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cgee, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Diagnóstico das Ciências Humanas, Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes (chssalla) no Brasil. Brasília, df, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2020. 348 p.

. Diagnóstico das Ciências Humanas, Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes (chssalla) no Brasil. Brasília, df: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2020. 348

No exato momento em que as ciências humanas são, como há muito tempo não se via no Brasil, duramente questionadas a respeito de seu valor e importância sociais, diretamente atacadas com a implementação de políticas públicas (de ensino, de avaliação e de financiamento) ideologicamente persecutórias e de gravíssimas consequências práticas, no momento em que altas autoridades da República, do Ministério da Educação à Casa Civil, depreciam grotescamente as humanidades diante da grande opinião pública, exatamente neste momento, como chuva em terra seca, vem a público o livro-relatório: Diagnóstico das Ciências Humanas, Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes (chssalla) no Brasi11 1 Do ponto de vista formal, a sigla chssalla envolve, conforme classificação do cnpq, três grandes áreas do conhecimento: Ciências humanas, Sociais aplicadas, Linguística, letras e artes. Essas três grandes áreas somam nada menos que 26 disciplinas. Cf. tabela detalhada em cgee, 2020, p. 27. Nesta resenha, todas as vezes em que os termos “humanidades” e “ciências humanas” aparecem em itálico, devem ser compreendidos como sinônimo de chssalla. .

O livro, que é uma espécie de relatório de pesquisa, foi editado em 2020 pelo cgee (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos)cgee, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Diagnóstico das Ciências Humanas, Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes (chssalla) no Brasil. Brasília, df, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2020. 348 p. Disponível em https://www.cgee.org.br/documents/10195/734063/CGEE-2020-CHSSALLA.pdf/11b5fc64-5554-42d4-baf0-46a73639b1a1?version=1.3, consultado em 15/12/2020.
https://www.cgee.org.br/documents/10195/...
, uma organização social supervisionada pelo mcti (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), e reúne os resultados do projeto de pesquisa Diagnóstico da situação das chssalla no Brasil, levado adiante por meio da parceria entre o cgee e o mcti, sob a coordenação da economista e pesquisadora de políticas públicas Mayra Juruá. A edição está em versão digital, de livre acesso, e em versão impressa, para uso institucional2 2 Versão digital disponível em: https://www.cgee.org.br/documents/10195/734063/cgee-2020-chssalla.pdf/11b5fc64-5554-42d4-baf0-46a73639b1a1?version=1.3. .

Realizado a partir de amplo diálogo com as várias sociedades de pesquisa, associações de áreas, fóruns de representação e instituições acadêmicas brasileiras (a lista de agradecimentos registra mais de sessenta menções!), o conteúdo do livro, dividido em duas grandes partes - “Panorama das chssalla 2006-2016”, os seis primeiros capítulos, e “chssalla para o desenvolvimento científico nacional”, os dois últimos capítulos -, imerge o leitor no universo brasileiro das Ciências Humanas. Planilhas, tabelas, gráficos, organogramas e mapas sobre os mais variados aspectos (institucionais, regionais, nacionais) da formação, do desenvolvimento e da prática de pesquisa e ensino das humanidades no Brasil.

Esses aspectos vão desde a análise da mobilidade, emprego, perfil de pesquisa e gênero dos pesquisadores chssalla a, por exemplo, questões de financiamento e da importância das Ciências Humanas para a política nacional de desenvolvimento científico. Tudo isso, meticulosamente documentado por uma gigantesca gama de dados e números.

Por meio do prefácio de Mário César Silva Leite, então coordenador do fchssalla - Fórum de Ciências Humanas, Sociais, Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes -, o leitor é informado logo no início do livro de que o Diagnóstico apresentado tem uma história, constitui uma trama na qual especialmente o fchssalla tem papel determinante: partiu daí, em 2018, a solicitação ao Ministério da Ciência de uma pesquisa que pudesse traçar o panorama das Ciências Humanas no Brasil.

