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O uso de sondagens dipolo-dipolo em estudos hidrogeológicos e de depósitos de resíduos

Resumos

Ensaios de sondagem e caminhamento elétrico têm sido realizados globalmente na avaliação de uma grande variedade de problemas em exploração mineral e hidrogeologia, bem como na caracterização de locais com risco de contaminação. A despeito da utilidade de ensaios geoelétricos em estudos hidrogeológicos e na caracterização de depósitos de resíduos desativados, um problema na utilização de sondagens elétricas ocorre em conseqüência da falta de espaço para aquisição de dados nessas áreas. Em áreas urbanas, isto constitui uma limitação importante devido à existência de construções, o que muitas vezes interrompe o desenvolvimento de ensaios de campo com arranjos de comprimentos adequados. Embora investigações rasas tendam a ser eficazes em caracterização geoambiental, a estimativa de parâmetros-chave pode depender da investigação de porções mais profundas. Entretanto, uma profundidade de investigação ligeiramente maior é obtida pelo arranjo dipolo-dipolo em comparação aos arranjos Schlumberger e Wenner de mesmo comprimento. Essa característica do arranjo dipolo-dipolo pode ser observada em vários estudos, mas provavelmente devido à tradição e à relação sinal-ruído, a grande maioria das sondagens elétricas é feita com os arranjos Schlumberger e Wenner.O arranjo dipolo-dipolo é mais utilizado em ensaios 2D. Até onde se sabe, essa maior capacidade de investigação em profundidade do arranjo dipolo-dipolo 1D não foi explorada em estudos geoambientais e nem em estudos hidrogeológicos em áreas urbanas. Este trabalho apresenta resultados de ensaios de campo que ressaltam a utilidade de sondagens dipolo-dipolo na investigação de tais áreas.

sondagens dipolo-dipolo; profundidade de investigação; estudos hidrogeológicos e ambientais


Sounding and profiling resistivity measurements have been taken worldwide in assisting the investigation of a variety of problems in mineral and groundwater exploration, as well have been extended to the characterization of hazardous waste sites. Despite the utility of geoelectric data in hydrogeologic studies and characterizing abandoned landfills, a major problem in resistivity soundings arises in consequence of the absence of enough open space for data acquisition in such sites. In urban areas, it constitutes a major limitation because a variety of constructions preclude the deployment of arrays with suitable length. Although shallow investigations tend to be successful, the estimation of key parameters describing deeper portions potentially may fail. However, a slightly greater depth of investigation is provided by the dipole-dipole array, in comparison to Schlumberger and Wenner arrays of same size. This dipole-dipole property can be inferred from many studies but probably due to tradition and signal to noise ratio, most soundings are done with Schlumberger or Wenner arrays. In fact, dipole-dipole array is more used as a profiling tool. As far we known, the deeper investigation capacity of 1D dipole-dipole array was neither explored in landfill studies or in site investigation in urban areas. Our study presents field results that highlight the utility of DD soundings in the investigation of such sites.

dipole-dipole soundings; depth of investigation; hydrogeological and environmental studies


O uso de sondagens dipolo-dipolo em estudos hidrogeológicos e de depósitos de resíduos

Vagner Roberto ElisI; Carlos Alberto MendonçaII; Jorge Luís PorsaniIII; Elisabeth de Fátima StrobinoIV

IInstituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP), Rua do Matão, 1.226, Cidade Universitária, 05508-090 São Paulo, SP, Brasil. Tel.: +55 (11) 3091-4749E-mail: vagnelis@iag.usp.br

IIInstituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP), Rua do Matão, 1.226, Cidade Universitária, 05508-090 São Paulo, SP, Brasil. Tel.: +55 (11) 3091-4749 E-mail: mendonca@iag.usp.br

IIIInstituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP), Rua do Matão, 1.226, Cidade Universitária, 05508-090 São Paulo, SP, Brasil. Tel.: +55 (11) 3091-4749 E-mail: porsani@usp.br

IVInstituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP), Rua do Matão, 1.226, Cidade Universitária, 05508-090 São Paulo, SP, Brasil. Tel.: +55 (11) 3091-4749 E-mail: elisabeth.strobino@cggveritas.com

RESUMO

Ensaios de sondagem e caminhamento elétrico têm sido realizados globalmente na avaliação de uma grande variedade de problemas em exploração mineral e hidrogeologia, bem como na caracterização de locais com risco de contaminação. A despeito da utilidade de ensaios geoelétricos em estudos hidrogeológicos e na caracterização de depósitos de resíduos desativados, um problema na utilização de sondagens elétricas ocorre em conseqüência da falta de espaço para aquisição de dados nessas áreas. Em áreas urbanas, isto constitui uma limitação importante devido à existência de construções, o que muitas vezes interrompe o desenvolvimento de ensaios de campo com arranjos de comprimentos adequados. Embora investigações rasas tendam a ser eficazes em caracterização geoambiental, a estimativa de parâmetros-chave pode depender da investigação de porções mais profundas. Entretanto, uma profundidade de investigação ligeiramente maior é obtida pelo arranjo dipolo-dipolo em comparação aos arranjos Schlumberger e Wenner de mesmo comprimento. Essa característica do arranjo dipolo-dipolo pode ser observada em vários estudos, mas provavelmente devido à tradição e à relação sinal-ruído, a grande maioria das sondagens elétricas é feita com os arranjos Schlumberger e Wenner.O arranjo dipolo-dipolo é mais utilizado em ensaios 2D. Até onde se sabe, essa maior capacidade de investigação em profundidade do arranjo dipolo-dipolo 1D não foi explorada em estudos geoambientais e nem em estudos hidrogeológicos em áreas urbanas. Este trabalho apresenta resultados de ensaios de campo que ressaltam a utilidade de sondagens dipolo-dipolo na investigação de tais áreas.

Palavras-chave: sondagens dipolo-dipolo, profundidade de investigação, estudos hidrogeológicos e ambientais.

ABSTRACT

Sounding and profiling resistivity measurements have been taken worldwide in assisting the investigation of a variety of problems in mineral and groundwater exploration, as well have been extended to the characterization of hazardous waste sites. Despite the utility of geoelectric data in hydrogeologic studies and characterizing abandoned landfills, a major problem in resistivity soundings arises in consequence of the absence of enough open space for data acquisition in such sites. In urban areas, it constitutes a major limitation because a variety of constructions preclude the deployment of arrays with suitable length. Although shallow investigations tend to be successful, the estimation of key parameters describing deeper portions potentially may fail. However, a slightly greater depth of investigation is provided by the dipole-dipole array, in comparison to Schlumberger and Wenner arrays of same size. This dipole-dipole property can be inferred from many studies but probably due to tradition and signal to noise ratio, most soundings are done with Schlumberger or Wenner arrays. In fact, dipole-dipole array is more used as a profiling tool. As far we known, the deeper investigation capacity of 1D dipole-dipole array was neither explored in landfill studies or in site investigation in urban areas. Our study presents field results that highlight the utility of DD soundings in the investigation of such sites.

Keywords: dipole-dipole soundings, depth of investigation, hydrogeological and environmental studies.

