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VIGILÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL: ANÁLISE DA SITUAÇÃO BRASILEIRA

RESUMO

Objetivo:

Descrever o caso do Brasil sob o aspecto de antecedentes históricos e realizar revisão sistemática de estudos publicados sobre registro da vigilância do desenvolvimento infantil mediante aplicação do Cartão ou Caderneta de Saúde da Criança.

Fontes de dados:

Fez-se busca da literatura em abril de 2016 nas bases eletrônicas: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline), sem restrição do idioma nem período de publicação, e em referências bibliográficas dos artigos selecionados. Descritores utilizados: desenvolvimento infantil e cartão da criança e desenvolvimento infantil e caderneta de saúde da criança. Critério de inclusão: artigos originais que mensuravam, no Brasil, o uso do instrumento de acompanhamento do desenvolvimento infantil. Critério de exclusão: outra forma de publicação que não fosse artigo original. Os artigos foram selecionados pelos títulos, seguido dos resumos e de sua leitura na íntegra.

Síntese dos dados:

A recomendação em apoiar a vigilância do desenvolvimento infantil ocorre desde 1984. Em 1995, incluíram-se marcos do desenvolvimento no Cartão da Criança, tornando-se tais marcos, em 2004, ato normativo para registro da vigilância por meio desse instrumento. Na revisão sistemática foram selecionados seis artigos, nos quais verificou-se a prevalência de notificação da vigilância do desenvolvimento infantil de 4,6 a 30,4%. Essa variação deve-se a critérios e tamanhos amostrais diversos e a diferentes metodologias de análise sobre a adequação do preenchimento do cartão.

Conclusões:

Apesar de a formalização pelo Ministério da Saúde do Brasil da vigilância do desenvolvimento infantil ter ocorrido há 32 anos, quando avaliada pelo registro no Cartão ou Caderneta de Saúde da Criança, sua realização ainda é deficitária e irregular.

Palavras-chave:
Desenvolvimento infantil; Atenção primária à saúde; Assistência integral à saúde da criança

ABSTRACT

Objective:

To describe Brazil’s historical background with regard to child development surveillance and perform a systematic review of studies published on surveillance records of child development within Child Health Handbooks.

Data sources:

A literature review was conducted in April of 2016 in the following electronic databases: Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences (LILACS), the Scientific Electronic Library Online (SciELO), and the Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline). The search did not have any language or publication period restrictions, and included the bibliographic references of the selected articles. The keywords “child development and child health records,” and “child development and child health handbook” were applied. Articles were included that were original and that evaluated the use of child development surveillance tools in Brazil. Publications that were not original were excluded. The articles were selected first based on their title, then their abstracts, and finally a thorough reading.

Data synthesis:

The recommendation to support child development surveillance has been occurring since 1984. In 1995, developmental milestones were included in the Child’s Health Handbook, and in 2004 they became normative acts for surveillance, which should be carried out using this booklet. In the systematic review, six articles were selected in which the prevalence of child development surveillance recording ranged from 4.6 to 30.4%. This variation was due to different criteria and sample sizes as well as different methodologies employed to analyze the adequacy of filling out the handbook.

Conclusions:

Despite the fact that the Brazilian Ministry of Health formalized child development surveillance 32 years ago, the act of recording the surveillance in the Child Health Handbook is still deficient and irregular.

Keywords:
Child development; Primary health care; Comprehensive healthcare

INTRODUÇÃO

Estabelecido ainda na primeira metade do século passado como um dos fundamentos conceituais e operativos da assistência pediátrica, o desenvolvimento infantil representa, ao lado do crescimento somático, um dos eixos que define e qualifica o processo ativo e contínuo de vigilância à saúde das crianças. Ou seja, na medida em que o crescimento e o desenvolvimento constituem respostas a padrões ou marcos esperados em função do potencial geneticamente programado, sua avaliação cuidadosa possibilita acompanhar, de forma oportuna e pertinente, seu desempenho como parâmetro sensível do processo saúde/doença em nível individual (ou clínico) e coletivo (epidemiológico).11. World Health Organization. Essential nutrition actions: improving maternal, newborn, infant and young child health and nutrition. Geneva: WHO; 2013.,22. Grantham-McGregor S, Cheung YB, Cueto S, Glewwe P, Richter L, Strupp B, et al. Developmental potential in the first 5 years for children in developing countries. Lancet. 2007;369:60-70.,33. Walker SP, Wachs TD, Grantham-McGregor S, Black MM, Nelson CA, Huffman SL, et al. Inequality in early childhood: risk and protective factors for early child development. Lancet. 2011;378:1325-38.

