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Educação do campo e construção do conhecimento: tensões inevitáveis no trato com as diferenças

Rural education and knowledge building: inevitable tensions in dealing with differences

Resumos

Neste texto examino questões relativas à construção de conhecimentos em ambiente escolar. Para isso percorro diferentes formas de conhecimento e os embates entre ciência e sociedade. Alguns aportes epistemológicos recorrentes na educação em ciências são mobilizados para analisar tensões emergentes nas universidades em decorrência da pressão por expansão de vagas no ensino superior que culminaram com o Projeto de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Localizo esse projeto em um contexto mais geral de massificação da educação superior. Faço uma digressão quanto ao significado do projeto moderno de sociedade, aponto elementos para compreensão da crise desse projeto, valendo-me de uma sociologia do conhecimento científico. Abordo tensões de ordem institucional, epistemológica e das práticas docentes. Valho-me, mais especificamente, da experiência de formação de educadores do campo na área de Ciências da Vida e da Natureza, na Universidade Federal de Minas Gerais.

Ciência; Educação em Ciência; Formação de Educadores do Campo


In this paper, we examined issues concerning the construction of knowledge in the school environment. To this end, we addressed different forms of knowledge and conflicts between science and society. Some recurring epistemological contributions in sciences education were mobilized to analyze emerging tensions at universities as a result of the pressure for increasing the number of vacancies in higher education, which culminated in the 'REUNI' Project. We place this project in a more general context -that of popularization of higher education. We digress on the meaning of modern project of society, benefiting from scientific knowledge sociology, pointing out elements for the understanding of this project's crisis. We address institutional, epistemological and teaching practice tensions. More specifically, we made use of our experience in training educators that work with people living in rural areas, in the context of the Sciences of Life and Nature at the Federal University of Minas Gerais.

Science; Science Education; Training of Rural Educators


ARTIGOS ARTICLES

Educação do campo e construção do conhecimento: tensões inevitáveis no trato com as diferenças1 1 Texto apresentado em mesa redonda por ocasião das comemorações dos 40 anos do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, em 15 de setembro de 2011. Todas as ideias contidas neste texto são de minha inteira responsabilidade e autoria.

Rural education and knowledge building: inevitable tensions in dealing with differences

Maria Emília Caixeta

Doutora em Educação e Professora Associada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: mecaixeta@gmail.com

Endereço para correspondência Contato: Universidade Federal de Minas Gerais Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino Faculdade de Educação Av. Antônio Carlos, 6.627 CEP 31270-901 Belo Horizonte, MG Brasil

RESUMO

Neste texto examino questões relativas à construção de conhecimentos em ambiente escolar. Para isso percorro diferentes formas de conhecimento e os embates entre ciência e sociedade. Alguns aportes epistemológicos recorrentes na educação em ciências são mobilizados para analisar tensões emergentes nas universidades em decorrência da pressão por expansão de vagas no ensino superior que culminaram com o Projeto de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI. Localizo esse projeto em um contexto mais geral de massificação da educação superior. Faço uma digressão quanto ao significado do projeto moderno de sociedade, aponto elementos para compreensão da crise desse projeto, valendo-me de uma sociologia do conhecimento científico. Abordo tensões de ordem institucional, epistemológica e das práticas docentes. Valho-me, mais especificamente, da experiência de formação de educadores do campo na área de Ciências da Vida e da Natureza, na Universidade Federal de Minas Gerais.

Palavras-chave: Ciência; Educação em Ciência; Formação de Educadores do Campo.

ABSTRACT

In this paper, we examined issues concerning the construction of knowledge in the school environment. To this end, we addressed different forms of knowledge and conflicts between science and society. Some recurring epistemological contributions in sciences education were mobilized to analyze emerging tensions at universities as a result of the pressure for increasing the number of vacancies in higher education, which culminated in the 'REUNI' Project. We place this project in a more general context -that of popularization of higher education. We digress on the meaning of modern project of society, benefiting from scientific knowledge sociology, pointing out elements for the understanding of this project's crisis. We address institutional, epistemological and teaching practice tensions. More specifically, we made use of our experience in training educators that work with people living in rural areas, in the context of the Sciences of Life and Nature at the Federal University of Minas Gerais.

Keywords: Science; Science Education; Training of Rural Educators.

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces

Estendendo-me os braços, e seguros

De que seria bom que eu os ouvisse

Quando me dizem: "vem por aqui!"

Eu olho-os com olhos lassos,

(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)

(RÉGIO, 1955, p. 108)

INTRODUÇÃO

Para examinar questões relativas aos processos de construção de conhecimentos em ambiente escolar é importante percorrer o status das várias formas de conhecimento e os embates polêmicos que envolvem os temas de Ciência e Tecnologia. Os aportes trazidos pelas discussões epistemológicas não podem ser e não têm sido ignorados, tanto que tais problemas estão na pauta atual e são recorrentes entre nós da educação em ciências. Variadas tensões avolumam-se na experiência bastante recente das universidades, pois elas se defrontam com desafios extremamente significativos como a educação indígena e dos povos do campo.

Para me aproximar dessas tensões conto inicialmente com o respaldo de três experiências formativas inesquecíveis: aluna do Programa de Mestrado em Educação2 2 Realizado na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais no período de 1985 a 1990. , entrávamos não com um projeto de pesquisa, mas com um memorial acerca de nossas práticas pedagógicas, em torno das quais girava o primeiro semestre do curso dedicado à Análise Crítica da Prática Pedagógica – ACPP. A nossa trajetória não só importava ao programa como nos afiançava a concorrer a uma vaga. A segunda experiência ocorreu no interior do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada (GEPEC), na Faculdade de Educação da Unicamp. Na condição de doutoranda tive oportunidade de me debruçar sobre a construção de uma epistemologia da prática pedagógica. A reflexão teórico-metodológica recaiu sobre a lida da pesquisadora na condição de professora da educação básica (LIMA, 2005). A terceira experiência advém de minha coautoria na proposição do curso de educação do campo, desde a sua criação em 2005. Por fim, a discussão pública dessas questões é sempre momento oportuno para o exercício da compreensão de que nos fala Bakhtin:

Compreender um objeto é compreender meu dever em relação a ele (a atitude ou posição que devo tomar em relação a ele), isto é, compreendê-lo em relação a mim mesmo no Ser-evento único, e isso pressupõe minha participação responsável, e não uma abstração de mim mesmo. É apenas de dentro da minha participação que o Ser pode ser compreendido como um evento, mas esse momento de participação única não existe dentro do conteúdo, visto em abstração do ato como ação responsável (BAKHTIN, 2010, p. 19).

Tenho por objetivo apresentar e discutir algumas tensões de ordem institucional, epistemológica e das práticas docentes que emergem do projeto de formação de educadores do campo e para o campo, tomando essas emergências no contexto do curso ministrado pela Faculdade de Educação da UFMG. Embora me valha da experiência da educação do campo, imagino que algumas das tensões ocorrem também na Formação Intercultural Indígena, nas demais licenciaturas e na escola básica brasileira. Como considero que a experiência é a mãe da prudência, circunscrevo minha argumentação na Licenciatura do Campo (a partir daqui LeCampo), principalmente ao que pode se apreender da área de habilitação em Ciências da Vida e da Natureza, CVN. De modo particular, refiro-me à experiência ocorrida na coordenação das duas primeiras turmas, ofertadas em 2005 e 2008 (LIMA; SANTOS; PAULA, 2009; LIMA; PAULA; SÁ, 2009; LIMA, 2010; LIMA; PAULA, 2010; LIMA; SÁ; PAULA, 2012).

