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APRENDIZAGEM HISTÓRICA EM TEMPOS DE PANDEMIA

Historical learning in pandemic times

El aprendizaje histórico en tiempos de pandemia

RESUMO

A pandemia do coronavírus provocou mudanças em diferentes segmentos sociais. No campo educacional, as escolas suspenderam atividades em cumprimento às orientações sanitárias e vários problemas surgiram quando implantaram o ensino remoto emergencial (ERE). Pensando nisso, foi proposto um Grupo de Reflexão Docente (GRD) na ocasião do XI Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História, promovido pela Associação Brasileira de Ensino de História. O presente texto sistematiza as discussões realizadas nesse GRD, envolvendo narrativas de diferentes Regiões do Brasil. Os relatos são apresentados a partir de três eixos, conduzindo a reflexões sobre o impacto da pandemia e do ensino remoto sobre o ensino de história.

PALAVRAS-CHAVE:
Coronavírus; Pandemia; Ensino de História; Consciência Histórica

ABSTRACT

The coronavirus pandemic caused changes in different social segments. In the educational field, schools suspended activities in compliance with health guidelines and several problems arose when they implemented emergency remote education. With that in mind, a Teaching Reflection Group (TRG) was proposed on the occasion of the XI Perspectives on Teaching History, promoted by the Brazilian History Teaching Association. This text systematizes the discussions held in this TRG, involving narratives from different Regions of Brazil. The reports are presented from three axes, leading to reflections on the impact of the pandemic and remote education on the teaching of history.

KEYWORDS:
Coronavirus; Pandemic; History Teaching; Historical Consciousness

RESUMEN

La pandemia de Coronavirus provocó cambios en diferentes segmentos sociales. En el ámbito educativo, las escuelas suspendieron las actividades en cumplimiento de los lineamientos de salud y surgieron varios problemas cuando implementaron educación remota de emergencia. Con eso en mente, se propuso un Grupo de Reflexión Docente con motivo de las XI Perspectivas de la Enseñanza de la Historia, promovido por la Asociación Brasileña de Enseñanza de la Historia. Este texto sistematiza las discusiones realizadas en este GRD, involucrando narrativas de diferentes regiones de Brasil. Los informes se presentan desde tres ejes, dando lugar a reflexiones sobre el impacto de la pandemia y la educación a distancia en la enseñanza de la Historia.

PALABRAS CLAVE:
Coronavirus; pandemia; enseñanza de la historia; conciencia histórica

INTRODUÇÃO

O endereço eletrônico do Ministério da Saúde do Brasil informa que o novo agente do coronavírus (coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave [SARS-CoV-2]) foi descoberto em 31 de dezembro de 2019, após casos identificados na China (MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, 2020MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL. Coronavírus: o que você precisa saber e como prevenir o contágio. Disponível em: <Disponível em: https://coronavirus.saude.gov.br/ >. Acesso em: 02 jul. 2020.
https://coronavirus.saude.gov.br/...
). No dia 26 de fevereiro de 2020, foi confirmado o primeiro caso de contaminação no Brasil, em São Paulo, desencadeando um processo de disseminação e sucessivas mortes no país. A crise sanitária provocada pela expansão da doença do novo coronavírus (COVID-19) desencadeou uma série alarmante de repercussões que desestabilizou a vida de bilhões de pessoas pelo mundo. Um dos efeitos mais evidentes foi o conjunto de medidas para o distanciamento social, incluindo as escolas e os sujeitos que nelas interagiam diariamente. Conforme Costin et al. (2020COSTIN, C. et al. A escola na pandemia: 9 visões sobre a crise do ensino durante o coronavírus [livro eletrônico]. 1. ed. Porto Alegre: Ed. do Autor, 2020.: 10):

Na volta às aulas, quando ocorrer, poderemos entender melhor o impacto da COVID-19 na educação. Para além dos sofrimentos causados a muitas famílias, na forma de perda de entes queridos e de fonte de renda, algumas lições aprendidas em educação ficarão. E elas não se referem apenas aos textos enviados para casa ou as aulas remotas assistidas. Elas dizem respeito à possibilidade de aprender para além dos muros da escola, de envolver as famílias, e de contar com o acesso à Internet de banda larga como um serviço público a ser universalizado - como passou a ser, em meados dos anos 1990, a telefonia.

Porém, apesar dessas constatações, em certa medida otimistas diante do que vivenciamos no contexto da pandemia, a disseminação do novo coronavírus provocou efeitos catastróficos nas diversas dimensões do cotidiano de pessoas de todo o planeta. O isolamento social exigido como medida de segurança foi um dos efeitos mais evidentes dessa mudança repentina no curso da história. Neste texto, abordamos especificamente a perspectiva da educação e do ensino de história em tempos de pandemia, a partir da reunião de investigações e experiências de diversos contextos regionais brasileiros: Goiás, Tocantins, Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro.

O encontro dessas diferentes narrativas ocorreu em um Grupo de Reflexão Docente (GRD), durante o XI Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História, promovido pela Associação Brasileira de Ensino de História (ABEH). O evento ocorreu de forma virtual, transmitido pelo canal da ABEH no YouTube, bem como por meio do uso da plataforma Google Meet.

O GRD nº 3, intitulado “Aprendizagem histórica em tempos de pandemia: limites e possibilidades”, possibilitou o encontro de professores e estudantes pesquisadores que desenvolvem trabalhos direcionados à compreensão, à interpretação e à análise dos desdobramentos do contexto da pandemia, considerando a adoção de estratégias de ensino que viabilizassem a continuação das aulas de história diante da inviabilidade do ensino presencial.

Como metodologia de abordagem e análise das fontes produzidas nesse contexto - relatos de professores/as e pesquisadores/as de diversas Regiões do Brasil -, adotamos a análise de conteúdo (Bardin, 2011BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.), privilegiando aspectos qualitativos dessas narrativas. Nesse sentido, consideramos relevante destacar que os autores do presente artigo interpretam o conteúdo apresentado como discursos produzidos no referido cenário da pandemia. Cruzamos informações dessas escritas e falas que revelam as percepções dos sujeitos envolvidos diretamente nos desdobramentos da crise sanitária no âmbito educacional, e mais especificamente no que diz respeito ao ensino de história.

