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Moralidades e atos de fala em serviços de apoio emocional: modalidades laicas da confissão e do testemunho?

Moralities and speech acts in emotional support services: lay versions of confession and testimony?

Resumo

Este artigo discute algumas dimensões de minha pesquisa sobre escuta e gestão do sofrimento em serviços de apoio emocional. Focalizei em outro texto as narrativas morais e técnicas de interação como aspectos constitutivos da atuação de tais serviços. Tive como objeto o Centro de Valorização da Vida (CVV), no Rio de Janeiro, e o SOS Voz Amiga, em Lisboa. Aqui procuro dar ênfase às fontes dessas moralidades, procurando investigar os elementos de longa duração que concorreram para que elas se estruturassem. Para isso, dirijo meus interesses especificamente para os atos de fala, buscando proximidades e ressonâncias entre os métodos do CVV e as práticas da confissão e do testemunho.

Palavras-chave
atos de fala; moralidade; confissão; testemunho; vida

Abstract

This article discusses some dimensions of my research on suffering demeanor in emotional support services. I focused in another work on the discourses and interaction techniques as crucial aspects of these services, in particular the Centro de Valorização da Vida (CVV), in Rio de Janeiro, and the SOS Voz Amiga, in Lisbon. Here I try to highlight the sources of these moralities, seeking to investigate the foundational elements that shape their moral arrangements. For this, I am particularly interested in speech acts, exploring proximities and resonances between CVV methods and the practices of confession and testimony.

Keywords
speech acts; morality; confession; testimony; life

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;

Que contasse não uma violência, mas uma cobardia!

Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

(Fernando Pessoa como Álvaro de Campos, “Poema em linha reta”)

Introdução

A finalidade deste artigo é discutir alguns temas de uma pesquisa que se dirigiu para escuta e formas de gestão do sofrimento em serviços telefônicos de apoio emocional e prevenção do suicídio no Brasil e em Portugal; respectivamente, o Centro de Valorização da Vida (CVV) e o SOS Voz Amiga. Pude, em outro texto, analisar a maneira pela qual os enquadramentos específicos dos atos de falar e ouvir produzem moralidades1 1 Kleinman (2006) trata a moralidade como algo que resulta da pergunta “o que realmente importa?” e, portanto, diz respeito ao modo como os sujeitos buscam se posicionar no mundo diante de suas concepções de certo e errado. Em diálogo com esse autor, o tema da moralidade foi compreendido como o modo pelo qual se engendram posturas e narrativas, noções de certo e de errado e escalas valorativas que têm como questão de fundo dotar o mundo de significado. implicadas nas formas de lidar com o sofrimento (Martins 2015MARTINS, Isis Ribeiro. (2015), "A linha da vida": escuta e gestão do sofrimento em serviços telefônicos de apoio emocional. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional/UFRJ. ). Enfocarei aqui a articulação entre esses atos de fala e escuta e modalidades discursivas relevantes para a conformação das fontes que configuram arquiteturas morais contemporâneas centradas na subjetividade2 2 Ao me referir ao domínio da subjetividade, tenho em vista o estabelecimento de um espaço interior denso e profundo que Taylor (2013) define como fundamental para a construção da identidade moderna. Taylor, aliás, será um autor essencial para o debate aqui proposto. .

O discurso nativo dos referidos serviços de apoio emocional estabelece, em linhas gerais, a seguinte circunstância: falar de si de modo confidencial e anônimo e ter quem escute empaticamente e incondicionalmente seria uma via para amenizar sofrimentos e ampliar possibilidades de autoaperfeiçoamento dos sujeitos. Já tendo descrito de modo detalhado diversos aspectos decorrentes dessa configuração, pretendo, aqui, me dedicar mais atentamente a uma questão: por que falar de si e ser ouvido é algo que pode ser visto como uma situação que promove o alívio de sofrimentos? Ou formulando de modo distinto: quais as fontes dessa moralidade?

Como forma de possível resposta a essa questão, buscarei aproximar os atos de falar e ouvir no contexto dos programas de apoio emocional, principalmente o CVV, de uma investigação sobre as matrizes de nossas linguagens morais contemporâneas. O argumento aqui proposto consiste, assim, em uma articulação de minha pesquisa de doutorado com os temas da confissão e do testemunho3 3 Títulos de livros, bem como conceitos essenciais para este artigo (sejam eles oriundos dos discursos nativos ou de autores presentes nas referências bibliográficas), virão em itálico nas primeiras ocorrências. As aspas serão utilizadas para fazer referência aos discursos e termos nativos e, obviamente, às citações. Também serão aplicadas aspas às palavras e expressões empregadas em termos metafóricos. . Essas duas formas de fala possuem longa trajetória nos arranjos simbólicos, políticos e conceituais que concorrem para as maneiras de pensar e agir no mundo moderno. Trata-se de categorias que sintetizam linguagens e arranjos sociais que definem contornos entre o dentro e o fora, entre o mundo exterior e o mundo interior, entre a imanência e a transcendência; em que o ato de falar engendra determinada arquitetura (ou topografia, nos termos de Charles Taylor) moral que configura o material que originou o sujeito (self) da modernidade.

Meu argumento central consiste na observação de que os atos de fala e escuta implicados nos serviços de apoio emocional que pesquisei e a maneira pela qual engendram moralidades guardam analogias com as formas religiosas da confissão e do testemunho. Falar de si, de sua intimidade, consiste, assim, em um ato que articula a própria constituição e cultivo do self. Ter quem escute esse discurso é uma prerrogativa do estabelecimento de um modelo autorreferenciado de si. Mas esse modelo só se realiza pelo jogo de espelhos entre fala e escuta: porque é necessário haver quem saiba escutar, quem testemunhe o discurso e garanta sua eficácia e valor dignificante.

Minha finalidade aqui não é, entretanto, me dirigir diretamente para a reflexão histórica e filosófica sobre o tema da moral no mundo contemporâneo, na trilha de Taylor. Esses aspectos de base do debate sobre a identidade moderna, dessa forma, só terão pertinência para a proposta deste artigo se desde já o leitor for minimamente informado sobre o objeto e as análises que desenvolvi em minha pesquisa.

O Centro de Valorização da Vida

O foco de minha pesquisa foi o programa brasileiro denominado Centro de Valorização da Vida (CVV). O serviço define-se como “uma sociedade civil sem fins lucrativos, de caráter filantrópico, tendo sido reconhecida como de Utilidade Pública Federal pelo Decreto de lei nº 73.348, de 20/12/1973”4 4 Cf. site do CVV: www.cvv.org.br . O Programa de Prevenção do Suicídio foi criado em 1962, em São Paulo. O CVV tem postos de atendimento presencial, linhas telefônicas para atendimento 24 horas, além de atendimento por carta, e-mail ou chat. Há uma linha de telefone nacional que unifica os postos espalhados pelo Brasil, o número 141.

Existem postos em quase todos os estados brasileiros (por volta de oitenta postos). Na região metropolitana do Rio de Janeiro, há seis postos (Nova Iguaçu, Centro, Copacabana, Maracanã, Niterói e São Gonçalo). Todos os postos funcionam unicamente com o trabalho de voluntários e não recebem patrocínio de nenhum órgão público ou privado; os próprios voluntários são responsáveis pelo sustento do programa. Cada posto do CVV tem um Grupo Executivo, formado pelos coordenadores e pelo coordenador-geral. Os Grupos Executivos reúnem-se em grupos Regionais que estão subordinados ao Grupo Executivo Nacional.

O Centro de Valorização da Vida oferece os seguintes programas assistenciais: (i) Programa CVV de Prevenção de Suicídio (que compreende o campo no qual realizei a pesquisa); (ii) Hospital Francisca Júlia, em São José dos Campos (que se dedica ao atendimento de pessoas com doenças mentais e dependentes químicos); (iii) Caminho de Renovação Contínua – CRC (que realiza palestras abertas à comunidade); e (iv) Amigos do Zip (que atende crianças de 6 a 7 anos, visando ao desenvolvimento emocional). Embora o CVV tenha várias frentes de atendimento, me limitei à análise do atendimento prestado por telefone com o objetivo de dar apoio emocional e prevenir o suicídio.

A expansão do CVV pelo Brasil deve-se ao sistema de franquia que o programa utiliza, denominado por ele de “franquia social”:

Como nos modelos tradicionais de franquia, cada posto CVV é mantido por uma pessoa jurídica própria, que é responsável pela correta aplicação do Programa de Apoio Emocional e demais definições da entidade, tendo como contra-partida [sic] o direito de uso da marca CVV, o acesso ao conhecimento acumulado em quase 50 anos e o suporte de uma estrutura que inclui treinamento, comunicação e estudos5 5 Idem. .

Já se evidenciam algumas questões sobre a arquitetura moral do programa: a ideia de um “programa de apoio emocional” que se deve ao “conhecimento acumulado” e para cujo acesso é necessário “treinamento”. O CVV identifica-se como uma “escola” que ensina uma “filosofia de vida”. As metodologias e técnicas de interação fazem parte de um mundo moral que deve ser aprendido e seguido pelos voluntários do programa em todos os postos de atendimento. Tal aprendizado já se inicia no curso de seleção de voluntários do CVV que é obrigatório a todos os que pretendem participar do programa.

Iniciei o campo no CVV em janeiro de 2012 e terminei em fevereiro de 2013. Esse período de campo compreendeu os primeiros contatos com o programa, os três meses em que fiquei como estudante no curso de seleção dos voluntários e o tempo em que participei do serviço como voluntária atendente. Como forma de ampliar o escopo da pesquisa realizada no Rio de Janeiro, em março de 2013 viajei para Lisboa em busca de outro programa de apoio emocional semelhante ao CVV: o SOS Voz Amiga. Tal serviço foi o primeiro desse tipo criado em Portugal, em 1978. Ao contrário do Brasil, que tem o CVV como um serviço de apoio emocional e prevenção do suicídio unificado em todos os estados, Portugal conta com diversos programas de apoio emocional por telefone.