Para identificar e discutir as tensões geradas retomo aspectos históricos da inclusão desses grupos sociais na UFMG –, movimento concomitantemente ocorrido com outros de igual natureza, como a Formação Intercultural Indígena (FIEI); a Educação a Distância (EAD) e a criação de novos cursos noturnos. Todos eles criados no bojo do Projeto de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI como resposta à pressão por expansão de vagas. Localizo o REUNI em um contexto mais geral de massificação da educação no nível superior e apresento desafios que esse movimento nos traz enquanto universidade. Para isso, faço uma digressão quanto ao significado do projeto moderno de sociedade, aponto elementos para compreensão de sua crise, valendo-me para isso de contribuições originadas em uma sociologia do conhecimento científico.

O PROJETO MODERNO DE SOCIEDADE

Considero que um grande desafio a enfrentar na contemporaneidade decorre do projeto moderno de sociedade e suas consequências sobre a noção de sujeito e quanto ao modo de consumo que acarretou importantes consequências em termos de segurança pessoal, ambiental, além de uma enorme dívida com a maioria de excluídos dos bens materiais e culturais.

De acordo com Sousa Santos (1999, p. 77), "[...] o projeto moderno de sociedade foi alicerçado em dois pilares [...]".Um da regulação e outro da emancipação. A regulação está sustentada por três princípios básicos: o do mercado, o do Estado e o da comunidade. No outro pilar – da emancipação – estão três racionalidades: a estética, a ética e a ciência.

Assim, como nos chama atenção Bakhtin na sua filosofia do ato ético responsável, a ciência ou o mundo da cultura, como ele denomina, nasce divorciada da vida, de modo a não ser contaminada por situações particularizadas e influenciáveis pelas visões singulares dos sujeitos. Na medida em que o mundo autônomo da ciência/cultura, abstratamente teórico – "um mundo fundamental e essencialmente alheio à historicidade única e viva de um ser humano singular, localizado e também único" –, permaneça dentro de seus limites, "sua autonomia é justificável e inviolável" (BAKHTIN, 2010, p. 44). Se, por um lado, o universo da ciência constitui-se como um mundo particular e autônomo, por outro o mundo da vida na sua complexidade não admite recortes, nem isenção dos sujeitos para a proposição de saídas.

Nenhuma orientação prática da minha vida no mundo teórico é possível: nele não é possível viver, agir responsavelmente, nele não sou necessário; nele, por princípio, não tenho lugar. O mundo teórico se obtém por uma abstração que não leva em conta o fato da minha existência singular e do sentido moral deste fato, que se comporta "como se eu não existisse [...] (BAKHTIN, 2010, p. 52).

Um mundo em que o eu não tenha importância e que se organiza em torno da ideia de que prescinde dos sujeitos seria de se esperar que levasse a um desencantamento: expressão cunhada por Max Weber (apud PIERUCCI, 2004) que pode também ser lida em Walter Benjamin (1985) e Mikhail Bakhtin (2010).

Embora o conceito de Weber tenha sido produzido no contexto do discurso religioso, ele tem sido citado, junto com o conceito de sociedade do risco de Beck, Giddens e Lash (1997), e usado nos estudos epistemológicos dessa nova modernidade, como encontrado em Irwin (1995) e Prigogine e Stengers (1984).

A ciência, aliada à técnica, desencanta o mundo. Mais especificamente, a ciência ocidental. Essa deve sua ubiquidade a uma aliança já travada, no decurso da Idade Média, com os detentores da técnica, o que foi condição importante para sua institucionalização. A ciência ocidental, ao descrever a realidade que a sustenta, tem por objetivo ontológico a dominação. Enquanto declara solenemente a estupidez da natureza, afirma de forma subrreptícia o direito do homem a geri-la, a utilizá-la para seus fins particulares. (FERNANDES, 2006, p. 2),

Nesse sentido, uma ciência que se edificou, abstraída dos sujeitos, como se cada um não importasse nesse grande projeto, concorreu para o alheamento, para a individualização dos sujeitos e para um desencantamento com as promessas de um mundo maravilhoso que chega para poucos mas que ameça igualmente a todos. O que configura uma sociedade do risco em que as ameaças são igualmente de natureza social, pessoal e ambiental. Risco aqui usado tanto no sentido da insegurança quanto da incerteza.

Walter Benjamin pensa o mundo e os acontecimentos na direção contrária do mito do progresso da humanidade. Para quem a tarefa do intelectual consiste em não permitir que a experiência morra (LIMA, 2005), significa ir contra o esquecimento ou a perda de memória, o que faz com que a história de ontem não seja mais lembrada. Efemeridade e obsolescência. Hiroshima, Nagasaki, Chernobyl e Fukoshima fazem parte, por exemplo, das ruínas da história dispersas sob nossos pés, como na figura do anjo do quadro de Paul Klee, Angelus Novus. O anjo é uma alegoria das ruínas, às quais Benjamin dá o nome de progresso ao descrever assim o referido quadro:

Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso (BENJAMIN, 1985, p. 226).

Os avanços na área da imunologia, da microbiologia, dos novos materiais, da comunicação e das tecnologias da informação nos deixam ao mesmo tempo deslumbrados e perplexos. São essas invenções geniais que funcionam como a tempestade que impele o anjo a apontar o progresso como nosso futuro. Ainda que a nanotecnologia realize muito com poucos átomos ou moléculas, em tempos de incertezas pelo menos duas certezas temos bem consolidadas: a de que a ciência e tecnologia (C&T) promovem grande fascinação nas pessoas e que encarnam riscos inimagináveis.

Analisemos o caso das dioxinas e o impacto que elas poderão ter em nossa vida para além dos já presentes. Dioxinas são subprodutos gerados em variados processos industriais. Ao serem emitidas para o ambiente podem ser transportadas a longas distâncias por correntes atmosféricas, ficando difusamente misturadas ao ar. Como são substâncias pouco reativas, elas levam de anos a séculos para degradarem-se, o que as tornam cumulativas na atmosfera. Portanto, se parássemos de emiti-las hoje seus efeitos seriam sentidos ainda por muitos anos. As dioxinas apresentam efeitos sobre a reprodução humana, além de afetarem o sistema imunológico, sendo atribuído a elas um efeito carcinogênico. As concentrações das dioxinas no tecido humano, na população de países industrializados, já estão no limite dos níveis toleráveis à saúde, indicados em estudos realizados no contexto de contaminação direta (ALMEIDA et al., 2007). Outro caso semelhante ao das dioxinas é o do uso de agrotóxicos. Estudos indicam que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, OMS, anualmente, entre 3 e 5 milhões de pessoas no mundo são intoxicadas diretamente por agrotóxicos, além de incalculáveis efeitos residuais sobre os consumidores. No Brasil, um dos campeões de importação de agrotóxicos, estima-se que 5 mil trabalhadores rurais morrem por ano de causas diretamente ligadas a envenenamento (STOPPELLI; MAGALHÃES, 2005; LEITE; TORRES, 2008).

