Acessibilidade / Reportar erro

Déficit funcional em crianças com cardiopatias congênitas submetidas à correção cirúrgica após alta da unidade de terapia intensiva

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a funcionalidade de pacientes pediátricos submetidos à correção cirúrgica de cardiopatia congênita após a alta da unidade de terapia intensiva e as possíveis correlações com variáveis clínicas e risco cirúrgico.

Métodos:

Estudo transversal, que incluiu crianças entre 1 mês e 18 anos incompletos, que realizaram cirurgia para correção de cardiopatia congênita, no período de outubro de 2017 até maio de 2018. A avaliação da funcionalidade foi realizada por meio da Functional Status Scale, a avaliação do risco cirúrgico se deu pelo Risk Adjustment for Congenital Heart Surgery-1 (RACHS-1), e as variáveis clínicas foram obtidas do prontuário eletrônico.

Resultados:

A amostra foi composta de 57 crianças, com mediana de idade de 7 (2 - 17) meses, sendo 54,4% do sexo masculino. Dentre as crianças, 75,5% apresentaram alteração na funcionalidade, e 45,6% delas tiveram disfunção moderada. Cerca de 47% da amostra apresentou classificação RACHS-1 > 3, indicando maior risco cirúrgico. Maior déficit funcional foi associado a crianças mais novas, com maior duração da ventilação mecânica invasiva e do tempo de internação na unidade de terapia intensiva. Além disso, maior grau de disfunção foi observado entre aqueles classificados com RACHS-1 > 3.

Conclusão:

A prevalência de disfunção foi elevada em crianças e adolescentes com cardiopatia após cirurgia cardíaca. Maior risco cirúrgico, duração da ventilação mecânica invasiva, permanência na unidade de terapia intensiva e os mais jovens apresentaram associação com pior desempenho funcional.

Descritores:
Unidades de terapia intensiva pediátrica; Cardiopatias congênitas; Cirurgia torácica; Fatores de risco; Criança

Abstract

Objective:

To evaluate the functional status of pediatric patients undergoing congenital heart surgery after discharge from the intensive care unit, and to evaluate the correlations among clinical variables, functional status and surgical risk.

Methods:

Cross-sectional study including patients aged 1 month to less than 18 years undergoing congenital heart surgery between October 2017 and May 2018. Functional outcome was assessed by the Functional Status Scale, surgical risk classification was determined using the Risk Adjustment for Congenital Heart Surgery-1 (RACHS-1), and clinical variables were collected from electronic medical records.

Results:

The sample comprised 57 patients with a median age of 7 months (2 - 17); 54.4% were male, and 75.5% showed dysfunction, which was moderate in 45.6% of the cases. RACHS-1 category > 3 was observed in 47% of the sample, indicating higher surgical risk. There was a correlation between functional deficit and younger age, longer duration of invasive mechanical ventilation and longer intensive care unit stay. Moreover, greater functional deficit was observed among patients classified as RACHS-1 category > 3.

Conclusion:

The prevalence of functional deficit was high among children and adolescents with congenital heart disease after cardiac surgery. Higher surgical risk, longer duration of invasive mechanical ventilation, longer intensive care unit stay and younger age were correlated with worse functional status.

Keywords:
Intensive care units, pediatric; Heart defect, congenital; Thoracic surgery; Risk factors; Child