Antes de apresentarmos ao leitor o conteúdo de cada capítulo do livro, um duplo destaque estético, bem característico das chssalla, antecede a montanha estatística e o rigor analítico dos dados: arte gráfica e poesia. A belíssima edição estética da capa do livro seguramente tem muito a dizer sobre o significado e a qualidade do seu conteúdo, um trabalho que cada leitor poderá e deverá realizar por si mesmo. O poema discreto de Sousa Neto, que aparece sem título, entre o prefácio e o capítulo 1, também merece atenção. Mas aqui não basta a atenção dos dados, da evidência dos números: é preciso a atenção das palavras, do sentido da letra, um tipo de atenção particularmente chssalla.

Que o leitor não se engane, o Diagnóstico das ciências Humanas, Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes (chssalla) no Brasil não é apenas um diagnóstico, é um instrumento que indica claramente o melhor prognóstico possível: qualquer política pública para desenvolvimento científico nacional que não leve em conta as contribuições decisivas do conhecimento oriundo das chssalla é uma política doente.

O primeiro capítulo (pp. 17-28), abre a primeira parte do livro e constitui-se de uma Introdução geral sobre a natureza e os objetivos do trabalho, procurando justificar sua existência na medida em que discorre sobre a necessidade cada vez mais latente de, num mundo altamente globalizado, fazer os diferentes conhecimentos dialogarem entre si. Pode-se afirmar que se trata da parte mais “filosófica” da obra, pois, ao justificar-se, ela inevitavelmente adentra na discussão sobre a construção e o valor epistemológico e político do conhecimento humano. Desconstruir o mito de que as “ciências naturais” são por si mesmas mais nobres ou valiosas que as chssalla é o pressuposto fundamental de todo o livro, e é justamente nessa direção que se desenvolve o primeiro capítulo. Em linhas gerais, o argumento central é que não existe conhecimento algum que seja elaborado, pensado ou aplicado, fora de uma localização histórica no espaço-tempo, localização esta que em seus próprios termos já demanda, inevitavelmente, os saberes ligados às chamadas “ciências humanas”. Permitindo-nos uma licença hermenêutica, poderíamos assim expressar o centro gravitacional da argumentação do primeiro capítulo: não existe ciência que não seja humana, toda e qualquer ciência necessariamente é uma ciência humana! Nesse sentido, apontando para uma perspectiva taxonômica do valor e importância das chssalla, o capítulo encerra-se elencando alguns problemas globais que, forçosamente, carecem das contribuições das ciências humanas, como por exemplo, a questão da mudança climática e a produção sustentável de alimentos.

No segundo capítulo, “Percurso metodológico do projeto” (pp. 29-35), são esclarecidas as principais escolhas metodológicas que orientaram a pesquisa, da qual o livro é resultado. Duas delas é essencial mencionar: o recorte temporal dos dados e a população analisada. Em relação ao recorte, os autores optaram por analisar dados de uma década, 2006 a 2016, uma vez que 2016 era, até então, o ano com os dados mais atualizados. Contudo, vale ressaltar que há exceções dentro desse recorte temporal, pois, em alguns capítulos posteriores, a análise de certos dados engloba um período de dez anos a mais, indo de 1996 até 2016. No que diz respeito à população, o relatório define como pesquisador (a) chssalla: 1) docentes de programas de pós-graduação stricto sensu; e/ou 2) pessoas que tenham concluído o doutorado no período de 2006 a 2016. Assim, obtém-se o total de 67.107 pesquisadores chssalla mapeados, e é exclusivamente sobre essa população que o estudo se debruça.

