diagnóstico: estabeleceu-se então que a ruptura do pentecostalismo com os parâmetros do nacional era apenas parcial.

Neste artigo4 4 Neste artigo mobilizo parte das análises e do material empírico reunido na tese de doutorado intitulada "Evangélicos em ação nas favelas cariocas: um estudo sócio-antropológico sobre redes de proteção, tráfico de drogas e religião no Complexo de Acari" por mim defendida em 2009 no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UERJ. , tenho como objetivo discutir a relevância dos estudos de religião para a compreensão de dinâmicas sociais e do crime violento em periferias e favelas nas cidades. Essas contundentes reflexões sobre os fluxos e passagens do/no pentecostalismo no Brasil foram fundamentais para minha reflexão sobre uma combinação, até então pouco explorada, entre o pentecostalismo e a criminalidade. Mais do que passagens dos atores sociais entre um universo e outro, o que já significaria uma mudança em relação à perspectiva que afirmava a conversão como uma ruptura entre a "vida na igreja" e a "vida no crime", como vimos, destaco a convivência relativa desses atores em ambos os universos radicalizando a noção tão bem explorada por Almeida (2006) sobre as múltiplas formas de ser evangélico nas "muitas modernidades existentes na contemporaneidade" (Machado 2012:25).

Assim como pesquisas vêm apontando as interfaces entre o que convencionamos chamar de domínio do religioso e do político, tornando público uma imbricação ou mesmo alertando para as interligações fundantes desses dois domínios sociais5 5 Machado (2006, 2012); Giumbelli (2002, 2008); Burity (2006, 2012), Montero (2012); entre outros. . No âmbito dos estudos urbanos e do crime essa revisão vem sendo igualmente feita revelando a interface entre o universo religioso, com destaque para o cristão, e a criminalidade em periferias e favelas, assim como em presídios e demais espaços de internação6 6 Ver Machado (2013); Lobo (2005); Scheliga (2004, 2005), Segato (2005). . Em ambos os casos, as disputas em torno da afirmação de limites entre essas esferas, por um lado, e de suas intensas imbricações, "misturas", por outro lado, são intensas, resultando em cisões e defesas de posicionamentos que emergem, muitas vezes, de modo acalorado na arena, como veremos à frente neste artigo.

As análises que ora apresento foram construídas a partir do acompanhamento de usos e da manipulação de símbolos religiosos por traficantes de drogas (e por policiais) na favela de Acari, localizada na Zona Norte do Rio de Janeiro. Os registros fotográficos feitos ao longo de 13 anos de pesquisa nessa favela7 7 Os registros fotográficos aos quais me refiro são fruto do trabalho da pesquisa de doutoramento do Prof. do Departamento de História da UFF, Dr. Marcos Alvito (1995-1996), do meu trabalho de iniciação científica (1996-1997) vinculado ao projeto do referido professor à época e das minhas pesquisas de mestrado (2000-2002) e doutorado (2005-2009). (somados àqueles dispostos em arquivos da imprensa) foram utilizados como instrumento fundamental a partir do qual foi possível rememorar e refletir sobre as dinâmicas do campo religioso local ao longo de três décadas (anos 1980, 1990, 2000).

O objetivo de recontar as dinâmicas existentes no campo religioso da favela de Acari não estava posto desde o início do trabalho, assim como a investigação dos impactos que tais dinâmicas causariam nas práticas políticas e no comportamento de criminosos naquela favela. Este objetivo foi sendo definido quando do estabelecimento do morro Santa Marta como contraponto de análise da pesquisa. Foi a partir das observações comparativas entre as duas favelas que o que estava de certo modo naturalizado em meu olhar ganhou relevo - as pinturas e objetos sagrados em Acari eram construídos, destruídos, desfigurados e colocados outros em seu lugar sem que eu estivesse propriamente atenta ao que isto poderia estar comunicando. Situações e expressões de religiosidade saltaram diante de meus olhos de modo veemente, não deixando dúvidas de que o que guardava na memória do trabalho de campo e o que tinha registrado em fotografias poderia ser o ponto a partir do qual eu seria capaz de falar de um curso histórico dos fatos locais e que produziam rebatimento supralocal (sendo, ao mesmo tempo, num movimento dialético de relação das favelas com a cidade, fruto e provocador dos cenários que se apresentavam). Quero dizer com isso que os fragmentos estavam registrados em meus diários de campo, as mudanças nas alocações e menções de objetos, símbolos e discursos religiosos.

No entanto, o insight que possibilitou a sistematização do universo em questão foi realizado a partir de uma situação experimentada no morro Santa Marta. Eu estava sendo seguida pelas escadarias da favela por dois traficantes que minutos antes eu havia fotografado não intencionalmente ao registrar uma capela católica existente na micro-área da favela chamada Pico8 8 Antes da instalação da Unidade de Polícia Pacificadora no Santa Marta, momento no qual o fato narrado se desenrola, esta área era conhecida como de intensa atividade de traficantes locais, sendo referida como local de "desova" (descarte) de cadáveres. ! Ao menos achava que eram eles. Até que ouvi um dos que estavam atrás de mim cantando uma canção comum no meio evangélico que frequentava em favelas. Intimamente senti um alívio pensando então que quem me seguia não eram os bandidos9 9 Usarei a palavra bandido sem aspas ao longo do artigo para caracterizar criminosos de diferentes tipos penais tais como traficantes de drogas e assaltantes conforme faziam os moradores entrevistados seja em Acari, seja no morro Santa Marta. porque uma gama de referências bibliográficas sugeria a existência de uma distinção identitária e gramatical entre bandidos e evangélicos. Então, mais descontraída, parei no meio do caminho que levava a uma quadra localizada na parte média do morro. Foi quando percebi que quem estava atrás de mim na escadaria estalando chinelos a cada degrau que descia e cantando uma canção evangélica eram os traficantes que fotografara minutos antes! Depois desse evento, meu trabalho de campo que já estava chegando ao fim e todos os objetos e análises até então produzidos foram redimensionados. Comecei a investir na análise das modalidades de fé e de expressão dessa fé entre traficantes de drogas e moradores de favelas entre os anos 1980 e 2000.

Inicialmente, os registros fotográficos de Acari foram feitos como meio de ilustrar o que defendia como hipótese no trabalho de pesquisa que estava desenvolvendo então10 10 Refiro-me ao material fotográfico que produzi para o meu Trabalho de Conclusão de Curso na graduação em Ciências Sociais na UFF, em 1998, pelo qual estudei o processo de conversão de homens e mulheres às igrejas evangélicas de Acari. . Sendo assim, o lugar fundamental que a fotografia assumiu para essa análise também não estava posto desde o início da pesquisa. Ele foi sendo assumido de modo inescapável durante a própria realização do trabalho de campo, das conversas nele desenvolvidas e a partir do entendimento por este conjunto de coisas provocado de que eu tinha um material rico que me "contava uma história", que me possibilitava levantar comparações entre o passado e o presente das localidades em questão, sobretudo da favela de Acari, num ponto específico que me era muito caro: o amálgama entre religião, sociabilidade e criminalidade violenta.

Destaco a importância metodológica que o registro e a observação de símbolos, pinturas e demais formas de representação do sagrado em espaços comuns de favelas nas cidades assume para a compreensão de mudanças não só no campo religioso como também na vida política, associativa e no comportamento (ou na ressignificação desse comportamento) dos criminosos que vivem e atuam nessas localidades. E só posso sustentar esse ponto de vista porque estou de acordo que os objetos e símbolos religiosos exercem importante efeito sobre os que nele acreditam como tal. Mais ainda, no contexto de favelas, cujos territórios são dominados por grupos armados, os objetos e símbolos exercem efeito direto não somente sobre os que nele acreditam por comungarem de seu significado propriamente religioso. Eles afetam também aqueles que, mesmo não aderindo ao significado propriamente sagrado que emanam, passam a respeitar os símbolos expostos por se identificarem à facções ou lideranças do crime que buscam associar os objetos e símbolos a sua imagem. Sendo assim, o efeito exercido pela presença de objetos e símbolos sagrados está para além do transcendental. Ele é também político e relativo à integração à criminalidade local, levando em conta que quem demanda e financia a construção e exposição desses objetos e símbolos religiosos são os traficantes. Quando a demanda não é feita diretamente por eles a algum artista da favela, os traficantes são consultados por moradores (lideranças ou não) sobre a possibilidade de exporem esses objetos e símbolos no espaço comum da favela11 11 Para acessar as entrevistas realizadas com moradores de Acari sobre as pinturas religiosas cf. Vital da Cunha (2009). .

Pinturas e objetos sagrados do catolicismo, umbanda e candomblé

Era 1996, quando dei início ao trabalho de campo na favela de Acari, a intensa presença de objetos e pinturas de santos católicos e divindades da umbanda, assim como de faixas e cartazes anunciando cultos e campanhas de igrejas evangélicas locais, chamou minha atenção. Eram muitos. Entre os objetos e pinturas o santo católico São Jorge, Ogum nas religiões afro-brasileiras, era, sem dúvida, a imagem religiosa mais perceptível, mais numerosa em altares e muros da favela. Na sede de uma das associações de moradores local, por exemplo, havia uma imagem de São Jorge sobre o seu cavalo, em destaque, no telhado.