Pesa sobre os ombros da ciência e da tecnologia o surgimento da opção pela produção de venenos, de armas e de técnicas de manipulação da vida com altos custos energético, ambiental, social e ético. A segurança alimentar, um suposto aquecimento global, a construção permanente de usinas (hidrelétricas, termoelétricas e nucleares), a produção de transgênicos, entre outros, concorrem para a definição de uma referida sociedade de riscos (IRWIN, 1995) e de incertezas (PRIGOGINE, 1996). São desafios da contemporaneidade recorrentemente presentes na mídia, como os casos da controvertida transposição das águas do São Francisco e da construção da Usina de Belo Monte, além de um suposto aquecimento global face às emissões de gases estufa decorrentes da atividade humana na atmosfera. (LIMA; MACHADO, 2010; CASTRO; LIMA; PAULA, 2010; BARBOSA; LIMA; MACHADO, 2012).

Além da inseguraça sobre as definições de termos de políticas públicas sobre temas que envolvem questões sociocientíficas é preciso lembrar que a rapidez com que as novas invenções chegam ao mercado é a mesma com que elas se tornam obsoletas. Daí surge outro paradoxo relacionado a uma capacidade infinita de criar objetos – materiais ou tecnológicos – e a finitude de matéria-prima disponível no planeta. Uma equação matemática sem solução.

Por último e mais importante, falta olhar para a fome no mundo, para a falta de escola, de moradia e de saneamento básico, para os altos índices de mortalidade infantil por desnutrição, desidratação e outras doenças que o conhecimento científico nos ensinou a evitar. Parte importante do desenvolvimento científico e tecnológico serviu para promover a guerra e aperfeiçoar técnicas de subjugação de povos (IRWIN, 1995). A questão que se coloca é o fato da C&T terem avançado de modo surpreendente enquanto, em contrapartida, as promessas sociais e culturais que justificaram o investimento nesses empreendimentos não se realizaram. É dentro desse marco que Sousa Santos (1999, p. 75) profetiza que o século XX ficará na história (ou nas histórias) como um século infeliz.

Na condição de sujeito que nasceu e cresceu sob a bandeira da ordem e do progresso e que, nessa condição, estudou química, sofri a contradição de um discurso hegemônico da superioridade da ciência e o desencantamento com um modo de vida erigido sobre tantas promessas falhas.

Retomando Marx, "[...] o que era sólido se esfumou, tudo o que era sagrado se profanou [...]" (MARX; ENGELS, 1984, p. 12),e com a licença de José Régio também quero pedir:

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,

Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: "vem por aqui"!

(RÉGIO, 1955, p. 108)

EM BUSCA DE UMA RECONCILIAÇÃO ENTRE O MUNDO DA CULTURA E O MUNDO DA VIDA

Diferentes sociólogos têm desempenhado importante papel para repensar uma nova modernidade em que os sujeitos assumam um protagonismo que esteve ausente na modernidade clássica. No campo da sociologia do conhecimento científico encontramos contribuições importantes como as de Alan Irwin (1995) e Collins e Pinch (2003; 2010a, b).

No campo da filosofia da linguagem e da pedagogia, destacam-se Mikhail Bakhtin e Paulo Freire, dois grandes pensadores extremamente contemporâneos que têm o mérito de recolocar a centralidade do sujeito no cerne do debate entre cultura e vida (GERALDI, 2003).

Juntando-se ao olhar da sociologia e da filosofia da linguagem, a epistemologia científica no decorrer do século XX faz um movimento em que recoloca a relação entre o ser humano e a natureza a partir do interior da própria ciência. São os casos das contribuições de Ylia Prigogine (PRIGOGINE, 1996, 2002; PRIGOGINE; STENGERS, 1984) que, em colaboração com Isabele Stenger, recorre ao conceito de "desencantamento do mundo" e constrói a partir daí um discurso edificante de um outro "reencantamento".

As pretensões do autor não excedem o campo da ciência e da filosofia, uma vez que não denotam uma volta impossível para Weber, quando cunhou o conceito de desencantamento, às antigas formas de visão mágico-arcaicas do mundo (FERNANDES, 2006). Prigogine restringe o uso do termo à falta de sentido introduzida pela ciência clássica e moderna.

A partir da análise físico-química de estruturas dissipativas, estudo que deu a Prigogine o Prêmio Nobel de Química, ele, junto com Stenger, faz a crítica da epistemologia da ciência clássica. A irreversibilidade termodinâmica está no cerne da obra A nova aliança (PRIGOGINE; STENGERS, 1984) como diálogo entre a física dos sistemas dinâmicos, originariamente criada por Newton e em que ele pressupõe a reversibilidade total do tempo. No âmbito da mecânica clássica não importam as categorias passado e futuro. Ambas são simetricamente iguais e, do ponto de vista da realidade, é irrelevante a constatação de que hoje estamos muito diferentes do que fomos anos atrás.

Contrariamente, o conceito de tempo é fundamental para pensar as subjetividades na contemporaneidade, pois é no presente de nossas enunciações que atualizamos o passado (LIMA, 2005) ou repassamos a limpo a história como releitura do que foi. É também no presente de nossas vidas que construímos o futuro, no qual restaremos como marcas de um vivido do qual não pudemos escapar. "Não podendo alegar qualquer álibi para a existência: não podemos dizer 'não estamos aqui'. E estar aqui é uma resposta a si mesmo e ao outro, com o qual necessariamente estamos e a quem dizemos 'estou aqui'" (GERALDI, 2010). Ninguém foge à vida sem que, em algum momento, venha a se surpeender com ela. Não podemos, do ponto de vista de Bakhtin, nos evadir de nossa responsabilidade no mundo.

Nos conceitos clássicos de espaço e tempo não cabem os sujeitos, não conta o tempo vivido, nem o que nos falta viver. São espaços e tempos em que sequer somos necessários. Importa apenas que um pêndulo oscila no intervalo de –t a +t e que esses tempos sejam simétricos. Deixa de importar o que me acontecerá daqui alguns meses ou anos se for construída essa ou aquela usina nuclear ou o que acontecerá com a navegabilidade do Xingu e com a diversidade biológica dele ao final da construção da hidrelétrica de Belo Monte (LIMA; MACHADO, 2010; CASTRO; LIMA; PAULA, 2010).

Ao contrário da abordagem da mecânica clássica, a termodinâmica descreve fluxos de energia. Entalpia e entropia definem o sentido de um fluxo em que os estados de energia e organização são, a cada momento, genuinamente diferentes dos anteriores. Os sistemas desorganizados não voltam espontaneamente a se organizarem, por isso Prigogine chama nossa atenção para a flecha do tempo que amanhã será necessariamente diferente de hoje e menos previsível do que, por vezes, acreditamos. Os sistemas termodinâmicos, tal como a vida, são históricos e imprevisíveis. Afinal, quem passa?

O tempo passa,

O tempo passa,

Senhora minha.

Ai! O tempo não, nós é que passamos...