INTRODUÇÃO

Ensaios de sondagem e caminhamento elétrico têm sido utilizados há décadas para auxiliar na investigação de uma ampla variedade de problemas em exploração mineral e de águas subterrâneas. Com o aumento da preocupação com os problemas ambientais, estudos de resistividade foram estendidos à caracterização de sítios com resíduos perigosos, a maioria destes situados nas vizinhanças de áreas habitadas. Para investigação de aterros de resíduos urbanos, ensaios de resistividade têm produzido resultados valiosos, como conseqüência dos grandes contrastes de resistividade que tais depósitos de resíduos causam. Em adição, os fluídos gerados e liberados pelos resíduos usualmente são muito condutores, o que permite o mapeamento elétrico e o monitoramento das plumas de contaminação associadas. Devido ao risco ambiental representado pelos resíduos e os líquidos contaminantes, a avaliação de áreas com resíduos tem motivado investigações extensivas devido ao fato de poucos aterros terem sido construídos com sistemas eficientes de contenção dos contaminantes (Meju, 2000). Outro aspecto importante é a carência de registros e informações técnicas sobre a estrutura dos depósitos mais antigos, a maioria atualmente já desativados mas com um passivo ambiental instalado.

Embora considere-se que atualmente a utilização de ensaios 2D forneça os melhores resultados na investigação de tais áreas, devido à grande variação espacial das propriedades físicas causadas pelos materiais dispostos, em muitos casos tem-se notado uma limitação desse tipo de ensaio na resolução de feições horizontais. Uma dessas feições, de primeira importância em caracterização geoambiental, é a profundidade da zona saturada, que em situações onde ocorre logo abaixo da camada de resíduos pode não ser identificada com clareza em seções 2D. Isso pode ocorrer em razão de contrastes de resistividade menos acentuados entre os resíduos e a zona saturada (especialmente quando esta já sofre influência da contaminação) e também quando a espessura da camada não saturada entre a base do aterro e o nível d'água é pequena para a resolução do ensaio. Nesses casos, o ensaio de sondagem elétrica, adequado para observar variação vertical de resistividade, apresenta-se como uma alternativa interessante para resolver o problema.

Por outro lado, embora a utilidade de sondagens elétricas na caracterização de aterros desativados seja empregada há vários anos (Carpenter et al., 1990; Buselli et al., 1992), uma limitação aparece quando da sua utilização em locais com falta de espaço físico para abertura suficiente de eletrodos, para uma investigação adequada do local. Como é bem conhecido (Ward, 1990), quanto menor a abertura dos eletrodos, mais rasa é a profundidade investigada pela sondagem. Em áreas urbanas isto representa uma grande limitação porque uma variedade de obstáculos (prédios, muros, pavimentos, entre outros) pode impedir o desenvolvimento do ensaio com um comprimento adequado, necessário para atingir a camada de interesse. Como uma grande parte dos aterros desativados estão situados dentro (ou muito próximos) de áreas urbanas, um obstáculo real pode existir na tentativa de aplicação de sondagens elétricas para a identificação de camadas mais profundas. Como agravante, a alta condutividade dos resíduos tende a diminuir a profundidade de investigação, o que força a adoção de arranjos mais longos para avaliar as feições abaixo da base do aterro. Dessa forma, embora de uma maneira geral investigações rasas tragam informações importantes, podem ser ineficientes para a obtenção de informações relevantes a maiores profundidades.

Situação semelhante pode ocorrer em estudos para caracterização hidrogeológica de aqüíferos em bacias sedimentares de áreas altamente urbanizadas. O estudo da geometria do aqüífero, de camadas mais profundas e do topo do embasamento pode ser comprometido pela falta de espaço físico adequado dentro do perímetro urbano.

Entretanto, maiores profundidades de investigação podem ser alcançadas pelo arranjo dipolo-dipolo, em comparação aos arranjos Schlumberger e Wenner de mesmo comprimento. Esta característica do arranjo dipolo-dipolo foi verificada em vários estudos (Roy & Apparao, 1971; Edwards, 1977; Barker, 1989), mas a maioria dos ensaios de sondagem são conduzidos com os arranjos Schlumberger e Wenner. A utilização desses dois arranjos para execução de sondagens elétricas é recomendada devido a sua grande potencialidade na resolução de camadas horizontais, apresentando boa resolução vertical. De fato, o arranjo dipolo-dipolo é mais utilizado em ensaios 2D (Aristodemou & Thomas-Betts, 2000; Dahlin & Zhou, 2002), sendo que algumas poucas aplicações em sondagens são relatadas (Zohdy, 1969; Nyman & Landisman, 1977). Até onde é sabido, a capacidade de investigação mais profunda do arranjo dipolo-dipolo, com a técnica de sondagem, não foi explorada em estudos de aterros de resíduos ou em investigações hidrogeológicas em áreas urbanas. Este estudo apresenta resultados de campo que destacam a utilidade de sondagens dipolares na investigação de tais sítios.

