Acessibilidade / Reportar erro

Movimento analítico-hermenêutico heideggeriano: possibilidade metodológica para a pesquisa em enfermagem

Movimiento analítico-hermenéutico heideggeriano: posibilidad metodológica para la investigación en enfermería

Resumos

Objetivou-se descrever o movimento analítico-hermenêutico aplicado em investigações com a criança que tem a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida por transmissão vertical e que está em transição da infância para a adolescência, sustentada no referencial teórico-filosófico-metodológico heideggeriano. Os modos de condução da etapa de análise são descritos, desde o questionamento de pesquisa até a análise interpretativa dos significados, culminando na proposição das possibilidades assistenciais no cuidado à população do estudo. Este referencial mostra-se coerente com os princípios humanísticos da Enfermagem e com seu objeto de estudo e contribui para aproximação entre a teoria e a prática do cuidado, por meio da compreensão dos fenômenos que permeiam o vivido de saúde das pessoas, das famílias e da sociedade.

Pesquisa qualitativa; Filosofia em enfermagem; Pesquisa em enfermagem; Saúde do adolescente; Saúde da criança; Síndrome de imunodeficiência adquirida; Transmissão vertical de doença infecciosa


Este estudio tuvo como objetivos describir el movimiento analítico-hermenéutico aplicado en investigaciones con un niño que tiene el Síndrome de la Inmunodeficiencia Adquirida por transmisión vertical y que está en transición de la infancia hacia la adolescencia, sustentada en el referencial teórico-filosófico-metodológico heideggeriano. Los modos de conducción de la etapa de análisis son descritos, desde el cuestionamiento de investigación hasta el análisis interpretativo de los significados, culminando en la proposición de las posibilidades asistenciales en el cuidado a la población del estudio. Este referencial se mostró coherente con los principios humanísticos de la Enfermería y con su objeto de estudio y contribuye para la aproximación entre la teoría y la práctica del cuidado, por medio de la comprensión de los fenómenos que permean lo vivido de salud de las personas, las familias y la sociedad.

Investigación cualitativa; Filosofía en enfermería; Investigación en enfermería; Salud del adolescente; Salud del niño; Síndrome de inmunodeficiencia adquirida; Transmisión vertical de enfermedad infecciosa


The objective was to describe the analytic-hermeneutic movement applied in investigations with the child who had Acquired Immunodeficiency Syndrome by vertical transmission, and who is in transition from childhood to adolescence, sustained in the Heideggerian theoreticalphilosophical and methodological framework. The modes of conducting the stage of analysis are described, since the research question related to the interpretative analysis of meanings, culminating in the proposition of the assistance possibilities in caring for the study population. This framework proved to be coherent with the principles of humanistic nursing and with its object of study, and contributed to the approximation between theory and practice of care, by means of the comprehension of the phenomena that permeate the lived experience of health of individuals, families and society.

Qualitative research; Philosophy, nursing; Nursing research; Adolescent health, Health children (Public health); Acquired immunodeficiency syndrome; Infectious disease transmission, vertical


RELATO DE EXPERIÊNCIA

Movimento analítico-hermenêutico heideggeriano: possibilidade metodológica para a pesquisa em enfermagem

Movimiento analítico-hermenéutico heideggeriano: posibilidad metodológica para la investigación en enfermería

Cristiane Cardoso de PaulaI; Ívis Emilia de Oliveira SouzaII; Ivone Evangelista CabralIII; Stela Maris de Mello PadoinIV

IProfessora Adjunto no Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria (RS), Brasil

IIProfessora Titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da Escola de Enfermagem Anna Nery , Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIIProfessora Associada do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IVProfessora Adjunto do Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria (RS), Brasil

Autor Correspondente Autor Correspondente: Cristiane Cardoso de Paula Universidade Federal de Santa Maria. Departamento de Enfermagem Av. Roraima, s/n, prédio 26, 3 andar, sala 1336 - Cidade Universitária, Camobi CEP 97105-900 - Santa Maria, RS, Brasil

RESUMO

Objetivou-se descrever o movimento analítico-hermenêutico aplicado em investigações com a criança que tem a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida por transmissão vertical e que está em transição da infância para a adolescência, sustentada no referencial teórico-filosófico-metodológico heideggeriano. Os modos de condução da etapa de análise são descritos, desde o questionamento de pesquisa até a análise interpretativa dos significados, culminando na proposição das possibilidades assistenciais no cuidado à população do estudo. Este referencial mostra-se coerente com os princípios humanísticos da Enfermagem e com seu objeto de estudo e contribui para aproximação entre a teoria e a prática do cuidado, por meio da compreensão dos fenômenos que permeiam o vivido de saúde das pessoas, das famílias e da sociedade.