(ROSMORDUC, 1988, p. 211)

Esse outro jeito de olhar para a natureza abre um novo diálogo em que Prigogine e Stengers chamam nossa atenção para uma Nova aliança (1984) que, em outra obra, na famosa síntese que se segue, credita a Isabelle Stenger:

O tempo hoje reencontrado é também o tempo que não fala mais de solidão e sim da aliança do homem com a natureza que ele descreve. Chegou o tempo de novas alianças, que sempre existiram, por muito tempo desconhecidas, entre a história dos homens, de sua sociedade, de seu saber,e a abertura exploradora da natureza (PRIGOGINE, 2002, p. 47).

Desse modo, a reconciliação entre o homem e a natureza é a palavra-chave a partir da qual, de acordo com Progogine, é possível reinterpretar os sucessos da mecânica clássica. Todas essas contribuições nos trazem alento no sentido de pensarmos uma ciência que além de se importar com os sujeitos possa ser reapresentada como "[...] um empreendimento muito humano e necessariamente limitado [...]" (IRWIN, 1995, p. 81).

O desafio que se nos impõe, segundo Geraldi (2010, p. 120), é:

[...] fazer ressurgir o sujeito, não como imagem de um deus criador com o qual cada um tem compromisso de concretizar na vida sua perfeição, à sua imagem e semelhança, nem como o sujeito todo poderoso certo e certeiro de sua racionalidade e de suas técnicas – e sim um sujeito frágil, humano, demasiadamente humano, cuja identidade, estabilidade instável, se define pelos gestos de responsabilidade de ordenar a experiência do nosso fazer e do nosso padecer.

É a partir do quadro teórico-epistemológico aqui esboçado que passamos a discutir os desafios de uma educação em ciências para todos. Ah! Régio, tal como a sua:

A minha vida é um vendaval que se soltou,

É uma onda que se alevantou,

É um átomo a mais que se animou...

(RÉGIO, 1955, p. 110)

DESAFIOS DE UMA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS PARA TODOS

As populações urbanas que vivem nas periferias e favelas assim como as comunidades indígenas e a população do campo fazem parte do universo de excluídos da sociedade moderna no nosso país. Essas comunidades têm enfrentado um antigo e grave problema: o direito à terra, à saúde e à escolarização nas comunidades em que vivem. Alguns desses direitos têm sido duramente conquistados. As conquistas como reforma agrária e soberania energética e alimentar são lentas, além de extremamente conflituosas e tensas em decorrência dos interesses inerentes ao latifúndio e ao agronegócio.

No plano da luta pela educação, atualmente as comunidades vêm se organizando para exigir o acesso aos cursos superiores, principalmente nas licenciaturas, de modo a garantirem acesso à educação básica nos meios onde vivem: campo e aldeias. De acordo com o censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (INSTITUTO..., 2010), existem hoje mais de 30 milhões de brasileiros que vivem em áreas rurais ou em situações de vida e de escolarização bem próximas às desses habitantes. São pescadores, quilombolas, sem-terra, extrativistas e populações ribeirinhas. Desses, mais de 500 mil são autodeclarados índios.

A luta dos movimentos sociais tem se pautado pela democratização do acesso aos conhecimentos historicamente produzidos, inclusive daqueles que se produzem no âmbito do próprio trabalho no campo. Há um relativo consenso de que o governo precisa investir maciçamente na formação de professores para fazer frente a essa história de provação que não pode se perpetuar. Considerando-se que a sociedade atual está organizada em torno de conhecimentos científicos e tecnológicos, pensar uma educação em ciências para todos é cada vez mais urgente, embora de difícil equação. Haja vista a sofisticação dos recursos tecnológicos que sustentam o agronegócio e as controvérsias geradas nas últimas décadas.

Não há, contudo, consenso quando se trata do modo como ensinar ciências para essas pessoas, nem como formar professores para atuar em escolas rurais e indígenas. Trata-se de um diálogo interrompido frente a um fenômeno de massas para o qual a universidade vê-se obrigada a dar continuidade e fluxo nas enunciações3 3 Outro fenômeno recente e que tem desempenhado papel positivo nos movimentos reivindicatórios de acesso aos bens materiais e culturais é o advento das redes sociais. A ciência e a tecnologia contraditoriamente concorrem para processos cada vez mais amplos de inclusão e de democratização. Nesse sentido, a ciência não é só devedora de um projeto de prosperidade para todos mas é também credora de avanços sociais. . Como explica De Certeau (2008, p. 120):

Antes, uma homogeneidade relativa caracterizava os ouvintes de um curso ou os membros de um seminário. O fato se devia a uma fraca porosidade entre as classes sociais, a uma compartimentalização profissional bastante rígida (e ligada à das faculdades) e ao peneiramento operado na triagem dos candidatos a universidades que estavam elas próprias inseridas na continuidade dos estudos secundários, já rigorosos e dispostos segundo as funções públicas.

O Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais promovido pelo governo federal, o REUNI, é produto destas lutas. Se, por um lado, a sociedade brasileira admite a necessidade de se ampliar o acesso à educação, por outro os reflexos dessa expansão sobre a universidade e dentro dela não chegam de modo natural. Considerando-se a tradição da UFMG e da Faculdade de Educação não seria de se estranhar a dificuldade de implantar um curso para educadores do campo e identificado com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

A Universidade é vigilante quanto à sua excelência e está sujeita a mecanismos internos e externos de controle de sua produção. Para responder a essas pressões, exerce também outras, sobre estudantes, professores e pesquisadores. A massificação da educação no Brasil, em todos os níveis de escolarização, enfrenta os desafios de uma escola que foi pensada para poucos e para isso funcionava. No caso específico da UFMG observa-se a perplexidade da comunidade diante de um perfil de ingressantes que é muito diferente daquele que se deu em décadas passadas. Mecanismos de controle internos sempre existiram. Exemplo disso foram as altas taxas de retenção de estudantes nas disciplinas do ciclo básico e a evasão ocorrida nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Química, durante os anos da década de 1980. Com a atual expansão das vagas, uma suposta qualidade posta em risco é motivo de preocupação.

Uma tensão que se apresenta diz respeito à qualidade da educação superior ofertada e às defasagens educacionais desses nossos estudantes, considerando aspectos estritamente acadêmicos. Há um questionamento justo e antigo sobre a perda de sentido da escola básica e de como temos formado professores para atuarem nessas escolas. O fenômeno da expansão da educação que vinha acontecendo na educação básica também passou a ocorrer no nível superior. Michel De Certeau (2008, p. 102) fala de uma urgência capital: "[...] a ausência e a necessidade de uma cultura de massa na universidade [...]". Essa escola de massa, divorciada da vida, se tornou discriminatória na medida em que se traduz pela sua baixa relevância e pertinência em termos de necessidades contemporâneas. No caso da educação superior, traduz-se como um bem proibido ou "um tesouro rodeado de espinhos" (DE CERTEAU, 2008, p. 104).

Os estudantes da licenciatura do campo e aqueles da formação intercultural indígena chegam à universidade trazendo grandes expectativas de receberem uma formação similar à dos demais alunos. Prova disso é a luta que têm travado por acesso a outros cursos como medicina, ciências biológicas, direito etc.