No trânsito entre os dois enfoques, destacam-se os princípios históricos da chamada pediatria social, representada principalmente por Robert Debret na França, David Morley na Inglaterra, Julius Richmond nos Estados Unidos, Frederico Gomez no México e no Brasil, com Fernando Figueira, Martagão Gesteira, Martinho da Rocha, Gomes de Mattos, Pedro de Alcântara e outros.44. Figueira F. Carta do IMIP. In: Figueira F, Ferreira OS, Alves JGB, editors. Pediatria. 2nd ed. Rio de Janeiro: Medsi; 1996. p. 1-4. Tais princípios e práticas estão sendo atualizados e consolidados por consensos mais recentes, como o reconhecimento e a priorização dos chamados “1.000 dias críticos”, compreendendo os nove meses de vida fetal e os dois primeiros anos pós-nascimento, o que representa um período de marcante vulnerabilidade em termos de sobrevivência e desenvolvimento das crianças,55. The Lancet [homepage on the Internet]. Maternal and child nutrition: executive summary of The Lancet maternal and child nutrition series [cited 2015 Sept 15]. Available from: http://www.unicef.org/ethiopia/Lancet_2013_Nutrition_Series_Executive_Summary.pdf
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ao lado do convite de estimulação adequada e oportuna.66. Tamburlini G, Manetti S, Toffol G. Primary health care and early childhood development. Lancet. 2011;378:e16.

Como referenciais de políticas e programas públicos de saúde, divisam-se duas sequências históricas, caracterizando-se a primeira como uma etapa ainda marcada por mortalidade infantil elevada, em função da ocorrência de doenças carenciais associadas a processos infecciosos. Nesse sentido, valoriza-se mais a vigilância do crescimento, usando gráficos ou classificações antropométricas.77. Murray CJ, Laasko T, Shibuya K, Hill K, Lopez AD. Can we achieve Millennium development goal 4? New analysis of country trends and forecasts of under-5 mortality to 2015. Lancet. 2007;370:1040-54.,88. Garenne M, Gakusi E. Health transitions in sub-Saharan Africa: overview of mortality trends in children under 5 years old (1950-2000). Bull World Health Organ. 2006;84:470-8. Numa segunda etapa, com o progresso material e social ligado ao acesso e à resolutividade das ações de saúde, define-se um cenário em que mais se justifica a valorização do desenvolvimento como uma sequência esperada do processo de transição.22. Grantham-McGregor S, Cheung YB, Cueto S, Glewwe P, Richter L, Strupp B, et al. Developmental potential in the first 5 years for children in developing countries. Lancet. 2007;369:60-70.,99. Leisman G, Mualem R, Mughrabi SK. The neurological development of the child with the educational enrichment in mind. Psicol Educ. 2015;21:79-96.

Não existe uma linha demarcatória dos dois cenários que se sucedem naturalmente. Portanto, essas observações explicativas prestar-se-iam para ilustrar a conceituação de modelos epidemiológicos típicos que raramente existiriam na realidade. Em termos lógicos e convencionais, a priorização do desenvolvimento infantil representaria uma etapa já avançada do nível de cuidados de saúde da criança, ou seja, o contexto próprio dos países mais avançados, que integra o monitoramento do desenvolvimento, padronizando vigilância, triagem e intervenções pertinentes. O caso do Brasil, analisado em tópico específico deste estudo, já estaria configurado nessa nova condição como justificativa para a observação sistemática do desenvolvimento infantil. É o que deveria ocorrer a partir de 2004, como recomendação explícita de políticas públicas aplicadas às crianças.1010. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Pogramáticas Estratégicas. Agenda de compromissos para a saúde integral da criança e redução da mortalidade infantil. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.

Em nível internacional, como perspectiva inovadora no conceito e na aplicação progressiva de novas práticas, já se recomenda a estimulação ambiental do desenvolvimento infantil, o que deve se iniciar ainda na vida fetal. São vários os recursos utilizados, como a alimentação diversificada e saudável da mãe transmitindo a experiência de sabores, o estado de humor positivo no espaço familiar, a importância da música, o “diálogo” mãe/feto efetivado de várias maneiras,99. Leisman G, Mualem R, Mughrabi SK. The neurological development of the child with the educational enrichment in mind. Psicol Educ. 2015;21:79-96.,1111. Norona NA, Baker BL. The effects of early positive parenting and developmental delay status on child emotion dysregulation. J Intellect Disabil Res [Internet]. 2016 [cited 2016 Apr 29]. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jir.12287/epdf
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,1212. Luby JL, Barch DM, Belden A, Gaffrey MS, Tillman R, Babb C, et al. Maternal support in early childhood predicts larger hippocampal volumes at school age. PNAS. 2012;109:2854-9. a orientação da leitura em voz alta, favorecendo habilidades que precisam se desenvolver antes mesmo do aprendizado convencional de ler e escrever, tornando as crianças mais receptíveis ao formalismo educacional da vida escolar, além da experiência que fortalece a relação pais-filhos em momento crítico do desenvolvimento.66. Tamburlini G, Manetti S, Toffol G. Primary health care and early childhood development. Lancet. 2011;378:e16.,1313. Council on Early Childhood, High PC, Klass P. Literacy promotion: an essential component of primary care pediatric practice. Pediatrics. 2014;134:404-9.,1414. Toffol G, Melloni M, Cagnin R, Giacobbi L, Montini C. Effectiveness study on the Italian project "Nati per Leggere". Quaderni ACP. 2011;18:195-201.