Organizamos o texto da seguinte forma: primeiramente, apontamos questões mais amplas apresentadas pelos participantes do GRD, relacionadas ao contexto educacional diante da pandemia e de seus efeitos a partir da suspensão das aulas presenciais; em seguida, analisamos com mais especificidade as repercussões dessas mudanças nas aulas de história o ensino de história, identificando os limites e as possibilidades apresentadas; finalizando, pensamos sobre as aprendizagens históricas que essa realidade oportunizou, bem como os significados para a consciência histórica dos sujeitos envolvidos, principalmente professores e estudantes da educação básica das diferentes regiões que integraram essa experiência. Além disso, propomos também possibilidades para pensarmos cientificamente esse processo vivido ao longo do ano de 2020, apontando caminhos para investigações e registros da historicidade de um tempo que certamente marcará muitas narrativas, memórias e histórias a serem escritas no futuro.

O CONTEXTO EDUCACIONAL DURANTE A PANDEMIA: MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS

A pandemia do novo coronavírus foi um tema que surgiu de forma inesperada nos círculos de discussão acadêmicos e escolares, assim como em diversos outros espaços da sociedade. De repente, nos vimos diante de uma tela de computador ou celular assistindo a incontáveis transmissões de conteúdos virtuais, cujo tema condutor foi o conjunto de efeitos da expansão do vírus e de questionamentos diante da realidade marcada pela imprevisibilidade.

Para a educação, foi um desafio particular, por lidar com milhões de estudantes das mais variadas modalidades e de diferentes níveis de ensino, da educação infantil ao superior. O distanciamento social, apesar das propostas de educação a distância que já vinham sendo desenvolvidas antes da pandemia, transformou-se em um grande desafio em função das transformações e adaptações exigidas em tão curto espaço de tempo.

As repercussões desta experiência histórica na dinâmica das diferentes aprendizagens de estudantes da educação básica do Brasil, durante e após o período de distanciamento social e das aulas remotas, tornaram-se um importante tema para investigação, seja no âmbito acadêmico ou escolar. O GRD nº 3, proposto durante a realização do XI Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História, reuniu experiências, investigações e reflexões sobre o desencadeamento desse processo em relação ao ensino de história, especificamente. A intenção foi captar as estratégias de apreensão e sistematização de informações que surgem nesse contexto de incerteza e instabilidade acentuada, em que professores e estudantes se encontram diante de desafios à sua orientação no tempo.

Para analisar as narrativas dos participantes, coletamos os textos produzidos a partir das apresentações e discussões desencadeadas ao longo dos dois dias do GRD. Em uma primeira leitura, identificamos elementos que apontavam conjuntos de temas que se tornaram evidentes e recorrentes nas apresentações. Essas informações foram reunidas posteriormente em eixos temáticos, os quais estruturam este artigo.

Jörn Rüsen (2015RÜSEN, J. Humanismo e Didática da História. Tradução de Maria Auxiliadora Schmidt. Curitiba: W.A. Editores, 2015.) aponta que as pessoas suprem as suas carências de orientação por meio da busca de respostas a suas inquietações e seus sofrimentos. O passado é uma das fontes de obtenção dessas respostas, desencadeando narrativas que são ressignificadas a partir das experiências do presente. Como este tempo de mudanças aceleradas interferiu e que resultados trará para a educação quando voltarmos à “normalidade”?

Primeiramente, os integrantes do GRD relataram sobre medidas tomadas em suas diferentes regiões para lidar com a nova realidade apresentada pelo ensino remoto emergencial (ERE). Nesse sentido, foram evidenciados os regimes de informação e de comunicação durante o processo de adaptação das redes de ensino. Diversas instâncias (secretarias, Conselho Nacional de Educação, Ministério da Educação, dentre outros) tiveram de pensar e implantar, em um curto prazo, estratégias e suportes para que a escola brasileira conseguisse manter os estudantes conectados ao processo formativo.

Como as instituições conseguiram realizar essa adaptação? Quais problemas a gestão escolar, os docentes, os discentes e as suas famílias enfrentaram nesse processo e como encontraram soluções de forma coletiva? As rotinas curriculares alteradas exigiram respostas rápidas para questões que, até então, funcionavam sem maiores questionamentos, como, por exemplo, a carga horária das disciplinas. Além disso, professores e alunos passaram a enfrentar obstáculos diários diante da necessidade de ensinar e aprender em tempos pandêmicos. Nesse cenário, somado à tragédia dos milhares de contaminados e mortos nesse período, todos tiveram de aprender a lidar com limitações de ordem técnica, social e cultural para dar conta do mínimo que se propunha nas diferentes situações educacionais.

Nesse sentido, cabe destacar a importância dos relatos de sujeitos que estão vivenciando a pandemia como forma de registro histórico de seu tempo. Huyssen (2014HUYSSEN, A. Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas da memória. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014.) e Ricoeur (2007RICOEUR, P. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain François. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.) destacam que a memória e o esquecimento são fenômenos que ocorrem simultaneamente, desafiando a historiografia a lidar com esses dois movimentos no tempo. Tal reflexão nos leva a pensar sobre o significado que as narrativas do tempo presente assumem historicamente, gerando um conjunto de relatos que vão tecendo as memórias do contexto da pandemia. O ensino de história, em seu formato virtual e distante do espaço físico escolar, nos coloca diante deste desafio: o de registrar as vivências do chamado “tempo quente” do presente para que possamos avaliar, futuramente, os desdobramentos e as ressignificações da experiência vicária sobre a consciência histórica de estudantes e docentes que protagonizam os acontecimentos, compreendendo as suas memórias e os seus esquecimentos.

