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Máximo Sozzo. La inflación punitiva: un análisis comparativo de las mutaciones del derecho penal en América Latina (1990-2015). Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Flacso/Café de las Ciudades, 2017. 434 p.

A obra La inflación punitiva: Un análisis comparativo de las mutaciones del derecho penal en América Latina é parte de uma pesquisa mais ampla, sob a coordenação da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), que envolveu uma série de instituições latino-americanas. A pesquisa “Explorando la economía política de la violencia en los sistemas fronterizos de América Latina: hacia una comprensión integral” 1 1 O estudo buscou investigar a estrutura e as características do sistema fronteiriço global da América Latina com base nas economias ilegais e nos crimes conexos; isto é, propôs-se a elucidar como se constitui a relação transfronteiriça na América Latina a partir dos atores, da rede global do crime, dos espaços e dos lugares que estruturam os circuitos, as rotas e os nós da ilegalidade. A intenção foi superar os estudos de caso para construir uma visão compreensiva das fronteiras da região. se centra nas convergências e divergências das leis penais da região e em suas reformas precedentes, focando em penalidades e crimes que têm forte impacto na rotina em cada um dos países. As perguntas que nortearam a investigação foram: Quais são as convergências e divergências do direito penal nos diversos contextos nacionais da América Latina na atualidade? Como o direito penal tem mudado nos últimos 25 anos? São estudos sobre a legislação de oito países da região: México, Guatemala, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Brasil e Argentina, cujo período compreendeu os anos de 1990 a 2015, e foi observado o crescimento da punitividade legal como elemento pungente.

Máximo Sozzo é professor de Sociologia e Criminologia da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Nacional do Litoral em Santa Fé, na Argentina. Sua contribuição para a área tem sido os estudos que abordam a pesquisa criminológica nos países do Sul Global, colaborando na construção de um pensamento voltado às questões criminais latino-americanas e esboçando independência das teorias vindas dos países anglo-saxões. O termo “criminologia do Sul” exemplifica essa vertente de pensamento que busca elucidar “relações de poder presentes na hierarquia da produção da pesquisa criminológica que privilegia teorias, pressupostos e métodos baseados nas especificidades empíricas do Norte Global” (Carrington, Hogg e Sozzo, 2016Carrington, Kerry; Hogg, Russell & Sozzo, Máximo. (2016), “Southern criminology”. The British Journal of Criminology, 1 (56): 1-20., p. 1) e, em oposição, intenta compreender penalidades, formas e padrões de crimes específicos do Sul Global.

Além da obra Southern criminology (Carrington, Hogg e Sozzo, 2016Carrington, Kerry; Hogg, Russell & Sozzo, Máximo. (2016), “Southern criminology”. The British Journal of Criminology, 1 (56): 1-20.), há outros estudos relevantes, tais como o artigo “Democratization, politics and punishment in Argentina” (Sozzo, 2016aSozzo, Máximo. (2016a), “Democratization, politics and punishment in Argentina”. Punishment & Society – Sage Journals, 3 (18): 301-324.) e o livro Postneoliberalismo y penalidad en América del Sur (Sozzo, 2016bSozzo, Máximo et al. (2016b), Postneoliberalismo y penalidad en América del Sur. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Clacso.), que abordam as mudanças da política penal na América do Sul e, especificamente, na Argentina e os movimentos de contração e avanço da punitividade ao longo de determinados períodos, como a redemocratização e a chegada do neoliberalismo nos anos 1990. É a partir desses marcos históricos que Sozzo examina os processos de importação de racionalidades, programas e tecnologias da administração do delito ocorridas na região sul-americana.

Notadamente este trabalho objeto de resenha destaca-se pela relevância de um estudo exaustivo sobre a punição entre países da América Latina, que evidencia recorrências e características na região a partir da perspectiva dos regulamentos penais. Sua contribuição está na análise comparativa de legislações penais que ajudam a traçar tendências comuns do poder punitivo do Estado e compreender o giro punitivo ocorrido na América Latina em um vasto intervalo de tempo.