MÉTODOS

A técnica de sondagem elétrica vertical caracteriza-se por uma série de determinações de resistividade aparente, efetuadas com o mesmo tipo de dispositivo eletródico e separação crescente entre os eletrodos de emissão e recepção. Esse procedimento permite a observação dos valores de resistividade aparente em um ponto fixo, a profundidades cada vez maiores.

Os valores de resistividade aparente obtidos nas SEVs são representados, em relação às distâncias entre os eletrodos decorrente, utilizando-se de uma curva construída sobre uma base bilogarítmica. Esse gráfico é normalmente denominado de curva de sondagem elétrica vertical ou curva de resistividade aparente e é o que se toma como base para interpretação quantitativa do ensaio. A interpretação de uma SEV objetiva determinar a distribuição espacial dos estratos com diferentes resistividades no subsolo, partindo dos dados de resistividade aparente medidos na superfície. A seguir é feita a correlação dos estratos geoelétricos com a geologia local.

O arranjo de campo Schlumberger é o mais utilizado em SEVs, devido à boa resolução vertical (fornecendo, em geral curvas de campo de boa qualidade), facilidade e rapidez na execução do ensaio e menor susceptibilidade as variações laterais de resistividade e ruídos, como correntes naturais no subsolo.

O arranjo compreende a configuração de quatro eletrodos, sendo 2 para injetar a corrente (A e B) e 2 para a leitura de diferença de potencial (M e N), todos dispostos de forma alinhada no terreno. A principal característica desse arranjo é que a distância MN deve ser bastante pequena em relação a AB, procurando sempre satisfazer a relação MN < AB/5 (Fig. 1). A resistividade aparente pode ser calculada pela equação (1):


Sendo K o fator geométrico que depende das posições dos eletrodos, expresso pela fórmula geral:

No arranjo dipolo-dipolo, uma série de determinações de resistividade aparente do subsolo é realizada com um dispositivo composto por um dipolo AB de emissão de corrente e um dipolo MN de potencial, sendo a distância AB normalmente igual a distância MN, que é denominada de a, com separação crescente entre os centros dos dipolos (Fig. 1), dada por n multiplicada por a.

As sondagens com arranjo dipolo-dipolo surgiram devido a dificuldades para realização de SEVs profundas, por causa das grandes distâncias necessárias entre os eletrodos de corrente (Orellana, 1972). As sondagens dipolares permitem a investigação de profundidades maiores com um arranjo de campo mais curto. Entretanto, as grandes desvantagens são a maior dificuldade no trabalho de campo (se optar pelo deslocamento mútuo dos dois dipolos) e a necessidade de altas correntes no circuito de emissão, necessárias para compensar as baixas leituras de potencial quando a separação dos pares de eletrodos for grande.

Este tipo de sondagem permite muitas variações em função das direções dos dipolos no terreno e recebem denominações próprias (axial, equatorial, azimutal). Nesse trabalho foi utilizada a sondagem axial, com os eletrodos dispostos ao longo de uma linha reta no terreno. Para este tipo de sondagem, a resistividade é dada pela mesma equação (1), e o fator K pode ser calculado pela fórmula geral apresentada na equação (2).

Os resultados de uma sondagem dipolo-dipolo se expressam por uma curva de resistividade aparente em função do espaçamento geométrico do dispositivo. O parâmetro que melhor caracteriza tal espaçamento é a distância entre os eletrodos B e M, ou seja, na. O ponto de atribuição do ensaio, no caso do deslocamento simultâneo dos dois dipolos, é o centro geométrico do arranjo.