Interiorização, empregabilidade e equalização de gênero podem ser considerados os termos que marcam o terceiro capítulo, “Pesquisadores chssalla” (pp. 39-73). Permeado por gráficos e tabelas, este ponto do relatório demonstra em números a descentralização da pesquisa chssalla, num movimento de fluxo do Sudeste em direção a todas as outras regiões do país. A região Nordeste, por exemplo, que até 1996 não tinha formado nenhum doutor em Ciências Sociais Aplicadas - nenhum! -, aparece em 2015 com significativo avanço, tendo formado 185 doutores nesse período, representando assim pouco mais de 11% do total de títulos concedidos a essa área no Brasil, em 2015. O mesmo movimento de crescimento é visto também na empregabilidade dos pesquisadores, ainda que, segundo os dados, um único setor econômico, o da educação pública, principalmente a educação superior, tenha concentrado em média 81% dos empregos dos doutores em Ciências Humanas, por exemplo. Ou seja, a diversidade de opções de trabalho para quem obtém o título de doutor na área chssalla, no Brasil, é bastante baixa, restringindo-se basicamente a setores governamentais, em especial o da educação. A diminuição da diferença entre a quantidade de homens e mulheres com doutorado também é um tópico de destaque. Os dados mostram que em geral a participação de mulheres como docentes em programas de pós-graduação aumentou no decênio 2006-2016, e na área chssalla não foi diferente; aliás, mais que isso, se comparada à média geral das outras áreas de conhecimento, a tendência à equidade de gênero aparece maior nas chssalla. Em suma, as instituições públicas, notadamente as federais, foram os grandes agentes que capitanearam esse movimento de expansão da pesquisa brasileira, e isso em todos os itens analisados neste terceiro capítulo do relatório (empregabilidade de doutores, ampliação territorial da pesquisa e da formação de pesquisadores, maior variedade de faixa etária de professores doutores, redução da desigualdade de gênero). Ademais, esse processo de redução de desigualdades é resultado direto de uma época em que os investimentos e incentivos à expansão do ensino superior no Brasil ganharam status de política pública permanente.

Quais são os temas mais recorrentes na investigação acadêmico-científica das chssalla? Por quais meios esse conhecimento acumulado é publicizado? N’outras palavras, qual a forma e o conteúdo da pesquisa brasileira chssalla? Essas perguntas são o fio condutor do quarto capítulo, “Perfil da pesquisa chssalla” (pp. 75-111). Este ponto do livro merece destaque especial, pois evidencia como alguns dos problemas nacionais mais urgentes podem encontrar, na própria produção científica das chssalla, propostas de intervenção e/ou de políticas públicas para saná-los. No que diz respeito à forma, o livro demonstra por meio de seus gráficos que as maiores vias de divulgação dessas pesquisas e de seus resultados estão centradas nos anais de eventos acadêmicos (congressos, seminários, fóruns, encontros etc.), seguidos de artigos em revistas especializadas e, por último, livros e capítulos de livros. Quanto ao conteúdo, o livro adota como critério a análise das teses de doutorado, uma vez que, para os autores, as teses representam o paradigma da geração de conhecimento e inovação. Nesse quesito o destaque é a variedade de temas pesquisados pelas chssalla: violência, cultura, cidades, sustentabilidade, raça e gênero, por exemplo. Com efeito, dentre os temas/problemas abordados pelas chssalla no Brasil, talvez os mais importantes para a estratégia de desenvolvimento nacional e aos quais consequentemente o relatório dá maior ênfase, são as questões de saúde e educação. Nesses dois campos, a interdisciplinaridade característica à produção das chssalla é ainda maior, emergindo contribuições de todas as áreas que formam a sigla. Sob as diversas possibilidades de abordagens e perspectivas, com o olhar crítico e analítico para os diferentes aspectos e nuances, saúde e educação são os exemplos mais significantes que explicitam a importância fundamental, o compromisso e o engajamento das chssalla para qualquer projeto nacional de desenvolvimento.