A incursão em Portugal estendeu-se até setembro de 2013. O trabalho de campo realizado no SOS Voz Amiga, embora mais pontual, trouxe dados que ampliaram o meu olhar sobre as técnicas de gestão do sofrimento ensinadas pelo CVV. Passei a verificar que tais técnicas faziam parte de metodologias e prescrições que possuíam raízes mais amplas, como veremos a seguir ao falar das redes internacionais de serviços de apoio emocional.

O material reunido da pesquisa resultou, portanto, de um trabalho de campo de um ano e oito meses em dois países; composto por mais de cinquenta documentos institucionais (entre textos e relatórios voltados tanto para a divulgação dos dois programas quanto para a definição de seus princípios e diretrizes metodológicas), publicações sobre os serviços (em sua maioria, de pessoas vinculadas a eles), dezenas de horas de entrevistas com voluntários e uma etnografia das condições da escuta realizada ao longo dos sete meses em que atuei como voluntária do CVV (e dos mais de 250 atendimentos que realizei). Para a reflexão do tema proposto aqui privilegiarei, contudo, as questões apresentadas nos materiais metodológicos disponibilizados pelo CVV e pelas redes internacionais que orientam os programas por mim estudados6 6 Considero, ainda, importante ressaltar que este artigo não pretende problematizar a importância dos serviços de apoio emocional e prevenção do suicídio. A análise que aqui proponho não permite que eu discorra sobre a eficiência do programa – e essa também nunca foi a intenção da pesquisa. O trabalho efetuado por tais serviços exige grande entrega e dedicação; o que pude experimentar no período em que atuei como voluntária no CVV. Dedicar tempo e energia física e mental para acolher a dor do outro, com a expectativa de aliviar seu sofrimento, é a base de um trabalho operado e sustentado exclusivamente pelos voluntários desses programas. .

Redes internacionais

No período de campo em Lisboa, constatei que esses serviços estavam inseridos em redes internacionais que os articulavam em diversos países ao redor do mundo. Essas redes, além de promoverem o intercâmbio institucional entre os programas, ainda padronizam suas metodologias de atuação. Elas concentram, sistematizam e difundem as metodologias que orientam a atuação dos serviços que estudei.

O tema da prevenção ao suicídio é debatido na Europa desde, pelo menos, o início do século XX. Os primeiros centros de prevenção ao suicídio surgem, na maior parte das vezes, das atividades assistenciais de instituições religiosas. O que se registra como primeiro programa de prevenção do suicídio foi criado nos Estados Unidos, em 1906, chamado de National Save-A-Life League. A incorporação desse tipo de trabalho pela área médica, sobretudo pela psiquiatria, ganhou fôlego em 1958 com a criação do Centro de Prevenção de Los Angeles, filiado ao National Institute for Mental Health, e que inspirou outros centros criados posteriormente.

Na Europa, o primeiro centro de prevenção ao suicídio foi criado em Viena, em 1928, e influenciou a criação de outros centros na Hungria, na Tchecoslováquia e na Alemanha. Com a ascensão dos nazistas e a Segunda Guerra, muitos desses centros foram fechados. O centro de Viena, por exemplo, só foi reaberto em 1955. A Escola de Viena, na área da psiquiatria, participou da criação, em 1960, da International Association for Suicide Prevention, a primeira associação internacional sobre o tema.

Em Portugal, a partir da década de 1970, foram implantados serviços telefônicos de apoio emocional. O primeiro foi o Telefone SOS – Voz Amiga, hoje Centro SOS – Voz Amiga, criado em 1978, em Lisboa, e que foi o meu objeto no trabalho de campo feito no país. Este centro é vinculado, desde a sua fundação, à Liga Portuguesa de Higiene Mental. Outros centros de apoio emocional por telefone foram criados, desde então, em Portugal. O Telefone da Amizade, no Porto, foi criado em 1982. Em Coimbra, surgiram, em 1986, o Telefone SOS – Telefone Amigo e, em 1996, o SOS Estudante. Em Viseu e em Gaia, respectivamente nos anos de 1994 e 2000, foram criados os serviços Palavra Amiga e o Escutar – Voz de Apoio (Saraiva 2006SARAIVA, Carlos Braz. (2006), Estudos sobre o para-suicídio: o que leva os jovens a espreitar a morte. Coimbra: Edição independente.).

Na Europa, atualmente, existem mais de quatro centenas de serviços telefônicos de apoio emocional voltados para a prevenção do suicídio. Duas associações internacionais articulam esses centros, através do compartilhamento de metodologias, da circulação de informações e do apoio institucional: a International Federation of Telephone Emergency Services (IFOTES) e a Befrienders Worldwide – Volunteer Action to Prevent Suicide.

A IFOTES, federação à qual está vinculado o Centro SOS – Voz Amiga de Lisboa, foi fundada em 1967 e reúne federações nacionais de serviços telefônicos de emergência. Esses serviços, segundo definição da IFOTES, “oferecem apoio emocional e acesso imediato a qualquer pessoa que se sinta só, em estado de crise psicológica ou com ideias suicidas” (tradução nossa)7 7 Cf. site da IFOTES: www.ifotes.org. . A IFOTES define que sua missão é “promover o intercâmbio de experiências entre os seus membros nacionais, mediante a organização de congressos, encontros de formação e seminários, o que contribui para incrementar a qualidade dos serviços oferecidos pelas associações nacionais” (tradução nossa)8 8 Idem. . A instituição tem ainda como finalidade o apoio à criação de novos Serviços Telefônicos de Emergência e de federações nacionais. Além da vinculação às associações nacionais de Serviços Telefônicos de Emergência, a IFOTES mantém relações institucionais com a Organização Mundial de Saúde, a International Association for Suicide Prevention, a Life Line International e com um serviço de apoio emocional por telefone denominado Samaritanos, criado em Londres pelo padre anglicano Chad Varah. Tal programa se tornou referência para a criação de centros de apoio emocional e prevenção do suicídio em diversos países, como veremos mais adiante.

No sítio eletrônico da federação, há a seguinte frase em caixa alta: “IFOTES SE ENCONTRA MUITO PRÓXIMA DE TODAS AS SITUAÇÕES E PESSOAS QUE SOFREM DE ANGÚSTIA E CRISE, E TAMBÉM ATUA NA PREVENÇÃO AO SUICÍDIO” (tradução nossa). A inscrição em caixa alta evidencia que essas são as linhas centrais da atuação da IFOTES.

A Befrienders Worldwide é uma rede, à qual está filiado o CVV, com propósitos e estrutura muito semelhantes à IFOTES. Ela define, como uma das suas principais tarefas, a redução dos suicídios. No sítio eletrônico da rede consta que existe há mais de trinta e quatro anos, mas que só recentemente foi formalizada. Sua missão é descrita nos seguintes termos: “Nossa missão é ser o principal recurso em termos de suporte emocional e compartilhar pesquisas que possam contribuir para práticas inovadoras de serviços prestados por voluntários” (tradução nossa)9 9 Cf. site da Befrienders Worldwide: www.befrienders.org. .

Há, ainda, os seguintes pontos que também se referem às finalidades fundamentais da Befrienders Worldwide:

• O principal objetivo dos centros é dar apoio emocional às pessoas quando elas estão pensando em se suicidar. Os centros também aliviam o sofrimento, a solidão, o desespero e a depressão através da escuta a alguém que sente que não têm mais ninguém com quem contar.

• As pessoas que dirigem os centros são voluntários que foram especialmente treinados. O trabalho é não político e não religioso e os voluntários não tentam impor suas convicções a ninguém. Eles simplesmente escutam.

• O fato de que alguém contatou os centros – seja por telefone, carta, e-mail, seja presencialmente – é estritamente confidencial. Isso também vale para tudo aquilo que uma pessoa conta a um voluntário. Alguns usuários preferem permanecer anônimos e não há problema nisso (tradução nossa).

A articulação dos centros que estudei a essas redes internacionais mostra que as propostas metodológicas, institucionais e morais das redes internacionais difundem gramáticas da gestão do sofrimento que compartilham um núcleo comum de crenças e valores. O pano de fundo desses discursos é constituído de uma linguagem que oscila entre a psicologização e as representações religiosas, cujos entrecruzamentos e amálgamas são bastante relevantes no Brasil, como indicado por Carvalho e Duarte (2005CARVALHO Emílio N. de; DUARTE, Luiz Fernando Dias. (2005), "Religião e psicanálise no Brasil contemporâneo: novas e velhas Weltanschauungen". Revista de Antropologia, vol. 48, n° 2, jul./dez.: 473-500.).

As prescrições das redes internacionais determinam que o atendimento deve: (i) ser isento de direcionamento religioso; (ii) ser feito de forma respeitosa com todos os usuários, considerando suas crenças e escolhas; (iii) transcorrer de maneira que o voluntário não imponha nada e nem direcione a conversa; (iv) cumprir o anonimato e o sigilo das chamadas; (v) oferecer um serviço gratuito e conduzido por voluntários; (vi) ser desempenhado por voluntários treinados para que respeitem e compreendam as técnicas de ajuda; (vii) considerar que “quem escuta” não pode se deixar manipular ou ser ofendido; (viii) ter em seus horizontes que os voluntários precisam “se beneficiar de suas atividades para seu crescimento pessoal”; (ix) promover o ambiente de escuta incondicional, sendo a fala o principal remédio para os sofrimentos e mazelas humanas.