Profundidade de investigação

A profundidade de investigação pode ser definida como a profundidade máxima na qual um alvo pode ser detectado por um determinado arranjo.

A profundidade de investigação em ensaios de resistividade depende de uma série de fatores, como a distribuição das resistividades em subsuperfície, razão sinal-ruído, efeito de coberturas, sensibilidade à heterogeneidades superficiais, topo rochoso, efeitos laterais, topografia, entre outros. Dessa forma, a profundidade de investigação não é de fácil determinação e embora vários autores tenham realizado estudos teóricos e empíricos a respeito (Roy & Apparao, 1971; Edwards, 1977; Barker, 1989) os valores encontrados ainda são objeto de discussão. Por outro lado, é consenso entre todos os autores que as profundidades alcançadas por dispositivos dipolo-dipolo são sempre maiores que as alcançadas pelos dispositivos Schlumberger e Wenner.

A profundidade teórica de investigação em qualquer método de determinação de resistividade aparente é definida por Evjen (1938) como aquela profundidade na qual uma fina camada horizontal do terreno tem uma contribuição máxima ao sinal medido na superfície.

Utilizando as equações para cálculo de resistividade aparente em um sistema de quatro eletrodos, Roy & Apparao (1971) introduziram o conceito de Profundidade de Investigação Característica (Depth Investigation Characteristic - DIC). Como para um ensaio de sondagem elétrica a subsuperfície é assumida como camadas estratificadas horizontalmente, os limites x e y de uma camada são +∞ e -∞. Ou seja, o meio é estratificado em camadas plano-paralelas de extensões laterais infinitas. Nesse caso, estudando a variação de potencial em um meio homogêneo da profundidade zero até o infinito, pode-se definir a profundidade onde ocorre a contribuição máxima ao sinal medidona superfície. Considerando um sistema de eletrodos AMNB utilizado para ensaios elétricos, os autores relacionam as posições dos eletrodos à profundidade de investigação z e a Profundidade de Investigação Característica pode ser calculada de acordo com a equação:

Atualmente a Profundidade de Investigação Característica é também denominada de Função Sensibilidade e tem sido utilizada para arranjos 2D e 3D (Loke, 2002).

Para estudar a profundidade de investigação para os diferentes arranjos, Roy & Apparao (1971) usaram um fator de normalização relacionado à geometria de cada arranjo e calcularam curvas de Profundidade de Investigação Característica Normalizada ( Normalized Depth of Investigation Characteristic - NDIC) em função da profundidade z/L (sendo L a distância entre os eletrodos mais externos do dispositivo). O ponto onde a curva atinge um máximo define a profundidade de investigação do arranjo.

No entanto, Edwards (1977) e Barker (1989) mostram que uma estimativa mais adequada é a profundidade de investigação mediana. Esta é a profundidade acima da qual a área sob a curva é igual à metade da área total sob a curva. Assim, o máximo na curva indicaria a maior sensibilidade, mas a profundidade de investigação mediana é que define a profundidade de investigação do arranjo. Edwards (1977) afirma que dessa forma é representada a profundidade de investigação efetiva para cada arranjo, e demonstra sua validade para vários casos reais de campo com os resultados geofísicos de ensaios 2D corroborados por informações de furos de sondagem.

Na Figura 2 são apresentadas as curvas NDIC obtidas para os arranjos Schlumberger e dipolo-dipolo axial, o que permite observar que para os dois parâmetros o arranjo dipolo-dipolo apresenta maior profundidade de investigação.