O quinto capítulo do livro, “Financiamento público à pesquisa” (pp. 113-143), trata das políticas de ct&i (Ciência, Tecnologia e Inovação) e de seu importante papel para o desenvolvimento nacional, políticas que têm como principal ferramenta o financiamento de pesquisa por meio de diversas instituições públicas, tanto federais quanto estaduais - como o cnpq, a Capes, as faps e o bndes. Basicamente, o capítulo apresenta como os investimentos se distribuem nas áreas de pesquisa e a quais públicos-alvos se destinam. Evidenciam-se os financiamentos nacionais, recursos aplicados pelo cnpq, o financiamento das fundações estaduais de amparo à pesquisa (faps) e, por fim, o destaque que as chssalla têm quanto às premiações de teses. Os gráficos demonstram aumento significativo, principalmente de investimentos federais e estaduais, entre os anos de 2006 e 2014. Dois mil e quinze marca o início de uma queda que se seguirá nos anos posteriores. Chama a atenção o fato de que o fomento à pesquisa, por exemplo, na área de ciências humanas, atingiu em 2014 o seu maior investimento, valor de aproximadamente 65 milhões de reais, chegando a apenas 16 mil reais, em 2016. Sobre as premiações de teses das chssalla, há o destaque para o prêmio Capes e de outras sociedades científicas - a Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural (Sober), a Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (anpocs), a Associação Brasileira de Ciência Política (abcp) e a Associação Nacional de Pós-Graduação em Economia (anpec). Entre os anos de 2006 e 2018, foram mais de oitenta prêmios a teses e dissertações.

O sexto capítulo traz um “Ensaio cartográfico” (pp. 145-170). Os mapas apresentam informações quanto aos fluxos dos titulados mestres e doutores chssalla de 1996 a 2015, fluxo relativo à formação (mestres e doutores, 1996 a 2015), fluxo relativo ao emprego (doutores, 2015), fluxo relativo a gênero, (instituições públicas e privadas, 1996 a 2015) e, por fim, apresentam a cartografia das pesquisas e temas chssalla de 2019 que dizem respeito à solução de problemas de políticas públicas, por exemplo, saneamento básico, alimentação, saúde pública, clima, economia, biomas, biotecnologias, outros3 3 Todos esses problemas estão presentes na encti (Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação), de 2019, um documento de orientação estratégica para a execução de políticas públicas na área da ct&i. . Quanto à questão da formação, destaquem-se os primeiros mapas, que demonstram como ocorreu a distribuição de doutores e mestres pelo país e como houve uma pequena descentralização na formação, sem necessariamente significar uma desconcentração. Isto é, outras regiões, além do Sudeste, também começaram a formar um número relativamente considerável de mestres e doutores, embora o eixo Rio-São Paulo ainda forme uma quantidade consideravelmente maior, e, por conseguinte, detenha a maior concentração de pós-graduados e de demandas por formação. O aspecto central do capítulo quanto ao tema da formação evidencia a necessidade de a consolidação do snpg (Sistema Nacional de Pós-Graduação) levar em conta a dinâmica territorial, ou seja, alcançar a excelência acadêmica visando à existência abrangente de programas de pós-graduação em todo o território nacional, sem se esquecer da importância da diversidade social, cultural e regional. No que concerne à questão da empregabilidade, os mapas indicam, assim como no caso da formação, a centralidade da região Sudeste, onde, no entanto, constata-se saturação da empregabilidade, mesmo que tenha havido, no decorrer dos anos de 1996 a 2015, o crescimento de doutores atuando profissionalmente em todas as unidades da federação. É necessário aprofundar mais a interação inter e intrarregional e fazer com que certas regiões ainda marginalizadas se tornem autossuficientes academicamente, criando e atraindo assim novos postos de trabalho. Quanto à importância da igualdade de gênero, os mapas mostram que as chssalla são, em grande parte, femininas, tanto em relação à formação de doutoras - formadas, majoritariamente, em instituições públicas - quanto em relação à empregabilidade, ainda que as áreas mais bem pagas das chssalla (Ciências sociais aplicadas: direito e economia) possuam predominância masculina. Por fim, o maior destaque da cartografia das pesquisas chssalla de 2019 referentes à encti é o fato de que, além do predomínio de pesquisadores da área no setor de cti de ciências e tecnologias sociais, constata-se que em todos os temas propostos pela encti 2019 há a presença chssalla, ou seja, a produção científica das chssalla vai ao encontro direto das estratégias nacionais de ciência, tecnologia e inovação para a solução dos problemas de políticas públicas.