Cabe definir o conceito de punitividade, devido ao seu uso frequente no estudo. Apesar de possuir diferentes concepções, na obra o conceito de punitividade é compreendido de forma mais simples como um nível de dor e sofrimento produzido pelo sistema penal (Christie, 1982Christie, Nils. (1982), Limits to pain. Londres, Sage.). Conforme aponta Sozzo (2017)Sozzo, Máximo. (2016a), “Democratization, politics and punishment in Argentina”. Punishment & Society – Sage Journals, 3 (18): 301-324., punitividade também implica medidas de controle não definidas juridicamente como penas, mas que imprimem dor e sofrimento humano. Isso permite classificar um sistema penal como mais ou menos punitivo conforme o nível de sofrimento e dor que causa. Os tipos de pena e o tempo de punição podem ser um elemento quantitativo na comparação de diferentes sociedades. Entretanto, o estudo esbarra na pouca disponibilidade de indicadores estatísticos estandardizados que permita compreender a evolução da punitividade. Nesse sentido, a taxa de encarceramento2 2 Taxa de encarceramento é a relação entre a quantidade de pessoas privadas de liberdade, executando uma prisão preventiva ou uma pena de custódia, e a quantidade de habitantes do país (Sozzo, p. 3). é o indicador que apresenta maior controle e sequência estatística nos países, apesar de apresentar discrepâncias quando comparado por diferentes fontes.

Ainda em relação à discussão conceitual sobre o termo punitividade, cabe pontuar que outros autores, como Matthews (2005)Matthews, Roger. (2005), “The myth of punitiveness”. Theoretical Criminology, 2 (9): 175-201., questionam sua definição restrita à provocação de dor e sofrimento, ponderando que, se uma determinada prática passa a ser percebida pela população como merecedora de sanções legais (por exemplo, a violência doméstica), não se pode identificar um aumento da punitividade. Significa dizer que a proteção de grupos específicos e a mudança na percepção de práticas não podem ser percebidas como punições excessivas tais como a intensificação de sanções já existentes.

Na obra La inflación punitiva, SozzoSozzo, Máximo. (2017), La inflación punitiva. Un análisis comparativo de las mutaciones del derecho penal en América Latina (1990-2015). Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Flacso/ Café de las Ciudades. argumenta que, em um âmbito geral, os países estudados no período de 25 anos tiveram todos um aumento nas suas taxas de encarceramento superiores a 100 por 100 mil habitantes, e o Brasil teve o maior crescimento carcerário, aumentando em 300% essa taxa. A obra explora esse giro punitivo da região com base no estudo das instituições penais, dos textos legais e das mudanças ocorridas ao longo do tempo que propiciaram esse cenário. Parte da hipótese de que, apesar da consciência de que a imposição da lei nem sempre reverbera em mudanças nas práticas punitivas e estas podem ocorrer fora do sistema penal, é provável que mudanças na legislação penal impliquem mais frequentemente alterações nas práticas cotidianas dos atores penais. Assim, o estudo aborda as transformações das legislações nesses países, tentando traçar tendências comuns da política legislativa penal ibero-americana.

Outra ponderação feita por Matthews se refere ao uso do indicador “encarceramento” para aferir o aumento da punitividade. Essa escolha exclui outras formas mais brandas de punição, tais como as alternativas penais, as estratégias de monitoramento e vigilância eletrônica ou mesmo os métodos de justiça informal, como a justiça restaurativa. Ao incluí-las, possibilita-se expandir as formas de controle do crime e alargar a rede de medidas punitivas. O autor não interpreta que tais medidas mais brandas sejam opostas ao encarceramento como outros autores o fazem, mas que são um continuum de punitividade, exigindo uma estrutura conceitual para mapear um conjunto cada vez mais complexo e crescente de sanções penais.

A obra se divide em duas partes. A primeira aborda detalhadamente as regulações legais da penalidade em um âmbito geral, abarcando diversas dimensões que vão desde os tipos de sanções penais até a liberdade condicional. A segunda analisa as regulações a partir de tipos penais específicos que compõem o direito comum, ou seja, aquele que abrange os crimes mais frequentemente presentes na vida social.