Descritores: Pesquisa qualitativa; Filosofia em enfermagem; Pesquisa em enfermagem; Saúde do adolescente; Saúde da criança; Síndrome de imunodeficiência adquirida; Transmissão vertical de doença infecciosa

RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivos describir el movimiento analítico-hermenéutico aplicado en investigaciones con un niño que tiene el Síndrome de la Inmunodeficiencia Adquirida por transmisión vertical y que está en transición de la infancia hacia la adolescencia, sustentada en el referencial teórico-filosófico-metodológico heideggeriano. Los modos de conducción de la etapa de análisis son descritos, desde el cuestionamiento de investigación hasta el análisis interpretativo de los significados, culminando en la proposición de las posibilidades asistenciales en el cuidado a la población del estudio. Este referencial se mostró coherente con los principios humanísticos de la Enfermería y con su objeto de estudio y contribuye para la aproximación entre la teoría y la práctica del cuidado, por medio de la comprensión de los fenómenos que permean lo vivido de salud de las personas, las familias y la sociedad.

Descriptores: Investigación cualitativa; Filosofía en enfermería; Investigación en enfermería; Salud del adolescente; Salud del niño; Síndrome de inmunodeficiencia adquirida; Transmisión vertical de enfermedad infecciosa

INTRODUÇÃO

A Fenomenologia, como corrente de pensamento, focaliza o sentido das vivências para as pessoas, por meio do preenchimento significativo do objeto conhecido(1). Como método, possibilita apreender, compreender e interpretar os fenômenos da realidade manifesta por si(2).

Preocupa-se com a compreensão dos fenômenos investigados, que se desenvolvem baseados na singularidade, que é do humano em seu mundo vivido e sua totalidade existencial(3).

O impulso para a investigação emerge não da teoria ou do método em si, mas, dos problemas ou, ainda, das coisas em si mesmas no modo como se mostram no cotidiano. O investigador tem a intencionalidade de interrogar e dirige-se a um objeto para captar seu significado. Isso revela que consciência é sempre consciência de alguma coisa, e o objeto é sempre objeto-para-um-sujeito. Essa correlação vem superar a dicotomia razão-experiência na construção do conhecimento(2-3).

As investigações de Enfermagem de natureza fenomenológica têm desvelado obscuridades do cuidar para ampliar possibilidades do olhar ao ser do humano, transpondo o modelo cartesiano, reducionista e de fragmentação do ser humano. Ao desvelar o fenômeno vivido, possibilita a compreensão do ser em suas múltiplas facetas, em suas vivências e relações no mundo cotidiano(4-9).

O conhecimento resultante das investigações que tiveram como depoentes os profissionais, os familiares e as próprias crianças/adolescentes desvelou facetas da dimensão existencial do cotidiano vivido pelas crianças e adolescentes que têm a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS)(10-16).

Neste artigo, apresentamos o movimento analítico-hermenêutico desenvolvido em investigação de Tese de Doutorado com a criança que tem AIDS por transmissão vertical e que está em transição da infância para a adolescência, sustentada no referencial teórico-filosófico-metodológico heideggeriano. Após aprovação pelosComitês de Ética em Pesquisa de três hospitais do Rio de Janeiro-RJ (protocolos de aprovação EEAN/UFRJ 096/06; IPPMG/UFRJ 09/07; HUGG/UNIRIO 36/07), foram entrevistados 11 meninos (as) de 12 a 14 anos, que conheciam seu diagnóstico(14-16).

