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Modalidade de diálise e qualidade de vida

Qualidade de vida (QV) pode ser definida não por um estado de ausência de doença ou qualquer outra enfermidade, mas por uma sensação de bem-estar físico, mental e social. Ela se encontra consideravelmente alterada nos pacientes com doença renal crônica em diálise (DRC-5d) e os motivos desse comprometimento são os mais diversos, incluindo, mas não se restringindo, à presença de sintomas urêmicos como náuseas e vômitos, desnutrição, cansaço, imposição de severas restrições dietéticas e a presença de outras importantes comorbidades como hipertensão arterial e diabetes.

O aumento na prevalência de pacientes em diálise, aliado à preocupação em oferecer o melhor tratamento possível, torna os estudos comparando as modalidades de terapia renal substitutiva imprescindíveis. Há mais de 20 anos existem relatos comparando hemodiálise intermitente (HD) e diálise peritoneal (DP). Essas comparações tomaram particular importância quando diferentes estudos reportaram que não existe diferença nas taxas de mortalidade entre as modalidades, fazendo com que um potencial benefício na qualidade de vida pudesse direcionar a escolha da modalidade de diálise inicial.1Mehrotra R, Chiu YW, Kalantar-Zadeh K, Bargman J, Vonesh E. Similar outcomes with hemodialysis and peritoneal dialysis in patients with end-stage renal disease. Arch Intern Med 2011;171:110-8. PMID: 20876398,2Lukowsky LR, Mehrotra R, Kheifets L, Arah OA, Nissenson AR, Kalantar-Zadeh K. Comparing mortality of peritoneal and hemodialysis patients in the first 2 years of dialysis therapy: a marginal structural model analysis. Clin J Am Soc Nephrol 2013;8:619-28. DOI: http://dx.doi.org/10.2215/CJN.04810512
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A Tabela 1 resume estudos dos últimos cinco anos que compararam de alguma maneira a QV entre as modalidades.

Tabela 1
Estudos da última década comparando qualidade de vida entre as modalidades de diálise

Nesta edição do JBN, dois estudos abordaram aspectos da QV entre as modalidades de diálise.3Barata NERRC. Dyadic relationship and quality of life patients with chronic kidney disease. J Bras Nefrol 2015;37:315-22.,4Ramos ECC, Santos IS, Zanini RV, Ramos JMG. Quality of life of chronic renal patients in peritoneal dialysis and hemodialysis. J Bras Nefrol 2015;37:297-305. O primeiro estudo utilizou um desenho transversal para avaliar a QV por meio do SF-36 em 317 pacientes da região sul do Brasil, dos quais 60 em DP e 257 em HD. Ramos et al.4Ramos ECC, Santos IS, Zanini RV, Ramos JMG. Quality of life of chronic renal patients in peritoneal dialysis and hemodialysis. J Bras Nefrol 2015;37:297-305. não encontraram diferenças na QV entre as modalidades. Entretanto, embora tenham encontrado resultados semelhantes a alguns estudos anteriores, os resultados devem ser interpretados com certa cautela pelo desenho do estudo ser transversal e incluir pacientes prevalentes. Tais limitações podem esconder um viés de seleção, principalmente porque algumas características clínicas que fariam com que o paciente fosse mais comumente encaminhado para a DP também se associam com alterações da QV. Pelo mesmo motivo, os grupos podem eventualmente ser de difícil comparação, tanto por diferenças medidas quanto não medidas pelo estudo; por exemplo, sabemos que a sobrevida da técnica de um paciente em HD é maior que a de um paciente em DP, assim pacientes prevalentes em HD habitualmente possuem um maior tempo em diálise, uma condição que sabidamente interfere na qualidade de vida.

O segundo estudo é um estudo português com 125 pacientes, dos quais 31 em DP e 94 em HD.3Barata NERRC. Dyadic relationship and quality of life patients with chronic kidney disease. J Bras Nefrol 2015;37:315-22. Embora esse estudo também apresente limitações semelhantes ao trabalho anterior como o caráter transversal e com pacientes prevalentes, aborda um tema específico que tem sido pouco explorado na literatura da Nefrologia, que é a associação entre relacionamento conjugal e QV. Para isso, o autor utilizou a escala de ajustamento diádico e para QV a WhoQOL-Bref. A escala de ajustamento diádico é uma ferramenta amplamente utilizada para avaliar a qualidade do casamento ou relações conjugais e inclui subescalas de satisfação conjugal, consenso, coesão e expressão afetiva.5Spanier GB. Measuring dyadic adjustment: New scales for assessing the quality of marriage and similar dyads. J Marriage Fam 1976;38:15-28. DOI: http://dx.doi.org/10.2307/350547
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Seus resultados mostraram que pacientes em DP obtiveram maior pontuação na escala de ajustamento diádico, porém, o achado não é totalmente inesperado (novamente pelo potencial viés de seleção), já que na DP habitualmente são selecionadas famílias que possuem um comportamento mais ativo para com o tratamento do doente.

Em resumo, os temas dos dois trabalhos são interessantes e continuarão a ser estudados por anos, pois além de não existir consenso na literatura atual sobre qual modalidade oferece a melhor qualidade de vida, as terapias renais substitutivas são dinâmicas e mudam ao longo do tempo. Novos trabalhos se farão sempre necessários, e estudos longitudinais e com pacientes incidentes são bem-vindos. Ainda assim, acreditamos que nunca chegaremos a um consenso, pois os pacientes não são todos iguais, ainda que dividam várias características clínicas. Portanto, as vantagens que uma modalidade pode oferecer sobre a outra podem ser mais ou menos importantes de acordo com as prioridades de cada paciente.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2015
  • Aceito
    27 Jul 2015
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