INTRODUÇÃO

As cardiopatias congênitas são defeitos estruturais do coração, sendo a causa mais comum das anormalidades congênitas.(11 van der Linde D, Konings EE, Slager MA, Witsenburg M, Helbing WA, Takkenberg JJ, et al. Birth prevalence of congenital heart disease worldwide: a systematic review and meta-analysis. J Am Coll Cardiol. 2011;58(21):2241-7.) Apresentam prevalência em torno de 9,1 a cada 1.000 nascidos vivos(11 van der Linde D, Konings EE, Slager MA, Witsenburg M, Helbing WA, Takkenberg JJ, et al. Birth prevalence of congenital heart disease worldwide: a systematic review and meta-analysis. J Am Coll Cardiol. 2011;58(21):2241-7.) e têm impacto negativo nos sistemas de saúde, visto que apresentam maiores taxas de doenças crônicas associadas, atrasos no desenvolvimento motor e número mais elevado de visitas médicas anuais.(22 Razzaghi H, Oster M, Reefhuis J. Long-term outcomes in children with congenital heart disease: National Health Interview Survey. J Pediatr. 2015;166(1):119-24.) Na maioria dos casos, o tratamento inclui a correção cirúrgica com consequente internação em unidades de terapia intensiva (UTI) pediátrica.(33 Ong C, Lee JH, Leow MK, Puthucheary ZA. Functional Outcomes and Physical Impairments in Pediatric Critical Care Survivors: A Scoping Review. Pediatr Crit Care Med. 2016;17(5):e247-59.) Com o maior aporte tecnológico no ambiente da terapia intensiva, a taxa de mortalidade decaiu de forma considerável nas últimas décadas, mas houve aumento exponencial na morbidade percebida após a alta hospitalar.(33 Ong C, Lee JH, Leow MK, Puthucheary ZA. Functional Outcomes and Physical Impairments in Pediatric Critical Care Survivors: A Scoping Review. Pediatr Crit Care Med. 2016;17(5):e247-59.,44 França EE, Ferrari F, Fernandes P, Cavalcanti R, Duarte A, Martinez BP, et al. Fisioterapia em pacientes críticos adultos: recomendações do Departamento de Fisioterapia da Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(1):6-22.)

As cirurgias cardíacas cursam com riscos intrínsecos devido ao grande número de anormalidades anatômicas encontradas nesses pacientes, necessitando de técnicas cirúrgicas altamente complexas e específicas.(55 Berger JT, Holubkov R, Reeder R, Wessel DL, Meert K, Berg RA, Bell MJ, Tamburro R, Dean JM, Pollack MM; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Morbidity and mortality prediction in pediatric heart surgery: physiological profiles and surgical complexity. J Thorac Cardiovasc Surg. 2017;154(2):620-8.e6.,66 Jenkins KJ, Gauvreau K, Newburger JW, Spray TL, Moller JH, Iezzoni LI. Consensus-based method for risk adjustment for surgery for congenital heart disease. J Thorac Cardiovasc Surg. 2002;123(1):110-8.)A escala Risk Adjustment for Congenital Heart Surgery (RACHS-1) tem sido utilizada como método confiável de avaliação do risco cirúrgico e da probabilidade de morte desses pacientes, com evidências demonstrando associação direta com piores desfechos funcionais no pós-operatório.(55 Berger JT, Holubkov R, Reeder R, Wessel DL, Meert K, Berg RA, Bell MJ, Tamburro R, Dean JM, Pollack MM; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Morbidity and mortality prediction in pediatric heart surgery: physiological profiles and surgical complexity. J Thorac Cardiovasc Surg. 2017;154(2):620-8.e6.,66 Jenkins KJ, Gauvreau K, Newburger JW, Spray TL, Moller JH, Iezzoni LI. Consensus-based method for risk adjustment for surgery for congenital heart disease. J Thorac Cardiovasc Surg. 2002;123(1):110-8.)Todavia, sua avaliação de risco não considera fatores inerentes à cirurgia cardíaca pediátrica e nem ao pós-operatório, como idade gestacional, estado nutricional, uso de circulação extracorpórea (CEC), ventilação mecânica invasiva(77 Hirata Y. Cardiopulmonary bypass for pediatric cardiac surgery. Gen Thorac Cardiovasc Surg. 2018;66(2):65-70.

8 Jeffries HE, Gaies MG. Outcomes analysis and quality improvement in children with congenital and acquired cardiovascular disease. Pediatr Crit Care Med. 2016;17(8 Suppl 1):S362-6.
-99 Mitting R, Marino L, Macrae D, Shastri N, Meyer R, Pathan N. Nutritional status and clinical outcome in postterm neonates undergoing surgery for congenital heart disease. Pediatr Crit Care Med. 2015;16(5):448-52.)e duração da hospitalização.(99 Mitting R, Marino L, Macrae D, Shastri N, Meyer R, Pathan N. Nutritional status and clinical outcome in postterm neonates undergoing surgery for congenital heart disease. Pediatr Crit Care Med. 2015;16(5):448-52.