Na Itália, por meio do projeto Nati per Leggere, iniciado em 1999, é rotina para o pediatra, nos cuidados primários de saúde, orientar os pais sobre o momento adequado para ler para seus filhos, com evidências de resultados das crianças aos 5 anos mediante a amplitude de vocabulário e habilidades de compreensão -1414. Toffol G, Melloni M, Cagnin R, Giacobbi L, Montini C. Effectiveness study on the Italian project "Nati per Leggere". Quaderni ACP. 2011;18:195-201. a leitura iniciada na infância até mesmo iguala a riqueza de vocabulário e a familiaridade com as disciplinas escolares entre as idades de 10 a 16 anos, independentemente da condição econômica da família.1515. Centre for Longitudinal Studies [homepage on the Internet]. Social inequalities in cognitive scores at age 16: the role of reading. CLS Working Paper 2013/10 [cited 2016 May 23]. Available from: http://www.cls.ioe.ac.uk/page.aspx?sitesectionid=939
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Também devem ser estimulados o incentivo à sensibilidade parental, a prática diária de atividades saudáveis, a disponibilidade e o uso de brinquedos e outras formas de estimulação precoce, favorecendo a formação do cérebro e seu pleno desenvolvimento.1111. Norona NA, Baker BL. The effects of early positive parenting and developmental delay status on child emotion dysregulation. J Intellect Disabil Res [Internet]. 2016 [cited 2016 Apr 29]. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jir.12287/epdf
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,1212. Luby JL, Barch DM, Belden A, Gaffrey MS, Tillman R, Babb C, et al. Maternal support in early childhood predicts larger hippocampal volumes at school age. PNAS. 2012;109:2854-9.,1616. Saccani R, Valentini NC, Pereira KR, Müller AB, Gabbard C. Associations of biological factors and affordances in the home with infant motor development. Pediatr Int. 2013;55:197-203. A maior parte dessas orientações pode ser promovida por profissionais de saúde durante a visita domiciliar. Sabe-se que famílias e comunidades valorizam o aconselhamento desses profissionais, o que auxilia no conhecimento da família por parte da equipe multidisciplinar no seu próprio ambiente biopsicossocial, como momento ideal para capacitação das mães e cuidadores sobre a importância do desenvolvimento infantil.1717. Sierau S, Dähne V, Brand T, Kurtz V, von Klitzing K, Jungmann T. Effects of home visitation on maternal competencies, family environment, and child development: a randomized controlled trial. Prev Sci. 2016;17:40-51.,1818. World Health Organization. Care for child development: improving the care of young children. Participant Manual [Internet]. 2012. [cited 2016 May 25]. Available from: http://www.unicef.org/earlychildhood/files/3.CCD_-_Participant_Manual.pdf
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Objetivou-se neste artigo descrever, contextualizar e estabelecer algumas perspectivas acerca da evolução do conceito de desenvolvimento infantil e de seu desdobramento atual e presumível em nível individual e coletivo como instrumento de políticas e programas públicos de saúde. Além disso, buscou-se analisar o caso do Brasil sob o aspecto de evolução histórica e, de acordo com o ponto de vista analítico, compreender a situação do país tendo em vista a ótica de evidências apresentadas por intermédio da sistematização de estudos publicados nas duas últimas décadas.

O caso do Brasil

A análise do caso brasileiro é aqui considerada sob duas perspectivas. A primeira constitui a apreciação da resenha histórica que ocupa a proposição do crescimento e desenvolvimento como eixos conceituais de referência para a compreensão e prática da vigilância ao processo saúde/doença da criança. A segunda perspectiva envolve a busca, seleção e sistematização de estudos publicados no Brasil sobre a vigilância do desenvolvimento infantil por meio de registros no Cartão ou na Caderneta de Saúde da Criança. Na vertente histórica, relaciona-se o itinerário institucional, entendido como posicionamentos de políticas e ações programáticas do governo brasileiro referentes a essa questão.

Embora sejam encontradas citações em documentos oficiais, o que de fato formalizou uma recomendação e, mais que isso, um compromisso do Ministério da Saúde do Brasil em apoiar a vigilância do desenvolvimento infantil foi a instituição do Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança (PAISC), oficializado em 1984, portanto há 32 anos.1919. Brazil - Ministério da Saúde. Centro de Documentação do Ministério da Saúde. Assistência integral à saúde da criança: ações básicas [Série B: textos básicos de saúde, 7]. Brasília: Ministério da Saúde; 1984. No entanto, a questão do desenvolvimento foi claramente subvalorizada em relação a outros cuidados básicos tratados no referido documento e observados em medidas concretas, como as imunizações, o acompanhamento do crescimento, o aleitamento materno, a terapia de reidratação oral (TRO) e outras estratégias preventivas e curativas aplicadas às doenças prevalentes na infância.