A partir de De Certeau (2008), suponho que ser aluno da UFMG tem um sentido enorme na vida desses sujeitos, como sonho, status e possibilidade de garantir mobilidade social e econômica para, assim, facilitar as relações sociais e escapar da indiferenciação e da intercambialidade profissional. Contudo, no interior do curso de educação do campo vemos que à medida que os estudantes passaram a compreender o projeto de ensino, mostram-se desencantados e impotentes com a falta de sentido e o tipo de exigências feitas. Paulatinamente, se tornam desejosos e proponentes de uma educação mais identificada com a vida deles e acessível a todos. Foi assim com as turmas de 2005 e de 2008, na área de Ciências da Vida e da Natureza (CVN). O currículo de CVN relativo a essas duas experiências já foi nosso objeto de reflexão em outros trabalhos (LIMA, 2010; LIMA, PAULA, 2010; LIMA; SÁ; PAULA, 2012).

A Universidade, por seu turno, responde a esses desafios de forma dividida entre "apertar" os sujeitos ou fazer-lhes concessões em termos de exigências cognitivas e de deslocamentos culturais. Resta-nos perguntar se estamos fazendo cobranças de coisas que esses sujeitos não são capazes de realizar, ou se são cobranças que lhes permitem desenvolver suas potencialidades. Ou, ainda, de modo mais sofisticado, onde é que a Universidade está mirando sua excelência nesse projeto em particular?

Que compromissos e responsabilidades nós temos com a educação do país e com essa massa de excluídos? Que educação é preciso fazer acontecer nas escolas do campo? Que currículo é capaz de enfrentar a complexidade da vida contemporânea no que se refere aos avanços científicos e tecnológicos em consonância com as questões em que esses povos nos desafiam a pensar? Como lidar nas escolas do campo com uma realidade de jovens migrantes para as grandes cidades? O que fazer com a massa de subassalariados, trabalhadores na lavoura que passam longos períodos do ano sem poder ir à escola porque estão plantando ou colhendo, por falta ou pela precariedade de transporte? Como pensar a formação de um educador que possa enfrentar a responsabilidade e o desafio de educar as comunidades indígenas e do campo?

O MODELO DO ESCLARECIMENTO

Uma ideia bastante recorrente e difundida entre especialistas e leigos é a de que para participar das tomadas de decisão em assuntos de natureza técnico-científica, que têm efeitos na vida das pessoas, todo sujeito precisa ser instruído naquela área especializada do conhecimento em questão. Trata-se de uma noção problemática e questionável, que impõe sérios limites à participação democrática e que se baseia em falsas dicotomias instauradas pela idade moderna e incrustadas nos discursos hegemônicos que circulam em nossa sociedade (CASTRO; LIMA; PAULA, 2010).

Embora o discurso sobre a educação em ciências tenha avançado no sentido de apontar a necessidade de uma educação para todos, o modelo de formação baseado no esclarecimento científico reafirma-se como visão etnocêntrica, na medida em que preconiza a superioridade da cultura científica, embora estejamos convencidos de que a ciência não tem resposta para tudo e de que ela não pode fornecer garantias em situações que envolvem fenômenos complexos ou quando se trata de situações particulares. É como mito que ela continua a ser utilizada nos debates políticos, como se pudesse afiançar as ações institucionais. Desse modo, o modelo do esclarecimento só reafirma a crença inabalável em uma ciência objetiva, neutra e segura que acaba por provocar ceticismo, decepção, revolta, hostilidade, negação e desconfiança de que ela só serve aos próprios interesses de determinados grupos (IRWIN, 1995).

Esse modelo tem ainda como agravante o fato de inviabilizar e desautorizar a participação popular, na medida em que postula um nível de "letramento científico" para a população em geral que pode ser considerado inatingível e até mesmo indesejável (PAULA; LIMA, 2007). Muitos dos debates que envolvem temas de natureza sociocientífica são controversos no próprio interior da ciência, além de apresentarem consequências que não podem ser antecipadas a não ser em termos de probabilidade dos acontecimentos. E nesses casos deveria valer o princípio da precaução que na voz da experiência se traduz pelo jogo de avaliar o custo de prevenir ou remediar. Considerando os estudos de caso apresentados por Irwin (1995) e outras pesquisas semelhantes realizadas com colegas (BARBOSA; LIMA; MACHADO, 2011, 2012), reitero o argumento de que o conhecimento técnico e científico é insuficiente para enfrentar problemas controversos e, portanto, precisa ser complementado e tensionado por outras formas de saber presentes na sociedade, oriundas da experiência (LIMA, 2005). A culpabilização das vítimas não leva em conta que o risco é inerente a qualquer atividade humana e que as questões concretas da vida, enfrentadas com os aportes científicos e técnicos, fogem das condições de produção do conhecimento em laboratório ou em situações artificialmente controladas (IRWIN, 1995).

Muitas opções teórico-metodológicas que pautam a educação em ciências, a partir do movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade – CTS, estão balizadas pelo modelo do esclarecimento. Todo esforço, no interior desse modelo, é feito no sentido de instrumentalizar os sujeitos do ponto de vista dos conceitos e teorias científicos para a participação popular nos fóruns sociais de discussão e de formação para a cidadania. Além das críticas à visão etnocêntrica que o fundamenta, o modelo do esclarecimento também leva a uma perspectiva antidemocrática de tratamento de temas sociocientíficos em função do nível de complexidade dos domínios que seria necessário para que a população pudesse falar sobre os mesmos com autoridade científica autorizada.

DESAFIOS DE UMA EDUCAÇÃO PARA TODOS NO ÂMBITO DA UNIVERSIDADE

Os desafios de uma educação para todos passaram a fazer parte do cotidiano da educação superior, em função do processo de democratização do acesso a esse nível de ensino em nosso país. A UFMG aderiu às políticas de inclusão por meio de vários procedimentos como, por exemplo, atribuição de bônus no processo de seleção do seu vestibular para alunos egressos de escolas públicas; adoção do Exame Nacional do Ensino Médio em substituição à prova de primeira etapa do concurso vestibular; criação de cursos de educação à distância (EAD), Formação de Educadores do Campo (LeCampo), Formação Intercultural Indígena (FIEI), além da ampliação das vagas discentes, preferencialmente ofertadas nos cursos noturnos. Por consequência, concepções ideológicas estão em disputa na definição de políticas concretas de realização e de garantia de tal inclusão, tanto em termos de ampliação dos mecanismos de acesso, quanto dos de permanência desses sujeitos antes excluídos. Nesse contexto, passou a ser fundamental discutir na Universidade o que significa uma educação para todos no seu próprio interior.