Os subsídios e o fortalecimento das chssalla são imprescindíveis, uma vez que as pesquisas de todas as disciplinas desta grande área servem de base metodológica para a compreensão mais profunda dos problemas de políticas públicas. Problemas sociais não podem ser satisfatoriamente resolvidos sem o investimento e o incentivo dessas pesquisas. Só pode haver desenvolvimento social se existir mudança da percepção pública em relação às chssalla - falsa percepção, que as enxerga como estudos relacionados apenas à teoria, inúteis à prática e a problemas concretos do nosso cotidiano social. Essas três ideias constituem o cerne do sétimo capítulo, “Aportes para políticas públicas: convergências entre pesquisa chssalla e a estratégia nacional de ciência e tecnologia e inovação” (pp. 173-207). O capítulo abre a segunda parte do livro e procura especialmente mostrar que a percepção social a respeito das chssalla é um problema a ser combatido. Nesse sentido, articula contribuições científicas das chssalla para os temas estratégicos da encti, demonstrando, desta vez de forma mais detalhada, que muitas pesquisas chssalla estão diretamente relacionadas com eles, e, além disso, que os temas da encti necessariamente exigem pesquisas multidisciplinares, caso em que se evidencia o enorme potencial científico produtivo das chssalla, na medida em que todas as disciplinas da área, cada uma a seu modo, contribuem decisivamente para a solução de vários problemas de políticas públicas.

Quais seriam os temas e objetos de pesquisa emergentes ou estratégicos das chssalla para a terceira década do século xxi? É com essa interrogação que o oitavo capítulo se abre propondo uma análise sobre “Agenda futura e interdisciplinaridade: tendências e oportunidades da pesquisa chssalla para os próximos anos” (pp. 209-233). O eixo central a partir do qual o futuro deve ser pensado se situa, segundo os autores, em dois aspectos principais: as inovações tecnológicas e os problemas e carências sociais históricas do Brasil (desigualdade, saneamento básico, restrição à cultura, mercado de trabalho etc.). Esses dois aspectos, destaca-se, são temas cruciais com os quais, desde sempre, as chssalla trabalham. As estratégias e temas futuros da pesquisa da área resultaram de dois projetos: 1) Projeto Cenários prospectivos para o cnpq, 2) O projeto Capes - Subsídios para agenda de pesquisa e pós-graduação. Ambos tomam como ponto de partida o estudo Brasil 2035, uma ampla análise realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), em parceria com a Assecor (Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Planejamento e Orçamento), cujo objetivo foi pensar futuros possíveis, a curto prazo, 2035, para o Brasil: futuros social, econômico, territorial e político-institucional. O projeto Cenários prospectivos para o cnpq tratou de planejar político-institucionalmente a agência, com vistas a estabelecer estratégias quanto à forma de produção de bens, serviços e conhecimento, e o tipo de governança internacional da instituição, bem como refletir sobre suas consequências para o sistema nacional de ciência e tecnologia. O projeto Capes - Subsídios para agenda de pesquisa e pós-graduação foi um projeto de identificação dos temas estratégicos - de relevância internacional, nacional e regional -, da pós-graduação brasileira. Todos os coordenadores de ppg’s de todas as áreas do conhecimento foram consultados. A área chssalla representou 25% do total de respostas. Daí decorreu, finalmente, o Projeto chssalla, isto é, o estabelecimento dos temas estratégicos, portadores de futuro da área. Seis grandes temas, dos quais se depreende mais de uma centena de subtemas, foram estabelecidos em uma tabela informativa: 1) práticas políticas, com 33 subtemas; 2) identidade, com 30 subtemas; 3) apropriações espaciais, com 35 subtemas; 4) sociedade e economia digital, com 28 subtemas; 5) produção e formas de conhecimento, com 21 subtemas; e 6) internacionalização, com 25 subtemas. Os subtemas de cada uma dessas categorias vão desde, por exemplo, questões de políticas de patrimônio, cibercultura, soberania alimentar, a questões sobre big data, afetos e pós-colonialidade, dentre uma variedade significativa de tantos outros. Uma curta análise teórica sobre cada um desses grandes temas, relacionando-os, contextualizando-os diante de desafios particularmente brasileiros, encerra o capítulo.