A mortalidade infantil ainda elevada nos anos 1980 centralizou os objetivos maiores do governo brasileiro.77. Murray CJ, Laasko T, Shibuya K, Hill K, Lopez AD. Can we achieve Millennium development goal 4? New analysis of country trends and forecasts of under-5 mortality to 2015. Lancet. 2007;370:1040-54.,88. Garenne M, Gakusi E. Health transitions in sub-Saharan Africa: overview of mortality trends in children under 5 years old (1950-2000). Bull World Health Organ. 2006;84:470-8. Até então não havia recomendação expressa de registrar os marcos de desenvolvimento no Cartão da Criança nem, por conseguinte, as demandas que seu registro poderia indicar. Nessa perspectiva, a questão do desenvolvimento infantil só passou a ser referenciada e de fato recomendada normativamente pelo Ministério da Saúde em 2004.1010. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Pogramáticas Estratégicas. Agenda de compromissos para a saúde integral da criança e redução da mortalidade infantil. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. Foi um novo reposicionamento sobre a questão.

Em 2005, o Cartão da Criança, então convertido em Caderneta de Saúde da Criança (CSC),2020. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Manual para utilização da Caderneta de Saúde da Criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2005. passou a constituir o principal instrumento para acompanhar e registrar a saúde infantil na atenção primária. Assim, no caso do desenvolvimento, os marcos devem ser avaliados e preenchidos em todas as consultas, desde o nascimento até os 3 anos de idade, possibilitando identificar necessidades especiais que demandam abordagem oportuna e pertinente. Ademais, esses registros precisam transitar pelos demais serviços e níveis de atenção, podendo servir de subsídio para os cuidados básicos e complementares com a saúde da criança.2121. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Criança e Aleitamento Materno. Caderneta de Saúde da Criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.

Um segundo ponto a ser focado trata das contribuições bibliográficas voltadas para o resgate de estudos acerca da experiência brasileira perante a vigilância do desenvolvimento infantil, mediante a revisão sistemática de trabalhos publicados nas duas últimas décadas. Essa revisão, envolvendo vários outros focos de abordagem e implicando resultados bem diferentes, também foi objeto de um trabalho de Almeida et al.,2222. Almeida AC, Mendes LC, Sada IR, Ramos EG, Fonseca VM, Peixoto MV. Use of a monitoring tool for growth and development in Brazilian children: systematic literature review. Rev Paul Pediatr. 2016;34:122-31. destinado a “avaliar o uso de instrumento de acompanhamento de saúde da criança, com ênfase nas variáveis do acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento”, incluindo o transcurso da gestação e do nascimento, especificamente centrado na tarefa de atualizar as contribuições analíticas no que diz respeito ao preenchimento do Cartão ou da CSC no Brasil, enquanto a revisão aqui relatada analisa as contribuições bibliográficas concernentes ao processo de vigilância do desenvolvimento infantil em sua dinâmica e seus resultados. Isso explica as diferenças das duas avaliações.

Fontes de dados

Para esta revisão, configurando a segunda vertente de análise do caso brasileiro, utilizou-se como suporte, após as devidas adaptações de objetivos e metodologia, o estudo de Almeida et al.2222. Almeida AC, Mendes LC, Sada IR, Ramos EG, Fonseca VM, Peixoto MV. Use of a monitoring tool for growth and development in Brazilian children: systematic literature review. Rev Paul Pediatr. 2016;34:122-31. O artigo aqui relatado foca, especificamente, a tarefa de atualizar as contribuições descritivas e analíticas sobre o preenchimento do Cartão ou CSC no Brasil quanto à vigilância do item “desenvolvimento infantil”, o que se tornou formalmente prioritário a partir de 2004.1010. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Pogramáticas Estratégicas. Agenda de compromissos para a saúde integral da criança e redução da mortalidade infantil. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.

O tratamento aqui apresentado está de acordo com as normas do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA).2323. Liberati A, Altman DG, Tetzlaff J, Mulrow C, Gøtzsche PC, Ioannidis JP, et al. The PRISMA statement for reporting systematic reviews and meta-analyses of studies that evaluate healthcare interventions: explanation and elaboration. BMJ. 2009;339:b2700. Fez-se uma busca em abril de 2016, sem restrição do idioma e sem período de publicação, nas bases eletrônicas LILACS, SciELO e Medline e em listas de referências bibliográficas dos artigos de interesse dos objetivos fixados. Os seguintes descritores e palavras‐chave foram usados: “desenvolvimento infantil” e cartão da criança” e “desenvolvimento infantil e caderneta de saúde da criança”.

Os critérios de inclusão foram: artigos com objetivos definidos, características amostrais dos participantes e textos publicados em revistas indexadas que mensuravam, no Brasil, o uso do instrumento de acompanhamento do desenvolvimento infantil, elaborado e distribuído pelo Ministério da Saúde a partir de 1995, quando foram estabelecidos os 11 marcos de desenvolvimento infantil, com espaços gráficos para o registro da idade em que foram alcançados. Os critérios de exclusão consistiram em: outra forma de publicação que não fosse artigo original, como editoriais, livros, relatórios técnicos, resenhas, trabalhos de conclusão de curso de graduação ou pós-graduação com circulação restrita ao espaço institucional, assim como avaliações com abordagem qualitativa.