A primeira parte da obra, intitulada “Variaciones y mutaciones de rasgos generales de la penalidad en América Latina”, observa as variações a partir de um quadro comparativo de quarenta dimensões-chaves analisadas no espaço e no tempo. Foram divididas em três eixos: (1) tipos de pena; (2) mecanismos de flexibilização da pena na fase judicial; e (3) mecanismos de flexibilização da pena na fase de execução. No primeiro eixo, tipos de pena, são abordados: (1.1) pena de morte; (1.2) a privação de liberdade; (1.3) as penas pecuniárias; (1.4) as penas de inabilitação, suspensão ou privação de direitos; e (1.5) as penas de prestação de serviços à comunidade. No segundo eixo, são abordados mecanismos de flexibilização da pena na fase judicial, ou seja, antes de começar sua execução. É possível: (2.1) não impor a pena legal ao imputado; (2.2) impor a pena legal, mas suspender sua execução; (2.3) não impor a pena legal e substituí-la por outra menos rígida; nesse caso, são analisados o perdão judicial ou exceção de pena, a suspensão condicional do julgamento ou reserva condenatória, a suspensão condicional da execução da pena e a substituição de penas privativas de liberdade. No terceiro eixo, são analisados mecanismos de flexibilização da pena privativa de liberdade na fase de execução penal, aplicados quando o condenado: (3.1) goza de períodos de liberdade fora da prisão; (3.2) deixa a prisão para cumprir o restante da pena em domicílio; (3.3) recupera sua liberdade antes do tempo determinado na sentença. A obra explora apenas o último tipo de mecanismo, em razão de ser aquele que mais impacta o indivíduo em termos de flexibilização. Nele são definidas duas medidas penais: a liberdade condicional e a remição da pena3 3 O condenado pode reduzir sua pena com a prática de atividades laborais, educacionais, culturais e esportivas no interior da prisão. Os dias de atividades são descontados da pena de privação de liberdade de forma proporcional. Nos países estudados, esse mecanismo judicial é conhecido como “perdón judicial/exención de pena, la suspensión condicional del juicio a prueba/reserva de fallo condenatorio y la suspensión condicional de la ejecución de la pena” (p. 18). . Para cada tipo de pena a obra explora uma explicação minuciosa quanto a sua interpretação em cada país e a seu contexto de aplicação.

Ao analisar a primeira parte da obra constata-se que cada perspectiva adotada na pesquisa permite uma classificação diferente quanto ao grau de punitividade dos países analisados. Em outras palavras, se é adotado como critério o limite máximo de pena privativa de liberdade os países se organizam em uma determinada escala, mas se é adotado como critério a possibilidade de conversão da pena em outro tipo mais brando a classificação dos países se altera.

Ao analisar o conjunto dos eixos observa-se que o Equador ocupa primeiro lugar no nível de punitividade em 28 das quarenta dimensões abordadas e está em último lugar quanto à quantidade de dimensões com nível mínimo. Ocupa a segunda posição a Argentina, que possui dezenove das quarenta dimensões com nível máximo, e penúltimo lugar com relação à quantidade de dimensões no nível mínimo de punição. No extremo oposto está a Colômbia, que apresenta níveis mínimos em 22 das quarenta dimensões analisadas, seguida do Peru com dezenove das quarenta dimensões no nível mínimo. Nesse ranking, o Brasil apresenta nível baixo de punitividade, com seis das doze dimensões no mínimo nível, e não possui nível máximo de severidade em nenhuma das dimensões.

Ao considerar as mudanças legislativas nos últimos 25 anos nesses países, observou-se um aumento da punição em geral, particularmente no Equador, que foi o país em que houve a maior quantidade de mudanças legislativas na direção de aumentar a severidade penal; e, em sentido inverso, na Bolívia as mudanças legais foram orientadas na diminuição do rigor penal.

A segunda parte da obra é intitulada “Variaciones y mutaciones de la penalidad en concreto com respecto a ciertas formas de delito en América Latina”. Essa seção analisou uma série de tipos criminais que integram o núcleo duro do que se denomina “crime comum”, isto é, comportamentos definidos como crime na lei penal em termos gerais e abstratos, especialmente pelas instituições estatais dedicadas ao controle do crime: instituições policiais e judiciais. 4 4 Para a construção do conceito, Sozzo baseia-se na noção original de David Sudnow e de Dario Melossi, descrita na página 177. O crime comum aparece na vida social como aquele que é previsível tanto por parte das instituições estatais como pelos cidadãos.