São Jorge é o santo que tem sua história ou o mito de sua existência ligada à guerra. É o santo símbolo da vitória sobre o Mal, sobre o inimigo feroz. É o santo mais popular - e para o qual a prefeitura do Rio de Janeiro destinou um dia de feriado (Pitrez 2012) - numa cidade onde a categoria "luta" define tão profundamente a auto-representação dos moradores sobre a vida que levam nas favelas e periferias12 12 No livro Um mural para a dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz, organizado por Patrícia Birman e Márcia Pereira Leite (2004), é possível acessar a gramática dos movimentos sociais de favelas, de mães de vítimas de violência policial e observar o uso estratégico da categoria "luta" e "dor em manifestações" e nos relatos dos integrantes desses movimentos. Em recente produção sobre os processos judiciais referentes ao assassinato ou desaparecimento de jovens residentes em favelas ou em bairros periféricos o titulo "Luto como mãe" (2010), do cineasta Luis Carlos Nascimento, remete novamente à categoria em destaque no texto. Ver também a excelente elaboração de John Comerford (1995) sobre a categoria luta. . São Jorge/Ogum teve sua imagem associada aos que estão na "guerra": assaltantes, traficantes, bicheiros e policiais eram (e ainda podem ser) vistos portando anéis e medalhas do "santo guerreiro"13 13 "O traficante Zé Pequeno, o mais conhecido da Cidade de Deus e precursor da guerra entre quadrilhas, usava um colar de São Jorge atravessado no corpo e costumava dizer que tinha o 'corpo fechado', e que, portanto, ninguém o mataria" (Lins e da Silva 1990:172). .

Em Acari, podíamos observar muitas orações desse santo nas ruas da favela (Alvito 2001:26-27). Na Rua da Olaria, uma das principais vias de acesso da Avenida Brasil ao interior da favela de Acari, existia um comércio chamado Sorveteria São Jorge com uma pintura do santo e a seguinte inscrição na fachada: "Olho grande eu furo com...". Ainda nessa rua, havia uma pintura de São Jerônimo/Xangô com a seguinte legenda: "São Jerônimo, Xangô, da Pedreira e da Olaria" (Alvito 2001:40).

Depois de São Jorge, os santos mais presentes em pinturas e altares pela favela eram São Cosme e São Damião14 14 Ver Gomes (2009) sobre São Cosme e São Damião e os festejos em homenagem a eles. . Quando iniciei o trabalho de campo em Acari, os dias de homenagem a esses santos eram muito comemorados na favela. Havia salva de fogos, festa nos terreiros e, no caso de São Cosme e São Damião, distribuição de doces fomentada, em parte por moradores, em parte por traficantes, segundo informações obtidas em campo. Os "bandidos responsa" de outrora, caracterizado pelos moradores como traficantes de drogas que respeitavam as crianças não as aliciando para a criminalidade, entre outras características, expressavam em muros, fachadas e portões da favela orações e mensagens que se referiam a São Cosme e Damião e aos cuidados com os infantes. No Coroado, uma localidade da favela de Acari, por exemplo, havia uma pintura de São Cosme, São Damião e Doum com algumas inscrições que diziam: "Dia 27 de setembro/ Parábola Bíblica/ O homem ou a mulher/ que depravar a inocência de uma criança terão que serem banidos/ da terra São Paulo"; "Bem aventurados/ São Cosme, São Damião e São Doum.../ Eles eram médicos dos pobres!"; "Sejam bem vindos/ Voltem sempre!" (Alvito 2001:42). À época víamos também muitas pinturas com apelo étnico/religioso no interior da favela de Acari. Em uma delas era possível observar um altar com a imagem da Escrava Anastácia. Aos seus pés a foto de um dos famosos chefes do tráfico de drogas de Acari na década de 1980.

A escolha dos santos, imagens e mensagens nos muros, portões, comércios e nas principais vias de acesso à favela não era aleatória: nem os santos/entidades, nem os lugares onde eram colocados. As imagens mais prestigiadas eram aquelas que remetiam à proteção (refletiriam a necessidade e a expectativa de alcançá-la): São Jorge; e à cura: São Cosme e São Damião (na umbanda são chamados Ibejis). Esses últimos são patronos dos cirurgiões, pois - contam os mitos sobre a vida e morte dos santos - eram médicos que atendiam gratuitamente em países do então chamado Oriente próximo. Após a morte, os santos se materializariam para ajudar crianças vítimas de violências e, por isso, são referidos, nas religiões de matriz afro-brasileira, às crianças. A Escrava Anastácia, Rainha Banto, era uma importante referência étnica de resistência. A partir da década de 1980, a Escrava Anastácia começou a ser uma referência para o movimento negro que vinha resgatando seus mártires na história do Brasil como símbolos, referências de "luta" para a organização popular (Souza 2007). As lendas e mitos em torno de sua figura também associam a escrava com beleza, força e justiça15 15 "Reza a lenda que Anastácia era defensora dos cativos e que, embora impossibilitada de falar, se comunicava com seus pares pelo olhar. Diz-se também que era filha de Oxum, divindade do panteão afro-brasileiro associada à beleza, fertilidade, riqueza e à vidência, sendo, por isso, uma das padroeiras dos jogos de búzios. Os 'filhos de fé' de Oxum (pessoas que lhe são dedicadas) são guerreiros e determinados" (Souza 2007:16). . Há uma Igreja Católica da Escrava Anastácia e São Cosme e Damião na qual a representação de sua imagem é uma imagem leve, santificada, que remetia a sua martirização e à superação do sofrimento pela esperança (Souza 2007)16 16 Outra importante referência no debate sobre a Escrava Anastácia e sua representação entre religião, gênero e cultura é Burdick (1998). , diferente da expressão de revolta e dor que inicialmente lhe foi atribuída.

Anos 1980: a vinculação do Mal às religiões afro-brasileiras e aos traficantes de drogas nas favelas

Nas décadas de 1980 e 1990 eram comuns os Cruzeiros nas favelas17 17 Conforme era possível observar em matérias veiculadas em jornais populares como A Notícia, O Dia, O Povo. . Em Acari, Tunicão, famoso traficante local na década de 1980, só andava de branco as segundas e sextas-feiras, segundo moradores entrevistados. Tinha uma medalha de São Jorge, outra menor da Escrava Anastácia e foi o primeiro dos traficantes a erigir um Cruzeiro:

"O primeiro cruzeiro que foi feito aqui, foi ele que mandou fazer. Não existia nem igreja lá, mas ele cismou: no ponto maior da favela, botou uma cruz bem grande, as pessoas iam pra lá acender velas pras almas" (Alvito 2001:265).

Em trechos do livro Cavalos corredores: a verdadeira história (Larangeira 2004) é possível observar inúmeras passagens nas quais Tunicão era identificado a Exu pelos policiais do 9o Batalhão de Polícia Militar - unidade responsável pelo policiamento da área na qual se encontra a favela de Acari. Esses policiais, relata Larangeira (2004), o imaginavam caminhando pela favela com uma capa preta e vermelha esvoaçante. Quando de sua morte, o autor diz que o mesmo teria ido se encontrar com Belzebu. As associações do traficante com o Mal a partir de uma representação de entidades de religiões afro-brasileiras eram, então, flagrantes nos discursos de autoridades públicas e nas manchetes da mídia.

Dados etnográficos e a literatura apresentavam ricas imagens e situações referidas a essa associação entre umbanda e candomblé aos traficantes. Assim, durante as décadas de 1980 e 1990, os traficantes de Acari e de outras favelas da cidade18 18 Como revelam Zaluar (1985); Lins (1990 e 1997); Alvito (2001), entre outros. se identificavam (e eram identificados socialmente) com religiões de matriz africana como a umbanda e o candomblé, cujos lugares de culto eram abundantes nessas localidades. Em "Cidade de Deus", por exemplo, Paulo Lins narra a cena da mãe que entoa sobre o corpo do filho morto preces católicas e pontos de Ogum e, como sugere em diversas passagens do livro, essa era uma expressão de religiosidade muito comum entre os moradores da favela (inclusive os assaltantes e traficantes):

Lá nos apês, a mãe acendeu sete velas ao redor do corpo de seu filho, retirou o cordão de ouro com a imagem de São Jorge pendurada, rezou o Pai Nosso, a Ave Maria, o Credo e cantou um ponto de Ogum. 'Papai, papai Ogum/ salve Ogum dumaitá/ Ele venceu as grandes guerras/ Sarávamos nessa terra/ O cavalheiro de Oxalá/ Salve Ogum Tonam/ Salve Ogum Meche/ Ogum Delocó Quitamoró/ Ogum ê... (Lins 1997:64).

No morro Santa Marta, recorda uma moradora entrevistada por mim, a relação dos bandidos, no passado, era majoritariamente com o candomblé:

Eu acho que o bandido não tinha muitas parcerias com as religiões. A religião que eles mais aceitavam e visitavam era o candomblé. Nas igrejas católica e evangélica eles quase não visitavam, não tinha a troca que hoje têm....

Outro morador do Santa Marta recordou a grande presença social, política e cultural da umbanda e do candomblé na favela. Hoje não existe mais nenhuma casa dessas religiões em atividade no local.

Não, em muito pouco tempo acabaram todos os terreiros de candomblé, de macumba, umbanda. Nos anos 90 desapareceram completamente. O Santa Marta já chegou a ter uns oito centros. O Tio Abraão entrou para a igreja Universal do Reino de Deus, uns se mudaram, outros morreram e não houve uma renovação. E eu acho que é parte dessa pressão, desse momento que a gente vive. Rezadeiras já teve. Atualmente não tem nenhuma. Antigamente ou você tinha as pessoas ligadas ao catolicismo... rezadeiras, faziam ladainhas ou você tinha o pessoal da umbanda.

A imprensa, sobretudo os chamados jornais populares como A Notícia, O Dia e O Povo durante a década de 1990, colaboravam para difundir a aliança tomada como uma imbricação essencial entre bandidos e entidades das religiões de matriz africana. A associação estabelecida era, como nos lembra Alvito, no mais das vezes, negativa.