O livro-relatório finaliza seu percurso com um “Posfácio”, assinado por Fernanda Sobral, professora da Universidade de Brasília e então vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (sbpc), uma lista de “Referências”, que soma nove páginas, uma seção “Apêndices”, na qual constam três unidades, uma seção de “Anexos”, igualmente com três unidades, e uma lista de três laudas com o “Registro das siglas e abreviaturas” utilizadas na publicação. Ou seja, quando o leitor chega ao fim dos capítulos, há ainda um trajeto de fôlego a percorrer, com mais de cem preciosas páginas pela frente.

No Posfácio, a professora Fernanda Sobral se detém em três resultados do relatório, seus desafios e potenciais. Resultado 1: A centralidade do tema da saúde nas pesquisas chssalla e a série de cruzamentos teóricos das várias disciplinas da área em torno a esse tema. Resultado 2: O relatório mostra que a descentralização espacial das chssalla (formação e emprego) não se converteu em uma desconcentração da pós-graduação brasileira, que requer ainda, portanto, uma “descolonização epistêmico-cognitiva”4 4 “Descolonização epistêmico-cognitiva” significa, nesse caso, a necessidade de desconcentração da pós-graduação brasileira, avançando do eixo Sul-Sudeste para a regionalização integral. em relação à região Centro-Sul. Resultado 3: A constatação de que não é possível pensar estratégia e desenvolvimento nacional, encti, sem as contribuições das chssalla, tanto porque as disciplinas dessa área estão presentes em todo o território nacional, como também porque seu conteúdo atravessa temas essenciais da vida social, como, por exemplo, o tema saúde, que volta a ser evocado para ilustrar a importância das chssalla. Sobre os desafios do relatório, a professora Fernanda aponta, como desafios, o problema das desigualdades, a melhoria da qualidade da educação básica e a inserção internacional independente, entre outros. A respeito dos potenciais, Sobral chama a atenção das sociedades científicas e das agências de fomento para se inspirarem nas “pistas” que o relatório fornece.

Sobre as “Referências”, “Apêndices”, “Anexos” e “Siglas e abreviaturas”, cabe apenas ressaltar o fato de que esses elementos demonstram que o relatório está abundantemente bem documentado. Referencia entidades nacionais e internacionais, grande número de documentos da legislação brasileira e uma série de pesquisadores chssalla. Sem dúvida, o leitor pode extrair daí um bom programa de estudos sobre o tema do livro. A terceira e última unidade dos apêndices merece destaque: conteúdo audiovisual do Projeto chssalla, dois arquivos que o projeto desenvolveu: O que é chssalla?, um vídeo de animação infantil, sobre as grandes áreas chssalla; e Projeto chssalla, um vídeo de apresentação institucional, ambos disponibilizados no YouTube. Todos os apêndices são extremamente valiosos do ponto de vista informacional, especialmente os dois primeiros, compostos de muitas tabelas, gráficos, nuvens de palavras e classificações as mais variadas, que tornam o relatório uma fonte riquíssima de dados. Quanto aos anexos, são recursos autoexplicativos que detalham complementarmente as várias metodologias utilizadas no tratamento dos vários temas e dados do relatório; assim como os apêndices, constituem fontes importantíssimas de dados, além de oferecerem comentários explicativos de uma série de tabelas e organogramas. Finalmente, as “Siglas e abreviaturas” evidenciam, mais uma vez, o nível de documentação do Diagnóstico. O trabalho mobilizou e reuniu quantidade enorme de dados e informações oriundos de diversas entidades, organizações e fontes nacionais e internacionais. Tudo isso é mais uma prova de que o conteúdo apresentado e discutido no livro contém sólida fundamentação crítica e institucional.