Tendo a investigação avançado pelos tipos criminais que integram o núcleo duro do crime comum nos países pesquisados, eis os tipos mais frequentes pelos quais pessoas são privadas de liberdade: (a) homicídios; (b) lesões corporais; (c) violência doméstica/violência de gênero; (d) roubos e furtos; (e) crimes contra a integridade sexual; e (f) crimes relacionados a drogas ilegais, todos em suas diversas modalidades. Como sugere o autor, apesar de haver tipos criminais que não estão entre os mais frequentes no funcionamento do sistema penal, eles têm ocupado o debate público e político na região, com incessante atividade legislativa e mais espaço no direito. Assim, a pesquisa se estendeu pelos tipos de crimes: (g) tráfico de pessoas; e (h) posse, porte e tráfico ilegal de armas, munições e acessórios. Essas temáticas têm sido objeto de muitas mudanças legais e com veloz rapidez na região. Particularmente, o tráfico de armas está relacionado com a difusão de armas de fogo entre as populações e, por isso, tem sido objeto privilegiado das reformas legais nos últimos anos.

Esses crimes geralmente desembocam na privação de liberdade, sendo esta o principal elemento comparativo entre os países na pesquisa. Metodologicamente, foram associadas posições aos países, conforme os tempos de pena máxima e mínima determinados nas leis, e criada uma escala numérica para posicioná-los em cada tipo de crime. Levantou-se, também, como as legislações se alteraram entre 1990 e 2015 e se os tipos penais possuem agravamentos que aumentam o nível de punitividade.

Verificou-se que as maiores penas máximas são das legislações colombiana e mexicana. Das 29 categorias, a Colômbia ocupa primeiro lugar em onze, com as maiores penas máximas, seguida pelo México, com sete categorias. Os cenários nacionais que apresentam os menores níveis de punitividade a partir de penas máximas são o Brasil, que não ocupa primeiro lugar em nenhum tipo penal na respectiva escala, seguido da Argentina, que ocupa primeiro lugar em apenas um tipo penal. Ao comparar as penas mínimas dos países, viu-se que as categorias se ratificam nesses mesmos países.

Ao comparar a primeira parte da obra, que analisou os tipos de pena e os mecanismos de flexibilização na fase judicial e de execução da pena, com a segunda parte, que analisou os tipos de crime, observou-se que os resultados contrastam. Se antes Colômbia, México e Peru se destacaram pela baixa punitividade em relação aos tipos penais e mecanismos de flexibilização na fase judicial e de execução das penas, os mesmos países ocupam lugar inverso na hierarquia, relacionado com as formas específicas de crime. Do mesmo modo, Equador e Argentina sobressaíram por apresentarem níveis altos de punitividade em relação a tipos de pena e flexibilidades judicial e de execução e baixo nível com relação aos tipos de crime.

Com efeito, a punitividade presente nos “livros” não corresponde à penalidade dos “fatos”. Ao tomar a taxa de encarceramento como indicador de punição real, vários paradoxos se tornam evidentes. A mais marcada se refere ao Brasil, que apresenta a maior taxa de encarceramento dentre os países estudados.5 5 Taxa de 307 presos a cada 100 mil habitantes no Brasil, em 2015. Entretanto, na sua legislação apresenta os níveis mais baixos de severidade penal da região, tanto da escala das penas máximas, quanto das penas mínimas. A Guatemala é exatamente o inverso: com a taxa de encarceramento mais baixa da região 6 6 Taxa de 122 presos a cada 100 mil habitantes na Guatemala, em 2015. , tem alto nível de punição na sua legislação.

No que tange aos níveis de punitividade no período de 25 anos, o estudo pôde comprovar que não houve um padrão ao analisar as mudanças nos tipos penais, mas foi observada uma tendência de incremento à punição nas legislações. Das 389 modificações legais na região, 301 estavam orientadas à maior punitividade penal. Dessas, 33 tiveram um conteúdo ambivalente: criaram mecanismos de punição e, ao mesmo tempo, de flexibilização da legislação. Somente vinte reformas estavam orientadas para a diminuição da severidade penal. No caso brasileiro, o estudo constatou que a maioria das reformas foram no sentido de diminuir a punitividade dos tipos penais, com exceção da suspensão condicional da execução da pena e da liberdade condicional, em que houve reformas que aumentaram a severidade das penas.