Manchete - 'Ritual de morte no Andaraí' - Filho de advogado é o quarto executado por tráfico em frente à imagem de Zé Pilintra. Ao sair de casa, na manhã de sábado, Augusto Felipe Montarroyos, 25 anos, tinha um encontro marcado com o macabro: ele foi sequestrado, executado com tiros de fuzis AK 47 e seu corpo ofertado a uma imagem de Zé Pilintra - exu na umbanda ou egum (alma) no candomblé, usado para o bem ou para o mal - por Marcelo Lucas da Silva, o Café, chefe do tráfico de drogas nos morros do Andaraí e Divinéia. Augusto foi a quinta pessoa executada este ano por Café em frente à imagem de Zé Pilintra, numa rua de acesso ao morro da Divinéia. As mortes - ligadas ao tráfico de drogas e associadas à magia negra - estão sendo investigadas pela polícia (O Dia, 29/10/1996) (Alvito 2001:212).

Manchete - 'Decapitado Exu Caveira' - Entidade do candomblé perde a cabeça para traficante manter domínio no morro do Dezoito. Numa prova de poder absoluto sobre o movimento no morro do Dezoito, em Água Santa, o bandido Cadeira violou um 'santuário' construído pelo rival, Peidão, e cortou a cabeça da imagem de Exu Caveira para mostrar que está se lixando até para o próprio capeta. Mas, sabe-se lá se por devoção, ele poupou as imagens dos santos gêmeos Cosme e Damião (A Notícia, 06/04/1997) (Alvito 2001:213).

Manchete - 'Ladrões dão azar e culpam Zé Pilintra' - Era furada a mensagem de que havia 100 mil na casa do desembargador. Não acharam o dinheiro nem o desembargador (Alvito 2001:213).

À época, como assistente de pesquisa do Prof. Marcos Alvito, fazia o clipping desses jornais populares e pude observar a recorrência dessa associação. A relação mítica entre entidades e criminosos surgia nos jornais, como vimos em uma das matérias acima citadas, expressando o controle sobrenatural que as primeiras exerciam sobre as ações dos criminosos determinando sua sorte. Zé Pilintra, segundo anuncia a reportagem, foi responsabilizado pelo insucesso no empreendimento dos criminosos. Essas associações míticas produziam folclores citados recorrentemente pelos moradores quando, por exemplo, falavam sobre a alcunha de traficantes que misturava nome de registro e entidades mágicas (Alvito 2001). Vemos, ainda, a decapitação/desfiguração da imagem de uma entidade da umbanda que, por estar associada a um bandido do local, foi atacada como forma de mostrar que uma nova liderança com uma nova ordem estava se estabelecendo ali.

Os bandidos da década de 1980 e início de 1990 expressavam sua religiosidade em tatuagens, na participação em rituais, na construção de altares e através de pinturas nos muros da favela de Acari. Cy de Acari, traficante preso em 1989, tinha duas tatuagens no antebraço fotografadas por jornalistas quando da sua prisão: uma de São Jorge e outra de São Cosme e São Damião. Na batida policial que fizeram em sua casa, ocasião na qual prenderam sua companheira, também acharam símbolos religiosos. A casa de sua mãe tinha um espaço privado para algumas das entidades da umbanda como Exu e Zé Pilintra.

Voltando àquela casa em que quase peguei Cy de Acari - e a história que não terminei de contar - lá estavam pendurados na parede os símbolos prediletos do facínora: encaixilhada num quadro de aço escovado, a imagem de São Jorge, noutra moldura igual, o escudo do Flamengo (Larangeira 2004:56).

Anos 1990: ocupação policial e evangélica

Foram muitos os moradores durante a realização da pesquisa no campo a falarem do papel central da polícia na destruição dos santos durante a ocupação policial da favela de Acari ocorrida em 199519 19 Na década de 1990, no Rio de Janeiro, passava-se por um período de recrudescimento das ações policiais contra o tráfico de drogas. A política de segurança elaborada pelo então governador do Rio de Janeiro, Marcello Alencar, e pelo Secretário de Segurança, Nilton Cerqueira, resultou na ocupação policial das chamadas "zonas vermelhas" da cidade, ou seja, no jargão militar, das "áreas de risco". Elas estavam localizadas, segundo essa visão militar e do governo do estado, nas favelas da cidade, de forma geral, e em determinadas favelas, de modo particular. Para saber mais sobre a ocupação policial na percepção dos moradores de Acari ver Vital da Cunha (2009) e Alvito (2001). . Na percepção desses moradores, teriam sido os policiais civis, aqueles que ocuparam inicialmente a favela, os primeiros a destruírem os vários símbolos religiosos que estavam associados à presença e dominância dos traficantes em Acari. Teriam sido os policiais os responsáveis pela derrubada do Cruzeiro erguido por Tunicão e que fora mantido aceso por iniciativa dos traficantes que se seguiram a ele no comando do tráfico de drogas local.

Conhecedores da dinâmica de ocupação espacial do tráfico nas favelas, os policiais não ignoram a relevância que muros, portões, outdoors têm como instrumentos privilegiados para a comunicação de mensagens, para demarcar posicionamentos, organizar as atividades rotineiras da localidade (como a coleta de lixo etc.), para homenagear os "manos" que morreram e para sugerir (ou impor) a partilha de crenças, valores, linguagens entre moradores e os "donos da rua"20 20 Ver Farias (2006) para uma abordagem criativa sobre a importância do espaço público de muros, fachadas e praças na comunicação de desejos e clamores. . Para marcar quais seriam os novos "donos da rua" anunciando, assim, o que seria (ou deveria ser) a nova ordem local, os policiais não só foram os primeiros e principais responsáveis pela destruição das pinturas e altares de santos/entidades na favela, como também usaram os mesmos meios do tráfico - os muros da favela - para se comunicarem. Além disso, destruiriam imagens de entidades ligadas às religiões de matriz africana e em seus lugares colocaram imagens de Jesus Cristo (Alvito 2001).

Inspirada na discussão de Mauss (2011 [1950]) sobre a magia, Maggie sublinha que ela tem como característica ser oculta, "se esconder do coletivo e do público, reservando-se a espaços mais individuais e privados" (Maggie 1992:21). No entanto, continua a autora, a magia "transborda os limites espaciais da casa onde se realizam os rituais e insiste em aparecer em locais públicos de forma misteriosa, às escondidas - nos despachos, oferendas, ebós, feitiços" (idem 1992:21). E era isso o que se passava em Acari, a magia, a crença dos traficantes transbordava os limites das casas e terreiros para ocupar as ruas através de pinturas de seus ícones sagrados e das cantorias e preces a esses ícones relacionadas.

Embora as religiões afro-brasileiras fossem associadas à produção de malefícios, sendo essa identificação um das causas de sua procura e ao mesmo tempo o que baseou historicamente a perseguição aos seus espaços sagrados e aos fiéis desses cultos, Maggie sustenta, assim como Dantas (1983 apud Maggie 1992), que a repressão aos centros era uma perseguição à religiosidade negra e pobre, pois "enquanto alguns terreiros eram violentamente reprimidos, outros eram protegidos por intelectuais da elite local. Esses últimos - geralmente os nagôs puros - foram isentos da acusação de impuros e mágicos e alçados ao status de religião, fora do alcance da polícia" (Maggie 1992:24). Em um novo contexto, o das favelas cariocas, mais especificamente o da favela de Acari na década de 1990, o enfrentamento dos "marginais" do momento, os traficantes de drogas, passava pela desfiguração e destruição de diferentes símbolos religiosos da umbanda, do candomblé e do catolicismo popular por eles idealizados e/ou financiados. Essas destruições promovidas por policiais pareciam comunicar que o domínio armado exercido nos limites daquela favela passara dos traficantes de drogas aos policiais, ao Estado e, conforme sugeriam os novos símbolos impostos pelos policiais, a Jesus.

Sendo assim, foi possível observar que parte da estratégia do Estado de retirar os bandidos (e Exu e as demais entidades afro) e colocar os policiais (e Jesus) na favela, deu certo. Digo "parte" porque os bandidos voltaram ao controle ostensivo do território, a ocupação policial acabou, mas Jesus ficou. O trocadilho sugere que na batalha simbólica estabelecida por policiais na favela de Acari, o Mal a ser combatido era materializado no bandido e representado nas entidades das religiões afro-brasileiras; o Bem era representado pelos policiais que estabeleceriam ali uma nova ordem apresentada através de símbolos corporativos (as pichações de PM e 9º BPM) e religiosos (Jesus). Certamente não estou afirmando que a atuação dos policiais tenha sido responsável direta pelo crescimento evangélico na favela. No entanto, a imposição de um símbolo religioso no lugar da diversidade de símbolos ali presentes e associados aos traficantes e às religiões de matriz africana marca de modo emblemático uma mudança quanto à dominação de uma religião sobre as demais que iria ser observada poucos anos depois21 21 O crescimento no percentual de declarantes evangélicos no Brasil vinha sendo observado nos CENSOS do IBGE. Em 1980 eram 6,6%; em 1990 eram 9%; em 2000 eram 15,5%, chegando a 22,2% em 2010. Diferentes explicações foram articuladas para entender esse fenômeno. Destacaria as que relacionam o crescimento dos evangélicos ao crescimento das favelas e periferias no Brasil a partir da década de 1970 (dados mostram que os evangélicos são percentualmente muito mais numerosos em favelas, periferias e regiões metropolitanas - Mafra 2004; Jacob 2004); a rede de proteção e apoio formada nas congregações; a proximidade das lideranças e da mensagem evangélica do cotidiano dos moradores dessas localidades; o investimento em uma mensagem para a cura, libertação e prosperidade individuais. .