Da mesma forma, os discursos globais dessas redes influenciam as visões dos serviços locais acerca dos problemas para os quais se dirigem, tais como: (i) a fragilidade dos laços sociais; (ii) a solidão “que ameaça os valores essenciais dos indivíduos”; (iii) a dificuldade de encontrar um “intercâmbio autêntico”, ou seja, pessoas que ouçam empaticamente o outro; (iv) a ideia de que o suicida é uma pessoa que não tem com quem se comunicar empaticamente e, por isso, procura uma solução “permanente de destruição de si” para um “problema temporário”; (v) essas agruras do humano são decorrentes da perversidade das “atitudes individualistas” no mundo contemporâneo. A relação de ajuda10 10 A noção de relação de ajuda designa, nas descrições metodológicas do CVV, o tipo de interação que ocorre entre o usuário e o voluntário durante os atendimentos. é então a sugestão das redes para curar tais mazelas do humano, mas, antes de entrar no esquema que orienta como essa relação deve funcionar, é importante remeter às origens desse conceito.

Os Samaritanos e o CVV: de Chad Varah a Carl Rogers

O padre anglicano Chad Varah criou, em 1953, os Samaritanos, um grupo que fornecia apoio emocional por telefone e se tornou a principal referência dos serviços desse tipo na Europa e no mundo (Saraiva 2006SARAIVA, Carlos Braz. (2006), Estudos sobre o para-suicídio: o que leva os jovens a espreitar a morte. Coimbra: Edição independente.). O sítio eletrônico dos Samaritanos11 11 Samaritanos: www.samaritans.org. registra que a ideia de fundação desse serviço de apoio emocional surgiu após Varah conduzir o funeral de uma jovem de 14 anos que teria tirado a própria vida depois da primeira menstruação, porque pensou que tinha uma doença sexualmente transmissível e não teve ninguém com quem falar dessa experiência. O serviço funciona desde então e tem hoje 201 postos que operam no Reino Unido e na Irlanda. Atualmente, a organização conta com 20.060 voluntários no serviço telefônico de apoio emocional e 648 postos que atuam em serviços de escuta e em prisões.

Os Samaritanos orientam sua atuação pelos seguintes valores: escuta (por acreditarem que isso produz um alívio ao auxiliar a compreensão da própria situação do usuário); confidencialidade (para que os usuários se sintam seguros em falar); respeito à tomada de decisão das pessoas (porque creem que as pessoas têm o direito de encontrarem as próprias soluções para os seus problemas); ausência de julgamento (para permitir que as pessoas falem sem que sejam prejulgadas); e contato humano (porque dedicar o tempo às pessoas permite que elas tenham alívio para suas angústias).

O serviço prestado pelos Samaritanos influenciou diretamente a criação do Centro de Valorização da Vida no Brasil. Dalmo dos Santos (2012SANTOS, Dalmo Duque dos. (2012), CVV: Como Vai Você?: CVV, 50 anos ouvindo pessoas. [S.l.]: CVV. [Livro vendido internamente no CVV.]) registra em um livro sobre o CVV que o contato com a ideologia dos Samaritanos foi a base da sua organização. O próprio reverendo Chad Varah teve papel ativo em seu surgimento. Após um primeiro contato do fundador do CVV, ele veio ao Brasil e apoiou o trabalho, compartilhando a metodologia dos Samaritanos em palestras e encontros com os seus fundadores. No início, inclusive, o programa chamou-se CVV-Samaritanos. O grupo fundador do CVV era formado por pessoas de filiação religiosa espírita, e alguns de seus idealizadores mais destacados, como é o caso de Edgard Pereira Armond (Santos 2012SANTOS, Dalmo Duque dos. (2012), CVV: Como Vai Você?: CVV, 50 anos ouvindo pessoas. [S.l.]: CVV. [Livro vendido internamente no CVV.]:68), eram também maçons.

O CVV chegou a ser uma instituição confessional e depois se declarou laica. Sobre esse processo de mudança, Santos registra que:

O CVV nasceu espírita e, por motivos práticos e coerência filosófica, se desfez institucionalmente dessa característica, tornando-se com o tempo um programa areligioso [sic]. Seus dirigentes e voluntários mais antigos até hoje ficam claramente divididos entre o orgulho de sua origem e o constrangimento de admitir a ruptura doutrinária, em termos ideológicos, para dar continuidade ao trabalho, o qual passou a ser procurado por pessoas de outras crenças ou sem nenhuma delas. Restou a eles adotar uma filosofia humanista como ponto comum entre essas diferenças, porém nunca foi fácil se desprender das raízes antigas (2012SANTOS, Dalmo Duque dos. (2012), CVV: Como Vai Você?: CVV, 50 anos ouvindo pessoas. [S.l.]: CVV. [Livro vendido internamente no CVV.]:64).

Em outra parte do livro, Santos explica quais seriam os “motivos práticos e [de] coerência filosófica” que motivaram tal postura “arreligiosa”. Em primeiro lugar, o afastamento do “conceito salvacionista”12 12 A construção das prescrições que orientariam o voluntário na relação de atendimento foi se modificando ao longo dos mais de cinquenta anos do programa. No início do CVV, o primeiro atendimento ao usuário era classificado com a sigla “spot”, que significava “suicida em potencial”. A partir daí, preenchia-se uma ficha com todos os dados dos atendimentos, inclusive endereço, contato e as características pessoais do atendido com a finalidade de traçar um perfil psíquico e o risco de cada usuário cometer suicídio. O objetivo era vigiar e salvar vidas. e a decisão de que os voluntários não deveriam direcionar as atitudes da pessoa que busca ajuda no programa. Nas últimas décadas os voluntários passaram, então, a valorizar os aspectos emocionais na relação de ajuda. Segundo Santos, os voluntários “aprenderam com a experiência que as pessoas não buscavam especificamente um socorro contra o suicídio ou salvação existencial e sim um alívio das suas fortes emoções e que poderiam se transformar em gestos suicidas” (2012SANTOS, Dalmo Duque dos. (2012), CVV: Como Vai Você?: CVV, 50 anos ouvindo pessoas. [S.l.]: CVV. [Livro vendido internamente no CVV.]:112). O segundo motivo seria que o programa percebe que a filosofia da relação de ajuda empática e compassiva era contrária aos dogmas religiosos dos voluntários.

Não pretendo neste artigo estabelecer em qual medida o CVV de fato substituiu uma narrativa laica por uma moralidade religiosa, nem se o discurso moral corrente nesse serviço pode definir uma moralidade religiosa disfarçada de postura laica. Também não está no meu escopo de análise se os usuários procuram o CVV movidos por alguma expectativa religiosamente motivada. Procuro mostrar somente que moralidades religiosas seguem latentes em narrativas psicologizantes e que isso torna relevante o estudo das fontes religiosas de moralidades imanentistas contemporâneas.

A relação entre os Samaritanos e o CVV existe há quase cinquenta anos. Mesmo com origens diferentes, o pressuposto da aceitação incondicional relatado pela parábola do Bom Samaritano uniu as concepções dos dois programas. Santos afirma que “o segredo da longa e profícua amizade ocorreu graças ao aprendizado de Chad [ao definir que] o trabalho de prevenção de suicídio não deveria ter bandeira religiosa” (2012SANTOS, Dalmo Duque dos. (2012), CVV: Como Vai Você?: CVV, 50 anos ouvindo pessoas. [S.l.]: CVV. [Livro vendido internamente no CVV.]:26). Ainda sobre esse assunto, Santos ressalta que, para Chad Varah, a pessoa que pensa em suicídio se importa mais com os problemas que a atormentam do que com as suas crenças religiosas e conclui que “a consciência sempre fala mais alto do que as ideologias” (Santos 2012SANTOS, Dalmo Duque dos. (2012), CVV: Como Vai Você?: CVV, 50 anos ouvindo pessoas. [S.l.]: CVV. [Livro vendido internamente no CVV.]:26).

Algumas divergências sobre as prescrições do atendimento surgiram nessas cinco décadas de relação entre os dois programas, mas nada que interferisse na colaboração entre eles. A postura incorporada pelo CVV de não dar conselhos foi uma dessas discordâncias e tornou-se umas das principais prescrições que regem o serviço no Brasil.

No curso de um processo de distanciamento da ideologia religiosa e de aproximação a uma cultura psicologizada, os Samaritanos e o CVV conheceram e passaram a adotar práticas que se inspiravam na obra de Carl Rogers, propositor de uma psicoterapia da não diretividade13 13 Ele foi um conhecido psicólogo norte-americano do século XX que, em 1945, se tornou professor da Universidade de Chicago. Em 1942 publicou Counseling and Psychotherapy [traduzido para o português como Psicoterapia e Consulta Psicológica (1973)] no qual desenvolve a percepção de uma psicoterapia da não diretividade. . Ainda que Rogers tenha deixado de usar essa expressão a partir da década de 1950, o conceito foi muito utilizado, sobretudo nos serviços de apoio emocional de que trato aqui. Como ressalta Moreira, esse conceito

Dá maior ênfase aos aspectos de sentimento do que aos intelectuais, enfatiza o presente do indivíduo em vez de seu passado, tem como maior foco de interesse o indivíduo e não o problema, e toma a própria relação terapêutica como uma experiência de crescimento. Essas ideias, por sua vez, eram provenientes de sua prática clínica com crianças no final da década de 1930 (2010MOREIRA, Virginia. (2010), "Revisitando as fases da abordagem centrada na pessoa". Estudos de Psicologia, vol. 27, n° 4, out./dez.: 537-544. :538).