Ainda sobre os tipos de pena, a pesquisa aponta mudanças legislativas que permitem identificar tendências no período analisado. Primeiramente, refere-se à abolição formal da pena de morte em países como Bolívia, México e Argentina. Em segundo lugar, mostra a ampliação da aplicação das penas restritivas de liberdade nos textos legais. Em terceiro, a aplicação de penas de trabalho em favor da comunidade em países como Peru, México e Equador. Em quarto, a tendência a diminuir a severidade penal por meio de mecanismos de substituição da pena privativa de liberdade por outras menos severas no Peru, Colômbia, México, Bolívia, Brasil e Argentina; apesar de que houve medidas legais no sentido inverso no México, Peru e Colômbia. Por último, observou-se a tendência de introduzir a suspensão condicional do processo penal como alternativa à privação de liberdade, com exceção da Colômbia, Argentina e Peru, que implantaram reformas no sentido oposto. Destaca-se pela sua radicalidade o Equador, por ter extinguido essa medida penal da sua legislação.

Ainda que se tenha considerado o avanço legal de medidas que reduzem a pena de privação de liberdade em alguns países, constataram-se reformas legais relacionadas com o aumento da privação de liberdade em boa parte deles: Peru, Colômbia, Guatemala, México, Equador e Argentina. Destes, o Equador teve o maior número de mudanças nesse sentido. A única exceção foi a Bolívia, que produziu mudanças legais no sentido oposto.

Quando se segmentam por tipo de crime, as reformas foram no sentido de aumentar a punição para quase todos os tipos penais analisados7 7 “En casi todos los segmentos de las regulaciones legales de estas formas delictivas ha sido extraordinaria: a) en los homicidios (de distinto tipo) el 80% de las reformas registradas han estado orientadas únicamente hacia el incremento de la punitividad, b) en las lesiones, el 87%; c) en los hurtos, el 82%; d) en los robos, el 83%; e) en las violaciones o abusos sexuales análogos, el 82%; e) en que trata de personas, el 100%; y f) en los delitos relacionados con armas de fuego, 75%” (Sozzo, 2017, pp. 404-405). , e apenas para aquele relacionado com as drogas ilegais a tendência não foi tão marcada na direção do incremento penal.

La inflación punitiva. Un análisis comparativo de las mutaciones del derecho penal en América Latina (1990-2015) apresenta seis hipóteses explicativas que poderiam ser objeto de investigação:

  1. Os processos de reforma legal no sentido do incremento de pena nascem de um forte crescimento do crime comum. Segundo esta hipótese, a criação da lei penal é uma resposta direta ao que está ocorrendo com a “criminalidade real”. Esse crescimento pode ser geral ou específico – focado em certas formas de atividade criminal –, gerando reformas nos crimes comuns. Esta hipótese enfrenta dificuldades acerca de como medir a evolução da criminalidade real, dado que todas as fontes disponíveis iluminam apenas alguns aspectos e não sua totalidade.

  2. As reformas legais na direção do incremento da punitividade nascem do crescimento da percepção e sensação de insegurança frente ao crime, que se traduz em uma forte demanda social de proteção e segurança junto aos atores estatais. Esta hipótese pode partir da percepção e sensação de insegurança e da demanda social por segurança e proteção como um resultado automático do aumento da criminalidade real e, portanto, implica complexificar a hipótese 1. Ou o inverso: pode considerar fenômenos relativamente independentes do que se passa com a criminalidade real e que abre um jogo de diferentes possibilidades explicativas. Em todo caso, esta hipótese requer explorar empiricamente a percepção da sensação de insegurança da demanda social em cada contexto nacional. É uma série de fenômenos que se encontram fora do campo estatal e que impactam e mobilizam o processo de criação da lei penal.

  3. Os processos de incremento da punitividade a partir da reforma legal nascem do avanço de movimentos sociais que estabelecem as mudanças normativas como eixo de suas estratégias e ações e produzem pressões efetivas sobre o processo legislativo. Em muitos casos esses movimentos canalizam a demanda social por proteção e segurança. Nessa suposição, haveria uma articulação anterior ao encadeamento da hipótese 2. É possível também que esses movimentos construam suas reivindicações além da disseminação da percepção e sensação de insegurança, como parte da sua agenda de combate às desigualdades sociais – um bom exemplo são os movimentos de mulheres e suas campanhas para endurecimento de crimes específicos.