No contexto da década de 1990 em Acari, o Estado, na figura dos policiais que concretizavam as estratégias políticas e de segurança idealizadas nas secretarias de governo, opunha símbolos religiosos como parte da ocupação do território e legitimava, com isso, ainda que não intencionalmente, uma vertente religiosa na localidade. Mais tarde, como veremos, seriam os traficantes de drogas a reforçarem os símbolos religiosos cristãos em uma perspectiva pentecostal.

A pacificação evangélica (momentânea) da favela de Acari

Os evangélicos por mim entrevistados em 1997 falavam da "paz", da "tranquilidade" na favela. Por "paz" e "tranquilidade" tinham como referência a oposição ao período de intensos confrontos entre facções rivais de traficantes de drogas e de ações policiais pontuais consideradas pelos moradores como "invasões". A ocupação policial, como apresentei na dissertação de mestrado22 22 Ver Vital da Cunha (2002). , foi acompanhada de uma "ocupação evangélica". Essa se fazia visível através da presença em espaços públicos mediante a colocação de faixas e cartazes, pela proliferação de igrejas, pelas músicas e pontos de oração fazendo valer sua voz a qualquer hora do dia na favela. Essa visibilidade também estava expressa na abertura de um sem número de comércios de produtos gospel e/ou com nomes que faziam referência a passagens bíblicas sugerindo o pertencimento religioso de seus proprietários.

Esses mesmos evangélicos entrevistados atribuíam a "paz" que diziam experimentar no presente da pesquisa à evangelização que faziam, às inúmeras correntes de oração por eles organizadas e conduzidas. Uma entrevistada, inclusive, atribui ao crescimento dos evangélicos o sumiço das pinturas da Escrava Anastácia e dos altares de santos/entidades que havia pelas ruas e becos da favela.

Entrevistada 1: Isso aqui era uma benção, para não dizer ao contrário. Era uma benção mesmo isso aqui. Então cada esquina dessa aí nem se falava... cada esquina tinha uma imagem. E hoje tem? As imagens foram tiradas. Hoje em dia tem?

Entrevistada 2: ...E quando quis voltar as guerras já tinha muitas pessoas evangélicas aqui dentro. Aonde cada casa foi trabalhada, em cada esquina tinha um evangélico, por incrível que pareça. Olha, tinha uma casinha aqui na minha casa, outra casinha ali, uma casinha ali de imagem de (Escrava Anastácia)... eu sei dizer que, por coincidência, em cada casa de um evangélico tinha uma imagem na porta. Então foi aonde os evangélicos começaram a orar.

Os evangélicos cada vez mais visíveis antes da ocupação policial em Acari, a partir dela, ganharam fôlego, como disse anteriormente, estando presentes de diferentes formas na vida social, política e econômica local. Quanto à alteração em aspectos da sociabilidade dos moradores da favela, dois entrevistados relatam como a presença evangélica teria interferido. Festividades antes efusivamente comemoradas passaram a ter lugar somente na história pregressa de Acari. Tunicão e Jorge Luís, traficantes das décadas de 1980 e início dos anos 1990, respectivamente, financiavam festas juninas e réveillons na favela. Salvas de fogos eram ouvidas no dia de São Jorge. Doces e brinquedos eram distribuídos no dia de São Cosme e Damião. Com o crescimento evangélico, afirmam os entrevistados, isso deixou de existir, conforme sinalizei em momento anterior neste artigo. Nas palavras de dois moradores entrevistados:

Como a Bíblia diz: 'Feliz é nação cujo Deus é o Senhor'. Então, conforme o crescimento das igrejas evangélicas aqui dentro muita coisa mudou. Muita coisa verdadeiramente mudou. Muita coisa mesmo porque, como o irmão falou, muitos que outrora estavam vivendo uma vida errada hoje estão dentro das igrejas. Vamos dizer um exemplo: se roubava hoje não rouba mais. Se bebia, hoje já não bebe mais. Entendeu? Não tem mais festa junina, não tem isso, não tem mais aquilo. Então, em certo ponto, sim porque conforme há o crescimento do evangélico dentro de uma comunidade há também uma mudança em relação aos costumes. Tá entendendo? Em certo ponto é verdade isso. Então eu acho que mudou bastante em relação ao crescimento evangélico aqui. Por mim, haveria uma igreja a cada esquina.

Tudo foi transformado. Tudo, olha, tudo foi transformado aqui. Deus fez uma transformação direta. Diz que quando Deus faz Ele não faz pouco não, Ele faz muito. E se ele faz muito isso foi de uma das coisas que ele fez muito. Porque ele transformou festas, festividades, todo o tipo de movimentação aqui. Até a mudança de ano, de um ano para outro foi transformada. Porque aqui, em mudança de um ano para outro isso aqui ficava tomado de nuvens de fumaça, de tanto fogos, acho que aqui tinha mais queimação de fogos do que em Copacabana. Tinha. A minha casa estremecia de fogos misturados com arma de fogo. Você não sabia qual era a arma de fogo e qual era o fogos. Até isso mudou... agora, mudança de ano... nem parece que tem mudança de ano aqui. Nem parece. Tinha gente que vinha de fora para ver queimação de fogos aqui. Isso eu te digo porque eu sei. Vinha gente de fora. E não era gente aqui de Pavuna não, era gente que vinha de fora. Assim como vem gente de outros países para ver queimação de fogos em Copacabana, vinha gente de fora que fazia parte do mesmo grupo [do Terceiro Comando].

Ao final de 1997 entrevistei um morador que destacava a "paz" vivenciada no presente e a insegurança quanto a sua continuação em um futuro próximo. Já previa, ou tinha informações que o fizeram concluir, o crescimento da presença ostensiva do tráfico na favela e o retorno dos conflitos sucessórios, fator que fomentava, no mais das vezes, as "guerras" a que tantos moradores entrevistados se referiram.

O início dos anos 2000: período de "guerra" nos presídios e nas favelas

Entre os anos finais de 1990 e meados dos anos 2000, as mortes de moradores e de traficantes de facções rivais em conflitos com os traficantes de Acari eram intensas e cotidianamente comentadas. O cenário da favela era composto, entre outros, por traficantes que circulavam com granadas na cintura. Violentos confrontos armados entre policiais e bandidos ganharam força novamente. A possibilidade de invasões de bandos rivais estava sempre nas conversas levadas seja nas casas, seja nos bares locais. No plano mais geral, o do tráfico na cidade do Rio de Janeiro, intensos enfrentamentos armados se davam em torno da cisão interna ao Terceiro Comando. Uma nova facção estava em formação, a ADA - Amigos dos Amigos. A disputa em torno dos antigos pontos de venda de drogas do Terceiro Comando se acirrou entre TC (que viria a se chamar TCP - Terceiro Comando Puro), ADA (Amigos dos Amigos) e CV (Comando Vermelho).

Retomando o fio da história, com a morte de Jorge Luís em 1996 e a operação policial que resultou em uma ocupação de Acari por policiais militares, os traficantes que ali atuavam foram acolhidos em favelas da mesma facção na cidade. Com a perda gradativa de força política e, por conseguinte, operacional da ocupação policial, os traficantes que se encontravam em outras favelas passaram a buscar abrigo em favelas próximas a Acari com vistas a obterem, novamente, o controle da venda de drogas no local. Um colegiado de traficantes teria se formado com a finalidade de regular a sucessão do comando do tráfico local, mas o empreendimento não teve sucesso e prevaleceu como chefe do comércio de drogas um antigo morador e traficante que vou chamar de Jeremias23 23 Algumas informações recolhidas são conflitantes: os moradores dizem que Jeremias assumiu o comando do tráfico local em 1996/97. Outras fontes, como as jornalísticas, disseram que assumiu em 2002. Vou adotar os moradores como a minha fonte de confiança em razão de terem fornecido um emaranhado de informações mais rica e condizente com a data por eles sugerida. , parente de Cy de Acari, então preso.

Entre a morte de Jorge Luís e a ocupação demorou mais de um mês. Jorge Luís morreu dia 06 de março, a ocupação começou dia 26 de abril. Os meninos estavam todos lá. Formaram aquele tal de colegiado lá que não deu certo. Acabaram se matando. Aí criaram esse negócio de que... aí foi que o pessoal evangélico começou a controlar...

Jeremias passou a controlar a distribuição de drogas no complexo. Unificou o tráfico no Parque Acari e Vila Rica (ou Coroado) e designou, à época, quem assumiria a chefia do comércio de drogas no Amarelinho e Vila Esperança.

Jeremias ficou à frente do tráfico na localidade até 2001/2002. Era reconhecido como um importante chefe do Terceiro Comando no estado do Rio de Janeiro ao lado de Linho, também procurado pela polícia então. A violência que irrompeu nas prisões cariocas em 2001 teve repercussões na organização do tráfico em Acari e Jeremias saiu da favela. Ficou foragido, junto com sua mulher e filhos, em uma favela da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Antes de sair do comando do tráfico, Jeremias vinha frequentando cultos de uma igreja evangélica local. Na favela na qual estava escondido da polícia, passou a frequentar outras igrejas tendo se convertido na Assembleia de Deus dos Últimos Dias. Alguns passos da conversão de Jeremias são narrados por um entrevistado:

Foi uma mudança muito grande. Penso eu que alguém orientou porque quando esse rapaz, o Jeremias, voltou para a favela, eu tive oportunidades de estar com ele algumas vezes... me chamavam ali na igreja quando ele queira falar comigo, porque nós fomos nascidos e criados juntos e eu sempre pregava pra ele. Tinha uma liberdade enorme porque como eu já o conhecia eu tinha uma intimidade pra falar, eu não tinha medo de falar. Uma certa vez ele tinha enquadrado os polícias lá dentro, na rádio e eles tomaram as armas dos polícia, tomaram... sabe, assim? Barbarizaram os polícias, barbarizaram no sentido de... é vexatório tomar arma, tomar munição, desmoralizou o poder público, digamos. E ele me contando essas coisas e eu fiquei muito chateado e falei com ele: 'Olha, rapaz, até quando você vai contar vitória? Até quando você vai se dar bem?'. Sabe, eu virei pra ele e falei pra ele, né? Ele tava com um fuzil na mão, eu falei assim: 'Ô, você quer falar comigo você tira isso da mão e dá pra outra pessoa. Fica desarmado'. Aí ele fez e eu falei: 'Quando é que você vai trocar essa arma por uma dessa?'. Aí mostrei a Bíblia pra ele e ele virou pra mim e falou assim: 'Ô, eu tenho subido os montes'. Eu falei: 'Então vamos fazer um trato? Você caminha, eu vou orar e Deus vai fazer a parte dele que é te salvar'. Daí pra lá eu comecei a orar por ele.