Um livro importante para a constituição desses programas foi A Terapia Centrada no Cliente, de 1975ROGERS, Carl. (1975), A terapia centrada no cliente. São Paulo: Martins Fontes.. Nele, Rogers passou a tratar mais da noção de centralidade no cliente do que da não diretividade. É aí que desenvolve as atitudes que o psicólogo deve seguir para ajudar o cliente: aceitação incondicional, congruência/autenticidade e empatia. A aceitação remete à ideia de respeitar incondicionalmente a individualidade do atendido; a congruência é a postura autêntica, ou seja, ser você mesmo ao iniciar uma interação com o outro; e, por último, a empatia é a atitude que o terapeuta deve ter de tentar compreender o outro nos seus próprios termos, respeitando a visão de mundo de cada um.

Tais orientações serviram de guia para grande parte dos serviços de apoio emocional. O CVV e o SOS Voz Amiga inspiraram-se em Rogers e em Varah para construir seus modos de estruturar a relação de ajuda. Embora o CVV e o SOS não se identifiquem como especialistas e estabeleçam distinções tanto em relação à postura do voluntário e do psicoterapeuta quanto do voluntário e do religioso, pude ver através da pesquisa que há muitas aproximações com tais cosmologias.

No livro intitulado Tornar-se pessoa (2010ROGERS, Carl. (2010), Tornar-se pessoa. São Paulo: Martins Fontes. Disponível em: http://psicologadrumond.files.wordpress.com/2013/08/tornar-se-pessoa-carl-rogers.pdf. Acesso em: 14/01/2015.
http://psicologadrumond.files.wordpress....
), Carl Rogers resumiu o que viria a ser a sua abordagem centrada na pessoa, noção que se tornou referência para a construção de diversos serviços de apoio emocional e prevenção do suicídio ao redor do mundo, inclusive o CVV. Para que o sujeito possa, segundo Rogers, desenvolver as suas potencialidades, conhecer seu mundo interior e, desta forma, tornar-se pessoa, é necessário disponibilizar um clima psicologicamente favorável no processo de interação. Essa proposta não se restringe à relação psicoterapeuta/cliente, mas deve ser aplicada em todas as formas de relação humana, seja na família, seja no trabalho. Qualquer pessoa que utilizasse o seu método da congruência/autenticidade, empatia, aceitação incondicional e capacidade de ver o mundo como o outro vê poderia estabelecer uma relação de ajuda e promover no outro as possibilidades necessárias para a construção de si.

Veremos que a relação de ajuda proposta pelo CVV é fortemente baseada nesses conceitos da abordagem centrada na pessoa. Tornar-se pessoa nos casos dos serviços estudados está intrinsecamente ligado ao autoconhecimento e à possibilidade de gerir os sofrimentos e se distanciar do risco do suicídio.

A relação de ajuda

Na relação de ajuda acentua-se a questão da escuta, do ouvir atentamente, como um aspecto central. Esse lugar de “escuta respeitosa” é descrito como um lugar de “amor”: “A relação de ajuda em sua forma mais simples e mais pura seria amor, um amor que cicatriza, que restaura a dignidade, a confiança e a autoestima das pessoas” (Centro de Valorização da Vida 2012, tema 4:1).

A situação de ajuda, de escuta, é definida, no material, com base em alguns aspectos práticos fundamentais: (i) ouvir atentamente; (ii) compreender; (iii) comunicar o que ouvimos e compreendemos; e (iv) a reestruturação da tendência atualizante. Segundo a apostila, ouvir atentamente requer que se dedique toda a atenção à pessoa que procura o atendimento. Essa escuta atenta requer:

(a) Observação da nossa própria situação (nosso humor, nossos sentimentos, preconceitos, etc.).

(b) “Ouvir o que é dito e observar o que não é dito”14 14 A comunicação na relação de ajuda requer que se leve em conta elementos como o silêncio, o tom com que se fala, a altura da voz. O silêncio é visto, de modo recorrente, como a preparação para se dizer algo difícil de ser revelado e comunicado. O manual recomenda que não se interrompam os silêncios. .

(c) Ter paciência com as incoerências do discurso do usuário.

(d) O respeito aos silêncios.

Há, entretanto, a recomendação de que se comunique ao interlocutor o que foi compreendido, demonstrando acolhimento e aceitação. Já a reestruturação da tendência atualizante se baseia na teoria de Carl Rogers e indica que o ouvinte deve procurar apostar na vontade do usuário de seguir vivendo e desenvolvendo seus potenciais. A tendência atualizante, na apropriação dada pelo CVV, é esse impulso que nos faria seguir vivos e tentando conseguir as melhores condições possíveis na vida e nas resoluções dos problemas.

É fundamental a criação de um clima psicologicamente favorável no qual as respostas compreensivas colocariam o voluntário e o usuário em uma relação de ajuda. O voluntário deve, portanto, só dar o retorno para o usuário do que foi “dito”, das suas “vivências” e “sentimentos” e não se ater aos “problemas”. O CVV trabalha com a separação entre as ideias de indivíduo e pessoa. O indivíduo pode ser interpretado como o “cidadão”, “o sujeito em sociedade”, ao passo que a pessoa é definida como a “essência do ser humano”. A relação de ajuda deve ser centrada na pessoa, nos seus sentimentos, e não no indivíduo, nas suas ações ou problemas, porque a pessoa é “essencialmente boa”. Essa crença de que a escuta “incondicionalmente positiva”, “empática” e “compreensiva” estrutura uma espécie de câmara escura na qual se revelaria a imagem da pessoa no lugar da do indivíduo é um aspecto essencial da gestão dos sofrimentos que o CVV procura estabelecer. Esse aspecto conecta a concepção de pessoa do CVV àquela definida por Carl Rogers (2010ROGERS, Carl. (2010), Tornar-se pessoa. São Paulo: Martins Fontes. Disponível em: http://psicologadrumond.files.wordpress.com/2013/08/tornar-se-pessoa-carl-rogers.pdf. Acesso em: 14/01/2015.
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), segundo a qual se tornar pessoa significaria conhecer a si mesmo. É esse trabalho de autoconhecimento que a metodologia operada pelo CVV pretende oferecer como gestão do sofrimento para a prevenção do suicídio.

O indivíduo é o termo que estaria implicado nas relações sociais. A ele estão associados alguns predicativos, como “nome”, “endereço” e “profissão”; ao passo que nos aspectos alinhados à pessoa consta a “situação específica que o outro vive e/ou descreve”. A pessoa está posicionada do lado das vivências e dos sentimentos. Tal representação define, portanto, o indivíduo como o ente relacional e a pessoa como o termo autônomo e não contingente. O clima psicologicamente favorável seria, assim, uma via para acessar essa dimensão autônoma (que o CVV também predica como “essencialmente boa”) e se afastar dos aspectos circunstanciais e relacionais. Considero importante ter em vista que essa narrativa define uma tensão entre os dois conceitos. No âmbito dos serviços de apoio emocional há um constante intercâmbio entre as significações dessas noções, porque é também nos termos de uma interação, no estabelecimento de uma relação, que a pessoa emergiria. Essa oscilação entre representações autônomas e relacionais da pessoa e do indivíduo é um aspecto importante das moralidades que atravessam e constituem os discursos institucionais e metodológicos do CVV e dos serviços de apoio emocional. Aquilo que é descrito como valores da pessoa e do indivíduo figura tanto nos atributos inerentes (a “essência boa”) quanto nas formas de se portar nas relações com os outros ‒ o que fica claro no fato de o exercício da escuta empática ser definido como uma fonte de produção de virtudes.

Carl Rogers (2010ROGERS, Carl. (2010), Tornar-se pessoa. São Paulo: Martins Fontes. Disponível em: http://psicologadrumond.files.wordpress.com/2013/08/tornar-se-pessoa-carl-rogers.pdf. Acesso em: 14/01/2015.
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) assim define as regras interativas necessárias para promover um clima psicologicamente favorável: congruência (que diz respeito à autenticidade do voluntário, ser você mesmo no jogo interativo, para tanto sendo necessário, de acordo com o programa, o autoconhecimento) e consideração positiva incondicional (que faz referência à aceitação incondicional da individualidade do outro). Seguindo essas regras é possível então, segundo o CVV, oferecer compreensão empática e aceitar o outro nos seus próprios termos.

Para o CVV, do mesmo modo, só depois de instaurado o clima psicologicamente favorável é possível fornecer as possibilidades para que o usuário possa acessar o seu mundo interior e liberar as suas “potencialidades”, a sua tendência atualizante.

Atos de fala e moralidade

A interação em jogo consiste em regramentos específicos de atos de falar e ouvir. Aqueles que participam da relação são os que falam e os que escutam; respectivamente, usuários e voluntários. Há, assim, nos arranjos metodológicos do CVV descritos acima, principalmente no que diz respeito à relação de ajuda e à tendência atualizante, uma correlação importante: participar do arranjo, falando ou ouvindo, define possibilidades de dignificação do humano, ou seja, do tornar-se pessoa. Essa expressão remete à possibilidade de efetivação dos bens últimos que definiriam nossa existência. Trata-se, portanto, de uma narrativa moral em sentido forte por sua vinculação com o tema do bem. Passar a ser pessoa, ativar a tendência atualizante, significa acessar o domínio das coisas dignas de consideração e respeito.

As ordens discursivas e estratégias de intervenção em questão pretendem ser eficazes tanto para amenizar o sofrimento quanto para promover determinada construção moral de si, entre os voluntários e usuários dos programas. >Tal construção diz respeito às técnicas que o voluntário deve aprender para ajudar “quem precisa” e oferecer um espaço de escuta e acolhimento que promova, no momento do atendimento, certo apagamento de si, em prol de ter o outro como foco. Para tanto, as regras tentam ensinar quem ajuda a ter autocontrole e acessar o seu mundo interior através da escuta, enquanto quem é ajudado deve acionar as suas “potencialidades” e seu autoconhecimento pela fala.