O MOVIMENTO ANALÍTICO HERMENÊUTICO APLICADO

A investigação desenvolvida na Tese de Doutorado oportunizou aos depoentes uma reflexão sobre sua vivência, com a possibilidade de compreender dimensões de seu ser que estavam veladas e de abrir-se à mudança no cuidado de si ao ter AIDS e estar adolescendo. Esse jogo linguístico de ser, estar e ter situa o estudo na dimensão compreensiva do pensamento filosófico heideggeriano, que busca o como dos objetos de investigação, e não o quê. Tem como preocupação o mostrar-se do objeto de estudo no movimento de velamento e desvelamento.

O referencial metodológico heideggeriano apresenta duas instâncias: ôntica e ontológica. A ôntica busca a descrição do fato e remete ao ente, um quê conhecido, que podemos determinar e conceituar. Ente é "tudo de que falamos, entendemos, com que nos comportamos, o que e como nós mesmos somos"(17).

A ontológica busca a compreensão do fenômeno e remete ao ser, um quem desconhecido. Esta é a instância relacional entre os sujeitos, fundada na empatia e na intersubjetividade, mediante a redução de pressupostos.

A relação entre ser e mundo vislumbra esclarecer que entre estes não há distanciamento, visto que o ser é aderente ao mundo, propondo a expressão: ser-no-mundo, que apresenta o fenômeno da unidade e totalidade(17). Assim, a investigação partiu do ser-no-mundo (ser da criança infectada por transmissão vertical do HIV) no horizonte da cotidianidade (ao estar adolescendo e ter AIDS).

O homem é um ente questionador, que dialoga com o mundo. O questionamento desdobra-se em três polos: questionado: o ser; perguntado: o sentido; interrogado: o ente. Portanto, o questionado foi o ser-adolescendo que tem AIDS; o perguntado foi a possibilidade do cuidado de si; e o interrogado foi a criança que tem AIDS por transmissão vertical e que es endo.

Para desenvolver o questionamento, Heidegger considera um movimento na investigação, desde a posição prévia, constituindo a visão prévia e articulando a concepção prévia(17) (Figura 1).


A posição prévia refere-se à tradição científica e foi desenvolvida com base na constituição do estado da arte do objeto de estudo.

A construção da visão prévia deu-seno movimento analítico de compreensão dos significados (primeiro momento metódico heideggeriano denominado de compreensão vaga e mediana) e interpretação dos sentidos (segundo momento denominado de compreensão interpretativa ou hermenêutica) (17).

Esta análise foi desenvolvida com base naquilo que foi expresso nos depoimentos: falas, silêncios e comportamentos. Compreender é captar os significados como modo-de-ser no cotidiano. Interpretar é o mostrar-se do fenômeno no seu em si mesmo. Ou seja, os significados levam aos sentidos. O significado é aquilo em que se sustenta a compreensão, um existencial que se mostra mais acessível na cotidianeidade, localiza-se na dimensão ôntica dos fatos. O sentido é aquilo em que se sustenta a interpretação, é um existencial que está por detrás, localiza-se na dimensão ontológica do fenômeno(17).

Para tanto, faz-se necessária uma trajetória, desde o questionamento do quem, a compreensão dos significados, para, então, alcançar a hermenêutica, por meio da interpretação dos sentidos. Portanto, a visão prévia desvelou o cotidiano do ser-adolescendo que tem AIDS e suas possibilidades de cuidado de si.

A concepção prévia "consiste na apreensão desse conjunto de posições e visões prévias"(17) e possibilitou a hermenêutica heideggeriana, com base na qual pensamos as possibilidades assistenciais no cuidado ao ser-adolescendo que tem AIDS.

Nessa trajetória do questionamento, há três suspensões. Suspensão é o ato filosófico da redução de pressupostos, preconceitos e pré-julgamentos. Inaugura a possibilidade de mostrar a essência do fenômeno, colocando a consciência natural e imediata entre parênteses(1). A primeira suspensão de pressupostos, acontece na produção dos dados, na escuta do áudio gravado dos depoimentos e na leitura atentiva das transcrições. A segunda suspensão, é denominada de redução fenomenológica ou epoché e acontece no primeiro momento metódico de análise dos significados. A terceira suspensão, é denominada de redução eidética e acontece no segundo momento metódico de análise dos sentidos.