As soluções para o ensino em tempos de pandemia, relatadas no GRD, vieram pela necessidade da incorporação de outros parâmetros à educação escolar, como a participação de pais, mães e responsáveis de forma mais efetiva no acompanhamento dos filhos e das filhas. Como dialogar com as famílias e como auxiliar aqueles que estavam excluídos do acesso à tecnologia? Como manter a rotina de estudos, que metodologias adotar e como acompanhar o processo de aprendizagem? Essas e outras inúmeras questões surgiram nas narrativas dos participantes do GRD. Em um dos relatos, os apresentadores destacaram o seguinte:

Ao decreto do dia 16 de março sucederiam várias prorrogações, de tal forma que no dia 16 de setembro, seis meses depois do primeiro decreto regulamentando o isolamento social no Ceará, as atividades educacionais presenciais ainda se encontravam suspensas, embora diversos outros setores já tivessem sido liberados para o funcionamento como restaurantes e shoppings. (Oliveira e Oliveira, 2020OLIVEIRA, A. C.; OLIVEIRA, J. C. Educação on-line: o alcance e as dificuldades do ensino remoto em tempos de pandemia. In: ENCONTRO NACIONAL PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA - PERSPECTIVAS WEB 2020, 11., 2020, Ponta Grossa. Anais [...]. Ponta Grossa: ABEH , 2020. p. 1-11.: 3).

Percebemos que muitas redes de ensino demoraram a apresentar alternativas para a continuidade das aulas, o que se agravou pela dificuldade de acesso de muitos estudantes aos recursos necessários para acompanhar as atividades. Apesar da diversidade das regiões representadas no GRD, muitos aspectos semelhantes vieram à tona nas apresentações e discussões, apontando características que conectam essas diferentes realidades educacionais brasileiras.

Em outro relato, os autores destacam uma série de dificuldades que surgiram nesse contexto, partindo da análise de sua realidade de atuação e investigação1 1 Os autores apresentaram os resultados parciais da pesquisa referente ao Projeto de Pesquisa e Extensão Para Investigar/Dialogar a Respeito da Educação Básica Pública em Tempos de Quarentena tendo com recorte o ensino fundamental II nas cidades envolvidas, no qual participam bolsistas do Programa de Bolsa de Permanência Universitária (PBPU) e voluntários, ambos ligados ao Grupo de Estudos e Pesquisas: Política Educacional; Cultura Escolar e Ensino de História (Pondera). Perante a atual realidade da quarentena do COVID-19 e das alterações sugeridas na educação, o grupo passou a investigar essa realidade como estudantes de licenciaturas. Por um lado, objetivam compreender como foi reorganizada a escola na cidade de Ipu-Ceará, que possui 40.296 habitantes e 34 escolas de Ensino Fundamental (IBGE, 2010/2018); por outro, objetivam responder: quais as dificuldades que os educadores estão enfrentando, o que alterou em suas rotinas, quais adaptações precisaram fazer para conseguir cumprir a carga horária em período de pandemia; aliás, qual carga horária? E os alunos, como estão vivenciando essa situação? Os primeiros resultados apontam para uma realidade difícil, sem a assistência devida aos profissionais e estudantes em relação ao acesso tecnológico necessário, revelando um quadro de exclusão já previsível. :

[...] no contexto da pandemia da COVID-19 as práticas escolares e as pesquisas passaram a acontecer por intermédio da Internet. Isso despertou uma série de debates a respeito da exclusão de cidadãos/as ao acesso tecnológico, considerando que esse caminho que pareceu o mais fácil é um dos mais difíceis se levarmos em conta que se trata de um sistema dispendioso para as famílias de baixa renda, uma parcela considerável da população que frequenta a escola pública básica. O acesso à escola remota [...] perpassa pela aquisição de dispositivos qualificados com memória suficiente e munidos de aplicativos que permitam o armazenamento e o acesso rápido e seguro [...]. Todas essas questões passaram a ser preocupação de educadores que viram repentinamente seu trabalho transformado da escola presencial para a virtual, porque é preciso garantir que todos os discentes participem dessa escola emergencial e que aprendam. (Adrião, Araújo e Pinheiro, 2020ADRIÃO, M. A. V.; ARAÚJO, R. W. A.; PINHEIRO, C. S. Investigar/dialogar a respeito da educação básica pública em tempos de quarentena. In: ENCONTRO NACIONAL PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA - PERSPECTIVAS WEB 2020, 11. 2020, Ponta Grossa. Anais [...]. Ponta Grossa: ABEH, 2020. p. 1-11.: 3).

Os relatos e as posteriores discussões evidenciaram que muitos problemas emergentes desse contexto constituem continuidades e agravamentos de uma realidade que já vinha se desdobrando antes da pandemia. Dentre esses aspectos, destacamos a exclusão e a diferenciação social e econômica que marcam profundamente a educação no Brasil. Muitos aspectos revelam os múltiplos sentidos do “distanciamento social”, que pode ser compreendido como medida de contenção do coronavírus, mas também como um hiato entre os diferentes grupos sociais que, apesar de sofrerem as sequelas da pandemia, apresentam condições distintas de enfrentamento das suas mazelas. Nesse sentido, a pandemia, ao escancarar a impossibilidade de distanciamento de alguns sujeitos em espaços públicos e privados, desvelou também a vulnerabilidade de alguns corpos.