SÍNTESE DE DADOS

Na busca das bases de dados, foram encontrados 54 artigos: 39 na LILACS, 7 na SciELO e 8 na Medline. Mais dois artigos foram resgatados considerando a lista de referências, e, em um, a avaliação foi realizada por meio das fichas-espelho de puericultura das crianças em Unidades Básicas de Saúde. Assim, foram identificados inicialmente 56 artigos. Fez-se então a exclusão de 38 deles, dos quais 33 foram excluídos após leitura dos títulos, em razão da discrepância em relação aos nossos objetivos e critérios de inclusão; os outros 5 eram, de fato, repetições. No rastreamento, após leitura dos resumos dos 18 artigos restantes, 6 foram excluídos por corresponderem a artigos que não avaliaram o preenchimento do Cartão ou CSC. Dos 12 artigos que restaram para leitura na íntegra, de acordo com as regras de elegibilidade, foram excluídos seis, por não possuírem avaliação acerca do preenchimento do Cartão ou CSC no Brasil quanto à vigilância do item desenvolvimento infantil. Assim, foram finalmente selecionados seis artigos, cujos sumários referentes exclusivamente à avaliação do registro do desenvolvimento infantil estão apresentados na Tabela 1.

Tabela 1:
Resultados finais de estudos incluídos na revisão sistemática sobre a vigilância do desenvolvimento infantil no Cartão ou na Caderneta de Saúde da Criança no Brasil, a partir de 2005.

Segundo os estudos analisados,2424. Palombo CN, Duarte LS, Fujimori E, Toriyama AT. Use and filling of child health handbook focused on growth and development. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(Esp):60-7.,2525. Abud SM, Gaíva MA. Records of growth and development data in the child health handbook. Rev Gaucha Enferm. 2015;36:97-105.,2626. Ceia ML, Cesar JA. Evaluation of records of infant care in basic health units in Southern Brazil. Rev AMRIGS. 2011;55:244-9.,2727. Da Costa JS, Cesar JA, Pattussi MP, Fontoura LP, Barazzetti L, Nunes MF, et al. Child healthcare: completion of health records in municipalities in the semi-arid region of Brazil. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2014;14:219-27.,2828. Alves CR, Lasmar LM, Goulart LM, Alvim CG, Maciel GV, Viana MR, et al. Quality of data on the Child Health Record and related factors. Cad Saude Publica. 2009;25:583-95.,2929. Vieira GO, Vieira TO, Costa MC, Santana Netto PV, Cabral VA. Children's care cards use in Feira de Santana, Bahia. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2005;5:177-84. a prevalência de notificação do desenvolvimento infantil na CSC, com critérios e tamanhos amostrais diversos e metodologias de análise sobre a adequação do preenchimento das variáveis, apresentou valor mínimo de 4,6% em Cuiabá, Mato Grosso (2011),2525. Abud SM, Gaíva MA. Records of growth and development data in the child health handbook. Rev Gaucha Enferm. 2015;36:97-105. e valor máximo de 30,4% em duas localidades do Piauí, em 2008.2727. Da Costa JS, Cesar JA, Pattussi MP, Fontoura LP, Barazzetti L, Nunes MF, et al. Child healthcare: completion of health records in municipalities in the semi-arid region of Brazil. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2014;14:219-27. A última avaliação foi realizada no ano de 2013,2424. Palombo CN, Duarte LS, Fujimori E, Toriyama AT. Use and filling of child health handbook focused on growth and development. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(Esp):60-7. com prevalência de registro de 7% em um município de São Paulo. Vale ressaltar que nenhum dos estudos informava, em sua metodologia, que a avaliação da vigilância do desenvolvimento infantil mediante o registro no Cartão ou na CSC tinha sido realizada de forma plena pelos profissionais de saúde, ou seja, com anotações em todas as consultas de puericultura, conforme a faixa etária das crianças. Isso se configura uma evidente superestimação desses resultados, ao se considerar que o ideal seria o registro sequencial e contínuo das fichas cobrindo todas as consultas, como recomenda a norma técnica do Ministério da Saúde.

DISCUSSÃO

Como conceito clínico e epidemiológico, a definição do desenvolvimento infantil como um processo biológico bem característico das crianças já expressa um consenso praticamente centenário. Seu reconhecimento assume até mesmo conotação pública, na medida em que a observação e o senso comum compreendem bem que as crianças devem crescer e se desenvolver segundo padrões esperados.

No entanto, o que deve ser considerado como objeto de estudo é, efetivamente, como esses fundamentos conceituais bem aceitos e recomendados se incorporam como práticas de cuidados individuais ou como suportes de políticas e programas de governo, revisitando, preliminarmente, as dimensões e propostas inovadoras para que o conceito tradicional de desenvolvimento seja renovado, de modo a assumir novos papéis e, portanto, novas demandas na atenção básica à saúde infantil.

