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Mercado de Capitais e Crescimento Econômico-lições internacionais, desafios brasileiros

RESENHA

Mercado de Capitais e Crescimento Econômico-lições internacionais, desafios brasileiros

Edmar Bacha e Luiz Chrysostomo de Oliveira (orgs.)

Rio de Janeiro: Contra Capa, 2005.

Quando se examina a história recente, parece claro que o desafio maior da economia brasileira é a retomada do crescimento econômico. Até 1994, a agenda econômica era amplamente ocupada pelo combate à inflação. Posteriormente, os sucessivos episódios de crises financeiras e a condução da política macroeconômica brasileira fizeram prevalecer a idéia de uma segunda "década perdida" em termos de desempenho econômico. Hoje, a despeito da bonança vivida nos mercados internacionais nos últimos anos, as taxas históricas de crescimento do país não foram resgatadas. De fato, um estudo do banco mundial, mencionado no Jornal Valor Econômico em 23/09/05, acaba de prever para 2006 um crescimento para economia brasileira abaixo da média mundial.

Neste contexto, o livro Mercado de Capitais e Crescimento Econômico: lições internacionais, desafios brasileiros, organizado por Edmar Bacha e Luiz Chrysostomo de Oliveira, não poderia chegar em momento mais propício. Trata-se de um trabalho que equilibra notavelmente a contribuição de teóricos e praticantes de mercado, tornando mais fácil a vida do leitor ao navegar em um tema duplamente complexo. De um lado, tanto postulações teóricas como comprovações empíricas não permitem conclusões inequívocas, de outro, a prática de mercado envolve um grau de detalhamento e uma terminologia pouco acessível àqueles leitores não-praticantes, mesmo economistas não ligados ao cotidiano do mercado.

A espinha dorsal do livro são os textos de Ana Novaes e Nilson Teixeira. Novaes busca extrair lições dos aspectos institucionais de cinco países emergentes, África do Sul, Chile, México, Polônia e Tailândia, lições que permitam alavancar o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil. Teixeira, por sua vez, opõe a sofisticação da estrutura operacional e da capacidade de movimentação de recursos do mercado brasileiro à limitação e atrofia do mercado privado de financiamento de longo prazo, buscando diagnosticar esse problema e listar avanços e desafios. Na seqüência, o livro apresenta diversos comentários aos dois textos principais, organizados didaticamente em duas seções: i) perspectivas macroeconômicas e ii) perspectivas microeconômicas. Esta última seção reúne as principais contribuições dos praticantes de mercado.

Tanto Novaes quanto Teixeira ressaltam que a literatura acadêmica atual não permite conclusões definitivas acerca das relações de causalidade entre desenvolvimento econômico e mercado de capitais. Teixeira coloca isto de forma mais explícita ao afirmar que o mercado de capitais parece propiciar o desenvolvimento econômico em ambientes de risco controlado. Isso posto, as recomendações dos dois autores para o mercado brasileiro são bastante semelhantes. Notadamente, aquelas relacionadas ao aperfeiçoamento microeconômico do mercado. Mais do que isso, estas recomendações são fortemente corroboradas pelos comentários dos demais autores, inclusive os practitioners.

Obviamente, em uma sociedade democrática, o elevado grau de concordância sobre determinado assunto parece ser condição necessária para promoção de mudanças. Daí preponderar um certo otimismo entre os vários autores do livro, com a notável exceção de Dionísio Dias Carneiro. Teixeira, por exemplo, elenca os avanços recentes ocorridos no Brasil e ressalta as mudanças na Lei das Sociedades Anônimas e o estabelecimento de regras mais eficientes de governança corporativa. Menciona ainda o aprimoramento do sistema de informações de crédito, com a criação da Central de Risco do Banco Central, e a criação do novo sistema de pagamentos brasileiro (SPB). Olhando também para o desempenho recente do mercado, Bruno Rocha e José Olympio Pereira ressaltam que o ano de 2004 foi excelente sob vários aspectos, tais como expressivo volume de oferta pública de ações e efetiva abertura de capital e elevado valor agregado das operações de oferta de ações.

A meu ver, um dos pontos mais interessantes do livro envolve a afirmação de Teixeira de que um mercado de capitais de longo prazo não sobrevive em um ambiente de baixo desenvolvimento econômico. Portanto, para além de avanços microeconômicos, tais quais os ressaltados anteriormente, parece haver certo consenso de que o impulso fundamental ao mercado de capitais brasileiro só virá quando o país resgatar a capacidade de crescer. Os agentes econômicos precisam vislumbrar um processo sustentável de crescimento. Isto significa, conforme ressaltado por Teixeira, a perspectiva de uma estabilidade econômica duradoura, na medida em que a definição de estabilidade envolve i) controle inflacionário; ii) controle das contas públicas; iii) equilíbrio no setor externo da economia e iv) taxas razoáveis de crescimento. Sendo assim, é necessário sepultar definitivamente a visão estreita que traduz estabilidade econômica unicamente como controle do nível de preços. Isso porque a visão diametralmente oposta, ligada, sobretudo a certo populismo fiscal, se encontra completamente ultrapassada. Se queremos promover o círculo virtuoso do crescimento fortalecendo o mercado de capitais, devemos trabalhar com a verdadeira visão de estabilidade.