A escola pública, com todas as suas deficiências já indicadas por índices de desenvolvimento humano, acabou sofrendo de forma mais direta esse impacto do ERE, conforme dados apresentados pelos integrantes do grupo de reflexão docente:

[...] é possível relatar que o formato de ensino remoto emergencial revela uma realidade de alunos que encontram dificuldades na forma de acessar as aulas, pois são poucos os que têm acesso à internet e a um dispositivo móvel, sendo assim, tornando-se impossível eles terem a oportunidade de acompanhar o andamento das aulas. Por sua vez, os professores que vêm tendo uma “carga horária ainda mais pesada”, buscam alternativas para levar a esses alunos as atividades planejadas, e uma delas é que as escolas passaram a disponibilizar materiais impressos para esses alunos não ficarem atrasados em relação aos conteúdos programados pela instituição. (Silva, Bezerra e Adrião, 2020SILVA, T. A.; BEZERRA, M. S.; ADRIÃO, M. A. V. Aulas remotas: adaptação e reinvenção nessa nova fase da educação. In: ENCONTRO NACIONAL PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA - PERSPECTIVAS WEB 2020, 11., 2020, Ponta Grossa. Anais [...]. Ponta Grossa: ABEH , 2020. p. 1-10.: 4).

Considerando-se que os trabalhos apresentados no GRD congregaram diferentes Regiões do Brasil, podemos inferir que as regionalidades influenciam as configurações de cada sistema escolar, impondo maiores ou menores limitações e potencialidades para o enfrentamento dos desafios do ERE. Porém, como percebemos, há também um delineamento geral que tipifica o ensino no Brasil, cujas fragilidades foram evidenciadas nesse contexto de improviso diante das circunstâncias provocadas pela pandemia.

Os agravantes da situação da educação no Brasil estão ligados a estruturas sociais e históricas que sempre se revelam nos contextos de crise. É o que destaca o professor e pesquisador goiano na seguinte passagem:

Com a pandemia e com a atual política sanitária tornou-se visível práticas racistas que invisibilizam corpos e banalizam a existência de milhares de afro-brasileiros(as). Nesta dialética de visibilidade e de invisibilidade, o ensino de história das Áfricas permitiu localizar no tempo e no espaço como foram construídas estratégias discursivas de racialização e mecanismos de segregação jurídica, social e cultural. A cada nova contagem de pessoas vitimadas pela doença crescia também a compreensão de quem seriam essas pessoas. Apesar do esforço do governo federal para invisibilizar as mortes e banalizar seus efeitos, nós (eu e os alunos) passamos por um entendimento da enorme perplexidade que a COVID-19 causou, não somente por sua rápida disseminação, mas que apesar dos efeitos da doença, em alguns casos foi mantida e em outros se aprofundou a estrutura racista no Brasil na definição de quais vidas foram consideradas um bem. (Regiani, 2020REGIANI, A. R. Áfricas visíveis e invisíveis na sala de aula: um relato docente sobre o ensino de História das Áfricas na Universidade Estadual de Goiás em tempos da pandemia. In: ENCONTRO NACIONAL PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA - PERSPECTIVAS WEB 2020, 11., 2020, Ponta Grossa. Anais [...]. Ponta Grossa: ABEH , 2020. p. 1-8.: 6-7).

A passagem revela que, além dos desafios tecnológicos e metodológicos para dar seguimento ao ensino nas escolas, foi necessário repensar estratégias para incorporar narrativas que incluíssem novos compromissos com a compreensão dos efeitos sociais do vírus. O ensino de história, particularmente, por meio da historicização das diferenças que na sociedade, por vezes, se efetivam como desigualdades, pode nos apontar como essas inter-relações se constroem, seja no espaço escolar presencial ou virtual.

Os desdobramentos da pandemia da COVID-19 numa sociedade estruturada pelo racismo penaliza grupos vulneráveis, especialmente entre pessoas negras, está diretamente relacionado à policrise sanitária, social, política, econômica, moral, crise na globalização e os fluxos migratórios etc. Essa conjuntura influencia e direciona as decisões políticas e a elaboração de estratégias de proteção social, como políticas públicas na área social e da saúde. (Santos et al., 2020SANTOS, M. A. V.; NERY, J. S.; GOES, E. F.; SILVA, A.; SANTOS, A. B. S.; BATISTA, L. E.; ARAÚJO, E. M. População negra e COVID-19: reflexões sobre racismo e saúde. Estudos Avançados, v. 34, n. 99, p. 225-244, 2020. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.014
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
: 230).

O ENSINO DE HISTÓRIA NO CONTEXTO DA PANDEMIA: LIMITES E POSSIBILIDADES

Quais as novas carências, as novas perguntas, os novos sentidos que as aprendizagens históricas terão e que tipo de consciência histórica os sujeitos deste tempo estão formando e formarão após este período de “suspensão”? Essas questões nortearam o segundo eixo de discussão durante o GRD2 2 Instituto Península, por meio da série Retratos da Educação, disponibilizou informações diversas sobre a implementação e a continuidade do ensino remoto emergencial em função da pandemia de COVID-19. Disponível em: https://www.institutopeninsula.org.br/retratos-da-educacao-na-pandemia/. Acesso em: 8 mar. 2021. .

Segundo Rüsen (2015RÜSEN, J. Humanismo e Didática da História. Tradução de Maria Auxiliadora Schmidt. Curitiba: W.A. Editores, 2015.), a consciência histórica dos jovens está diretamente ligada às suas identidades. Essa concepção dá origem a diversos estudos empíricos que buscam compreender de que forma esses alunos constroem a sua percepção do passado e como o conhecimento histórico se constitui levando em consideração as suas identidades, o seu meio de vida, seus conhecimentos além da escola e as diferentes percepções que esses condicionantes podem gerar na aprendizagem de história. O contexto gerado pela pandemia do coronavírus criou condições específicas em que essas aprendizagens e a identidade dos estudantes se reconfiguram bruscamente, o que nos leva a pensar na recepção e na compreensão das mudanças relacionadas às formas de aprender a pensar historicamente. Os dados oferecidos pelas narrativas desses estudantes são fundamentais para captar as nuances do processo histórico e seus impactos sobre o ensino de história escolar, em diferentes cenários do país.