10 Gupta P, Chow V, Gossett JM, Yeh JC, Roth SJ. Incidence, predictors, and outcomes of extubation failure in children after orthotopic heart transplantation: a single-center experience. Pediatr Cardiol. 2015;36(2):300-7.
-1111 Toole BJ, Toole LE, Kyle UG, Cabrera AG, Orellana RA, Coss-Bu JA. Perioperative nutritional support and malnutrition in infants and children with congenital heart disease. Congenit Heart Dis. 2014;9(1):15-25.)

As intervenções que ocorrem ao longo da internação hospitalar(1212 Cashen K, Reeder R, Dalton HJ, Berg RA, Shanley TP, Newth CJ, Pollack MM, Wessel D, Carcillo J, Harrison R, Dean JM, Jenkins T, Meert KL; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network (CPCCRN). Functional status of neonatal and pediatric patients after extracorporeal membrane oxygenation. Pediatr Crit Care Med. 2017;18(6):561-70.

13 Mussatto KA, Hoffmann R, Hoffman G, Tweddell JS, Bear L, Cao Y, et al. Risk factors for abnormal developmental trajectories in young children with congenital heart disease. Circulation. 2015;132(8):755-61.
-1414 Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS. Functional evaluation of pediatric patients after discharge from the intensive care unit using the Functional Status Scale. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(4):460-5.)cursam com o desenvolvimento de incapacidades que geram repercussões na funcionalidade global das crianças.(33 Ong C, Lee JH, Leow MK, Puthucheary ZA. Functional Outcomes and Physical Impairments in Pediatric Critical Care Survivors: A Scoping Review. Pediatr Crit Care Med. 2016;17(5):e247-59.,1414 Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS. Functional evaluation of pediatric patients after discharge from the intensive care unit using the Functional Status Scale. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(4):460-5.

15 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Berger JT, Meert K, Newth CJ, Shanley T, Moler F, Carcillo J, Berg RA, Dalton H, Wessel DL, Harrison RE, Doctor A, Dean JM, Jenkins TL; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Pediatric intensive care outcomes: development of new morbidities during pediatric critical care. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(9):821-7.
-1616 Piva TC, Ferrari RS, Schaan CW. Early mobilization protocols for critically ill pediatric patients: systematic review. Rev Bras Ter Intensiva. 2019;31(2):248-57.)Estudos têm demonstrado que o declínio funcional sofre influência direta das variáveis clínicas,(33 Ong C, Lee JH, Leow MK, Puthucheary ZA. Functional Outcomes and Physical Impairments in Pediatric Critical Care Survivors: A Scoping Review. Pediatr Crit Care Med. 2016;17(5):e247-59.,1717 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Berger JT, Clark AE, Meert K, Berg RA, Carcillo J, Wessel DL, Moler F, Dalton H, Newth CJ, Shanley T, Harrison RE, Doctor A, Jenkins TL, Tamburro R, Dean JM; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Simultaneous prediction of new morbidity, mortality, and survival without new morbidity from pediatric intensive care: a new paradigm for outcomes assessment. Crit Care Med. 2015;43(8):1699-709.) dos riscos inerentes à própria intervenção médica e da própria doença de base.(1515 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Berger JT, Meert K, Newth CJ, Shanley T, Moler F, Carcillo J, Berg RA, Dalton H, Wessel DL, Harrison RE, Doctor A, Dean JM, Jenkins TL; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Pediatric intensive care outcomes: development of new morbidities during pediatric critical care. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(9):821-7.)