De fato, constata-se que o problema não é de natureza simples e embora vários autores o tenham estudado não se chegou a um consenso. Embora Edwards (1977) tenha demonstrado a validade da profundidade de investigação efetiva, Barker (1989) cita que vários autores preferem utilizar a definição de Roy & Apparao (1971). Ward (1990) argumenta que o problema ainda não foi estudado para um número suficiente de modelos e situações, e prefere não quantificar profundidades de investigação para os dispositivos eletródicos. Convém salientar, porém, que todos os autores que estudaram o problema obtiveram valores de profundidade de investigação maiores para os arranjos dipolares. Neste trabalho, experimentos práticos com dados adquiridos em duas áreas com características geológicas distintas corroboram as afirmações desses autores.

TESTES DE CAMPO - RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para efeito de comparação, sondagens elétricas com arranjos Schlumberger (SCH) e dipolo-dipolo axial (DD) foram executadas nos mesmos pontos em dois campos de testes: o Campo de Testes do IAG na Universidade de São Paulo e um depósito de resíduos urbanos em Ribeirão Preto. Sondagens elétricas foram executadas com o equipamento Syscal R2 de 250W de potência. Para minimizar o ruído ambiental, os dados foram coletados com eletrodos não polarizáveis (Pb-PbSO4) e as leituras foram realizadas com empilhamento de 20 vezes. A precisão dos valores computados de resistividade aparente para a maior abertura entre os eletrodos (300 m) foi inferior a 5 ohm.m (DD) e 0,1 ohm.m (SCH). Os dados de ambos arranjos foram processados por meio do programa RESIX-IP (Interpex, 1993). Para manter as relações com as formulações de Roy & Apparao (1971), os valores de resistividades aparentes nas curvas obtidas são plotados em relação de L, e não nos formatos convencionais (resistividade x AB/2 para o arranjo Schlumberger e resistividade x na para o arranjodipolo-dipolo).

Campo de Testes nº 1: Borda da Bacia de São Paulo

As sondagens no Campo de Testes do IAG/USP tiveram como objetivo a determinação do embasamento da Bacia Cenozóica de São Paulo. Esta bacia pertence ao sistema rift situado ao longo da costa sudoeste brasileira (Melo et al., 1989), que foi originado pelo tectonismo tardio relacionado à abertura do Oceano Atlântico. Falhas tectônicas e processos erosivos produziram uma cobertura sedimentar muito variável de até 300 m de espessura. Na área de estudo (Fig. 3), lentes de arenitos e argilitos de origem fluvial compõem essa cobertura, assentados sobre granitos e ganisses do embasamento.


Testemunhos de sondagens no Campo de Testes do IAG/USP (Fig. 4) revelam um arenito argiloso com lentes de arenito grosseiro. O embasamento gnáissico está posicionado a 52 metros de profundidade e sua parte superior encontra-se parcialmente alterada.


A Figura 5 mostra as curvas de resistividade aparente obtidas com os dois arranjos. Em ambas, um espaçamento máximo de 400 metros era disponível. A curva de resistividade aparente para o arranjo Schlumberger não mostra uma inflexão ascendente no final da curva, característico da detecção do embasamento resistivo. Esse ramo ascendente aparece somente na curva do arranjo dipolo-dipolo. Portanto, é notável que a sondagem SCH investiga apenas a cobertura sedimentar, não alcançando o embasamento. Os modelos geoelétricos das duas curvas fornecem uma seqüência similar para as camadas mais rasas. Porém no modelo da sondagem DD uma camada resistiva profunda precisa ser adicionada para o ajuste do ramo ascendente. Um bom ajuste foi obtido para essa camada na profundidade determinada para o embasamento no poço vizinho (52 metros), sugerindo que esse ramo ascendente é de fato associado com a detecção do embasamento. Na comparação dos arranjos, o DD foi capaz de detectar o embasamento da bacia e o SCH não. Utilizando as relações descritas anteriormente para estimativa da profundidade de investigação, os resultados mostram uma concordância com a definição de Roy & Apparao (1971).