As pesquisas realizadas na linha de educação em ciências do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFMG se comparam com aquelas realizadas nas instituições internacionais de renome. Em termos gerais, podemos dizer que fizemos progressos na compreensão de como os estudantes pensam ou que concepções eles trazem para a sala de aula de ciências acerca de variados conceitos científicos como evolução, adaptação, força, energia, calor, temperatura, equilíbrio químico, entre outros. Aqui, como em todo o mundo ocidental, as concepções prévias dos estudantes, também conhecidas como espontâneas, foram exaustivamente investigadas no sentido de compreender como se daria a mudança conceitual nos estudantes, de modo a abrirem mão de suas ideias a favor das explicações científicas. O modelo da mudança conceitual, então prevalente no mundo inteiro, deu lugar às explicações do perfil conceitual de Mortimer e Mortimer (2000), o qual se tornou referência internacional com uma teoria poderosa, construída a partir da epistemologia de Gaston Bachelard. Em nosso programa, as pesquisas baseadas no construtivismo piagetiano deram lugar ao sócio-construtivismo, principalmente ao incorporar as contribuições de Vigotsky e ao participar da "virada discursiva" que introduziu em nossos referenciais os estudos da linguagem. Há ainda as pesquisas no âmbito da formação de professores, de modelos mentais e de abordagens de natureza investigativa. Desse modo, muito avançamos no sentido de compreender como os estudantes pensam e como eles constroem explicações científicas. A perspectiva sociocultural de aprendizagem e de formação de sujeitos passou a destacar a produção de sentidos a partir das interações discursivas em sala de aula tendo como referência de análise os estudos bakhtinianos e de outros teóricos da argumentação. Inclui-se também nas pesquisas a construção do discurso narrativo como outra racionalidade.

A participação de muitos dos pesquisadores de educação em ciências em projetos de extensão e de formação continuada de professores promoveu uma maior aproximação da academia com a educação básica, além de oportunizar um aprofundamento em termos de proposições curriculares no que se refere aos conteúdos de ensino, às metodologias e aos instrumentos de avaliação. Outras questões estão sendo colocadas em termos de desafios de pesquisas sobre uma educação em ciências para todos. Essa discussão não é nova, pelo contrário, data dos anos de 1980, mas muda de configuração em termos de desafios frente ao movimento de inclusão marcado pelo REUNI.

Se de alguma maneira conseguíssemos aprender como os estudantes apreendem seu mundo natural, conseguiríamos criar um currículo de ciências que fizesse sentido para todos os estudantes. Essa afirmação gera uma questão de investigação ubíqua: como é que os estudantes compreendem seu mundo natural? A maioria dos estudos tradicionais no âmbito da educação científica continua a colocar esta questão (AIKENHEAD, 2009, p. 87).

Assim, poderíamos incursionar em pesquisas que nos ajudassem a responder: como uma educação em ciências para todos poderá contribuir no sentido de sermos capazes de promover um diálogo entre as explicações científicas e outras racionalidades que orientam os saberes populares e indígenas? Como falar uns com os outros? Quais são as possibilidades de diálogo entre a academia e o cidadão comum? Como apropriar os modos de pensar, de selecionar informações e de argumentar próprios dos cientistas àqueles que orientam a vida, em geral?

Muitas outras questões de pesquisa estão pautadas e poderão ser explicitadas a partir de outras tensões essenciais vividas no âmbito dos cursos FIEI e LeCampo, as quais serão explicitadas na próxima seção: o caráter disciplinar das licenciaturas e a realidade das escolas do campo e de muitas outras que se localizam nos espaços urbanos; a abrangência e validade dos diplomas dada a realização de um curso que seja capaz de formar educadores para realidades muito concretas em termos de especificidade e extensão; a oferta compartilhada dos cursos e a necessidade de se pensar uma outra educação que avance em relação às demais licenciaturas; a organização de um currículo para além das verticalizações disciplinares e que seja sensível aos tempos e ritmos de seus sujeitos; as defasagens e exigências educacionais desses sujeitos frente a um projeto de excelência cada vez mais assertivo e controlador das práticas docentes e das pesquisas realizadas no âmbito das universidades; a política de expansão do REUNI e as bases materiais e humanas de realização dos cursos como, por exemplo, os problemas relativos à docência e à pesquisa tanto para os professores ingressantes como para os antigos, ou, ainda, a suposta presença de mestrandos e doutorandos como docentes auxiliares do projeto de expansão de vagas; e, por fim, os princípios de uma pedagogia da alternância e a insuficiência de pesquisas para enfrentá-la.

ALGUMAS TENSÕES A SEREM ENFRENTADAS

A habilitação em CVN no curso de licenciatura do campo da UFMG já se encontra na sua terceira oferta, tendo passado por duas turmas experimentais com perspectivas diferentes e uma nova versão construída a partir do REUNI, quando tornou-se curso permanente.

Uma questão crucial nesse debate diz respeito à especificidade do ensino médio brasileiro. Esse segmento do ensino apresenta um caráter disciplinar, tal como as licenciaturas que habilitam para a docência nesse segmento, o que concorre para uma formação especializada em física, química ou biologia. Faz parte de nossa tradição atribuir a esse nível de ensino (15-18 anos) a exigência de aprofundamento em determinados campos da cultura, o que implicaria em uma verticalização em sistemas mais abstratos de pensamento, pela recorrência à mediação teórica historicamente construída em cada área. O argumento, nesse caso, é o de que um nível médio com essa exigência é diferente do ensino fundamental (6-14 anos) e demanda um docente com uma formação especializada em uma dada disciplina, sendo inadequado conceber a formação desse profissional por área do conhecimento.

O nível médio de ensino sofre com a fragmentação interna das disciplinas escolares que, diante da dificuldade de resgatar a complexidade de suas homônimas acadêmicas, se constituem a partir de uma ênfase na memorização de nomes, fórmulas e classificações. O que importa mesmo ensinar acaba perdido em uma massa de detalhes. Isso resulta em um currículo extenso e distante das realidades da vida e do trabalho dos estudantes. Esses sujeitos acabam sem acesso a uma formação mais ampla que lhes permita conhecer os princípios básicos que orientam as produções das ciências e da tecnologia.

Essa constatação gera pelo menos duas outras questões: a organização do currículo de CVN para FIEI e LeCampo e a abrangência e validade dos diplomas em termos de nível de atuação e do espaço territorial. A educação básica urbana no Brasil sofre de um grande problema estrutural que é a falta de professores de física, química e biologia, cujos motivos não serão analisados aqui. Na zona rural, com maior razão, esses professores praticamente inexistem e quando estão presentes são constrangidos a ensinar mais de uma disciplina em função da pequena carga horária e das distâncias entre as escolas.

Uma vez acordado que os cursos de licenciatura para o campo deveriam formar professores/educadores para atuarem no segundo segmento do nível fundamental e no nível médio, a formação por área está posta como desafio e necessidade. Pensar o ensino de ciências por área implica perguntar como fazer a organização curricular. Deveria ser feita por meio de abordagens conceituais de física, química e biologia, parcimoniosamente fornecidas? Em que medida uma organização por temas, mais interdisciplinar e contextualizada das ciências da natureza compromente uma formação mais sólida em termos conceituais? Nesse caso, o que se ganha e o que se perde? Fazer recair a ênfase sobre os problemas trazidos por esses grupos poderia promover um maior diálogo com e para a vida desses sujeitos? Como promover uma educação em ciências que não seja uma reedição das tão criticadas licenciaturas curtas? A educação escolar na contemporaneidade precisa "[...] superar uma caricatura da ciência e identificar uma ciência que os cidadãos precisam saber [...]" (COLLINS; PINCH, 2003, p. 13). Reeditar o formato já instituído das demais licenciaturas evitaria, por um lado, a duplicação da atual estrutura da universidade e, por outro, oportunizaria o contato dos estudantes com os laboratórios de pesquisa e com os modos de produzir, pensar e validar o conhecimento científico. Na turma de 2005, alguns estudantes disseram explicitamente que a discussão política eles sabiam fazer e que precisavam aprender ciências para responderem aos embates de ordem técnica. Mas em que medida os institutos de pesquisa em ciências naturais estão preparados para formar seus alunos para participarem de espaços de decisão de questões tecnico-científicas? Quão especializada precisaria ser esta formação para que os sujeitos se sintissem esclarecidos e autorizados por terceiros para cruzarem fronteiras culturais? Poucos professores das licenciaturas são identificados com a formação de professores e com as questões relativas à educação básica. Mais frágil ainda é a relação daqueles pesquisadores com as questões que envolvem a educação indígena e do campo. As disciplinas ofertadas nos institutos de pesquisa e departamentos de física, química e biologia pouco se diferenciam em termos de licenciaturas e bacharelado.