Considerando a presença dessas perdas funcionais, a Functional Status Scale (FSS) foi criada para ser aplicada em crianças com idade entre 1 mês e 18 anos incompletos, com o objetivo de mensurar a funcionalidade por meio de atividades da vida diária (AVD), com base no conceito do comportamento adaptativo.(1818 Pollack MM, Holubkov R, Glass P, Dean JM, Meert KL, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo J, Newth CJ, Harrison R, Willson DF, Nicholson C; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Functional Status Scale: new pediatric outcome measure. Pediatrics. 2009;124(1):e18-28.) Recentemente, a FSS foi validada para a língua portuguesa,(1919 Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS, Normann TC, Rosa NV, Ricachinevsky CP, et al. Functional Status Scale: cross-cultural adaptation and validation in Brazil. Pediatr Crit Care Med. 2019;20(10):e457-e463.)e os estudos atuais demonstraram o declínio funcional após a alta da UTI pediátrica, com prevalência que variou de 4,6%(1717 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Berger JT, Clark AE, Meert K, Berg RA, Carcillo J, Wessel DL, Moler F, Dalton H, Newth CJ, Shanley T, Harrison RE, Doctor A, Jenkins TL, Tamburro R, Dean JM; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Simultaneous prediction of new morbidity, mortality, and survival without new morbidity from pediatric intensive care: a new paradigm for outcomes assessment. Crit Care Med. 2015;43(8):1699-709.) a 82%.(1414 Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS. Functional evaluation of pediatric patients after discharge from the intensive care unit using the Functional Status Scale. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(4):460-5.) Fatores como idade, sistema primário de disfunção, tempo de internação e permanência em ventilação mecânica invasiva (VMI) apresentam influência direta no aparecimento de déficits.(1414 Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS. Functional evaluation of pediatric patients after discharge from the intensive care unit using the Functional Status Scale. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(4):460-5.,1515 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Berger JT, Meert K, Newth CJ, Shanley T, Moler F, Carcillo J, Berg RA, Dalton H, Wessel DL, Harrison RE, Doctor A, Dean JM, Jenkins TL; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Pediatric intensive care outcomes: development of new morbidities during pediatric critical care. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(9):821-7.,1717 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Berger JT, Clark AE, Meert K, Berg RA, Carcillo J, Wessel DL, Moler F, Dalton H, Newth CJ, Shanley T, Harrison RE, Doctor A, Jenkins TL, Tamburro R, Dean JM; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Simultaneous prediction of new morbidity, mortality, and survival without new morbidity from pediatric intensive care: a new paradigm for outcomes assessment. Crit Care Med. 2015;43(8):1699-709.)

Pesquisas com ênfase nos desfechos funcionais após a permanência em UTI pediátricas ganham destaque na atualidade, mas englobam pacientes com diferentes doenças.(2020 Heneghan JA, Pollack MM. Morbidity: changing the outcome paradigm for pediatric critical care. Pediatr Clin North Am. 2017;64(5):1147-65.

21 Pinto NP, Rhinesmith EW, Kim TY, Ladner PH, Pollack MM. Long-term function after pediatric critical illness: results from the survivor outcomes study. Pediatr Crit Care Med. 2017;18(3):e122-e130.
-2222 Pereira CS, Carvalho AT, Bosco AD, Forgiarini Júnior LA. The Perme scale score as a predictor of functional status and complications after discharge from the intensive care unit in patients undergoing liver transplantation. Rev Bras Ter Intensiva. 2019;31(1):57-62.)No Brasil, são escassos os estudos demonstrando os déficits funcionais em doenças específicas,(1414 Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS. Functional evaluation of pediatric patients after discharge from the intensive care unit using the Functional Status Scale. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(4):460-5.) dificultando a identificação de potenciais grupos de risco e fatores que podem estar associados à piora da funcionalidade após a alta das UTI pediátricas.

O objetivo primário do presente estudo foi avaliar a funcionalidade em pacientes pediátricos submetidos à cirurgia cardíaca após alta da UTI pediátrica e as possíveis correlações com variáveis clínicas e o risco cirúrgico. Secundariamente, objetivou-se comparar as variáveis clínicas e o risco cirúrgico entre os indivíduos com diferentes graus de comprometimento no escore da FSS-Brasil.

MÉTODOS

Estudo transversal analítico, realizado no Hospital da Criança Santo Antônio, do complexo hospitalar da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (ISCMPA), no período de junho a agosto de 2018. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital da Criança Santo Antônio - Santa Casa/RS, sob parecer 2.025.679.

A população foi composta por todas as crianças submetidas a procedimento cirúrgico para correção de cardiopatia congênita entre o mês de outubro de 2017 até maio do ano de 2018. Foram incluídas crianças entre 1 mês de idade e 18 anos incompletos, de ambos os sexos, que realizaram procedimento cirúrgico para correção de cardiopatia congênita que constassem na classificação RACHS-1 e estivessem internadas na UTI pediátrica após o procedimento por período superior a 24 horas. Os responsáveis consentiram a participação da criança no estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos os pacientes que apresentaram readmissão na UTI pediátrica em período inferior a 24 horas.