  4. Os processos de reforma legal nascem das mudanças da narrativa dos meios de comunicação em relação ao crime e ao controle do crime nas sociedades contemporâneas, que favorecem o crescimento punitivo. A nova dinâmica dos meios de comunicação a esse respeito se relaciona com o processo de mercantilização crescente que envolve o crime e o controle do crime como mercadoria para a atração de espectadores. Está vinculada a uma mudança na construção da notícia e à busca deliberada de impacto e reação emotiva do público. Nesse marco, a linguagem acerca da necessidade de ser duro com o crime se difunde entre os atores, gerando uma representação “do que a gente pensa e quer” e reivindicando uma legitimação democrática para ações que também abarcam o processo legislativo.

  5. Os processos de incremento penal nascem de uma mudança da maneira pela qual os atores políticos definem o problema do crime e dos programas que constroem em torno do seu controle – em um marco de mudanças mais gerais de racionalidades governamentais. Esse processo encarna menos o que os especialistas recomendam e mais o que políticos “pensam e querem”, utilizando-se de pesquisas de opinião pública, do contato direto com os cidadãos, assim como referenciando-se nas representações sociais dos meios de comunicação. Trata-se de um processo de polarização da criação da lei penal, no qual especialistas perdem legitimidade frente ao braço político do Estado. Os políticos profissionais competem entre si para obter o consenso eleitoral sobre a questão do crime e do controle do crime. E nesse marco, “ser duro contra o crime” se transforma em uma importante estratégia política que produz resultados exitosos em determinadas conjunturas eleitorais. O desafio para os pesquisadores se instala na demonstração dessa conexão, explorando as mudanças na política contemporânea em relação ao crime e ao controle do crime e seu impacto no processo legislativo.

  6. Os processos de reforma legal nascem das mutações produzidas pelo direito internacional sobre temas penais: são gerados por pressões dos governos dos países centrais e organismos internacionais para que os países periféricos e semiperiféricos adotem quadros legislativos com novas regras e conceitos advindos do plano internacional. É um desafio aos pesquisadores reconstruir os processos de influência, o que implica dar conta dos atores tanto internos quanto externos do contexto nacional, que utilizam instrumentos internacionais para produzir leis penais. Isso poderia evidenciar como o desenvolvimento dos processos do plano supranacional reverbera no interior dos Estados nacionais.

Essas seis hipóteses não são mutuamente excludentes, mas permitem ampliar o olhar comparativo para áreas que impactam fortemente nos níveis de punitividade que gestam o funcionamento dos sistemas penais. As hipóteses trazidas pelo autor indicam caminhos promissores pelos quais a pesquisa pode avançar para além da temática do encarceramento como elemento decisivo para verificar o aumento da punitividade.

Cabe destacar que, apesar de o autor apontar um aumento da punitividade na região estudada, quando se analisam alguns países como o Brasil observa-se que do ponto de vista da legislação penal não aconteceram mudanças que ampliassem as punições para medidas mais rigorosas. Ao contrário, no período de 25 anos a legislação brasileira permaneceu estável em relação às sanções mais punitivas, acompanhada de um progresso das medidas não privativas de liberdade. Ainda, a população carcerária no país foi a que mais cresceu no período indicado pelo estudo, o que evidencia que a explicação trazida pela pesquisa sobre o aumento do rigor legislativo não consegue justificar tal aumento carcerário.

Esse fato recorda as análises de Matthews (2005)Matthews, Roger. (2005), “The myth of punitiveness”. Theoretical Criminology, 2 (9): 175-201., que afirma a fragilidade do vínculo entre o aumento da população carcerária e o aumento da punitividade. Para ele há outros fatores que também podem influenciar essas taxas, como mudanças no perfil demográfico, diferenças na distribuição do crime e vitimização, taxas de esclarecimento, taxas de condenação, disponibilidade e uso de sanções não privativas de liberdade, bem como a implantação de mecanismos de redução de sentenças. Matthews (2005)Matthews, Roger. (2005), “The myth of punitiveness”. Theoretical Criminology, 2 (9): 175-201. considera que a maioria dos exemplos de maior punitividade descritos pela literatura representam desenvolvimentos excepcionais e a maioria dos casos é limitada espacial ou temporalmente. Há uma leitura do autor segundo a qual, inclusive, o foco desproporcional na punitividade pode muito bem refletir a mudança de sensibilidades sociais e uma crescente ambivalência em relação ao uso de sanções punitivas. Assim, em vez de estar em ascensão, as sanções punitivas e emotivas podem, na realidade, estar se tornando cada vez mais insustentáveis.