O Brasil já vinha enfrentando uma situação peculiar relacionada ao ensino de história nas escolas: dentre outros aspectos, professores já se deparavam com narrativas negacionistas e anticientificistas (terraplanismo, movimentos ligados à extrema-direita, discursos excludentes, dentre outros). Nesse cenário desanimador, as práticas racistas que invisibilizam e banalizam a existência de milhares de afro-brasileiros(as) e de indígenas também vieram à tona, escancarando visibilidades e invisibilidades que marcam a história do país.

Nesse sentido, cabe lembrar que narrar é um ato de interpretar o mundo. A narrativa envolve uma série de elementos que revelam a forma como se compreende a si mesmo e se faz interlocução com os outros; as formas com que os aprendizes ressignificam as experiências do passado humano - vividas e/ou aprendidas - e se orientam no tempo (Rüsen, 2010RÜSEN, J. Narrativa histórica: fundamentos, tipo, razão. In: MARTINS, E. R.; SCHMIDT, M. A.; BARCA, I. Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Ed. UFPR, 2010.). Como desenvolver as potencialidades do ensino de história diante das limitações anteriormente apontadas?

Não existe uniformidade de narrativas, pois a sociedade é marcada por diferentes formas de pensamento. Há inúmeras possibilidades de olhar para o passado e precisamos, como professores e professoras de história, avaliar essas versões, buscando a consistência empírica e a lógica que possam validá-las ou refutá-las. Por isso, é importante dar atenção às formas como os alunos e as alunas constroem ideias sobre o que, como e por que aconteceu um dado passado. Nessa trama, entram noções de explicação, significância, multiperspectividade e evidência. Tais conceitos dão forma à natureza da história como ciência, legitimando investigações que interpretem a aprendizagem histórica sem se afastar desses conceitos estruturantes do pensar historicamente (Barca, 2017BARCA, I. História e diálogo entre culturas: contributos da teoria de Jörn Rüsen para a orientação temporal dos jovens. Intelligere - Revista de História Intelectual, v. 3, n. 2, p. 1-13, out. 2017. https://doi.org/10.11606/issn.2447-9020.intelligere.2017.130744
https://doi.org/https://doi.org/10.11606...
).

Na perspectiva de uma educação histórica, o objetivo do ensino de história é que se construa uma ponte gradual, e não um fosso, entre o que os alunos e as alunas aprendem e o que os historiadores, as historiadoras, os filósofos e as filósofas da história pensam e produzem na academia. O desenvolvimento humano é compreendido a partir de uma atitude científica, ancorada na reflexão epistemológica sobre o conhecimento histórico e social. Sem essa compreensão, a eficácia da aprendizagem histórica fica comprometida; por isso, é preciso ter ciência do que os sujeitos pensam historicamente, percorrendo vários níveis.

O arcabouço teórico pode nos ajudar a compreender as ideias históricas dos estudantes e dos professores no contexto da pandemia, cujos reflexos da cultura histórica interferem nas interpretações do tempo em que vivem. Captar essas ideias e narrativas produzidas no período em que as aulas de história estão ocorrendo de forma virtual ou a distância pode reunir informações que auxiliem nas investigações acerca das conexões entre aprendizagens históricas escolares e o tempo das mudanças aceleradas no qual as crianças, jovens e adultos participantes se encontram. São sujeitos desse tempo de pandemia que se viram repentinamente forçados a ensinar e a aprender história por intermédio de plataformas virtuais, videoconferências, atividades encaminhadas pelas escolas, dentre outras alternativas que, apesar do esforço coletivo dos docentes e das instituições, não conseguem substituir a presença no ambiente escolar, no qual costumavam interagir até o momento em que ocorreu a suspensão das aulas. São milhões de estudantes e docentes que se transformaram em sujeitos de um tempo cujo futuro é incerto, e cujas narrativas pós-pandemia poderão dar sentido ao fluxo da mudança e ao estado de incerteza que marcaram o ano de 2020.

A apresentação do trabalho desenvolvido por uma professora do Rio de Janeiro destaca nuances dessa discussão:

A inconstância promovida pela pandemia leva a História a chamar seus sujeitos (alunos) para seu tempo, fornecendo ao professor subsídios para seu laboratório de pesquisa científica. Grande parte das atividades organizadas envolvia fatos que ocorriam concomitantemente à expansão do coronavírus, como as queimadas no Pantanal, ao abandono das populações indígenas por parte do Governo Federal, trabalhadas a partir de artigos de jornais e perguntas que estimulassem o aluno a ver o lugar da História em sua vida. (Dieguez, 2020DIEGUEZ, L. Qual é o lugar da História? Ações, consequências do ensino remoto na cidade do Rio de Janeiro. In: ENCONTRO NACIONAL PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA - PERSPECTIVAS WEB 2020, 11. 2020, Ponta Grossa. Anais [...]. Ponta Grossa: ABEH , 2020. p. 1-11.: 7).

Na medida em que ocorria a expansão do coronavírus, os significados dos temas trabalhados no ensino de história foram também assumindo novas dimensões. Professores tinham de selecionar o que era mais relevante diante das limitações de tempo e condições de ensino. A realidade passou a exigir dos profissionais uma tomada de decisão sobre o que e como ensinar por meio das plataformas digitais e das restrições impostas pela realidade social de cada grupo de sujeitos.