As variáveis clínicas avaliadas incluíram: idade no momento da alta da UTI pediátrica (meses), peso (kg), altura (cm) e escore-Z (no momento da alta da UTI pediátrica), idade gestacional (semanas), sexo, peso ao nascimento (kg), duração da cirurgia, duração da circulação extracorpórea (minutos), duração da internação na UTI pediátrica (no período pré e pós-operatório), duração da VMI (no período pré e pós-operatório), duração da ventilação mecânica não invasiva (no período pré e pós-operatório), complicações no pós-operatório, presença de comorbidades e diagnóstico clínico.

Para o cálculo do escore-Z de pacientes até 60 meses, foi utilizado o software da Organização Mundial da Saúde (OMS) denominado WHO Anthro, e para aqueles pacientes com idade superior a 61 meses, o software da OMS WHO Anthro Plus - ambos no módulo “calculadora antropométrica”. O escore-Z analisado foi referente ao índice de massa corporal (IMC) para idade de toda a amostra do estudo.(2323 de Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ. 2007;85(9):660-7.,2424 WHO Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Child Growth Standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr Suppl. 2006;450:76-85.)

A constatação de complicações no pós-operatório foi definida como presença de situações clínicas desfavoráveis que ocorreram após o procedimento cirúrgico, não estando presentes no momento pré-operatório, como sepse, atelectasia, pneumonia, alterações nos sistemas renal e respiratório, além da presença de outras complicações. Para a identificação das comorbidades prévias, foi analisada a existência de doenças presentes antes do procedimento cirúrgico.

O risco cirúrgico foi avaliado por meio da escala RACHS-1, que avalia o risco de mortalidade baseada na cirurgia à qual o paciente foi submetido. Foi desenvolvida para uso em crianças (zero - 18 anos incompletos) que realizaram procedimento cirúrgico para cardiopatias congênitas. A escala é composta por seis categorias (1 - 6), e quanto maior a categoria, maior o risco ao qual a criança está exposta.(66 Jenkins KJ, Gauvreau K, Newburger JW, Spray TL, Moller JH, Iezzoni LI. Consensus-based method for risk adjustment for surgery for congenital heart disease. J Thorac Cardiovasc Surg. 2002;123(1):110-8.) Nos casos de mais de um procedimento ter sido realizado, a categoria de maior risco foi utilizada. No presente trabalho, categorizamos a RACHS-1 nas categorias 1, 2 e 3 e > 3.(2525 Polito A, Patorno E, Costello JM, Salvin JW, Emani SM, Rajagopal S, et al. Perioperative factors associated with prolonged mechanical ventilation after complex congenital heart surgery. Pediatr Crit Care Med. 2011;12(3):e122-6.)

A avaliação da funcionalidade após a alta da UTI pediátrica foi realizada em até 48 horas após, por meio da FSS-Brasil, composta por seis domínios: estado mental, sensório, comunicação, função motora, alimentação e respiração. Cada domínio é pontuado de 1 a 5 (função normal, disfunção leve, moderada, severa e muito severa, consecutivamente), resultando em pontuações finais que variam de 6 a 30. Quanto maior a pontuação atingida, pior o estado funcional do paciente.(1818 Pollack MM, Holubkov R, Glass P, Dean JM, Meert KL, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo J, Newth CJ, Harrison R, Willson DF, Nicholson C; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Functional Status Scale: new pediatric outcome measure. Pediatrics. 2009;124(1):e18-28.) Para o presente estudo, o desfecho foi analisado de duas maneiras distintas: primeiramente agrupamos os escores em níveis de disfunção, ou seja, sem disfunção (6 - 7), disfunção leve (8 - 9), disfunção moderada (10 - 15), disfunção severa (16 - 21) e disfunção muito severa (> 21), classificação já utilizada em estudos prévios.(1414 Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS. Functional evaluation of pediatric patients after discharge from the intensive care unit using the Functional Status Scale. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(4):460-5.,1515 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Berger JT, Meert K, Newth CJ, Shanley T, Moler F, Carcillo J, Berg RA, Dalton H, Wessel DL, Harrison RE, Doctor A, Dean JM, Jenkins TL; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Pediatric intensive care outcomes: development of new morbidities during pediatric critical care. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(9):821-7.)Secundariamente, dicotomizamos a funcionalidade em adequado/disfunção leve e disfunção moderada/severa.