Quando examinados os avanços obtidos por outros países emergentes vis-à-vis o Brasil, fica claro que, para os primeiros, não pairam dúvidas sobre a verdadeira definição de estabilidade econômica. Tanto é verdade que a primeira recomendação que Novaes faz ao Brasil é a manutenção de uma política macroeconômica que reduza a dívida pública e as taxas de juros, abrindo espaço para captações privadas. Quando pensamos no atual caso brasileiro, o mínimo razoável parece uma melhor apreciação dos trade-offs envolvidos na fixação das taxas de juros, notadamente em um regime de metas inflacionárias. Novamente, isso remete à clareza sobre o que é estabilidade econômica duradoura, tal qual acima definida.

Por exemplo, a severidade do impacto fiscal dos juros pode anular importantes esforços de obtenção de superávits primários. Estes, diante de novas elevações nas taxas reais de juros, devem aumentar como forma de garantir a estabilidade. Como isso se compatibiliza com os comentários de Alkimar Moura sobre a excessiva carga tributária sobre as operações financeiras no Brasil, inviabilizando o financial deepening? Ou seja, como discutir excessiva carga tributária diante da necessidade de aumento do superávit primário? Talvez parte da resposta passe pelos comentários de Daniel Gleiser, que reconhece na má qualidade do fluxo de receitas e despesas públicas um dos fatores nocivos ao arranque do mercado de capitais.

Ainda relacionado à dívida pública um dos grandes problemas do Brasil, além do elevado endividamento inicial, é a preponderância de indexação à taxa de juros de curto prazo. Isso acaba por não sinalizar para os agentes econômicos os custos de oportunidade de longo prazo, refletidos em uma curva a termo de taxas de juros. Daí a preferência visível por instrumentos de curto prazo. Os impactos sobre os diferentes instrumentos de captação de recursos são evidentes. Para o mercado de renda fixa, não há liquidez para títulos públicos não indexados à taxa de juros de curto prazo. O mesmo é válido para o mercado de títulos privados, que sofrem, sobretudo, um efeito de crowding-out. No caso de mercado de renda variável, Bruno Rocha ressalta que não há incentivo para os gestores dos fundos de investimento, notadamente os fundos de pensão, alocarem volumes significativos de recursos no mercado de renda variável por uma simples relação de risco-retorno. Ou seja, o retorno ajustado pelo risco de títulos públicos de curto prazo é altamente favorável, principalmente por não haver penalidade alguma para a opção de investir em papéis mais líquidos.

É interessante notar que em relação à necessidade de atuar sobre indexação de curto prazo da dívida interna e criar uma estrutura a termo de fato para as taxas de juros, além de haver notório consenso entre os autores do livro, inúmeros economistas, inclusive desenvolvimentistas e não-adeptos do chamado maintream, também têm manifestado grande preocupação. Embora esta preocupação surja preponderantemente no bojo de críticas a uma política excessivamente conservadora de fixação de juros, um grau de concordância tão amplo é um alento para mudanças.

Finalmente, há uma controvérsia amplamente presente na literatura e que, no entanto, é apresentada de maneira praticamente consensual por todos os autores do livro. Trata-se do processo de abertura da conta capital e seu impacto para o mercado de capitais. Partindo da definição de estabilidade econômica, mencionada anteriormente, a integração financeira é vista com ressalvas por inúmeros autores, dentre outras razões pelas falhas informacionais intrínsecas ao funcionamento do mercado de capitais. Uma síntese desta literatura pode ser encontrada em Eichengeen, Hausmann e Panizza (2003)1 1 Eichengreen, B., Hausmann, R. and Panizza, U. (2003b). Currency mismatches, debt intolerance and original sin: why they are not the same and why it matters. University of California, Berkeley. October 2003 (unpublished manuscript). , onde se discute os conceitos de pecado original, intolerância à dívida e descasamento de moeda. Talvez, a polêmica em torno deste assunto merecesse uma análise mais elaborada; considerar como líquidos e certos os benefícios da abertura financeira pode interditar um debate salutar.

Lauro Gonzalez

Professor do Departamento

de Contabilidade, Finanças

e Controle da EAESP-FGV

  • 1
    Eichengreen, B., Hausmann, R. and Panizza, U. (2003b).
    Currency mismatches, debt intolerance and original sin: why they are not the same and why it matters. University of California, Berkeley. October 2003 (unpublished manuscript).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006
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