As análises aqui apresentadas, recorrendo ao resgate histórico sobre o tema no Brasil ou sistematizando os estudos analíticos da bibliografia seletiva, são consistentes e conclusivos com vistas a reconhecer que o desenvolvimento infantil como atitude de vigilância do processo saúde/doença das crianças brasileiras representa um fundamento claramente negligenciado desde a gestão central até as unidades locais de assistência.

De fato, mesmo tomando como antecedente normativo a instituição do PAISC há 32 anos (1984-2016), a documentação histórica é bem conclusiva para evidenciar a lacuna existente entre as declarações de princípios e as ações práticas correspondentes. Assim, apesar de modelos gráficos já terem sido disponibilizados desde 1995 para o registro de marcos do desenvolvimento esperados e alcançados no então Cartão da Criança, ainda não se assumiu a vigilância do desenvolvimento infantil como uma atividade sistemática e normativa, ou seja, como recomendação de políticas e ações públicas de saúde,1010. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Pogramáticas Estratégicas. Agenda de compromissos para a saúde integral da criança e redução da mortalidade infantil. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. o que pode explicar os percentuais inexpressivos encontrados nos estudos selecionados. Embora não tenham sido incluídos na revisão sistemática por terem sido estudos publicados em relatórios de pesquisa e não em revistas indexadas, no estado de Pernambuco, dois inquéritos domiciliares de base populacional mostraram em 1997 o percentual de preenchimento da vigilância do desenvolvimento infantil de 1,1%3030. Batista Filho M, Romani SA, editors. Alimentação, nutrição e saúde no estado de Pernambuco. Recife: IMIP; 2002. e, em 2006, de 4,0%.3131. Universidade Federal de Pernambuco; Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira; Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco. III PESN 2006 - III Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição: situação alimentar, nutricional e de saúde no estado de Pernambuco, contexto socioeconômico e de serviços. Recife: UFPE/IMIP/SES; 2012. É esse, por conseguinte, o item das recomendações que usualmente não se observa, configurando comportamento de descrédito dos profissionais de saúde e da própria população usuária sobre a importância desse cuidado básico.

Por meio dos resultados de várias pesquisas, conhece-se a indicação de dificuldades comuns no preenchimento do Cartão ou da CSC,3232. Reichert AP, Collet N, Eickmann SH, Lima MC. Vigilância do desenvolvimento infantil: estudo de intervenção com enfermeiros da Estratégia Saúde da Família. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23:954-62.,3333. Andrade GN, Rezende TM, Madeira AM. Caderneta de Saúde da Criança: experiências dos profissionais da atenção primária à saúde. Rev Esc Enferm USP. 2014;48:857-64.,3434. Carvalho MF, Lira PI, Romani SA, Santos IS, Veras AA, Batista Filho M. Monitoring of infant growth by health services in Pernambuco state, Brazil. Cad Saude Publica. 2008;24:675-85.como no caso bem ilustrativo de um estudo com enfermeiros e médicos de ESF de Belo Horizonte (MG), objetivando compreender as experiências vividas com a CSC, tais como as dificuldades próprias do processo de vigilância em si, a organização inadequada do trabalho diário das equipes, o desinteresse das mães e as limitações de conhecimento sobre o instrumento.3232. Reichert AP, Collet N, Eickmann SH, Lima MC. Vigilância do desenvolvimento infantil: estudo de intervenção com enfermeiros da Estratégia Saúde da Família. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23:954-62. Essas restrições também foram encontradas em Estratégias de Saúde da Família em João Pessoa (PB), em estudo com 45 enfermeiras e 450 mães de menores de 2 anos de idade. Trata-se de uma pesquisa de intervenção do tipo “antes e depois”. Nela, inicialmente, foram avaliadas, além das práticas e dos conhecimentos dos enfermeiros quanto à vigilância do desenvolvimento infantil, as entrevistas com as mães sobre essas práticas e a realização de oficinas com os profissionais envolvidos, com reavaliação dos resultados após quatro meses, quando se observou aumento da implementação da vigilância do desenvolvimento infantil.3333. Andrade GN, Rezende TM, Madeira AM. Caderneta de Saúde da Criança: experiências dos profissionais da atenção primária à saúde. Rev Esc Enferm USP. 2014;48:857-64. Num diagnóstico situacional do acompanhamento do crescimento e desenvolvimento de menores de 1 ano de idade, da região metropolitana do Recife (PE) e interior do estado de Pernambuco, em amostra de 816 crianças avaliadas em 120 unidades de saúde, constatou-se que 15,8% das unidades de saúde não dispunham de CSC e 75,4% não possuíam as normas de acompanhamento do desenvolvimento,3434. Carvalho MF, Lira PI, Romani SA, Santos IS, Veras AA, Batista Filho M. Monitoring of infant growth by health services in Pernambuco state, Brazil. Cad Saude Publica. 2008;24:675-85. apesar de as atividades de puericultura na atenção básica constituírem ação atribuída aos profissionais de enfermagem lotados nessas unidades.2020. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Manual para utilização da Caderneta de Saúde da Criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2005. Entretanto, o atendimento de puericultura na atenção básica é comumente pautado em queixas, no qual o usuário assume condição passiva.3535. Monteiro AI, Macedo IP, Santos AD, Araújo WM. Nursing and the collective action: accompanying child growth and development. Rev Rene. 2011;12:73-80.