Campo de Testes nº 2: Depósito de resíduos em Ribeirão Preto

Para comparar a eficiência na caracterização de depósitos de resíduos, são apresentadas sondagens realizadas em um área situada em Ribeirão Preto, município com mais de meio milhão de habitantes do Estado de São Paulo. Essa área é um antigo depósito de resíduos que foi instalado sem nenhum critério técnico, denominado de Lixão Serrana, e que atualmente está desativado. Esse local entrou em operação na década de 1970 e recebeu resíduos domésticos, industriais e de serviços de saúde (Fig. 6).


Quanto à geologia, o Lixão Serrana está situado em área onde ocorrem arenitos da Formação Botucatu, basaltos intemperizados da Formação Serra Geral e cobertura coluvionar Cenozóica. O lixão é composto por duas cavas alongadas de cerca de 300 metros de comprimento por 60 metros de largura, com profundidade de até 12 metros. Sabe-se que parte dessas cavas está assentada diretamente sobre arenitos da Formação Botucatu sem nenhuma proteção hidráulica.

Em razão da maior parte do abastecimento de água vir dos aqüíferos Botucatu e Serra Geral, existe uma preocupação sobre a influência de líquidos percolados na qualidade das águas subterrâneas. Para avaliar o risco ambiental existente, essa área foi objeto de estudos interdisciplinares e métodos geofísicos foram aplicados na caracterização do local.

No Lixão Serrana foram executadas 10 SEVs com arranjo Schlumberger, com arranjo 1 SEV dipolo-dipolo, 9 caminhamentos elétricos com arranjo dipolo-dipolo e três perfis GPR. Informações de 6 poços de monitoramento de água e 10 poços de coleta de chorume foram utilizados para auxiliar na caracterização geoambiental. Este estudo indicou a existência de uma pluma de contaminação gerada pela percolação do chorume até o aqüífero Botucatu. Análises de água indicaram altas concentrações de vários contaminantes, como cloretos, fosfatos, cromo, níquel,cobalto e naftaleno.

Para a caracterização de áreas com esse tipo de problema ambiental, o conhecimento da posição da zona saturada é muito importante. O uso de sondagens elétricas pode auxiliar nessa questão, complementando a informação dos poços. Um local de especial dificuldade para se obter essa informação é onde estão dispostos os resíduos. A instalação de poços neste local não é recomendada pois pode potencializar a contaminação, abrindo caminho para o fluxo de chorume para o meio natural. Uma sondagem elétrica pode auxiliar na resolução desse problema, porém muitas vezes a falta de espaço para abertura entre os eletrodos aliado a alta condutividade dos resíduos pode limitar aprofundidade de investigação.

Como a Figura 7 mostra, nenhuma evidência sobre o arenito saturado mais profundo pode ser observada na curva de sondagem SCH. Na verdade, a camada mais profunda investigada por essa sondagem tem uma resistividade de 101 ohm.m, que é compatível com arenitos não saturados, pois valores de resistividade para o arenito saturado obtidos em sondagens próximas de poços na região variaram de 20 a 85 ohm.m. Na curva da sondagem DD, entretanto, os valores de resistividade aparente diminuem gradualmente a partir da distância L = 80m, indicando uma camada menos resistiva em profundidade. O modelo geoelétrico é bastante semelhante ao da sondagem SCH, porém apresenta uma camada mais profunda de baixa resistividade (6 ohm.m) abaixo da camada interpretada como arenito não saturado (valor de 60 ohm.m nessa sondagem). Essa camada de baixa resistividade, posicionada abaixo de 20 m de profundidade, indica a existência da zona saturada com influência de contaminação. A inferência da contaminação é compatível com informação de um poço de monitoramento próximo e outras informações geofísicas existentes. Pela comparação dos arranjos, a sondagem DD, atingindo maiores profundidades de investigação, forneceu informações mais importantes (posição da zona saturada e influência da contaminação) do que as obtidas pela sondagem SCH.