O primeiro momento analítico - compreensão vaga e mediana -, procura compreender os fatos cotidianos, aquilo que o ser mostra diretamente e na maioria das vezes, para todos(17). Iniciou-se com a escuta e leitura atentivas dos depoimentos. Desenvolveu-se o destaque dos significados contidos nos depoimentos, que se iniciou pela historiografia e historicidade.

A historiografia é composta pela dimensão ôntica dos fatos que contextualizam quem do ser-adolescendo: com posição familiar (situação conjugal dos pais, orfandade e cuidador responsável); configuração do desenvolvimento (idade e escolaridade) e biológica (início e situação do TARV e revelação do diagnóstico).

A análise da historicidade anuncia a dimensão fenomenal ao considerar o vivido do humano em seu cotidiano, revela subjetividades e expressa a intersubjetividade do encontro. Iniciou-se com a escuta dos depoimentos na íntegra e sem interrupções, para recordar o encontro em sua totalidade. Após, foram transmitidos o que foi falado e os comportamentos expressos pelos depoentes: silêncios, pausas na fala, olhares, lágrimas, risos. O modo de falar de cada depoente foi mantido, com erros gramaticais, gírias e incompletudes, buscando a fidelidade da resposta de cada um, como integrante de sua singularidade.

Todas as entrevistas foram transcritas pela pesquisadora, considerando um importante momento de reviver o encontro rumo à análise. Desenvolveu-se uma escuta atentiva para acompanhar a leitura e revisar o que havia sido transcrito, fazendo correções e acréscimos necessários. A pesquisadora priorizou transcrever o mais próximo possível de seu acontecimento, para tornar a escrita o mais fiel ao que havia sido vivenciado. Algumas entrevistas mobilizaram sentimentos; nessas situações, foi necessário um tempo de afastamento.

Uma análise preliminar teve a intenção de avaliar a adequação ou necessidades de ajustes nas questões orientadoras: Conte-me como está sendo virar adolescente. A questão - Como é o seu dia a dia, tendo essa doença? - foi mencionada somente, quando o entrevistado falava de sua condição sorológica. Utilizou-se o termo "doença", pois a AIDS foi mencionada dessa forma nas entrevistas, sendo referendada, mas, não nominada. Esta análise preliminar também avaliou a construção de questões empáticas (aquelas que a pesquisadora construía com base na fala dos próprios adolescentes, a fim de buscar o aprofundamento dos depoimentos). Além de analisar o entendimento dessas questões pelos depoentes, possibilitava-se a fluência do depoimento e atendia-se ao objeto e objetivo da pesquisa. Foi possível perceber que as questões estavam adequadas. Houve-se, ainda, o intuito de analisar se os depoimentos revelavam facetas do fenômeno e estruturas essenciais, a fim de sustentar o enfoque da perspectiva existencial, o quadro de referência da Fenomenologia e o referencial teórico-metodológico heideggeriano.

O processo de análise compreensiva envolve um conhecimento lógico, intelectual e objetivo, além de um conhecimento pessoal, experiencial, subjetivo e intuitivo(18). Considerando que "nem sempre se deve impor a presença categorias delineadas" pela ideia primeira(17), o pesquisador busca estruturas essenciais, não na posição prévia ou com base nela, mas, no que emerge dos próprios depoimentos.

Nesse movimento em busca dos significados, indica-se que da cotidianeidade "não se devem extrair estruturas ocasionais e acidentais, mas, estruturas essenciais [...] que se mantêm ontologicamente determinantes no modo de ser da presença"(17:44). Fez-se o exercício de distinção do que se manifestou como essencial para responder ao objetivo desta pesquisa. Buscou-se, então, o que o ser-adolescendo mostra como sendo ele e como ele compreende seu ser "tal como é antes de tudo e na maioria das vezes"(17). Quem faz essa significação é o próprio ser-adolescendo; ele é quem aponta em seu vivido o que é essencial. Então, a pesquisadora dedicou-se a extrair essas estruturas significantes dos depoimentos.