Os resultados desta revisão praticamente não diferem dos encontrados nas práticas médicas em relação à vigilância do desenvolvimento infantil no Brasil, assim como em outros países. É o que se comprova numa revisão de estudos no Brasil compreendendo os anos de 2000 a 2011, que aponta problemas desde a formação do médico pediatra até a sua prática clínica,3636. Zeppone SC, Volpon LC, Del Ciampo LA. Monitoring of child development held in Brazil. Rev Paul Pediatr. 2012;30:594-9. similar aos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, onde, apesar de o uso de ferramenta formal para avaliar o desenvolvimento infantil durante a prática médica ter duplicado entre 2002 e 2009, menos da metade do total dos pediatras aplica essa ferramenta em crianças menores de 36 meses.3737. Radecki L, Sand-Loud N, O'Connor KG, Sharp S, Olso LM. Trends in the use of standardized tools for developmental screening in early childhood: 2002-2009. Pediatrics. 2011;128:14-9.

Estima-se que, em nível mundial, 200 milhões de crianças com menos de 5 anos de idade deixam de realizar todo o seu potencial quanto ao desenvolvimento cognitivo e socioemocional, e países da África Subsaariana tem a maior percentagem de crianças desfavorecidas.22. Grantham-McGregor S, Cheung YB, Cueto S, Glewwe P, Richter L, Strupp B, et al. Developmental potential in the first 5 years for children in developing countries. Lancet. 2007;369:60-70. Em uma coorte de nascimentos na cidade de Nova York, Estados Unidos, de 1994 a 2011, foram identificadas 45.709 (8,4%) crianças com atraso no desenvolvimento.3838. Duffany KO, McVeigh KH, Kershaw TS, Lipkind HS, Ickovics JR. Maternal obesity: risks for developmental delays in early childhood. Matern Child Health J. 2016;20:219-30. Em Esmirna, na Turquia, estudo envolvendo 1.514 crianças entre 3-60 meses atendidas em 12 unidades básicas durante aproximadamente um ano (2013-2014), a prevalência de atraso foi de 6,4%.3939. Demirci A, Kartal M. The prevalence of developmentaldelay among children aged 3-60 months in Izmir, Turkey. Child Care Health Dev. 2016;42:213-9.

No Brasil, afora o objeto de estudo propriamente dito aqui considerado (o registro de marcos no desenvolvimento no Cartão ou CSC), é interessante notificar alguns resultados referentes à sua leitura como indicador de condição de atraso. Apesar das limitações dos estudos em relação a amostras, faixa etária, diversidade de instrumentos de vigilância e de triagem do desenvolvimento, a prevalência de situações de atraso varia de 30 a 56% em cidades dos estados da Paraíba, da Bahia, de Minas Gerais, de Goiás e de São Paulo,2424. Palombo CN, Duarte LS, Fujimori E, Toriyama AT. Use and filling of child health handbook focused on growth and development. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(Esp):60-7.,4040. Silva AC, Engstron EM, Miranda CT. Factors associated with neurodevelopment in children 6-18 months of age in public daycare centers in João Pessoa, Paraíba State, Brazil. Cad Saude Publica. 2015;31:1881-93.,4141. Guimarães AF, Carvalho DV, Machado NA, Baptista RA, Lemos SM. Risk of developmental delay of children aged between two and 24 months and its association with the quality of family stimulus. Rev Paul Pediatr. 2013;31:452-8.,4242. Oliveira LL, Costa VM, Requeijo MR, Rebolledo RS, Pimenta AF, Lemos SM. Child development: agreement between the child health handbook and the guide for monitoring child development. Rev Paul Pediatr. 2012;30:479-85.,4343. Brito CM, Vieira GO, Costa MC, Oliveira NF. Neuropsychomotor development: the Denver scale for screening cognitive and neuromotor delas in preschoolers. Cad Saude Publica. 2011;27:1403-14.,4444. Torquato JA, Paes JB, Bento MC, Saikai GM, Souto JN, Lima EA, et al. Prevalence of neuropsychomotor development delay in preschool children. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2011;21:259-68.,4545. Braga AK, Rodovalho JC, Formiga CK. Evolution of growth and development of children preschoolers zero-two years in the city of Goiânia (GO). Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2011;21:230-9. expressando uma situação preocupante na medida em que essas frequências são de 6 a 20 vezes mais elevadas do que os déficits apontados por indicadores antropométricos do crescimento (peso/idade, peso/estatura e estatura/idade). Levando em conta que os indicadores de atraso do crescimento demonstram que as situações de déficit nutricional se acham praticamente resolvidas até mesmo nas regiões mais pobres do país,4646. Brazil - Ministério da Saúde. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. PNDS 2006: Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança [Série G. Estatística e Informação em Saúde]. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.,4747. Brazil - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. sobressai a ideia de que é o momento de valorizar o desenvolvimento infantil, de modo a não defasar mais ainda o registro de sua vigilância, de acordo com a faixa etária apontada na CSC, durante as consultas de puericultura, caracterizando e aprofundando um descuido que já se torna inaceitável.