A partir dessas concepções morais correntes parece óbvio que não ter quem nos escute é algo que produz sofrimento e que ser compreendido traz alívio a essas dores. Falar de si e saber escutar também figuram de modo recorrente nos discursos institucionais entre as possibilidades de autoconhecimento e cultivo de si. Meu interesse aqui é ao mesmo tempo estranhar esse arranjo e contribuir para que o compreendamos de modo mais consistente. Afinal, de onde vem essa narrativa moral? Quais suas fontes?

Minha hipótese é que as noções de confissão e testemunho forneceriam os nexos para tentativas de respostas a essas questões. Isto porque se trata de modalidades discursivas, atos de fala, que possibilitam muitas analogias com os enquadramentos da interação – do falar e do ouvir – presentes nas metodologias de atendimento do CVV e do SOS Voz AmigaCENTRO SOS VOZ AMIGA. Disponível em: www.sosvozamiga.org. Acesso em: 14/01/2015.
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. Mais importante do que isso: suas implicações para moralidades ancoradas na subjetividade como espaço interior e profundo, tanto nas suas origens quanto nas suas atualizações históricas, sugerem algumas proximidades com o universo moral que atravessa os discursos e as técnicas de atendimento dos serviços de apoio emocional que estudei. O modo pelo qual a confissão e o testemunho constituem atos de fala que ativam e tornam presentes a graça divina nas formulações teológicas cristãs pode ser um indicador das fontes morais que fundamentam a eficácia dos atos de fala e escuta por mim investigados15 15 Para que não restem dúvidas, registro que o uso do termo “fontes” se remete ao sentido atribuído por Taylor na investigação sobre as fontes do self (2013). . A manifestação da graça seria, nesse sentido, o elemento que vincula a dignificação da vida humana como valor moral no Ocidente; é ela que torna a vida um objeto relevante (nos termos utilizados por Taylor). Ao lançar mão de expedientes discursivos análogos à confissão e ao testemunho, os serviços de apoio emocional engendram, portanto, configurações morais que seriam capazes de produzir os efeitos “restaurativos” e “curativos”, logo, dignificantes, pretendidos em seus arranjos pragmáticos.

Taylor efetua dois movimentos em seu livro As fontes do self (2013TAYLOR, Charles. (2013), As fontes do self. São Paulo: Loyola.): na primeira parte, propõe uma reflexão filosófica sobre os termos da moralidade contemporânea; nas partes subsequentes, traça a história dessas fontes morais. Taylor busca, assim, realinhar o debate ocidental sobre as noções de bem. Seu raciocínio opera, principalmente, a partir da recusa de neutralidade moral ao pensamento filosófico e científico, bem como do distanciamento em relação à crítica neonietzschiana, que denuncia a ausência de neutralidade moral, mas não define com precisão os termos morais de seu próprio discurso. Ele pretende se afastar, desta forma, de posições que dissolvam as possibilidades de uma reflexão sobre a moral que leve a sério a noção de bem, ou de bem constitutivo, aquele que serve de fonte para a moral (Taylor 2013TAYLOR, Charles. (2013), As fontes do self. São Paulo: Loyola.:127). Para Taylor, existiria uma vinculação profunda entre os aspectos definidores da condição humana e a reflexão sobre as noções de bem constitutivo. O fato de que as articulações morais tenham sofrido metamorfoses que as deslocaram das concepções religiosas transcendentais para as versões imanentistas, e que as últimas também se encontrem deslocadas de suas fontes no mundo contemporâneo, não resulta na recusa da filosofia moral; pelo contrário, é o próprio motivo de sua necessidade. Está em questão, portanto, a necessidade de reconciliar os discursos morais com as prerrogativas de seus bens constitutivos, como forma de estabelecer terreno para que se assentem as articulações daquilo que torna a vida humana digna de consideração, ou seja, as “histórias capacitadoras” (Taylor 2013TAYLOR, Charles. (2013), As fontes do self. São Paulo: Loyola.:131). Esse argumento tem como resultado uma postura que pretende reconciliar a atividade do pensamento filosófico com o que ocorre no terreno da nossa vida ordinária; afinal, seguimos agindo de acordo com concepções morais e de bens constitutivos.

A argumentação de Taylor nos conduz a uma postura na qual os discursos morais, no lugar de serem submetidos a um juízo que os empurre para o terreno do arbitrário, são vistos como um campo importante para que compreendamos nossa condição contemporânea. Ou, pelo menos, se estamos preocupados em pensar esse problema diante da necessidade de reforçar nossa dignidade e não na beira do abismo da perda de significado.

Os atos de fala, na abordagem de Taylor, são elementos privilegiados para que se estabeleçam investigações sobre as fontes das concepções morais contemporâneas. Eles promovem a articulação (ou a desarticulação) entre as posturas morais e suas fontes. As fontes tornam-se presentes e dão poder às moralidades através dos atos de fala. A investigação sobre as formas de falar dos bens constitutivos e sobre a maneira pela qual se modulam as possibilidades de falar e de ouvir constitui a via pela qual podemos identificar as proximidades e distâncias entre as moralidades e suas fontes. Esse exercício pode contribuir para uma compreensão mais apropriada de nossa condição contemporânea. No trecho a seguir, Taylor expressa esse vínculo privilegiado entre atos de fala e as fontes morais:

[...] Uma formulação tem poder quando aproxima a fonte, quando a torna clara e evidente, em toda a sua força inerente, em sua capacidade de inspirar nosso amor, respeito ou adesão. Uma articulação efetiva libera essa força, e é desta forma que as palavras têm poder.

As palavras podem ter poder porque tornam disponível uma fonte até então desconhecida ou não sentida, como vemos no Êxodo, em Isaias, nos Evangelhos; ou podem restaurar o poder de uma fonte mais antiga com a qual perdemos contato, caso de São Francisco ou de Erasmo. Podem ainda ter poder de outra maneira, ao articular nossos sentimentos ou nossa história de modo a nos pôr em contato com uma fonte que há muito ansiamos. Isso pode ocorrer por meio da reformulação de nossa vida numa nova narrativa, como nas Confissões de Agostinho, ou por uma visão de nossa luta pelo prisma do Êxodo, como no caso do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos na década de 1960 ou em inúmeros lugares menos famosos e fatídicos nos quais as pessoas compreendem sua vida por meio de uma nova história (Taylor 2013TAYLOR, Charles. (2013), As fontes do self. São Paulo: Loyola.:132).

Acredito que os discursos morais presentes em minha etnografia consistem em um bom campo para interpretações sobre atualizações das noções de bem e do modo pelo qual elas penetram no cotidiano. Ali estão presentes atos de fala que se realizam em circunstâncias que representam uma articulação específica entre a própria natureza do discurso e concepções de bem. Existe, na maneira pela qual o CVV estabelece sua atividade de escuta, uma crença no fato de que falar e ser ouvido é uma circunstância fundamental para a efetivação de um bem que capacita e dignifica os sujeitos.

O programa, dessa forma, não define somente uma narrativa moral centrada no sujeito, mas também traça uma metanarrativa ao detalhar o modo pelo qual o próprio ato de falar e ser ouvido pode representar a atualização de um bem, ou seja, a tendência atualizante. Há, portanto, na metodologia do CVV uma teoria nativa dos vínculos entre o falar e a realização do bem. Para além de destacar a articulação entre uma ordem discursiva e a atualização de uma moralidade subjacente à metodologia do CVV, é importante definir alguns aspectos das linhas gerais que vinculam os atos de fala em questão às configurações morais que neles se estabelecem.

Confissão e testemunho

O CVV evoca uma moralidade de tendência imanentista e completamente centrada no indivíduo. A interação em jogo orbita em torno do indivíduo como centro das finalidades do serviço prestado e lócus dos bens em questão. A ordem do discurso torna-se um aspecto forte de um mundo que tem o self como unidade essencial, a partir do momento em que falar de si passa a ser um fator constitutivo de modelos de moralidade. Essa pista histórica vincula o arranjo entre moral e atos de fala no âmbito do CVV com vetores de longa duração que configuraram a cultura ocidental moderna.

Ainda na trilha de Taylor (2013TAYLOR, Charles. (2013), As fontes do self. São Paulo: Loyola.), pode-se identificar uma linha que se estende de Platão a Descartes, passando por Agostinho como tendência fundadora de uma mentalidade moral centrada no indivíduo e em sua interioridade. Taylor indica que o lugar da razão na descrição platônica da alma, e as oposições entre alma e corpo, imaterial e material, eterno e mutável, estabeleceram um terreno de base para as invenções decisivas que Agostinho faria mais tarde (2013TAYLOR, Charles. (2013), As fontes do self. São Paulo: Loyola.:161-163). A partir do contorno estabelecido pelas oposições platônicas, Agostinho pode inventar a profundidade da mente e do indivíduo, somando-lhes o par dentro/fora. Foi um passo crucial para a conformação de uma mentalidade que tivesse o indivíduo e sua interioridade como centro.

As ideias platônicas recebidas por Agostinho via Plotino suscitaram que a oposição cristã entre espírito e carne pudesse ser articulada com as distâncias que Platão define entre o corporal e o não corporal (Taylor 2013TAYLOR, Charles. (2013), As fontes do self. São Paulo: Loyola.:169). A hierarquia platônica estabelecida entre o mundo das Ideias e o mundo sensível define que o segundo é produto do primeiro e dele participa. Todas as coisas corpóreas participam – hierarquicamente submetidas, porque são cópias imperfeitas – da ordem ditada pelo mundo das Ideias. Esse desenho foi importante para que Agostinho estabelecesse a relação entre Deus e os homens. Na condição de coisas criadas, pelos vínculos definidos pela doutrina da Trindade, participamos da ordem divina. Somos criação, mas também somos semelhantes, cópias imperfeitas do criador.