A qualidade da educação a ser promovida para essas comunidades não pode ser considerada genericamente. Ela precisa levar em conta a especificidade da experiência desses sujeitos, as suas condições sociais de produção, de vida e de trabalho, bem como a inserção dos mesmos em sua cultura específica, com todas as contradições inerentes a esse processo histórico de constituição.

Há hoje uma diversidade de sujeitos sociais que se colocam como protagonistas da Educação do campo, nem sempre orientados pelos mesmos objetivos e por concepções consonantes de educação e de campo, o que exige uma análise mais rigorosa dos rumos que estas ações sinalizam (CALDART, 2009, p. 36).

Acreditamos que esse quadro apresentado fornece uma visão sintética dos embates e do significado das propostas curriculares que, a despeito das críticas e resistências, têm orientado a formação de educadores indígenas e do campo.

Sabemos que a academia tem seus modos consagrados de pensar, historicamente construídos e vinculados à concepção de ilhas de excelência, voltadas para a formação de poucos. Sabemos também que há um conjunto de saberes e orientações curriculares dos quais a academia não abre mão. Por consequência, o movimento de expansão do acesso ao nível superior traz muitos desafios em termos de formação, no que se refere às opções políticas e aos pressupostos teórico-metodológicos orientadores dos cursos. Muitas são as dificuldades enfrentadas no interior dos cursos, como o desconhecimento que temos da realidade dos alunos e o deles em relação aos modos como a ciência é produzida e como funcionam os rituais acadêmicos; a dificuldade de a sociedade reconhecer uma estrutura curricular que se afasta do canônico e a dificuldade de a universidade construir um currículo que se afasta de tal formato.

O curso funciona em regime de alternância. Uma pedagogia criada na França, na década de 30 do século XX, com o propósito de articular o calendário escolar com os tempos da lida com a terra para os filhos de agricultores, além de enfrentar outros problemas semelhantes aos nossos, como defasagens educacionais no meio rural e desinteresse por uma escola divorciada da vida no campo. Portanto, a alternância visa articular tempos e espaços na escola (TE) e na comunidade (TC) de modo a promover um diálogo profícuo entre teoria e prática. Desse modo, a pedagogia da alternância contribui para o ingresso e a permanência dos sujeitos no curso.

O TE funciona em regime de imersão/internato, com aulas durante todo o dia, em um período concentrado. O TC consistiria em pôr em prática as teorias que foram objeto de estudo no TE ao retornarem ao contexto sociopolítico de vida e de trabalho. Assim, pedagogicamente, a alternância se fundamenta numa filosofia da práxis. Vale-se, ainda, de um sistema de apoio aos estudantes chamado Inserção Orientada na Escola (IOE) e Inserção Orientada na Comunidade (IOC). No caso do LeCampo, esse apoio conta, essencialmente, com estudantes das licenciaturas em física, química e biologia, bolsistas do curso.

A UFMG é uma universidade essencialmente urbana nas suas preocupações. Poucos são os espaços no seu interior possíveis de servir de laboratório para nos aproximarmos do diálogo com o campo. Como auxiliar os estudantes desses cursos na compreensão da cultura científica e dos rituais acadêmicos? Como produzir aproximações e diálogos entre culturas ou, de forma mais simples, entre professores universitários e os sujeitos desses cursos?

Essas aproximações são fundamentais para que uma pedagogia da alternância possa superar o regime de continuidade ou complementaridade teórica em espaços e tempos diferentes. O TC na licenciatura do campo está restrito à revisão de conteúdos teóricos e resolução de exercícios relativos aos tópicos ensinados no TE. Para Sousa Santos (2009), é necessário criar comunidades interpretativas ou espaços dos quais ambas as partes possam sair transformadas, enriquecidas. Aikenhead (2009) defende a ideia de se promover um cruzamento de fronteiras entre subculturas, ocidental, escolar, do campo, de aldeias, urbanas e de periferias etc.

Como avançar nessa intercambialidade entre espaços e tempos, entre teoria e prática em termos da vida no campo e nas aldeias, bem como das práticas pedagógicas que ocorrem nessas comunidades? Se muito já teorizamos sobre uma pedagogia da práxis, pouco avançamos na sua materialização como projeto educativo, no seio da academia. Isso exige de nós, professores em todos os níveis de ensino, uma formação específica que não tem sido considerada nos cursos de formação de professores em geral (OLIVEIRA et al., 2010).

Quais são os problemas que nossos alunos enfrentam na vida do campo, nos assentamentos, na agricultura familiar etc. e como nós e a ciência podemos ajudá-los? Que necessidades de aprendizado eles trazem em sua história precária de escolarização e quais são aqueles que esperam poder alcançar algo no curso? Que ciências será preciso ensinar para que se tornem aptos a entrar em debates cada vez mais especializados, complexos, abertos e incertos? De outro lado, que aprendizagens da vida podem auxiliar a ciência a resolver seus próprios impasses? Algumas dessas questões já estão sendo objeto de investigação no âmbito da educação em ciências como, por exemplo, no que se refere à apropriação da escrita e à mediação da leitura no contexto do ensino de ciências (PIO, 2011; LIMA; PAULA, 2010; PAULA; LIMA, 2010; 2011).

Por último, mas igualmente relevante nessa discussão, estão duas outras tensões: a política docente do REUNI e a relação entre ensino e pesquisa.

O REUNI foi instituído em agosto de 2007 com o objetivo explícito de promover a ampliação do acesso e a permanência na educação superior. O desenho curricular dos cursos propostos no âmbito do REUNI foi orientado no sentido de:

[...] valorizar a flexibilização e a interdisciplinaridade, diversificando as modalidades de graduação e articulando-a com a pós-graduação, além do estabelecimento da necessária e inadiável interface da educação superior com a educação básica (BRASIL, 2007, p. 5).

O programa precisa conjugar mecanismos de inclusão social – em termos de acesso e de permanência na universidade pública – com a necessidade de se avançar nas práticas pedagógicas, inclusive por meio da incorporação de novas tecnologias de apoio à aprendizagem. Por consequência, a entrada no REUNI constitui-se como um grande desafio em termos de ensino e pesquisa, independentemente dos novos cursos, considerando-se que uma das exigências era de uma expansão de pelo menos 20% das vagas.