A conversão do traficante e amigo do evangélico entrevistado foi por ele comemorada. Ficou emocionado com as palavras do primeiro que diziam: "Agora eu sou super homem também". Anos depois de estar convertido e de ter saído do comando direto do tráfico em Acari, Jeremias foi preso. Mais precisamente no ano de 2004. Sua prisão foi anunciada como a do mais procurado líder do tráfico de drogas de então. Foi liberto pouco tempo depois e não voltou mais a residir em Acari. O ponto importante da conversão desse traficante para a minha análise é que ele foi - segundo observei e segundo relatos dos moradores (traficantes ou não) - responsável por influenciar de modo decisivo as práticas criminosas e a expressão religiosa de uma geração que o sucedeu no tráfico local, sobretudo no Parque Acari e Coroado. Antes dele e da ocupação policial, ainda no período de Jorge Luís, já era possível observar algumas pinturas do Salmo 91 em alguns muros da favela. Esse traficante também teria solicitado cultos evangélicos que vinham sendo realizados ao ar livre na favela (Alvito 2001). Contudo, é com Jeremias que a presença evangélica na favela e entre os traficantes ganha força.

Anos 2000: os "traficantes evangélicos" na favela

Como afirmei acima, Jeremias converteu-se à fé evangélica e influenciou a experimentação da fé e a expectativa de proteção e cura entre os demais traficantes que o sucederam na vida criminal, assim como ressignificou as estratégias de ação e punição dos traficantes de Acari, como veremos à frente. À moda do que fora feito no passado, a fixação de objetos e símbolos sagrados, assim como de passagens bíblicas em muros e outdoors na favela, foi uma ação que marcava a presença de Jeremias na localidade.

As pinturas de santos, de entidades do candomblé e mesmo de referências étnicas e às drogas, foram substituídas por trechos bíblicos e signos do tráfico local. Onde havia Bob Marley sentado sobre uma folha de maconha passou-se a identificar passagens bíblicas ao final dos anos 2000.

O mesmo aconteceu onde antes existia a imagem de Nossa Senhora. Abaixo

da pintura a assinatura é: "Comunidade do Acari: Fanático e Neurótico por Jesus".

Onde existiam altares com as imagens de São Jorge e da Escrava Anastácia vê-se hoje, em meio a um entroncamento na favela onde existem duas bocas de fumo, outra marca do tráfico, a puma (símbolo da marca esportiva de gosto dos chefes do tráfico local há anos).

Os traficantes depois de Jeremias passaram a expressar e difundir sua fé não só em muros na favela, mas também em orações propagadas através de seus "radinhos"24 24 Os "radinhos" são radiotransmissores utilizados por traficantes locais de toda hierarquia a fim de manterem contato fácil e constantemente. , em mensagens dispostas em seus diários, em tatuagens em seus corpos, pedindo cultos de ação de graças em igrejas evangélicas locais por ocasião de seus aniversários e de outras comemorações, promovendo shows gospel, pagando dízimo e/ou fazendo ofertas nas igrejas locais etc.

A oração propagada através de "radinhos" para mais de outros quinhentos sintonizados na mesma frequência seja em Acari, seja nas favelas vizinhas sob o regime da mesma facção criminosa, era feita por um traficante, em 2009, todos os dias às 5h30.

Senhor:

Fazei com que a vida torta que eu vivo sirva pra ajudar as pessoas a viver uma vida melhor e direita.

Senhor:

Eu te peço, Senhor, que neste dia, nesta manhã, como em todos os dias, proteja os trabalhadores que saem agora para o trabalho. Proteja as crianças que saem pra escola.

Senhor:

eu te peço proteção para os líderes comunitários desta comunidade.

Que o Senhor ilumine suas cabeças e toque seus corações e os livre da ganância e do egoísmo e olhem para o bem que busquem o melhor para nossos moradores sofridos e pesados pelos governantes poderosos

Senhor:

eu lhe peço proteção não para mim, mas para meus amigos.

Que os livre da morte, Senhor, que eles não sejam mortos covardemente e que não matem nenhum polícia ou inimigo que venham atacar nossa favela.

Em nome de Ti, Senhor, é só o que peço.

Agora vamos orar uma oração que todos conhecem e que serve para todas as religiões:

Pai nosso que estais no céu...

Observamos nessa oração, conhecendo a história de vida desse traficante e de outros da localidade25 25 O traficante que elaborou a oração era evangélico e integrava uma das igrejas locais até se "desviar" (se afastar da igreja) e entrar no "mundo do crime". Mas essa história, contou-me sua irmã, não foi linear, unidirecional, pois foi marcada por episódios de passagem (ou como a entrevistada prefere afirmar, de entradas e saídas) de um universo ao outro. , que eles elaboravam sínteses pessoais, experimentações religiosas novas através das quais pedem a Deus proteção para a "sua comunidade" e para os seus "parceiros". Além disso, sinalizam as expectativas em relação às posturas dos demais traficantes. Assim, a oração é ao mesmo tempo um pedido de proteção e bênção e um reforço na orientação de conduta para os "manos" locais no formato de "sugestões imperativas" tal como descreveu Mauss em relação à prece entre os aborígenes e, como destaca Pina Cabral (2009), está implícita na estrutura das mais variadas preces. No caso narrado, a "sugestão imperativa" é potencializada pelo domínio armado exercido no território e sobre a sua população. A oração do traficante, como um ato de linguagem, busca agir no mundo via comunicação com os humanos e com seu deus que seria, assim como os primeiros, um parceiro comunicacional daquele que o aciona (Pina Cabral 2009:23).

A partir das entrevistas com moradores e com traficantes, assim como do acompanhamento das características de atuação das facções criminosas, foi possível observar o impacto da aproximação dos traficantes das redes, da gramática e o conhecimento da doutrina evangélica, sobretudo aquela associada à Teologia da Prosperidade. Não tenho material etnográfico suficiente para refletir sobre qualquer mudança no comportamento dos traficantes a partir da aproximação com o universo evangélico, como vários entrevistados sugeriam. Destacaria, contudo, a ressignificação de práticas criminosas já antigas a partir da chave religiosa. Para este ponto apresento as observações de um dos traficantes entrevistados durante a minha pesquisa de campo. Trata-se de Cacau, 41 anos de idade, desde os 16 anos atuando no tráfico em uma das favelas de Acari. Cacau já atuou em muitas funções no tráfico. Na juventude portava armas. Já foi preso. Mas, hoje, muitas vezes, não chega a ser identificado como criminoso na favela (segundo entrevista a mim concedida por um traficante jovem). Desde 1997/1998 Cacau frequenta cultos da Igreja Universal do Reino de Deus de Acari. Sua esposa, mãe e irmãs são evangélicas (estas últimas da Assembleia de Deus)26 26 Nos limites deste artigo não terei como apresentar as ricas análises sobre a importância das mulheres nas igrejas evangélicas e para a reprodução da fé entre familiares, mas o faço na tese (Vital da Cunha 2009) inspirada nos trabalhos de Maria das Dores Campos Machado (2000), Birman (2001), Novaes (2001); Machado e Mariz (1996). . Durante a semana Cacau atua (ou trabalha, como eles costumavam falar na entrevista) no tráfico. As noites, durante a semana, passa sem dormir, segundo ele, à espreita de alguma ação policial. Só dorme durante a noite, disse, de sexta-feira até domingo, pois aos finais de semana não é comum ter operação policial em favelas, afirmou. É justamente durante o final de semana que frequenta os cultos junto com sua companheira. Sobre a religião dos traficantes ou as suas formas de expressão de fé observa mudanças desde a década de 1980 até agora e, como outros moradores e traficantes, associa essas mudanças à liderança exercida por Jeremias.

Aqui na comunidade tem muitos que tá envolvido que vai à igreja todo final de semana. Não vai todo dia, mas vai todo final de semana. Duas vezes na semana. Mas vai. Já tá se libertando. Devagarzinho tá se libertando de tudo.

Há um tempo atrás o pessoal ia mais na dona Isabel...

É. Ia na macumba. Terreiro. Hoje, pode ver aí na favela aqui se tiver cinco negócios de macumba aqui é muito. E não funciona. Desde o Jeremias ele trouxe esse negócio de igreja para cá e o próprio aniversário de gente que tá envolvida aí é culto. Faz culto. Ah, vou te falar, tem muita gente que vive essa vida aí, mas não é porque quer não. É por necessidade mesmo. O pessoal pensa que é por safadeza, mas não é não. É por necessidade mesmo. Muito lugar que as pessoas vão aí pensa: 'A favela tal é isso, a favela tal é aquilo', mas chega aqui e vê que não é nada disso. Tem gente que chega e não quer mais ir embora. Já vi muito disso aqui.