Em linhas gerais, pode-se concluir que o Diagnóstico chssalla tem sua máxima qualidade e razão de ser na articulação que produz entre ciência e política: o relatório é um aporte científico instrumental que deseja indicar à política, aos seus agentes institucionais, a imprescindibilidade de que decisões tomadas para o desenvolvimento nacional devem levar em conta as contribuições das chssalla brasileiras. O conjunto de dados, informações e prospecções elencado pelo documento serve de valiosa base norteadora para a formulação de políticas públicas que visem à solução, ou pelo menos à minimização, dos mais variados problemas sociais do país. Seria, portanto, muito importante que o livro fosse seriamente apreciado pelas instâncias de planejamento dos poderes legislativo e executivo, federal, estadual e municipal, para que seus planos de ação política possam ser elaborados e colocados em execução também a partir da colaboração científica das chssalla.

O livro-relatório é igualmente uma contribuição de especial valor para estudantes, professores e pesquisadores chssalla. É o mais completo documento científico disponível, não apenas a respeito da construção objetiva de uma identidade institucional das humanidades brasileiras, como também sobre os enormes desafios que elas têm que enfrentar, e igualmente sobre sua fundamental importância científica e política. Muito útil para orientar agentes políticos na formulação de políticas públicas, o livro é simplesmente indispensável para as entidades educacionais e de pesquisa. É só no “chão de fábrica” das chssalla que os conteúdos do Diagnóstico encontrarão seu maior potencial: fazer esta grande área pensar criticamente a si mesma, redescobrir seu valor, reconhecer seus desafios e defender seu espaço institucional e social.

Falta ao livro uma discussão crítica mais abrangente, ausência justificada, talvez, pela enorme quantidade de dados que mobiliza, fazendo com que a descrição analítica assuma o papel de protagonista diante da reflexão. A alta concentração de dados e a rapidez das descrições, por vezes, deixam o leitor atordoado, sem tempo de pensar criticamente.

Especialmente duas decisões metodológicas dos autores da pesquisa merecem alguma ponderação: 1) a definição de pesquisador chssalla não inclui a categoria de mestres, apenas docentes de programas de pós-graduação stricto sensu e pessoas com doutorado concluído; 2) o recorte temporal adotado, a década de 1996-2016, sofre extensas e bruscas variações, indo, em alguns casos, de 1996 até 2019. Embora isso qualifique certas análises, pode confundir o leitor.

Por fim, uma questão estrutural mereceria igualmente reflexão crítica: reunir 26 áreas de conhecimento por meio das três grandes áreas do cnpq é mesmo a melhor alternativa para pensarmos as humanidades, em sentido geral? A classificação de áreas e de grandes-áreas do cnpq atende satisfatoriamente a esse propósito?

Estas questões só provam o inestimável mérito de conteúdo e de método do Diagnóstico chssalla. Ao concluir a leitura do livro, o leitor se vê imediatamente conduzido ao resultado mais concreto e produtivo que ele gera: o engajamento a repercuti-lo ainda mais e melhor.

Referências Bibliográficas

Notas

  • 1
    Do ponto de vista formal, a sigla chssalla envolve, conforme classificação do cnpq, três grandes áreas do conhecimento: Ciências humanas, Sociais aplicadas, Linguística, letras e artes. Essas três grandes áreas somam nada menos que 26 disciplinas. Cf. tabela detalhada em cgee, 2020, p. 27. Nesta resenha, todas as vezes em que os termos “humanidades” e “ciências humanas” aparecem em itálico, devem ser compreendidos como sinônimo de chssalla.
  • 2
    Versão digital disponível em: https://www.cgee.org.br/documents/10195/734063/cgee-2020-chssalla.pdf/11b5fc64-5554-42d4-baf0-46a73639b1a1?version=1.3.
  • 3
    Todos esses problemas estão presentes na encti (Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação), de 2019, um documento de orientação estratégica para a execução de políticas públicas na área da ct&i.
  • 4
    “Descolonização epistêmico-cognitiva” significa, nesse caso, a necessidade de desconcentração da pós-graduação brasileira, avançando do eixo Sul-Sudeste para a regionalização integral.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    17 Dez 2020
  • Aceito
    23 Fev 2021
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