No estado de Goiás, foi desenvolvido um projeto de investigação sobre como o ensino de história passou a ser desenvolvido nesse contexto e, principalmente, que aprendizagens os alunos e as alunas vinham construindo nessas condições3 3 O projeto Aprendizagem Histórica em Tempos de Pandemia no Estado de Goiás é desenvolvido por um grupo de pesquisadores da UFG e do IFG, desde agosto de 2020. . Quais novas perguntas, respostas e sentidos o ensino de história trouxe para esses estudantes? A partir da aplicação de questionários via Google Forms, obtiveram-se alguns indícios sobre o que vem ocorrendo no estado:

[...] foi possível categorizar essas ideias e identificar, nesse primeiro momento da investigação, quatro tipos de narrativas predominantes: a) vinculação estrita ao passado: nesse conjunto, situam-se narrativas que descrevem as imagens associando-as a períodos da história fixos no tempo, sem estabelecer relações com o presente ou com a situação da pandemia do Novo Coronavírus [...]. b) crítica situada no presente: esses alunos problematizam e buscam as causas do contexto presente, mas não estabelecem relações com o passado. Associam as consequências da pandemia a sujeitos e ações recentes, construindo argumentos críticos, porém sem perceber sentido na mudança histórica [...]. c) presente como continuidade e repetição do passado: nessas narrativas, percebemos a intenção de relacionar a pandemia e suas consequências a situações do passado, estabelecendo relações de causa e efeito diretas entre as diferentes temporalidades; enfatizam o caráter exemplar da história [...]. d) reflexão a partir de relações entre passado, presente e futuro: nesse grupo, identificamos narrativas que estabelecem relações passado-presente-futuro, identificando as mudanças e permanências, bem como as especificidades de cada contexto; não empregam a noção de “regras gerais” da história, elaborando críticas de tipo genético. (Nicolini e Medeiros, 2020NICOLINI, C.; MEDEIROS, K. E. G. Percepções e narrativas de estudantes da educação básica de Goiás sobre o ensino remoto emergencial. In: ENCONTRO NACIONAL PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA - PERSPECTIVAS WEB 2020, 11., 2020, Ponta Grossa. Anais [...]. Ponta Grossa: ABEH , 2020. p. 1-13.: 8-9).

Os relatos e as discussões trouxeram, portanto, informações prévias sobre a ressignificação do ensino de história nesse contexto. Quando pensamos nos efeitos da pandemia sobre as relações humanas e sobre a economia, por exemplo, é fundamental que tenhamos essa preocupação de acompanhar as mudanças no âmbito da educação e do ensino de história, que foi o objeto desse grupo de reflexão. Trazer esses relatos, confrontando situações vividas, experiências, sucessos e fracassos nos habilita a pensar, a partir da pesquisa, sobre o processo de construção das aprendizagens históricas no contexto inusitado que então se apresentou às pessoas de diferentes partes do globo.

Elencar essas experiências e registrá-las, como no caso deste texto, contribui para que não percamos as nuances do processo, pois somente com essas escritas poderemos organizar as narrativas e pensar, futuramente, a dimensão epistemológica e social do conhecimento histórico. É nessas situações imprevisíveis que somos forçados a repensar nossas práticas e referências, transcendendo os parâmetros que normalmente vínhamos considerando.

Pensar na dimensão social do conhecimento histórico é uma tarefa que veio à tona de forma abrupta neste contexto, estimulando reflexões que nos ajudam a pensar em que tipo de história queremos ensinar nas escolas. Para isso, o GRD em questão chegou a uma conclusão prévia: em tempos de ataque à ciência, é urgente que pensemos ensino e pesquisa de forma indissociável, cruzando os campos da reflexão e da ação para compreender o terreno no qual pisamos. Percebemos que é um campo arenoso e repleto de desafios. Como traçar o caminho, sem perder de vista o que mais importa: as vidas humanas em questão?

PESQUISA E ENSINO DE HISTÓRIA NO CONTEXTO DA PANDEMIA: METODOLOGIAS, TEMAS E PROPOSTAS PARA O FUTURO

Investigar esta realidade é tarefa imprescindível para compreender os efeitos da pandemia sobre o ensino de história. No GRD mencionado, foram apresentados diferentes instrumentos de investigação e metodologias que viabilizaram os trabalhos em questão - questionários, diários, estudos comparativos, fotografias, análise de legislação, dentre outros. Assim, o trabalho apresentado pelas pesquisadoras do Rio de Janeiro destaca que:

[...] a necessidade de considerar que o ato de aprender relaciona de forma complexa processos cognitivos, mas, também, se define por sua constituição cultural intrinsecamente relacionada às dimensões estética e política [...]. A potência desse tipo de reflexão é garantir historicidade ao ato de se pensar e produzir conhecimento histórico - seja o científico ou o escolar. (Wanderley e Nicolau, 2020WANDERLEY, S.; NICOLAU, G. Aprender História em tempos de pandemia: aprendizado escolar e cultura histórica. In: ENCONTRO NACIONAL PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA - PERSPECTIVAS WEB 2020, 11., 2020, Ponta Grossa. Anais [...]. Ponta Grossa: ABEH , 2020, p. 1-8.: 2-3).

Como indicam as autoras, é necessário pensarmos nessa potência que o ensino de história apresenta, seja em contexto de ensino presencial ou remoto. Sem desconsiderar as limitações apresentadas na primeira parte deste texto, não podemos perder de vista que o ato de narrar é intrínseco à historicidade. Por que aprender história? (Lee, 2011LEE, P. Por que aprender História? Educar em Revista, Curitiba, v. 27, n.42, p.19-42, out./dez. 2011. https://doi.org/10.1590/S0104-40602011000500003
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
). Essa pergunta já foi feita por muitos e segue como objeto de investigação.

Nesse GRD, pensamos em possíveis respostas para essa questão, porém considerando o contexto gerado pela pandemia. Quando muitos falam em “novo normal”, quais os novos sentidos que a aprendizagem histórica poderá assumir em um futuro próximo? Talvez a conexão entre passado, presente e futuro nunca tenha sido tão evidente como no tempo em que vivemos.

Diante desse quadro, um pesquisador de Goiás questiona, partindo da análise de cartas escritas por professores da rede pública de ensino:

Quais efeitos poderão ser sentidos a médio e longo prazo por conta do atual suporte das narrativas e suas remodelações? A narrativa histórica, restrita aos que têm acesso às tecnologias, deixará um vácuo para outras narrativas? Elas transformarão e/ou fortalecerão pensamentos históricos etnocêntricos, anacrônicos e unilaterais? Não conseguiremos aqui responder essas perguntas inquietantes. (Dias, 2020DIAS, A. O. Ensino de História em Goiás (2020): experiências “imagináveis apenas em filmes de ficção científica”. In: ENCONTRO NACIONAL PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA - PERSPECTIVAS WEB 2020, 11., 2020, Ponta Grossa. Anais [...]. Ponta Grossa: ABEH , 2020. p. 1-12.: 7).