Estar na igreja, frequentar os cultos e participar das campanhas mudou os traficantes locais, segundo Cacau, em dois sentidos: controle dos impulsos violentos em determinadas situações e programação financeira. Segundo sua declaração, não só as "leis" do tráfico mudaram a partir de Jeremias e do engajamento no crime de outros traficantes "desviados", frequentadores das igrejas ou "simpatizantes" da mensagem evangélica. Observou também o progresso material (individual) dos moradores e dos "traficantes evangélicos". Questionado sobre as possíveis influências em sua vida da integração à igreja evangélica respondeu:

Não sei nem como falar. Porque, tem aquele negócio, você tá com um problema, tá angustiado e de repente quando tu volta, tu volta leve. Aquela carga, aquele peso sai todo das suas costas. Faz diferença no modo da gente conviver. Até no modo da gente jogar bola. Qualquer pancadinha que a gente tomava a gente queria brigar. Hoje não é mais assim. Toma pancada, pede desculpa e a gente aceita. Cada dia a gente vai aprendendo cada dia mais. (...) Aqui na comunidade tem muitos que ta envolvido e que vai à igreja.

Sobre a questão financeira diz:

O pessoal tá abrindo a cabeça agora de abrir um negocinho para quando sair ter um sustento. Para fora da favela. Até para ir embora. Para vir aqui só de visita para ver a família. Eu mesmo, se eu puder não vou comprar uma lan house, negócio de cesta básica, não vou comprar uns negócios para mim? Largo isso tudo aí...

Mas só agora você está se organizando financeiramente?

Sim. É. Por causa de quê? Porque antigamente eu não pensava como eu penso agora. Hoje. Eu pegava o dinheiro hoje e gastava. Amanhã não tinha mais. Pensava, amanhã vou receber de novo. Hoje não. Eu pego e guardo. O que é para gastar eu gasto e o que é para guardar eu guardo mesmo. Para poder amanhã não precisar voltar de novo.

Por que você acha que isso mudou?

A gente vai amadurecendo com tanta pancada que a gente toma, né? Vai amadurecendo. A igreja faz parte também. A gente vê muita gente aí que é cristão e conversa com a gente como é que a gente tem que fazer: 'Guarda e larga essa vida. Guarda e larga essa vida'. Muito cristão fala isso pra gente. O que tinha que arrumar já arrumamos, que daqui para frente agora o mundo é do diabo mesmo e o diabo só vem pra matar, roubar e destruir, né? São as palavras que eles falam para a gente aí.

Cacau, em seu depoimento, aponta para uma mudança no comportamento financeiro dos traficantes27 27 De poucos anos para cá, Cacau já é proprietário de algumas casas na favela, de mercadinhos, de posto de gasolina noutro bairro da cidade, tem uma ampla casa na Região dos Lagos, uma motocicleta, dinheiro guardado em casa e um carro popular, segundo ele, para não chamar atenção dos policiais quando viaja com a família para a casa de praia. que diz respeito ao acúmulo, à aquisição de bens fora da favela, à mudança (ou projeto de mudança) de vida. Os cristãos orientam, disse o traficante, "guarda e larga essa vida" e usam a Teologia do Domínio e da Batalha Espiritual para convencê-los: o "Diabo só vem pra matar, roubar e destruir".

A "tranquilidade" (termo acionado por moradores e traficantes para falar do cenário da favela em 2009) experimentada pelos moradores evangélicos de Acari é atribuída à presença crescente desses religiosos no território. Na percepção dos não evangélicos, essa "tranquilidade" teria a ver com outros elementos, mas que não se contrapõem àquele levantado pelos evangélicos em campo: 1) as altas somas pagas pelo tráfico aos policiais; 2) o controle local e supralocal das sucessões28 28 Segundo informações recolhidas nas entrevistas com os traficantes, os chefes do tráfico de cada área devem ficar um ano no "comando", no máximo dois, quando for o caso de se estar esperando a chegada do próximo a assumir (quando, como no período de realização do campo, que o próximo na sucessão estava preso com a liberdade prevista para o segundo semestre de 2009). Para saber mais sobre a dinâmica sucessória na chefia do tráfico de drogas em Acari ver Vital da Cunha (2009). na chefia do tráfico; 3) a presença de traficantes, em sua maioria, "crias" de Acari; 4) a evitação do conflito com a polícia; e, principalmente, com o papel/a liderança exercida por Jeremias nesse processo. Sobre esse último ponto Cacau afirmou:

Foi no retorno do Jeremias aqui pra comunidade. Foi em 1999. Foi quando ele retornou e já não queria mais essa vida [no crime]. Tanto que ele ficou pouco tempo e largou tudo. Ele teve que sair. Foi para outro lugar. Ele já estava sendo evangelizado. Sendo que ele teve que voltar porque tava acontecendo aquele negócio do fulano que estava fazendo coisa errada com as pessoas aqui e estava recaindo tudo sobre ele. Que ele que mandava matar e ele não tinha mandado nada. Aí foi quando ele veio e foi mostrar que o negócio dele não era matar ninguém. Aí tá aí até hoje esse negócio de que não pode matar ninguém.

De alguma forma, segundo os traficantes entrevistados, é a presença evangélica que altera a dinâmica do local pela impregnação da sua doutrina entre os mais variados atores sociais. Sendo assim, Jeremias, após sua conversão, teria sido responsável por implantar uma "doutrina de tranquilidade" na favela. Esta, segundo um dos traficantes entrevistados, foi idealizada com a finalidade de não gerar revanchismo da polícia em relação aos traficantes e, ao mesmo tempo, garantir mais "segurança para a comunidade". Nas palavras de um jovem traficante entrevistado:

Dizem que essa ordem veio do Jeremias quando ele já estava na Igreja...

É, pra não dar tiro em polícia. Só no caso que for assim tiver, tipo assim, tiver dentro de uma casa aqui, tiver umas quatro pessoas, uns quatro caras de fuzil e polícia bater na porta!!! Vai ter que dar tiro pra sair. Senão eles vão matar mesmo, vai pegar fuzil, vai querer vender, vai querer nem se preocupar. Mas, tipo assim, se entrar na favela: 'Deixa os cara entrar, deixa os cara fazer o serviço dele e nós faz o nosso'. É que nem gato e rato. Tem que correr como rato e os policiais são os gatos procurando. Rato... pô, rato... é fome. É só ficar avistando de longe. Não pode ter tiroteio não. Às vezes até pra não pegar um morador, não ter um problema. Pô, quanto tempo aí que você não vê passar na televisão aí do Acari, falando do Amarelinho. Fala mais ultimamente do Pára-Pedro que tá, como, chegando devagarzinho essa doutrina de tranquilidade. Tá chegando lá. Tá diferente, não tem roubo... aqui não pode ter roubo não. Tipo assim, se roubar, tipo essa reportagem que passou da Rocinha. Os caras foram presos. Você viu na televisão? Os caras que roubaram o carro de um advogado e jogou o cara, pô, o que é isso, Christina. Isso não é roubo, pô... era melhor matar os caras. Olha o azar que deu. Tipo assim, jogou o cara, não morreu, polícia foi atrás porque ficou sabendo que foi o patrão de lá que mandou. Mandou eles, viu... tipo assim, pô, qual é, Christina? Tipo assim, eu vou fazer uma coisa, mano, errada, eu vou saber o problema que vai gerar. Se eu sair pra roubar eu vou estar esperando qualquer coisa. Tá entendendo? Aí eu chego na favela, tranquilão, sabendo que não pode roubar na favela, aí tomar uma coça na favela e os caras me entregar pra polícia? Então, não era melhor eu ter roubado. Era melhor eu ter roubado? Depois do que eu faço o que eu fiz ainda tomo uma coça na favela. Vou roubar? Vou roubar nada! Vou dar meu jeito do jeito que for, mas, como, não vou roubar, ta entendendo? É o que eu falei, sou tranquilão, Christina. É o que eu falo, deixa Deus trabalhar. Deixa Deus trabalhar que Deus sabe até quando a pessoa vai aguentar. Deus vai apertar, vai apertar, depois Deus vai mandar um refrigério. É o que eu digo, eu penso assim. Às vezes eu vejo muita coisa, eu fico como? Coisa injusta pra caramba que acontece. Acontece muita coisa injusta.

Através das narrativas de moradores e traficantes, além de baseada em informações de fonte jornalística, concluo que a (re)organização operada por Jeremias na dinâmica de ação do tráfico em Acari não conforma uma novidade estratégica em termos totais. Trata-se, na chave interpretativa que proponho, de uma ressignificação de práticas já implementadas por antigas lideranças locais como Cy de Acari. Jeremias teria sido influenciado por essa "política" do tráfico (também partilhada por outros traficantes históricos como Celsinho da Vila Vintém e demais lideranças do antigo TC), mas, a partir da sua conversão, deu um novo sentido e autoria a essa lógica de ação. O quadro de referência de suas práticas, quadro que anunciava para os demais traficantes e moradores, não era composto (unicamente) pelos "bandidos formados" de outrora, como diria Zaluar (1985). Sua inspiração viria de Deus. Sobre o mito de referência do comportamento criminal de Jeremias há uma versão narrada por diferentes traficantes e moradores sobre uma revelação que teria sido feita por uma liderança evangélica a ele afirmando que ele só conseguiria se libertar da "influência satânica", como declarou um morador, se reduzisse o número de mortes na favela. A ideia, então, era controlar o uso da força entre os traficantes (o que implicou uma mudança das punições) e a sucessão (dois pontos que, se não controlados, envolvem explosões rotineiras de violência). Nas palavras de Cacau, um dos traficantes entrevistados:

Muita coisa que acontece aqui e era para tomar atitude mais drástica e eles não tomam. Prefere deixar [de castigo] em casa. Que nem tem um menino aí, que faz umas besteiras aí para tomar uma coça, até mesmo de morrer ... negócio de fumar crack e ficar roubando a casa dos outros. Aí os meninos aqui mesmo vai e pega, entrega na mão da família: 'Ô, teu filho roubou aquilo ali, vocês têm que pagar. Se não tiver a gente vai e paga'. Aí vai na casa do morador e vê o que sumiu, bota no lugar as coisas. Ao invés de cobrar dando uma coça, entrega na mão da família e pede para pagar o que foi tirado de dentro da casa. Muda muito porque vai na igreja...