Ressalta-se ainda que, dos sete estudos sobre prevalência de atrasos do desenvolvimento,2424. Palombo CN, Duarte LS, Fujimori E, Toriyama AT. Use and filling of child health handbook focused on growth and development. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(Esp):60-7.,4040. Silva AC, Engstron EM, Miranda CT. Factors associated with neurodevelopment in children 6-18 months of age in public daycare centers in João Pessoa, Paraíba State, Brazil. Cad Saude Publica. 2015;31:1881-93.,4141. Guimarães AF, Carvalho DV, Machado NA, Baptista RA, Lemos SM. Risk of developmental delay of children aged between two and 24 months and its association with the quality of family stimulus. Rev Paul Pediatr. 2013;31:452-8.,4242. Oliveira LL, Costa VM, Requeijo MR, Rebolledo RS, Pimenta AF, Lemos SM. Child development: agreement between the child health handbook and the guide for monitoring child development. Rev Paul Pediatr. 2012;30:479-85.,4343. Brito CM, Vieira GO, Costa MC, Oliveira NF. Neuropsychomotor development: the Denver scale for screening cognitive and neuromotor delas in preschoolers. Cad Saude Publica. 2011;27:1403-14.,4444. Torquato JA, Paes JB, Bento MC, Saikai GM, Souto JN, Lima EA, et al. Prevalence of neuropsychomotor development delay in preschool children. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2011;21:259-68.,4545. Braga AK, Rodovalho JC, Formiga CK. Evolution of growth and development of children preschoolers zero-two years in the city of Goiânia (GO). Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2011;21:230-9. constam os encaminhamentos dos casos de atraso em apenas um.4343. Brito CM, Vieira GO, Costa MC, Oliveira NF. Neuropsychomotor development: the Denver scale for screening cognitive and neuromotor delas in preschoolers. Cad Saude Publica. 2011;27:1403-14. Apesar do conhecimento do potencial de mudança inerente à plasticidade neural,99. Leisman G, Mualem R, Mughrabi SK. The neurological development of the child with the educational enrichment in mind. Psicol Educ. 2015;21:79-96.,4848. Rajchanovska D, Ivanovska BZ. The impact of demographic and socio-economic conditions on the prevalence of speech disorders in preschool children in Bitola. Srp Arh Celok Lek. 2015;143:169-73. adverte-se para problemas futuros no tocante às crianças diagnosticadas com atraso na idade escolar, tais como restrições no rendimento de aprendizagem, baixa participação no contexto das atividades escolares e desempenho funcional significativamente inferior em comparação ao de crianças sem história de atraso.4949. Dornelas LF, Magalhães LC. Functional performance of school children diagnosed with developmental delay up two years of age. Rev Paul Pediatr. 2016;34:78-85.

Assim, embora haja escassez e limitações dos estudos, fica evidenciada a atitude de descaso generalizado em relação à vigilância do desenvolvimento infantil na atenção básica de saúde. Pode-se concluir que no Brasil esse cuidado é o elo perdido na cadeia de ações que devia constituir, há 32 anos, o Programa de Atenção Integral à Saúde das mulheres e das crianças.1919. Brazil - Ministério da Saúde. Centro de Documentação do Ministério da Saúde. Assistência integral à saúde da criança: ações básicas [Série B: textos básicos de saúde, 7]. Brasília: Ministério da Saúde; 1984. Em 2004, o compromisso com a vigilância do desenvolvimento infantil foi reafirmado, com a obrigatoriedade para o registro no Cartão da Criança nas unidades básicas de saúde,1010. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Pogramáticas Estratégicas. Agenda de compromissos para a saúde integral da criança e redução da mortalidade infantil. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. mas ainda assim os progressos praticamente têm sido insignificantes. Essa limitação agrava-se diante do reconhecimento e da ênfase com que se prioriza, em nível mundial, a importância de se intensificar os cuidados nos chamados “1.000 dias críticos” da criança.55. The Lancet [homepage on the Internet]. Maternal and child nutrition: executive summary of The Lancet maternal and child nutrition series [cited 2015 Sept 15]. Available from: http://www.unicef.org/ethiopia/Lancet_2013_Nutrition_Series_Executive_Summary.pdf
http://www.unicef.org/ethiopia/Lancet_20...
É uma questão que deve ser levada aos fóruns nacionais e internacionais de saúde, aos poderes executivos, legislativos e até judiciários como um problema de direitos humanos, mesmo reconhecendo-se que a própria opinião pública ainda não se interessa pelo assunto.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a bolsa de financiamento para o estágio do pós-doutorado, realizado no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP); e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), as bolsas de Produtividade em Pesquisa de Malaquias Batista Filho e Marilia Lima.

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  • Financiamento O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2017
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2016
  • Aceito
    20 Ago 2016
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