Essa participação possui uma topografia (ou anatomia) específica a partir de Agostinho. Participamos de Deus como filhos e essa participação é a fonte de tudo que nos eleva em relação às demais coisas criadas. Mas é no modo pelo qual essa impregnação do Divino em nós é atualizada que se encontra a grande mudança operada por Agostinho. O nexo entre o eterno e o contingente, entre o superior e o inferior, passa a ser necessariamente vinculado a uma relação entre dentro e fora, entre interior e exterior. É no interior da alma que Deus se manifesta e penetra nossa realidade efêmera e contingente. É na mente que a luz de Deus como bem último nos ilumina.

O tema do cuidado de si, que Foucault mostra já estar presente na Antiguidade por meio da expressão grega epimeleïa heautou (1997FOUCAULT, Michel. (1997), Resumo dos Cursos do Collège de France (1970-1982). Rio de Janeiro: Zahar.:119), torna-se em Agostinho uma atividade que se desempenha no interior do homem, em sua dimensão profunda. A partir da manifestação de Deus nessa instância da interioridade, temos os caminhos do bem traçados nas vias que aí se estabelecem. Perseguir o bem significa, assim, mergulhar nessa interioridade. A isso se atribui ter sido Agostinho o fundador da reflexão radical, proferida em primeira pessoa.

Agostinho apresenta a prova da existência de Deus a partir de uma experiência em primeira pessoa. É a capacidade de pensar e sentir que situa o homem no contato com Deus. Ele nos ilumina em nossas mentes, segundo sua visão, e nossos pensamentos são referidos a Deus como modelo. A manifestação da graça consiste na presença de Deus no interior do homem. É a graça que atesta a unidade do homem com Deus e o torna respeitável, único na criação.

Mas esses elementos da interioridade como lócus de manifestação da graça só se tornam modelo para a fé quando articulados com atos de fala. A experiência individual e subjetiva da presença da graça, ao ser enunciada por atos de fala, deixa de ser algo incomunicável, incomensurável e intransferível e passa a ser um parâmetro compartilhado da vivência da fé cristã. É possível afirmar, assim, que a confissão e o testemunho são os elementos centrais que fazem com que a participação no divino a partir de uma circunstância vivida em primeira pessoa possa se tornar uma fonte para uma mentalidade coletiva sobre o valor da vida humana. Aquele que se confessa fala algo íntimo sobre si, algo que tem valor de verdade justamente por emanar da interioridade. Quando a confissão se refere à experiência da graça, ao modo pelo qual Deus se manifestou como elemento que ilumina a consciência, essa manifestação da verdade é testemunho da fé e da existência de Deus; esse ato de fala é, portanto, modelo de iluminação.

Agostinho, dessa forma, é autor não somente da interioridade do eu, mas também do nexo existente entre graça, verdade e os atos de fala da confissão e do testemunho. Suas Confissões são o próprio modelo dessa articulação. Agostinho descreve-se como um homem pecador antes de sua conversão, tendo se engajado nas mais diversas formas de pensamento e de condução da vida de seu tempo. Foi maniqueu, cético e neoplatônico (Arendt 2008ARENDT, Hannah . (2008), "Agostinho e o protestantismo". In:, ARENDT, Hannah . Compreender: formação, exílio e totalitarismo (ensaios). São Paulo: Companhia das Letras.:55).

Ao narrar (confessar) sua conversão, ele mostra como a graça se manifestou em sua mente, afastando-o dos enganos e aproximando-o da verdade de Deus. Sua confissão é ao mesmo tempo, portanto, atestado do vínculo divino com a interioridade do homem e testemunho da graça. Suas Confissões tornam a vida de Agostinho relevante por ser exemplar (Arendt 2008ARENDT, Hannah . (2008), "Agostinho e o protestantismo". In:, ARENDT, Hannah . Compreender: formação, exílio e totalitarismo (ensaios). São Paulo: Companhia das Letras.:56) e aí reside sua dimensão testemunhal16 16 É importante notar que não faz sentido para a abordagem de Agostinho situar a confissão como um ato privado e o testemunho como algo público, como mais tarde ocorrerá nas mais variadas configurações do Ocidente acerca desses dois atos de fala sobre si. . Ele se confessa somente perante Deus e a natureza de sua confissão permanece sendo a revelação de sua interioridade, mas passa a ser também um exemplo para os outros, um modelo e testemunho de fé. É por esse aspecto que Arendt, ainda que indique que a confissão se institucionalizou como sacramento reforçando a mediação da Igreja, reconhece que Agostinho serviu de base para aspectos da Reforma no que diz respeito à vinculação entre o divino e o humano numa esfera da interioridade (o contato direto do homem com Deus).

O contexto de enunciação dos serviços de apoio emocional, especificamente do CVV, define uma espécie de atualização laicizada da confissão. Ali está em jogo falar de si a partir daquilo que é íntimo e, portanto, tem valor de verdade. O que é dito pelo usuário deve ser acolhido e respeitado pelo voluntário. E o usuário, além disso, pode falar de zonas de sua intimidade que, muitas vezes são interditadas de expressão nos domínios correntes das interações no mundo da vida. Aquilo que configura o clima psicologicamente favorável – a confidencialidade, o anonimato, a escuta empática, etc. – atua como uma versão laica dos procedimentos atinentes à confissão sacramental.

O ato de ouvir, por seu turno, apresenta-se como uma versão secular do testemunho. Presenciar a edificação do outro decorrente da exposição de sua verdade íntima e saber ouvir de modo qualificado tal expressão consiste em acessar modelos (exemplos) para a própria edificação de si. Cada indivíduo é seu próprio modelo. Mas o trabalho de se tornar digno só se realiza pelos atos de fala que se definem em arranjos especulares. O indivíduo só se define como modelo, portanto, pelo movimento produzido por atos de fala nos moldes da confissão e do testemunho.

Ao examinar aspectos das trajetórias dessas categorias, é possível ter uma impressão mais nítida a respeito da maneira pela qual as definições metodológicas do CVV engendram arquiteturas morais. Isto porque os contornos das fontes dessas moralidades se tornam mais vívidos.

A confissão pode ser descrita como um tipo de quadro reflexivo e autorreferente, assim como a sessão de terapia e o próprio quadro da relação de ajuda, que têm como característica fundamental a possibilidade de se contar para alguém aquilo que não pode ser contado a ninguém. O confessor assegura uma postura de sigilo em relação ao que ouve e a treliça que separa os sujeitos da interação nos confessionários católicos oferece um relativo anonimato. As coerções públicas convencionais na interação face a face são, assim, substituídas por sanções ritualizadas pela prescrição de uma penitência com aval sacerdotal.

Michel Foucault, no primeiro volume da História da Sexualidade, observa que a confissão teve papel central na conformação de uma mudança – que se iniciou na Idade Média – nos processos de “autenticação” do indivíduo (Foucault 2011FOUCAULT, Michel. (2011), História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal.:67). O indivíduo passou de uma situação na qual ele era autenticado por seus vínculos com os outros para um contexto de autenticação a partir do “discurso de verdade” que produz sobre si (Foucault 2011FOUCAULT, Michel. (2011), História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal.:67). Dessa forma, “a confissão da verdade se inscreveu no cerne dos procedimentos de individualização pelo poder” (Foucault 2011FOUCAULT, Michel. (2011), História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal.:67). A definição de uma situação de escuta sigilosa possui, portanto, uma longa trajetória histórica no processo de estabelecimento do indivíduo como dimensão fundamental da política e da cultura no Ocidente. É importante considerar aqui, seguindo as pistas de Foucault (2011FOUCAULT, Michel. (2011), História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal.) e também de Boltanski (1993BOLTANSKI, Luc. (1993), La souffrance a distance: morale humanitaire, médias et politique. Paris: Éditions Métailié.), que, no caso do CVV e dos serviços de apoio emocional, estar no lugar de escuta significa também estar num lugar de poder: o poder de quem dá ajuda em vez de receber e também de quem detém um conhecimento (o segredo) e controla as prerrogativas da confissão.

Os gestores e operadores dos centros de apoio emocional estariam, ao menos em tese, nas descrições nativas, tão sujeitos aos problemas por eles atendidos quanto os usuários dos serviços. Todos seriam igualmente passíveis de ser atingidos pelos problemas para os quais se dirige a compaixão que orienta os serviços de apoio emocional. E seria a universalidade desse risco um dos fundamentos da postura empática proposta pelos centros de apoio emocional como ferramenta de prevenção ao suicídio. Tal universalidade é também um aspecto importante do modo pelo qual, no ato da interação, estão em jogo modos de falar e de ouvir que podem ser aproximados das noções de confissão e testemunho. Essas aproximações indicam um trajeto no qual esses atos de fala assumem diversas formulações laicas no mundo contemporâneo.

Todos nós seríamos, então, igualmente precários. Esse discurso dialoga com as discussões de Sahlins (2004SAHLINS, Marshal. (2004), "A Tristeza da doçura, ou a Antropologia Nativa da Cosmologia Ocidental". In:. SAHLINS, Marshal. Cultura na prática. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) e de Carvalho e Duarte (2005CARVALHO Emílio N. de; DUARTE, Luiz Fernando Dias. (2005), "Religião e psicanálise no Brasil contemporâneo: novas e velhas Weltanschauungen". Revista de Antropologia, vol. 48, n° 2, jul./dez.: 473-500.) sobre, respectivamente, as afinidades entre a “condição adâmica” e a psicologização articulada com religiosidades laicas como aspectos constitutivos de uma cosmologia difusa no Brasil contemporâneo. Isso aproxima, ainda mais, a interpretação que proponho do CVV e dos serviços de apoio emocional a uma percepção de que eles se estruturam como expressões de uma religiosidade não confessional. E que essa religiosidade se relaciona com aspectos da cosmologia ocidental contemporânea centrados nas representações do indivíduo e seus posicionamentos em situações de interação; ou seja, em contato e articulação com as representações do outro.