A mudança na perspectiva de atuação no tráfico estava pautada numa mensagem divina que viria a fazê-los (a Jeremias e aos demais traficantes locais) enxergar a atividade criminosa apenas como uma fonte de renda e, de preferência, provisória (até para fazer a "fila da firma andar"29 29 Muitos falam que em Acari hoje tem fila de espera para atuar no tráfico. Uma moradora declarou em entrevista: "Tem fila de espera. Tem que colocar o nome num caderninho lá pra ser chamado. Igual negócio de RH de empresa...". ). Nas palavras de Cacau:

A tranquilidade que tá aqui hoje é a inteligência dos moleques. Entra a polícia aí e todo mundo corre, se esconde. Não fica confrontando com eles. Então, os polícias não querem o confronto. Se confrontar vão matar mesmo. Vão deixar um montão aí, inocente aí, morador morrendo baleado. Porque vagabundo mesmo vai estar escondido. Então a gente faz isso aí. Inteligência da comunidade é essa.

Quando isso começou?

Quem botou isso também foi o próprio Jeremias que falou para não trocar tiro com polícia que polícia não adianta, que qualquer bandido que trocar tiro com polícia vai perder. Porque polícia pode chamar o batalhão todo. E a malandragem? Só pode contar com Terceiro Comando, ADA, Comando Vermelho. Não são tantos assim. Se fossem todos reunidos era uma coisa, mas a polícia não, tem Civil, tem PM, tem o BOPE, tem a CORE... tão tudo reunido. Tem a ver com a igreja mesmo porque o negócio dele era não confrontar porque o sonho dele era levar muita gente para a igreja.

Considerações finais

A aproximação de traficantes de drogas das redes e igrejas evangélicas em favelas sinaliza mudanças na presença e no modo de atuação de evangélicos nas cidades. A partir da década de 1980 e, principalmente, de 1990, é possível observar um significativo investimento de evangélicos pentecostais na aproximação do universo criminal e de segmentos estigmatizados para o exercício de proselitismo religioso com vistas à conversão massiva. Assim, tornaram-se numerosos na evangelização de criminosos em espaços de privação da liberdade, assim como de profissionais do sexo, travestis, homossexuais etc.30 30 Ver Quiroga e Vital da Cunha (2005); Lobo (2005); Segato (2005); Rohner (1988); Scheliga (2004 e 2005); Teixeira (2011), entre outros. No entanto, a relação de contiguidade com os criminosos, a utilização franca do repertório por eles acionado31 31 Um expoente nesse quesito é o Pastor Marcos Pereira da Assembleia de Deus dos Últimos Dias. Para ver funk de conversão ler Vital da Cunha (2012). Para ler sobre a atuação midiática dessa liderança religiosa ver Birman e Machado (2012); para uma análise sobre os centros de recuperação por ele geridos ver Teixeira (2011, 2013). para, aproximando-os do universo evangélico, convertê-los, significa uma mudança estratégica nesse segmento. É uma mudança significativa porque não se trata somente de igrejas chamadas independentes (pequenas denominações surgidas recentemente em favelas e periferias). Igrejas evangélicas conhecidas no ambiente religioso e entre os estudiosos como rigorosas em termos doutrinários e ritualísticos estão francamente na disputa pelo "domínio espiritual" dos traficantes de drogas. Refiro-me aqui, por exemplo, a igrejas como a Assembleia de Deus, Ministério de Madureira. Com a conversão de traficantes de drogas nas favelas e com a aproximação e aceitação deles nos templos, em cultos e demais atividades religiosas, os evangélicos observaram uma importante forma de promoção de seus trabalhos missionários (reforçando o personalismo de algumas lideranças) e como meio fundamental de se colocarem de modo privilegiado em disputas por cargos políticos na favela e fora dela32 32 Para saber mais sobre a relação entre política local, evangélicos e traficantes de drogas em Acari ver Vital da Cunha (2009). .

Destacaria, assim, a importância que o estudo dos fenômenos religiosos em favelas tem para a compreensão do religioso (em suas expressões simbólicas, doutrinárias, rituais, políticas e sociais) e para a compreensão das dinâmicas existentes na política e na criminalidade violenta nessas localidades. Desse modo, a observação da movimentação, realizada entre avanços e recuos, das religiões nas favelas nos permite olhar, em perspectiva, para alianças e para o fortalecimento de novos atores em cenário local e supralocal.

Vale ressaltar, ainda, que a aproximação de evangélicos de traficantes de drogas nas favelas, fixados nas representações sociais como o inimigo número um da sociedade carioca, a figura central da "violência urbana"33 33 Aciono a perspectiva de Machado da Silva (2008) na qual a "violência urbana" deixaria de ser naturalizada como um dado da vida social para se conformar em repertórios e ações que expressam o medo e a insegurança da população. Nesse contexto, as forças policiais seriam solicitadas para empreender ações cada vez mais contundentes ou violentas em relação ao crime (e em relação àqueles que com o crime guardariam alguma identidade presumida) com a finalidade de garantir, a qualquer custo, o alcance da segurança, a manutenção da ordem pública e de suas rotinas. , não ocorre sem controvérsias no interior do próprio campo evangélico impondo limites à capilaridade das lideranças religiosas que operam essas mudanças. Se para alguns esses líderes religiosos e missionários junto ao crime são fundamentais porque estão fazendo um importante trabalho de "resgate de almas", são também vistos no próprio meio evangélico, às vezes, na própria igreja a partir da qual têm essa atuação, como aqueles que podem "dar mau testemunho" tornando mais porosas do que desejariam as fronteiras entre os "verdadeiros evangélicos", como falaram alguns entrevistados em Acari, e aqueles que seriam classificados por eles como "falsos" evangélicos34 34 Para acessar os relatos críticos de evangélicos sobre essa aproximação ver Vital da Cunha (2009). . Observa-se, assim, uma intensa disputa em torno da identidade evangélica em um momento no qual as fronteiras entre o universo santo ao qual estariam referidos no imaginário social e o "mundo do crime" são muito mais tênues - linhas pontilhadas conforme Ulf Hannerz (1997) - do que os evangélicos, de modo geral, gostariam de afirmar.

Em termos metodológicos, o trabalho que dá origem a este artigo, junto com outros posteriores a ele, buscou despertar a potencialidade do tratamento do fenômeno religioso de modo menos ortodoxo para entender as dinâmicas sociais urbanas na atualidade35 35 Birman e Machado (2012); Machado (2012); Feltran (2009); Teixeira (2011); Abumanssur (2008, 2009). . Como nos sinalizam autores clássicos da Antropologia como F. Boas e B. Malinowiski, as mudanças metodológicas são expressivas de transformações contextuais no enquadramento dos objetos de análise por parte dos pesquisadores. No início do século XX, tratava-se de uma mudança que resultaria da contraposição política e epistemológica ao evolucionismo, perspectiva filosófico-científica que marcou a produção de diversos autores no campo das Ciências Sociais de então. No cenário analisado neste artigo, as mudanças se referem: 1) ao escopo de interesse da reflexão antropológica sobre religião (com diferentes e numerosos investimentos analíticos sobre religião e política, criminalidade, conflito e espaço público); 2) ao enfrentamento reflexivo de conexões possíveis entre o religioso e a vida social que nos dificultavam considerar analiticamente a proximidade e a ligação de religiosos cristãos com o universo do crime.

Enfim, os estudos da religião têm relevância por serem absolutamente centrais para a compreensão de sociabilidades e dinâmicas existentes em favelas, periferias e presídios, assim como para analisar o Estado e as diferentes políticas públicas que estão sendo formuladas no Brasil. Não se trata de um uso instrumental da religião para se alcançar os temas clássicos das Ciências Sociais ou os que a vida social vem lhes impondo à análise. Trata-se de considerar a religião como componente das mais diversas instâncias públicas e da vida social como uma gama de autores vem defendendo36 36 Birman e Leite (2003), Giumbelli (2002, 2008), Montero (2006, 2009, 2012), Burity e Andrade (2011), entre outros. . Nesse sentido, a identificação da religião como uma reminiscência a ser superada no espaço público pelo avanço e consolidação da modernidade deixa de colaborar para a análise de contextos e interações sociais que emergem com força nas margens e no centro do próprio Estado.

Notas

Recebido em agosto de 2013

Aprovado em outubro de 2013

Christina Vital da Cunha (chrisvital@uol.com.br), Professora do PPCULT - Programa de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades da Universidade Federal Fluminense, integrante da equipe de pesquisadores do CEVIS - Coletivo de Estudos sobre Violência e Sociabilidade Urbana e colaboradora do ISER - Instituto de Estudos da Religião. Como antropóloga especializou-se no domínio dos estudos de religião, realizando pesquisas sobre suas interfaces com o universo político e do crime.