O autor traz perguntas provocativas: como esse período pode interferir nas narrativas históricas? Lembremos que durante o ano de 2020, em plena pandemia, vários movimentos marcaram a história do tempo presente: derrubadas de estátuas de figuras históricas controversas, movimento negro, protestos anti-homofobia, anúncio de nova constituição no Chile, dentre outras turbulências que trouxeram à tona diversos temas latentes. A pandemia pode ser considerada um “tempo quente” dos acontecimentos, repercutindo nas diversas esferas sociais.

Outras pesquisadoras evidencia a importância das investigações acerca dos efeitos da pandemia sobre o ensino, frisando essa ideia na seguinte passagem:

Não devemos ignorar as situações as quais se encontram as famílias, pois os estudos estão aí para comprovar as vulnerabilidades que existiam antes mesmo da pandemia. [...] se não há condições econômicas favoráveis, haverá exclusão social. Isso se direciona ao nosso atual quadro. Se não há uma política voltada para amparar as famílias de renda baixa, que vivem um momento delicado, como o desemprego, então o “pacto federativo” não está cumprido com seu papel. (Sousa e Adrião, 2020SOUSA, A. D.; ADRIÃO, M. A. V. Educação Básica: Ensino Fundamental em tempos de quarentena (Município de Santana do Acaraú - Ceará). In: In: ENCONTRO NACIONAL PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA - PERSPECTIVAS WEB 2020, 11., 2020, Ponta Grossa. Anais [...]. Ponta Grossa: ABEH , 2020, p. 1-10.: 8).

Os integrantes do GRD nº 3 apresentaram diversas estratégias investigativas que, mesmo elaboradas de forma rápida e, por vezes, improvisada, possibilitaram acessar a realidade na perspectiva da ciência. A situação de emergência que marcou o contexto brasileiro no ano de 2020 impulsionou a criatividade e a adaptação de pesquisas e experiências que vinham se desenvolvendo na universidade e na escola, mas que diante do cenário de isolamento social exigiram a elaboração de instrumentos virtuais e interações também mediadas pelos recursos tecnológicos digitais.

A partir de experiências como a da professora do Rio de Janeiro, pensamos na necessidade de compreender essa investigação a partir das vivências do ensino remoto nas escolas, narradas por docentes e discentes:

O aprender e o apreender na pandemia caminham, enfim, dentro dos limites de uma rede de ensino desigual, salientada por uma política pública frágil, que ao invés de incluir, afasta ainda mais os alunos do processo de aprendizagem, contribuindo para a permanência de uma cidade do Rio de Janeiro partida. As peças deste tabuleiro, entre elas a própria História, aparecem desvalorizadas no currículo modo presencial, por conta da diminuição de tempos de aula e os ataques atuais à ciência e agora no meio remoto, por meio de materiais institucionais que cubram suas discussões e que impeçam a construção da consciência, alijando os alunos da formação de seu espírito crítico. A História, como uma ciência humana e por referência, tem seu lugar no meio de todos, ainda que no caos no qual mergulharam a educação na pandemia. Vai passar. Nossas experiências processadas são as fontes históricas que comprovarão nossa hipótese no futuro. (Dieguez, 2020DIEGUEZ, L. Qual é o lugar da História? Ações, consequências do ensino remoto na cidade do Rio de Janeiro. In: ENCONTRO NACIONAL PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA - PERSPECTIVAS WEB 2020, 11. 2020, Ponta Grossa. Anais [...]. Ponta Grossa: ABEH , 2020. p. 1-11.: 9).

Por isso, cabe evidenciar que este texto tem a intenção de registrar um pequeno passo na direção desse movimento de ressignificação. Pretendemos, a partir desse grupo de reflexão, dar continuidade às investigações que aqui se anunciaram. Mesmo que não tenhamos respostas sobre as mudanças ocorridas, sabemos que muitas coisas permanecem: seguimos combatendo preconceitos, segregações, tabus, estigmas, dentre outras marcas de um passado que não passa. Não temos conclusões sobre o que discutimos nesse GRD, mas podemos sistematizar algumas considerações finais, que, por sua vez, são o início de trabalhos para o futuro do ensino de história no Brasil. Como afirma a professora, “vai passar”. Teremos novamente outros desafios, talvez outras pandemias, outras crises e mudanças que nos desafiarão a repensar o ensino e o sentido de aprender história. A única certeza que temos diante disso é que precisamos registrar o vivido, para que as narrativas não se percam e que possamos, futuramente, olhar para o passado que hoje é o nosso presente, pois este momento de crise será tratado em futuras aulas e materiais de ensino de história.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como afirmam vários apontamentos apresentados e discutidos no GRD, podemos perceber que o Brasil, a partir de sua diversidade regional, não estava preparado para a pandemia e para as suas repercussões na educação. Conforme relatam os pesquisadores da Região Norte:

O nosso país, em especial o estado do Tocantins com sua diversidade cultural, econômica e social, não tem condições de ofertar um atendimento equitativo aos estudantes e professores da rede estadual, uma vez que atende muitas comunidades quilombolas, indígenas e assentados da reforma agrária, além de municípios e cidades muitos distantes e de difícil acesso, como a região do Jalapão. (Macedo, Santos e Santana, 2020MACEDO, M. L. L.; SANTOS, J. S.; SANTANA, R. M. Narrativas do ensino de História em tempos de pandemia, Palmas, Tocantins. In: ENCONTRO NACIONAL PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA - PERSPECTIVAS WEB 2020, 11., 2020, Ponta Grossa. Anais [...]. Ponta Grossa: ABEH , 2020. p. 1-9.: 4).