Por afirmarem a universalidade dos problemas com que lidam, os serviços de apoio emocional definem uma moralidade que também possui um caráter universalista. A compaixão, para esses serviços, é um sentimento moral universalista; nesse caso não somente pela crença de que todos são iguais, mas de que são igualmente afligidos pelos mesmos sofrimentos. As crenças que constituem esses serviços de apoio emocional estabelecem, portanto, um caso profícuo para se lidar com uma questão bem trabalhada por Fassin (2010FASSIN, Didier. (2010), La raison humanitaire: une histoire morale du temps présent. Paris: Hautes Études, Gallimard-Seuil.): a emergência dos sentimentos morais como narrativas que pretendem organizar e explicar o mundo contemporâneo, ou seja, como narrativas políticas.

A pretensão universalista das definições das causas e soluções para o suicídio presentes nos serviços de apoio emocional trazem em seu discurso humanitário algumas questões que permitem, ainda, o estabelecimento de alguns pontos de contato com a reflexão de Boltanski (1993BOLTANSKI, Luc. (1993), La souffrance a distance: morale humanitaire, médias et politique. Paris: Éditions Métailié.) sobre a “política da piedade” e suas tópicas. Há, dessa forma, uma descrição do problema do suicídio que se ancora em uma concepção da universalidade de nossas fragilidades. Usuário e voluntário estariam, portanto, igualmente sujeitos aos riscos que tais fragilidades produzem. Simultaneamente, na metodologia de atendimento e no modo pelo qual ela modula a interação, estabelecem-se fronteiras entre quem dá ajuda e quem a recebe, entre quem sofre e quem não sofre. Inspirado em Hannah Arendt, Boltanski (1993BOLTANSKI, Luc. (1993), La souffrance a distance: morale humanitaire, médias et politique. Paris: Éditions Métailié.:15-17) define que uma característica central da política da piedade consiste no estabelecimento da distinção entre quem sofre e quem assiste ao sofrimento, entre os felizes e os infelizes.

Sendo assim, os métodos do CVV definem uma vinculação entre usuários e voluntários que tem como elemento central a afirmação da autenticidade dos estados internos que constituem a convicção de que o sofrimento do outro é real e carece de atenção (Boltanski 1993BOLTANSKI, Luc. (1993), La souffrance a distance: morale humanitaire, médias et politique. Paris: Éditions Métailié.:101-102). Os discursos que organizam o trabalho desses centros de prevenção ao suicídio adotam, desta forma, uma abordagem mais focada no vínculo entre sofredores e benfeitores e menos na identificação de um acusado, como ocorre na tópica da denúncia. A situação do sofredor é descrita em tom de urgência, como é característico da política da piedade (Boltanski 1993BOLTANSKI, Luc. (1993), La souffrance a distance: morale humanitaire, médias et politique. Paris: Éditions Métailié.:121-122), e o vínculo entre quem ajuda e quem é ajudado se estabelece por uma espécie de contágio emocional (Boltanski 1993BOLTANSKI, Luc. (1993), La souffrance a distance: morale humanitaire, médias et politique. Paris: Éditions Métailié.:123). Na política da piedade, portanto, o vínculo entre aquele que sofre e o que não sofre se dá por uma “metafísica da interioridade”. Trata-se de uma conexão que ocorre pelos sentimentos, uma interioridade ligada à outra. Ela admite dois níveis: um exterior e um interior. O nível exterior é aquele em que se estabelecem as relações superficiais, descritas, muitas vezes, como falsas, convencionais e enganosas. Já o nível da interioridade se refere ao tema da autenticidade, em que estabeleceríamos os vínculos verdadeiros com a alteridade. As emoções seriam uma exteriorização da interioridade (Boltanski 1993BOLTANSKI, Luc. (1993), La souffrance a distance: morale humanitaire, médias et politique. Paris: Éditions Métailié.:122-124). Durante os atendimentos nos serviços de apoio emocional haveria, assim, o afastamento das relações superficiais que provocam a solidão e a oportunidade de uma conexão que se daria pelo testemunho (para si e para o outro) de uma interioridade autêntica; esse seria um aspecto central das crenças que definem sua eficácia profilática. As questões de Boltanski são importantes aqui menos para a definição de um enquadramento dos serviços de apoio emocional como parte de uma política da piedade e mais pelo fato de que a abordagem desse autor estabelece distinções que têm afinidades com as nuances e tensões observadas em meu trabalho de campo. A mobilização da interioridade e da autenticidade características da política da piedade reverbera na metodologia do CVV e também ativa suas ressonâncias com as noções de confissão e testemunho.

Considerações finais

O nexo entre os dois atos de fala (efetuados por Agostinho em um só movimento) é fundamental: a confissão como caminho da redenção e o testemunho como indicador da verdade da graça. Nele Agostinho lança as bases para que o ato de falar de si tenha relação com as possibilidades de dignificação do homem, na forma cristã pelas vias da redenção e da graça, mas também por múltiplas atualizações da confissão e do testemunho em contextos tanto religiosos como seculares. Proponho aqui, portanto, que essa primeira articulação entre esses atos de fala tornou possíveis arquiteturas morais como aquelas presentes no CVV que se definem pela possibilidade de dignificação pelo próprio ato de falar de si e ser ouvido.

A confissão institucionalizou-se na Igreja Católica e serviu de parâmetro para as práticas jurídicas e outros campos do mundo moderno. Esteve nas bases da conformação de uma scientia sexualis, resultando no quadro descrito por Foucault: “O homem, no Ocidente, tornou-se um animal confidente” (2011FOUCAULT, Michel. (2011), História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal.:68). Da mesma forma, o testemunho ganhou atualizações nos contextos protestantes que, ao se afastarem do caráter institucional da confissão no catolicismo e valorizarem a relação direta do homem com Deus, passaram a enfatizar o testemunho como algo público, aplicado tanto no exercício de atualização da graça – pela lógica da predestinação – como enquanto ferramenta de conversão.

A figura do voluntário é uma peça-chave da narrativa moral adotada pelo programa. O processo de constituição do voluntário vincula-se a diversas questões morais, como, por exemplo, o modo pelo qual o CVV os seleciona e treina. Os voluntários procuram o programa também em busca de certa construção moral de si. Isso está articulado, como mencionei anteriormente, com a representação da filosofia de atendimento do CVV como “proposta de vida”. Essa perspectiva configura definições que estabelecem, entre outras coisas, quem está apto a se tornar voluntário e quais as fronteiras entre os voluntários e os usuários. Tais gramáticas regem ainda o dar e receber compaixão, neste contexto. Esses são apenas alguns dos diversos aspectos da moralidade que decorrem das imagens e discursos sobre os voluntários e os usuários que foram enfocados em minha pesquisa. Considerei, na etnografia dos programas de apoio emocional, esses dois personagens em interação como elementos centrais da moralidade e como atores que engendram o jogo de dizer e não dizer, de ouvir e de falar.

As técnicas e o conjunto de crenças que estruturam o CVV produziriam, assim, efeitos não somente nos usuários como também nos próprios voluntários que operam o serviço. Esse jogo de representações sobre o usuário e o voluntário que ocorre no ato da interação nos atendimentos e nos discursos institucionais e metodológicos do programa é uma dimensão importante para a interpretação desses serviços de apoio emocional que propus em minha tese.

A interação (ato de falar e ato de ouvir) é, portanto, um elemento central. É no modo pelo qual a interação é modulada através das prescrições metodológicas dos serviços de apoio emocional que se revelam as imagens e representações sobre o indivíduo, a subjetividade e a intersubjetividade. Tendo, então, a interação como foco, descrevo a atualização dessas técnicas em uma tríade que envolve os enquadramentos institucionais e metodológicos, o voluntário e o usuário. Nessa tríade, os discursos morais – de clivagem abstrata e universalista – ancoram-se em jogos interativos que produzem tensões e rupturas, aproximações e afastamentos, simetrias e assimetrias. Desta forma, os discursos nativos sobre como a fragilidade humana aproxima e iguala os indivíduos estão entrelaçados a representações que indicam posicionamentos dramáticos específicos: quem sofre e quem alivia a dor, quem fala e quem ouve e quem dá e quem recebe compaixão.

Esse jogo de espelhos17 17 A relação de ajuda promove uma situação na qual os papéis do voluntário e do usuário se projetam mutuamente como num jogo de espelhos. Trata-se, portanto, de uma forma de interação que possui um caráter reflexivo. Tanto o usuário se revela ao falar com o voluntário quanto este, ao escutar, revela para si elementos da sua própria pessoa. Por esse tipo de interação implicada na relação de ajuda identifico que os serviços de apoio emocional trabalham com uma noção essencialmente relacional de indivíduo. O ato de fala, nesse contexto, é um ato de construção ativa do sujeito, mas a ação de falar só tem seu sentido completado com a presença do outro que ouve. entre usuário e voluntário é um elemento importante para que compreendamos que existem discursos que mobilizam simultaneamente as práticas de confissão e do testemunho em versões laicas. É nessa relação que se desenvolvem tanto o cultivo de si, como acesso à dignificação análoga à manifestação da graça, quanto a proliferação de modelos para o self.