CONCLUSÕES

Este estudo ilustra a capacidade de investigação mais profunda das sondagens elétricas com arranjo dipolo-dipolo em comparação àquelas com arranjo Schlumberger, considerando-se o mesmo comprimento L entre os eletrodos mais externos dos dispositivos. Como mostrado, a maior profundidade de investigação da sondagem dipolo-dipolo, embora com menor resolução e com dados mais sujeitos a ruído, permite resolver importantes problemas de exploração e caracterização de áreas. Por exemplo, na determinação da profundidade do embasamento de uma porção rasa da Bacia Sedimentar de São Paulo, a sondagem com arranjo dipolo-dipolo pode auxiliar no mapeamento da topografia do embasamento, que é uma das feições de grande importância na avaliação e exploração dos recursos hídricos subterrâneos.Na caracterização de depósitos de resíduos desativados, a sondagem dipolo-dipolo estimou a espessura da zona não saturada sob os resíduos e identificou a posição da zona saturada, bem como forneceu informação sobre indícios de contaminação na mesma. Esse arranjo pode ser utilizado como estratégia para estudos de locais específicos de áreas com problemas similares. Pode-se afirmar que nesses casos, embora sondagens Schlumberger sejam menos sujeitas a ruídos e apresentem melhor resolução nas camadas superficiais, a menor profundidade de investigação não foi capaz de fornecer informações mais relevantes do que asobtidas com as sondagens dipolo-dipolo.

AGRADECIMENTOS

Parte desse estudo foi financiado pela FAPESP, processos nºs 96/2398-4 e 99/12216-9.

Recebido em 8 abril, 2008 / Aceito em 25 agosto, 2008

Received on April 8, 2008 / Accepted on August 25, 2008

NOTAS SOBRE OS AUTORES

Vagner Roberto Elis. Graduado em Geologia em 1990 pela Universidade Estadual Paulista, Mestre em Geociências pela Universidade Estadual Paulista em 1993 desenvolvendo a dissertação "A aplicação da geofísica para análise do meio físico. Importância para elaboração de mapeamento geotécnico". Doutor em Geociências pela Universidade Estadual Paulista em 1999 defendendo a tese "Avaliação da aplicabilidade de métodos elétricos de prospecção geofísica no estudo de áreas utilizadas para disposição de resíduos". Docente do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo,com atuação nas áreas de geofísica aplicada a estudos ambientais e hidrogeológicos.

Carlos Alberto Mendonça. Graduado em Geologia pela Universidade de São Paulo (1985) e Doutor em Geofísica pela Universidade Federal do Pará (1992). Atualmente é professor doutor do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Geofísica Aplicada, atuando principalmente nos seguintes temas: magnetometria, geofísica aplicada, inversão, interpretação geofísica e gravimetria.

Jorge Luís Porsani. Graduado em Geologia pela Universidade Federal da Bahia (1987), Mestre em Geofísica pela Universidade Federal do Pará (1991), Doutor em Geociências e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP de Rio Claro (1999). Pós-doutorado em Geofísica no Departamento de Geociências da Western Michigan University, Estados Unidos (2005) com ênfase em processamento e interpretação 3D de dados GPR com aplicações no Sítio Controlado de Geofísica Rasa do IAG/USP. Atualmente é professor doutor do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo. Atua principalmente nos seguintes temas: GPR - Ground Penetrating Radar, TDEM - Time Domain Electromagnetic Method, MT - Magnetotelúrico, eletrorresistividade e eletromagnético indutivo.

Elisabeth de Fátima Strobino. Graduada em Geofísica pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP) em 2002. Mestre em Geofísica pelo IAG/USP em 2004 desenvolvendo a dissertação "Levantamento de perfis radiométricos nos sedimentos permianos da Bacia do Paraná no leste do Estado de São Paulo". Atualmente exerce atividade de processamento de dados sísmicos marinhos e terrestres 2D e 3D em uma multinacional da área de petróleo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2008
  • Data do Fascículo
    Set 2008

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2008
  • Aceito
    25 Ago 2008
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