De acordo com as diretrizes estabelecidas para o REUNI, a oferta de vagas deveria recair preferencialmente sobre os cursos noturnos, na ocupação de vagas ociosas, e ter como compromisso a redução das taxas de evasão. Previa uma maior articulação da graduação com a pós-graduação, como condição de sua realização, chamada de expansão qualiquantitativa dos programas de pós, orientada para a renovação pedagógica da educação superior. Assim, os cursos novos que foram criados e as vagas expandidas nos cursos já existentes pressupõem a colaboração de estudantes de mestrado, doutorado e de professores visitantes.

No caso da FaE/UFMG, as vagas originadas do REUNI para docentes foram pulverizadas no atendimento da expansão das licenciaturas e da pedagogia e para os dois novos cursos FIEI e LeCampo. Um agravante dessa distribuição de vagas foi a definição de ofertar quatro habilitações para cada um dos novos cursos: Ciências da Vida e da Natureza (CVN), Ciências Sociais e Humanidades (CSH), Linguagens, Artes e Literatura (LAL) e Matemática. Os estudantes de mestrado e doutorado têm uma inserção esporádica e não institucionalizada em termos de política do Programa de Pós-Gradução. Assim, não há orientação explícita de que seus objetos de pesquisa tenham alguma relação com os projetos dos novos cursos. Nem há, de nossa parte, certeza se isso seria desejável que ocorresse. A colaboração ocorre apenas entre aqueles que recebem bolsa de estudos originadas do FIEI ou LeCampo. Para os estudantes de mestrado há uma sobrecarga de estudo e docência a ser realizada em dois anos. No caso dos doutorandos, somente aqueles que foram selecionados com projetos de pesquisa na área dos cursos ofertados estão disponíveis e, de certo modo, interessados para atuar neles. Resultam daí alguns problemas, tais como: a dificuldade do Progama de Pós-Graduação em incorporar a lógica do REUNI em seu projeto e o alto número de encargos docentes sobre os novos professores ingressantes em decorrência do projeto de expansão.

A relação entre ensino e pesquisa impõe-se como uma necessidade de compreensão do fenômeno de expansão que estamos vivendo no próprio seio da universidade. Os desafios são muitos e bastante complexos. Os docentes mais experientes têm se dedicado cada vez mais à pesquisa, em suas mais diversas orientações e interesses, enquanto os iniciantes se vêem cada vez mais imersos na docência. Como incorporar os novos professores na pesquisa? Como nos valer dos experientes na docência de cursos tão desafiadores? A solução está em nos afastarmos da docência para conseguir fazer pesquisa ou em renunciar à pesquisa a favor da docência? Os novos cursos exigem uma docência desconhecida e tensa. Temos atualmente uma docência distanciada da pesquisa e, por consequência, uma pesquisa que poderá ficar distanciada de nossa docência. Um agravante dessa situação são os parcos recursos financeiros para a pesquisa, para infraestrutura e apoio também para os discentes.

Existem ainda outras tensões que não foram aqui explicitadas, mas acredito que as principais estão pontuadas. Cabe a nós mesmos, como diz Boaventura Sousa Santos, lá no meio do caroço, nos voltarmos para nós mesmos no sentido de enfrentar o nosso ofício de pesquisar e educar as gerações que estão chegando às nossas salas de aula.

Mas já há lições apreendidas:

Não, não vou por aí! Só vou por onde

Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde

Por que me repetis: "vem por aqui!"?

(RÉGIO, 1955, p. 108)

BREVES CONCLUSÕES

Há situações em que somos chamados a falar sobre o que sabemos, outras se constituem como oportunidade de aprendizado. O desafio das reflexões aqui produzidas advém da urgência presente em compreender algo que nos passa, que nos toca, que nos desloca. Ao percorrer os caminhos da reflexão um pouco mais solta do que aquelas típicas do meio acadêmico, em que as questões antes mesmo de serem formuladas já têm respostas preparadas, muitas lições puderam ser tiradas.

Abrir um espaço para a crítica da ciência e de seus limites não significa negar a importância, a potencialidade e seu lugar na contemporaneidade. Sabemos que a maior parte da ciência não é polêmica. A ciência normal é a que acontece na maior parte dos laboratórios do mundo, responsáveis por formar os técnicos e os cientistas. Nós da educação em ciências estamos cada vez mais convencidos de que a ciência e a tecnologia tornaram-se uma experiência necessária e inevitável a todos no mundo atual. Contudo, por hora não sabemos identificar qual ciência todos precisariam saber e, portanto, deveriam aprender nas escolas. Recorrendo mais uma vez a Irwin, compreendo que "[...] a racionalidade científica, sem a racionalidade social, fica vazia, mas a racionalidade social sem a científica fica cega [...]" (IRWIN, 1995, p. 78).

Algumas iniciativas em termos de uma educação em ciências para todos já se encontram disponíveis em relatos de pesquisa e de experiência docente. Isso nos dá certo lugar de conforto, pois não teremos que começar do zero. Mas admitir que a roda roda já é um bom começo.

Do ponto de vista metodológico, os cursos inovam e alimentam discussões de políticas curriculares e de formação de professores ao combinar demandas e contextos específicos de formação e uma visão mais abrangente dos processos educativos. Os cursos de formação de educadores do campo e indígenas tanto se apropriam da experiência acumulada pela Faculdade de Educação como aportam a essa experiência aspectos teóricos e metodológicos que nos permitem repensar a própria formação oferecida nos demais cursos de licenciatura. Permitem, assim, à UFMG ousar com responsabilidade e criatividade na formação de professores considerando a diversidade dos estratos e grupos que compõem a sociedade brasileira.

Ao passar a limpo nossas práticas devemos nos perguntar em que medida nossos cursos têm contribuído para construir uma visão pública da ciência? O exercício da crítica não pode paralisar o que fazemos. É necessário que, concomitantemente a ele, venha a ação de se inventar outra educação em ciências para os educadores do campo e para os povos indígenas e que, por consequência, possa se espraiar para outros. Embora tenha apontado aqui variadas tensões e muitas perguntas, é certo que, acompanhada mais uma vez de José Régio compreendo que...

Não sei para onde vou

Não sei por onde vou,

Sei que não vou por aí!

(RÉGIO, 1955, p. 108)

Recebido: 21/05/2012

Aprovado: 03/12/2012

NOTAS

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  • Contato:
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    Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino
    Faculdade de Educação
    Av. Antônio Carlos, 6.627
    CEP 31270-901
    Belo Horizonte, MG
    Brasil
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    Texto apresentado em mesa redonda por ocasião das comemorações dos 40 anos do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, em 15 de setembro de 2011. Todas as ideias contidas neste texto são de minha inteira responsabilidade e autoria.
  • 2
    Realizado na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais no período de 1985 a 1990.
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    Outro fenômeno recente e que tem desempenhado papel positivo nos movimentos reivindicatórios de acesso aos bens materiais e culturais é o advento das redes sociais. A ciência e a tecnologia contraditoriamente concorrem para processos cada vez mais amplos de inclusão e de democratização. Nesse sentido, a ciência não é só devedora de um projeto de prosperidade para todos mas é também credora de avanços sociais.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      21 Maio 2012
    • Aceito
      03 Dez 2012
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