Uma codificação cromática foi usada para destacar as expressões do modo-de-ser no cotidiano do ser-adolescendo que tem AIDS e suas possibilidades de cuidado de si. Quando falava: de si, o pronome eu foi destacado em negrito; de suas relações, em roxo; de seus afazeres diários, em marrom; dentre outras cores que indicaram as demais estruturas essenciais. Estas estruturas apontaram significados.

A constituição do fio condutor da análise foi desenvolvida do seguinte modo: acrescentando significados; aglutinando; e sintetizando (Quadro 1). A síntese é que culmina nas Unidades de Significação (US) propriamente ditas. O caput (enunciado) das US é elaborado com partes da fala do próprio depoente que se mostraram, como estruturas significantes para compreender o objeto de estudo.


Com base no caput das US, conquista-se o "fio condutor com a elaboração do conceito de ser"(17),que revela como o ser-adolescendo que tem AIDS se compreende: o ser-adolescendo anuncia-se, se reconhece como adolescente e, às vezes, ainda quer ser criança; relaciona-se com a família e com os amigos, considera a escola importante e tem atividades do dia a dia e do lazer; revela que tem um vírus, que é ruim ter esse problema, e pensa em: estudar, trabalhar e namorar; sabe que adquiriu a doença da mãe; ter familiares doentes ou que já morreram é difícil e motivo de tristeza; relembra como soube e que disseram que não deveria contar para ninguém por causa do preconceito; cuidar de sua saúde é algo que ele tem de fazer e precisa querer fazer; por conta da doença tem de ir ao hospital e tomar remédios, mas é difícil e precisa da ajuda de alguém.

A hermenêutica heideggeriana possibilitou a interpretação dos sentidos, desvelando que o ser-adolescendo que tem AIDS vivencia em seu cotidiano um movimento existencial que parte da inautenticidade, manifestada pelo temor e ambiguidade, em direção à autenticidade, mediada pela angústia. Projeta-se como ser-de-possibilidades, não limitado pela dupla-facticidade: estar adolescendo e ter AIDS. Revela o movimento de ser-cuidado-por para ser-cuidado-com, pois na infância necessitava integralmente do cuidado familial, já na transição da infância para a adolescência compreende a necessidade de cuidar de si, pela responsabilidade com-sigo e pela ajuda com-familiar e com-profissional(14-16).

O conceito mostra facetas do cotidiano e compõe o fio condutor do segundo momento metódico-heideggeriano: a hermenêutica, que se desenvolve pela compreensão interpretativa.

A compreensão interpretativa trata de desvelar o fenômeno (dimensão ontológica) - o qual não se mostra diretamente no fato, mas nele está velado, o que aponta a necessidade de desconstrução do factual para trazer o sentido do ser à luz.

"A partir da claridade do conceito e dos modos de compreensão explícita nela inerentes, deve-se decidir o que significa essa compreensão do ser obscura, e ainda não esclarecida"(17). Para tanto, foi desenvolvido o movimento analítico dos significados contidos na dimensão factual, sem buscar a explicação, mas, inaugurando o desvelamento do sentido localizado na dimensão dos fenômenos. Esse movimento corresponde à hermenêutica heideggeriana (Quadro 2).


CONCLUSÃO

A descrição da experiência com a investigação fenomenológica com aplicação do movimento analítico-hermenêutico heideggeriano mostrou uma possibilidade metodológica para a pesquisa em Enfermagem. Este é um movimento reflexivo e também teórico, que se inicia na construção do projeto de pesquisa, quando da necessidade de localizar o objeto de pesquisa e buscar a convergência com o referencial teórico-metodológico.

O desenvolvimento da dimensão ôntica do referencial heideggeriano possibilita compreender os significados apontados pelos próprios depoentes em seu cotidiano vivido. Culminando na dimensão ontológica, que permite desvelar os sentidos do vivido e ampliar as possibilidades do cuidado na saúde e na enfermagem.

O referencial teórico-filosófico-metodológico heideggeriano mostra-se coerente com princípios os humanísticos da enfermagem e com seu objeto de estudo, pela tendência dos pesquisadores voltarem seus olhares para às situações subjetivas dos seres humanos e do cuidado. Contribui para a aproximação entre a teoria e a prática do cuidado, por meio da compreensão dos fenômenos que permeiam o impacto da situação de saúde das pessoas, das famílias e da sociedade. Neste relato, situa-se, especialmente, a população emergente de crianças que têm AIDS por transmissão vertical e que estão transitando da infância para a adolescência.