Como projetar possibilidades de um ensino de história diante de tamanha diversidade e de tantos dilemas que marcam a historicidade da educação do Brasil? O primeiro passo diante desse desafio é conhecer as múltiplas realidades, investigando as ações desses sujeitos que se veem diante da realidade e, muitas vezes, não têm recursos nem canais de manifestação de suas angústias.

Um ensino de história coerente deve estar conectado com as reais necessidades dos sujeitos que frequentam as escolas das diferentes regiões do país. Professores e pesquisadores têm essa função: trazer à tona as necessidades e especificidades de cada recanto do território, para que a materialidade desses processos chegue às instâncias governamentais. Esse tipo de ensino está diretamente ligado à noção de cidadania e de consciência histórica dos sujeitos, que se constrói por meio de um ensino de história ressignificado e conectado a essa realidade.

Tal conexão, contemporaneamente, exige que as aulas de história, mesmo com as limitações dos espaços virtuais, incluam abordagens sobre a história das doenças, das crises sanitárias, das vacinas e, principalmente, da historicidade da constituição gradual dos métodos e das compreensões que legitimam e diferenciam discursos científicos.

Assim, encerramos este texto destacando a importância de espaços de troca e de formação como esse proporcionado virtualmente pela Associação Brasileira de Ensino de História e do Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História, que chegou à sua edição de número XI em 2020. O GRD nº 3, nesse sentido, buscou oportunizar discussões que destacassem a situação do ensino de história especificamente no contexto da pandemia, registrando e refletindo sobre as potencialidades e as limitações que marcam o fazer historiográfico em sala de aula, seja ele presencial ou virtual.

Concluímos que espaços como esse, que oportunizam trocas de saberes e experiências entre diferentes sujeitos que trabalham pela construção de aprendizagens históricas significativas, são urgentes para repensarmos as nossas ações no campo do ensino de história. Os estudos nesse sentido vêm ganhando potência desde os anos 1980, com a redemocratização no país; contudo, precisamos amadurecer as discussões que conectem academia e educação básica, partindo de narrativas de sujeitos que fazem a história nas escolas brasileiras. Congregar essas diferentes experiências, valorizando a diversidade regional do Brasil e a riqueza de estratégias que se desenvolvem nos espaços educacionais, seja em contexto pandêmico ou de dita normalidade, é um caminho profícuo e que requer a atenção de pesquisadores do ensino de história. O diálogo com a realidade nunca se fez tão necessário, em um momento em que a pandemia expõe as raízes de uma sociedade historicamente marcada pela desigualdade.

Os relatos apresentados no grupo de reflexão se configuram como narrativas de um tempo vivido pelos sujeitos envolvidos, mas que trazem em si as vivências de diversos outros atores e atrizes de um cenário caótico. A crise sanitária, as angústias, o adoecimento, a morte iminente e as perturbações na rotina de estudantes estão demarcados nesses registros, os quais compõem importantes evidências de uma consciência histórica em mutação, carregada de significados que estarão nas memórias e nos esquecimentos desse tempo (Ricoeur, 2007RICOEUR, P. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain François. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.).

Porém, como diria Paulo Freire: “é impossível existir sem sonhos” (2001FREIRE, P. Pedagogia dos Sonhos Possíveis. São Paulo: Editora UNESP, 2001.: 35). A intenção dos sujeitos que atuam na educação não pode negligenciar sonhos e esperanças de estudantes que, justamente nos momentos de crise, precisam da escola para superar as desigualdades e construir conhecimento necessário para a formação de uma consciência histórica situada no tempo e no espaço. Só é possível ensinar história se possibilitarmos essas pontes sobre os fossos que nos separam e que tendem a aumentar durante conjunturas de agravamento das desigualdades, como vem ocorrendo desde a expansão do novo coronavírus pelo mundo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NOTAS

  • 1
    Os autores apresentaram os resultados parciais da pesquisa referente ao Projeto de Pesquisa e Extensão Para Investigar/Dialogar a Respeito da Educação Básica Pública em Tempos de Quarentena tendo com recorte o ensino fundamental II nas cidades envolvidas, no qual participam bolsistas do Programa de Bolsa de Permanência Universitária (PBPU) e voluntários, ambos ligados ao Grupo de Estudos e Pesquisas: Política Educacional; Cultura Escolar e Ensino de História (Pondera). Perante a atual realidade da quarentena do COVID-19 e das alterações sugeridas na educação, o grupo passou a investigar essa realidade como estudantes de licenciaturas. Por um lado, objetivam compreender como foi reorganizada a escola na cidade de Ipu-Ceará, que possui 40.296 habitantes e 34 escolas de Ensino Fundamental (IBGE, 2010/2018INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Portal desenvolvido e mantido pelo IBGE. Disponível em: <Disponível em: https://www.ibge.gov.br/ >. Acesso em: 02 out. 2020.
    https://www.ibge.gov.br/...
    ); por outro, objetivam responder: quais as dificuldades que os educadores estão enfrentando, o que alterou em suas rotinas, quais adaptações precisaram fazer para conseguir cumprir a carga horária em período de pandemia; aliás, qual carga horária? E os alunos, como estão vivenciando essa situação? Os primeiros resultados apontam para uma realidade difícil, sem a assistência devida aos profissionais e estudantes em relação ao acesso tecnológico necessário, revelando um quadro de exclusão já previsível.
  • 2
    Instituto Península, por meio da série Retratos da Educação, disponibilizou informações diversas sobre a implementação e a continuidade do ensino remoto emergencial em função da pandemia de COVID-19. Disponível em: https://www.institutopeninsula.org.br/retratos-da-educacao-na-pandemia/. Acesso em: 8 mar. 2021.
  • 3
    O projeto Aprendizagem Histórica em Tempos de Pandemia no Estado de Goiás é desenvolvido por um grupo de pesquisadores da UFG e do IFG, desde agosto de 2020.
  • Fonte de financiamento: nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    01 Jan 2021
  • Aceito
    11 Mar 2021
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