Na epígrafe do presente artigo, Fernando Pessoa ironiza a sociedade de sua época demonstrando que as pessoas tentam passar uma falsa imagem de retidão, como se a vida de cada um fosse uma linha reta pontilhada de virtudes. O eu lírico indaga: “Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?” E continua: “Onde é que há gente no mundo?”. Para o poeta, se o ser humano é repleto de contradições e ambiguidades, encontrar “gente” no mundo significa ter contato com pessoas que assumam suas imperfeições e derrotas. Já que a vida é uma linha tortuosa de erros e acertos, devemos revelá-los. A dificuldade do eu lírico de encontrar correspondência e reconhecimento do seu mundo interior e suas atitudes na sociedade e a necessidade de ouvir uma “voz humana” que “confesse” seus desejos e comportamentos mais íntimos trazem ao poeta a angústia de se sentir só na “terra” por não ter um “outro” com quem se identifique. Os anseios de Pessoa têm correspondência com as causas que o CVV aponta como definidoras da atuação do seu programa de apoio emocional. Os vínculos entre interioridades ativados por atos de fala e escuta em arranjos laicos das práticas de confissão e de testemunho são a chave para a compreensão das moralidades implicadas nos métodos do CVV.

Esse movimento é descrito de forma recorrente pelos serviços de apoio emocional como uma forma de nos tornarmos completos e de nos afastarmos dos aspectos negativos de nossas fragilidades. É possível, assim, identificar algumas afinidades entre o discurso desses programas e a estrutura das narrativas religiosas como tentativas de preencher lacunas e fragilidades da condição humana (Taylor 2007TAYLOR, Charles. (2007), A Secular Age. Cambridge/Massachusetts/London: Harvard University Press.).

Esse tipo de dignidade humana, em primeiro lugar, que está presente na crença de que o outro deve ser ouvido incondicionalmente e que isso é uma via para o alívio das angústias e sofrimentos, tem fortes articulações com as concepções cristãs da dignidade, em seus entrelaçamentos com as práticas de confissão e testemunho. A própria genealogia, em segundo lugar, dos serviços telefônicos de ajuda que os vincula, como mostrei anteriormente, ao reverendo Chad Varah (e, no caso do CVV, também à religião espírita) mostra essas proximidades. A análise de Taylor (2007TAYLOR, Charles. (2007), A Secular Age. Cambridge/Massachusetts/London: Harvard University Press.), por fim, sobre a secularização nos ajuda a compreender essa proximidade com o discurso religioso. Taylor define o processo de secularização não como uma saída de cena da religião no mundo contemporâneo, mas como a perda de seu monopólio como fonte de significado das experiências. Se, por um lado, isso faz com que a religião deixe de ser a única narrativa que explique a experiência humana, por outro lado, a secularização tem por característica um espalhamento das narrativas religiosas pelas mais variadas esferas da vida contemporânea. Isso porque a secularização não elimina um aspecto que Taylor define como fundamental para a religião: a busca por um preenchimento de significado (fullfilment), como processo que dá sentido à vida humana. Os serviços de apoio emocional, naquilo que denominam de relação de ajuda, operam uma via para a restauração da dignidade (e, por isso, para a prevenção do suicídio) na qual ser ouvido é o elemento que possibilita o preenchimento de significado característico da experiência religiosa secular.

As narrativas morais que constituem a gestão do sofrimento nos serviços de apoio emocional não são somente aspectos de uma cosmologia que opera como uma religiosidade laica de clivagem psicologizante. Elas são também discursos civilizadores (Elias 1994ELIAS, Norbert. (1994), O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.), nos quais o controle de si opera a ampliação da dimensão subjetiva para a produção de virtudes públicas e valores sociais compartilhados. Ao determinar que o CVV é uma “escola de vida”, a metodologia prescreve que as regras de interação não devem ser seguidas somente no ambiente do atendimento, mas como tecnologias que o voluntário deve assumir como uma filosofia e proposta de vida, com o intuito tanto de modelar e controlar a si quanto de moldar e controlar a convivência humana e as relações sociais à sua volta. O CVV pretende fornecer, assim, uma entre muitas respostas ao questionamento de Pessoa no poema da epígrafe: “Onde é que há gente no mundo?”.

Referências Bibliográficas

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  • IFOTES. Disponível em: www.ifotes.org Acesso em: 14/01/2015.
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  • SAMARITANS. Disponível em: www.samaritans.org Acesso em: 14/01/2015.
    » www.samaritans.org

Documento do Centro de Valorização da Vida (CVV)

CENTRO DE VALORIZAÇÃO DA VIDA. (2012), Apostila do curso de seleção de voluntários. [S.l.]: CVV (PSV). [O material consiste num texto dividido em quatro temas principais: “O CVV” (Tema 1), “A pessoa que procura o CVV” (Tema 2), “A pessoa do voluntário” (Tema 3) e “A relação de ajuda do CVV” (Tema 4).]

Notas

  • 1
    Kleinman (2006KLEINMAN, Arthur. (2006), "Introduction". In:. ">KLEINMAN, Arthur What Really Matters: Living a moral life amidst uncertainty and danger. NY: Oxford University Press.) trata a moralidade como algo que resulta da pergunta “o que realmente importa?” e, portanto, diz respeito ao modo como os sujeitos buscam se posicionar no mundo diante de suas concepções de certo e errado. Em diálogo com esse autor, o tema da moralidade foi compreendido como o modo pelo qual se engendram posturas e narrativas, noções de certo e de errado e escalas valorativas que têm como questão de fundo dotar o mundo de significado.
  • 2
    Ao me referir ao domínio da subjetividade, tenho em vista o estabelecimento de um espaço interior denso e profundo que Taylor (2013TAYLOR, Charles. (2013), As fontes do self. São Paulo: Loyola.) define como fundamental para a construção da identidade moderna. Taylor, aliás, será um autor essencial para o debate aqui proposto.
  • 3
    Títulos de livros, bem como conceitos essenciais para este artigo (sejam eles oriundos dos discursos nativos ou de autores presentes nas referências bibliográficas), virão em itálico nas primeiras ocorrências. As aspas serão utilizadas para fazer referência aos discursos e termos nativos e, obviamente, às citações. Também serão aplicadas aspas às palavras e expressões empregadas em termos metafóricos.
  • 4
    Cf. site do CVVCENTRO DE VALORIZAÇÃO DA VIDA (CVV). Disponível em: www.cvv.org.br. Acesso em: 14/01/2015.
    www.cvv.org.br...
    : www.cvv.org.br
  • 5
    Idem.
  • 6
    Considero, ainda, importante ressaltar que este artigo não pretende problematizar a importância dos serviços de apoio emocional e prevenção do suicídio. A análise que aqui proponho não permite que eu discorra sobre a eficiência do programa – e essa também nunca foi a intenção da pesquisa. O trabalho efetuado por tais serviços exige grande entrega e dedicação; o que pude experimentar no período em que atuei como voluntária no CVV. Dedicar tempo e energia física e mental para acolher a dor do outro, com a expectativa de aliviar seu sofrimento, é a base de um trabalho operado e sustentado exclusivamente pelos voluntários desses programas.
  • 7
    Cf. site da IFOTESIFOTES. Disponível em: www.ifotes.org. Acesso em: 14/01/2015.
    www.ifotes.org...
    : www.ifotes.org.
  • 8
    Idem.
  • 9
    Cf. site da Befrienders WorldwideBEFRIENDERS WORLDWIDE. Disponível em: www.befrienders.org. Acesso em: 14/01/2015.
    www.befrienders.org...
    : www.befrienders.org.
  • 10
    A noção de relação de ajuda designa, nas descrições metodológicas do CVV, o tipo de interação que ocorre entre o usuário e o voluntário durante os atendimentos.
  • 11
    SamaritanosSAMARITANS. Disponível em: www.samaritans.org. Acesso em: 14/01/2015.
    www.samaritans.org...
    : www.samaritans.org.
  • 12
    A construção das prescrições que orientariam o voluntário na relação de atendimento foi se modificando ao longo dos mais de cinquenta anos do programa. No início do CVV, o primeiro atendimento ao usuário era classificado com a sigla “spot”, que significava “suicida em potencial”. A partir daí, preenchia-se uma ficha com todos os dados dos atendimentos, inclusive endereço, contato e as características pessoais do atendido com a finalidade de traçar um perfil psíquico e o risco de cada usuário cometer suicídio. O objetivo era vigiar e salvar vidas.
  • 13
    Ele foi um conhecido psicólogo norte-americano do século XX que, em 1945, se tornou professor da Universidade de Chicago. Em 1942 publicou Counseling and Psychotherapy [traduzido para o português como Psicoterapia e Consulta Psicológica (1973ROGERS, Carl. (1973). Psicoterapia e consulta psicológica. São Paulo: Martins Fontes.)] no qual desenvolve a percepção de uma psicoterapia da não diretividade.
  • 14
    A comunicação na relação de ajuda requer que se leve em conta elementos como o silêncio, o tom com que se fala, a altura da voz. O silêncio é visto, de modo recorrente, como a preparação para se dizer algo difícil de ser revelado e comunicado. O manual recomenda que não se interrompam os silêncios.
  • 15
    Para que não restem dúvidas, registro que o uso do termo “fontes” se remete ao sentido atribuído por Taylor na investigação sobre as fontes do self (2013TAYLOR, Charles. (2013), As fontes do self. São Paulo: Loyola.).
  • 16
    É importante notar que não faz sentido para a abordagem de Agostinho situar a confissão como um ato privado e o testemunho como algo público, como mais tarde ocorrerá nas mais variadas configurações do Ocidente acerca desses dois atos de fala sobre si.
  • 17
    A relação de ajuda promove uma situação na qual os papéis do voluntário e do usuário se projetam mutuamente como num jogo de espelhos. Trata-se, portanto, de uma forma de interação que possui um caráter reflexivo. Tanto o usuário se revela ao falar com o voluntário quanto este, ao escutar, revela para si elementos da sua própria pessoa. Por esse tipo de interação implicada na relação de ajuda identifico que os serviços de apoio emocional trabalham com uma noção essencialmente relacional de indivíduo. O ato de fala, nesse contexto, é um ato de construção ativa do sujeito, mas a ação de falar só tem seu sentido completado com a presença do outro que ouve.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    Abr 2016
  • Aceito
    Maio 2016
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