Cabe acrescentar que a pesquisa tem abrangência territorial e temporal inédita, colaborando sobremaneira para os estudos na área das ciências sociais e jurídicas. O rigoroso detalhamento dos dados permite tanto analisar a metodologia da investigação, quanto realizar um estudo comparado dos países. Apesar da qualidade e riqueza do material, são raras as referências bibliográficas que ajudariam a compor um olhar mais complexo dos dados coletados. Complementarmente, talvez a maior contribuição da obra seja colaborar para o debate a respeito da guinada punitiva no mundo nos anos 1990 e localizar se a América Latina seguiu as mesmas tendências dos Estados Unidos e da Inglaterra.

Referências Bibliográficas

  • Carrington, Kerry; Hogg, Russell & Sozzo, Máximo. (2016), “Southern criminology”. The British Journal of Criminology, 1 (56): 1-20.
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  • Matthews, Roger. (2005), “The myth of punitiveness”. Theoretical Criminology, 2 (9): 175-201.
  • Sozzo, Máximo. (2017), La inflación punitiva. Un análisis comparativo de las mutaciones del derecho penal en América Latina (1990-2015). Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Flacso/ Café de las Ciudades.
  • Sozzo, Máximo. (2016a), “Democratization, politics and punishment in Argentina”. Punishment & Society – Sage Journals, 3 (18): 301-324.
  • Sozzo, Máximo et al. (2016b), Postneoliberalismo y penalidad en América del Sur. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Clacso.
  • 1
    O estudo buscou investigar a estrutura e as características do sistema fronteiriço global da América Latina com base nas economias ilegais e nos crimes conexos; isto é, propôs-se a elucidar como se constitui a relação transfronteiriça na América Latina a partir dos atores, da rede global do crime, dos espaços e dos lugares que estruturam os circuitos, as rotas e os nós da ilegalidade. A intenção foi superar os estudos de caso para construir uma visão compreensiva das fronteiras da região.
  • 2
    Taxa de encarceramento é a relação entre a quantidade de pessoas privadas de liberdade, executando uma prisão preventiva ou uma pena de custódia, e a quantidade de habitantes do país (Sozzo, p. 3).
  • 3
    O condenado pode reduzir sua pena com a prática de atividades laborais, educacionais, culturais e esportivas no interior da prisão. Os dias de atividades são descontados da pena de privação de liberdade de forma proporcional. Nos países estudados, esse mecanismo judicial é conhecido como “perdón judicial/exención de pena, la suspensión condicional del juicio a prueba/reserva de fallo condenatorio y la suspensión condicional de la ejecución de la pena” (p. 18).
  • 4
    Para a construção do conceito, Sozzo baseia-se na noção original de David Sudnow e de Dario Melossi, descrita na página 177.
  • 5
    Taxa de 307 presos a cada 100 mil habitantes no Brasil, em 2015.
  • 6
    Taxa de 122 presos a cada 100 mil habitantes na Guatemala, em 2015.
  • 7
    “En casi todos los segmentos de las regulaciones legales de estas formas delictivas ha sido extraordinaria: a) en los homicidios (de distinto tipo) el 80% de las reformas registradas han estado orientadas únicamente hacia el incremento de la punitividad, b) en las lesiones, el 87%; c) en los hurtos, el 82%; d) en los robos, el 83%; e) en las violaciones o abusos sexuales análogos, el 82%; e) en que trata de personas, el 100%; y f) en los delitos relacionados con armas de fuego, 75%” (Sozzo, 2017Sozzo, Máximo. (2017), La inflación punitiva. Un análisis comparativo de las mutaciones del derecho penal en América Latina (1990-2015). Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Flacso/ Café de las Ciudades., pp. 404-405).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020
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