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  • 1
    Teologia caracterizada pela ênfase nas batalhas espirituais contra demônios hereditários e territoriais e na quebra de maldições de família, concepções doutrinárias forjadas e popularizadas pelo
    Fuller Theological Seminary. Cf. Mariano 1999.
  • 2
    Sobre "batalha espiritual", cf. Mariz 1999.
  • 3
    Questão posteriormente debatida por Almeida 2009.
  • 4
    Neste artigo mobilizo parte das análises e do material empírico reunido na tese de doutorado intitulada "Evangélicos em ação nas favelas cariocas: um estudo sócio-antropológico sobre redes de proteção, tráfico de drogas e religião no Complexo de Acari" por mim defendida em 2009 no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UERJ.
  • 5
    Machado (2006, 2012); Giumbelli (2002, 2008); Burity (2006, 2012), Montero (2012); entre outros.
  • 6
    Ver Machado (2013); Lobo (2005); Scheliga (2004, 2005), Segato (2005).
  • 7
    Os registros fotográficos aos quais me refiro são fruto do trabalho da pesquisa de doutoramento do Prof. do Departamento de História da UFF, Dr. Marcos Alvito (1995-1996), do meu trabalho de iniciação científica (1996-1997) vinculado ao projeto do referido professor à época e das minhas pesquisas de mestrado (2000-2002) e doutorado (2005-2009).
  • 8
    Antes da instalação da Unidade de Polícia Pacificadora no Santa Marta, momento no qual o fato narrado se desenrola, esta área era conhecida como de intensa atividade de traficantes locais, sendo referida como local de "desova" (descarte) de cadáveres.
  • 9
    Usarei a palavra
    bandido sem aspas ao longo do artigo para caracterizar criminosos de diferentes tipos penais tais como traficantes de drogas e assaltantes conforme faziam os moradores entrevistados seja em Acari, seja no morro Santa Marta.
  • 10
    Refiro-me ao material fotográfico que produzi para o meu Trabalho de Conclusão de Curso na graduação em Ciências Sociais na UFF, em 1998, pelo qual estudei o processo de conversão de homens e mulheres às igrejas evangélicas de Acari.
  • 11
    Para acessar as entrevistas realizadas com moradores de Acari sobre as pinturas religiosas cf. Vital da Cunha (2009).
  • 12
    No livro
    Um mural para a dor: movimentos cívico-religiosos por justiça e paz, organizado por Patrícia Birman e Márcia Pereira Leite (2004), é possível acessar a gramática dos movimentos sociais de favelas, de mães de vítimas de violência policial e observar o uso estratégico da categoria "luta" e "dor em manifestações" e nos relatos dos integrantes desses movimentos. Em recente produção sobre os processos judiciais referentes ao assassinato ou desaparecimento de jovens residentes em favelas ou em bairros periféricos o titulo "Luto como mãe" (2010), do cineasta Luis Carlos Nascimento, remete novamente à categoria em destaque no texto. Ver também a excelente elaboração de John Comerford (1995) sobre a categoria luta.
  • 13
    "O traficante Zé Pequeno, o mais conhecido da Cidade de Deus e precursor da guerra entre quadrilhas, usava um colar de São Jorge atravessado no corpo e costumava dizer que tinha o 'corpo fechado', e que, portanto, ninguém o mataria" (Lins e da Silva 1990:172).
  • 14
    Ver Gomes (2009) sobre São Cosme e São Damião e os festejos em homenagem a eles.
  • 15
    "Reza a lenda que Anastácia era defensora dos cativos e que, embora impossibilitada de falar, se comunicava com seus pares pelo olhar. Diz-se também que era filha de Oxum, divindade do panteão afro-brasileiro associada à beleza, fertilidade, riqueza e à vidência, sendo, por isso, uma das padroeiras dos jogos de búzios. Os 'filhos de fé' de Oxum (pessoas que lhe são dedicadas) são guerreiros e determinados" (Souza 2007:16).
  • 16
    Outra importante referência no debate sobre a Escrava Anastácia e sua representação entre religião, gênero e cultura é Burdick (1998).
  • 17
    Conforme era possível observar em matérias veiculadas em jornais populares como
    A Notícia,
    O Dia,
    O Povo.
  • 18
    Como revelam Zaluar (1985); Lins (1990 e 1997); Alvito (2001), entre outros.
  • 19
    Na década de 1990, no Rio de Janeiro, passava-se por um período de recrudescimento das ações policiais contra o tráfico de drogas. A política de segurança elaborada pelo então governador do Rio de Janeiro, Marcello Alencar, e pelo Secretário de Segurança, Nilton Cerqueira, resultou na ocupação policial das chamadas "zonas vermelhas" da cidade, ou seja, no jargão militar, das "áreas de risco". Elas estavam localizadas, segundo essa visão militar e do governo do estado, nas favelas da cidade, de forma geral, e em determinadas favelas, de modo particular. Para saber mais sobre a ocupação policial na percepção dos moradores de Acari ver Vital da Cunha (2009) e Alvito (2001).
  • 20
    Ver Farias (2006) para uma abordagem criativa sobre a importância do espaço público de muros, fachadas e praças na comunicação de desejos e clamores.
  • 21
    O crescimento no percentual de declarantes evangélicos no Brasil vinha sendo observado nos CENSOS do IBGE. Em 1980 eram 6,6%; em 1990 eram 9%; em 2000 eram 15,5%, chegando a 22,2% em 2010. Diferentes explicações foram articuladas para entender esse fenômeno. Destacaria as que relacionam o crescimento dos evangélicos ao crescimento das favelas e periferias no Brasil a partir da década de 1970 (dados mostram que os evangélicos são percentualmente muito mais numerosos em favelas, periferias e regiões metropolitanas - Mafra 2004; Jacob 2004); a rede de proteção e apoio formada nas congregações; a proximidade das lideranças e da mensagem evangélica do cotidiano dos moradores dessas localidades; o investimento em uma mensagem para a cura, libertação e prosperidade individuais.
  • 22
    Ver Vital da Cunha (2002).
  • 23
    Algumas informações recolhidas são conflitantes: os moradores dizem que Jeremias assumiu o comando do tráfico local em 1996/97. Outras fontes, como as jornalísticas, disseram que assumiu em 2002. Vou adotar os moradores como a minha fonte de confiança em razão de terem fornecido um emaranhado de informações mais rica e condizente com a data por eles sugerida.
  • 24
    Os "radinhos" são radiotransmissores utilizados por traficantes locais de toda hierarquia a fim de manterem contato fácil e constantemente.
  • 25
    O traficante que elaborou a oração era evangélico e integrava uma das igrejas locais até se "desviar" (se afastar da igreja) e entrar no "mundo do crime". Mas essa história, contou-me sua irmã, não foi linear, unidirecional, pois foi marcada por episódios de passagem (ou como a entrevistada prefere afirmar, de entradas e saídas) de um universo ao outro.
  • 26
    Nos limites deste artigo não terei como apresentar as ricas análises sobre a importância das mulheres nas igrejas evangélicas e para a reprodução da fé entre familiares, mas o faço na tese (Vital da Cunha 2009) inspirada nos trabalhos de Maria das Dores Campos Machado (2000), Birman (2001), Novaes (2001); Machado e Mariz (1996).
  • 27
    De poucos anos para cá, Cacau já é proprietário de algumas casas na favela, de mercadinhos, de posto de gasolina noutro bairro da cidade, tem uma ampla casa na Região dos Lagos, uma motocicleta, dinheiro guardado em casa e um carro popular, segundo ele, para não chamar atenção dos policiais quando viaja com a família para a casa de praia.
  • 28
    Segundo informações recolhidas nas entrevistas com os traficantes, os chefes do tráfico de cada área devem ficar um ano no "comando", no máximo dois, quando for o caso de se estar esperando a chegada do próximo a assumir (quando, como no período de realização do campo, que o próximo na sucessão estava preso com a liberdade prevista para o segundo semestre de 2009). Para saber mais sobre a dinâmica sucessória na chefia do tráfico de drogas em Acari ver Vital da Cunha (2009).
  • 29
    Muitos falam que em Acari hoje tem fila de espera para atuar no tráfico. Uma moradora declarou em entrevista: "Tem fila de espera. Tem que colocar o nome num caderninho lá pra ser chamado. Igual negócio de RH de empresa...".
  • 30
    Ver Quiroga e Vital da Cunha (2005); Lobo (2005); Segato (2005); Rohner (1988); Scheliga (2004 e 2005); Teixeira (2011), entre outros.
  • 31
    Um expoente nesse quesito é o Pastor Marcos Pereira da Assembleia de Deus dos Últimos Dias. Para ver funk de conversão ler Vital da Cunha (2012). Para ler sobre a atuação midiática dessa liderança religiosa ver Birman e Machado (2012); para uma análise sobre os centros de recuperação por ele geridos ver Teixeira (2011, 2013).
  • 32
    Para saber mais sobre a relação entre política local, evangélicos e traficantes de drogas em Acari ver Vital da Cunha (2009).
  • 33
    Aciono a perspectiva de Machado da Silva (2008) na qual a "violência urbana" deixaria de ser naturalizada como um dado da vida social para se conformar em repertórios e ações que expressam o medo e a insegurança da população. Nesse contexto, as forças policiais seriam solicitadas para empreender ações cada vez mais contundentes ou violentas em relação ao crime (e em relação àqueles que com o crime guardariam alguma identidade presumida) com a finalidade de garantir, a qualquer custo, o alcance da segurança, a manutenção da ordem pública e de suas rotinas.
  • 34
    Para acessar os relatos críticos de evangélicos sobre essa aproximação ver Vital da Cunha (2009).
  • 35
    Birman e Machado (2012); Machado (2012); Feltran (2009); Teixeira (2011); Abumanssur (2008, 2009).
  • 36
    Birman e Leite (2003), Giumbelli (2002, 2008), Montero (2006, 2009, 2012), Burity e Andrade (2011), entre outros.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Ago 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Recebido
      Ago 2013
    • Aceito
      Out 2013
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