Artigo recebido em 06/12/2011 e aprovado em 14/04/2012

  • 1. Capalbo C. Considerações sobre o método fenomenológico e a enfermagem. Rev Enferm UERJ. 1994;2(2):192-7.
  • 2. Terra MG, Silva LC, Camponogara S, Santos EK, Souza AI, Erdmann AL. [On the track of phenomenology: a way for nursing research]. Texto & Contexto Enferm. 2006;15(4):672-8. Portuguese.
  • 3. Simões SM, Souza IE. [The phenomenological method of Heidegger as a possibility in nursing research]. Texto & Contexto Enferm. 1997;6(3):50-6. Portuguese.
  • 4. Almeida IS, Crivaro ET, Salimena AM, Souza IE. [The getting under way of the nursing in phenomenology: re visiting the academical production]. Rev Eletrônica Enferm. 2009,11(3):695-9. Portuguese.
  • 5. Terra MG, Gonçalves LH, Santos EK, Erdmann AL. The use of Paul Ricoeur's Hermeneutic-phenomenology philosophy as a methodological framework to guide an educational nursing research. Acta Paul Enferm. 2009;22(1):93-9.
  • 6. Terra MG, Gonçalves LH, Santos EK, Erdmann AL. [Maurice Merleau-Ponty's phenomenology as a theoreticalphilosophical framework in teaching research in nursing]. Rev Gaúcha Enferm. 2009;30(3):547-51. Portuguese.
  • 7. Souza MH, Souza IE, Tocantins FR. Abordagem da fenomenologia sociológica na investigação da mulher que amamenta. Rev Enferm UERJ. 2009;17(1):52-6.
  • 8. Padoin SM, Paula CC, Schaurich D. [Nursing research: possibilities of Buber's philosophy]. Rev Bras Enferm. 2009;62(6):912-5. Portuguese.
  • 9. Monteiro CF, Rocha SS, Paz EP, Souza IE. [Heideggerian phenomenology and its possibility in the nursing studies constructions]. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2006;10(2):297-300. Portuguese
  • 10. Medeiros HM, Motta MG. [HIV/AIDS children living in shelters under the perspective of humanistic nursing]. Rev Gaúcha Enferm. 2008;29(3):400-7. Portuguese.
  • 11. Schaurich D. [Disclosure of AIDS diagnosis to children from the family members' perspective]. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2):480-6. Portuguese.
  • 12. Schaurich D, Motta MG. [The relationship between the family member and the child with AIDS: understanding in the light of Martin Buber]. Rev Gaúcha Enferm. 2008; 29(2):254-61. Portuguese
  • 13. Paula CC, Crossetti MG. [Existencially of the child with idas: perspectives for the nursing care]. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(1):30-8. Portuguese.
  • 14. Paula CC, Cabral IE, Souza ÍE. [The daily life of children infected by HIV in the process of becoming adolescent: compromise and possibilities to the care for themselves]. DST J Bras Doenças Sex Transm. 2008;20(3-4):173-8. Portuguese.
  • 15. Paula CC, Cabral IE, Souza ÍE. [The daily life of adolescents with AIDS: existential movement or moment?]. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2009;13(3):632-39. Portuguese.
  • 16. Paula CC, Cabral IE, Souza ÍE. [The (un)said about AIDS in the quotidian transition from childhood to the adolescence]. Rev Bras Enferm. 2011;64(4):658-64. Portuguese.
  • 17. Heidegger M. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes; 2002.
  • 18. Boemer MR. [Conducting a study according to the methodology of phenomenologic investigation]. Rev Latinoam Enferm. 1994;2(1):83-94. Portuguese.
  • Autor Correspondente:

    Cristiane Cardoso de Paula
    Universidade Federal de Santa Maria. Departamento de Enfermagem
    Av. Roraima, s/n, prédio 26, 3 andar, sala 1336 - Cidade Universitária, Camobi
    CEP 97105-900 - Santa Maria, RS, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      06 Dez 2011
    • Aceito
      14 Abr 2012
    Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: actapaulista@unifesp.br