As informações relativas ao procedimento cirúrgico e as variáveis clínicas dos pacientes foram coletadas a partir dos prontuários eletrônicos do sistema Tasy, utilizado no Complexo Hospitalar Santa Casa pela pesquisadora responsável. Não houve cegamento do pesquisador em relação à classificação da RACHS-1. O estado funcional, avaliado por meio da FSS-Brasil, foi realizado por pesquisador cegado em relação aos objetivos e às variáveis do presente estudo.

Análise estatística

A apresentação dos dados foi feita pela mediana e pelo intervalo interquartil, para dados contínuos, e frequência relativa e absoluta, para dados categóricos. A análise das correlações entre as variáveis contínuas e o escore funcional foi realizada por meio do teste de Spearman. Valores entre 0,30 - 0,50 (-0,30 - -0,50) foram indicativos de correlações fracas; 0,50 - 0,70 (-0,50 - -0,70) de correlações moderadas; e 0,70 - 0,90 (-0,70 - -0,90) de correlações fortes.(2626 Mukaka MM. Statistics corner: a guide to appropriate use of correlation coefficient in medical research. Malawi Med J. 2012;24(3):69-71.) Para avaliar as diferenças entre os grupos de funcionalidade (adequado/disfunção leve versus disfunção moderada/severa), foram utilizados o teste U de Mann-Whitney para as variáveis contínuas e o teste qui-quadrado para as variáveis categóricas. Foi utilizado o programa estatístico Stata 14.0 e adotou-se um nível de significância de 5%.

RESULTADOS

A amostra total foi composta por 75 pacientes, sendo excluídos 18 (a maioria pelo fato de a cirurgia não estar incluída na escala RACHS-1) deles, totalizando 57 pacientes incluídos na presente análise. As características da amostra estão apresentadas na tabela 1.

Tabela 1
Caracterização da amostra

A presença de comorbidades foi observada em 59,6% da amostra, sendo a síndrome de Down, com ou sem outras comorbidades, e a prematuridade as mais frequentes (12,3%). Outras síndromes estiveram presentes em 5,3% dos pacientes e as malformações, em 3,5% dos casos. As complicações no pós-operatório estiveram presentes em 87,7% dos casos; os sistemas respiratório e renal foram os mais afetados, acometendo 40,4% e 35,1% da amostra, respectivamente. A sepse foi diagnosticada em 33,3%, a pneumonia em 19,3% e as atelectasias em 14% dos pacientes avaliados.

O desfecho funcional após a alta da UTI pediátrica, analisado a partir dos graus de disfunção, está representado na figura 1. Observamos elevada prevalência de déficit funcional, sendo os graus leve e moderado os mais prevalentes. Nenhum paciente apresentou disfunção muito severa.

Figura 1
Grau de disfunção após a alta da unidade de terapia intensiva pediátrica.

FSS - Functional Status Scale.


Foi observada correlação positiva entre risco cirúrgico, tempo de CEC, tempo de permanência na UTI pediátrica e tempo de VMI no pós-operatório com o escore funcional global (Tabela 2), demonstrando que o aumento de cada uma dessas variáveis cursa com pior prognóstico funcional. A idade apresentou correlação inversa, indicando que crianças mais jovens apresentaram pior funcionalidade.

Tabela 2
Correlações entre funcionalidade e variáveis clínicas

Analisando a funcionalidade na forma dicotomizada, 30 pacientes apresentaram funcionalidade adequada/disfunção leve e 27, disfunção moderada/severa. Não observamos diferença entre os grupos em relação à idade gestacional, sendo 8 (38,1%) prematuros e 13 (61,9%) nascidos a termo no grupo com funcionalidade adequada/disfunção leve em comparação a 10 (37,0%) prematuros e 17 (63,0%) a termo entre os pacientes com disfunção moderada/severa (p = 0,940). No grupo com funcionalidade adequada/disfunção leve, 9 pacientes (33,3%) foram enquadrados na categoria RACHS-1 > 3 comparando com 18 pacientes (66,7%) no grupo que apresentou disfunção moderada/severa, demonstrando diferença estatística entre os grupos (p = 0,006).

Na figura 2, observamos as variáveis clínicas conforme as categorias de funcionalidade. A idade apresentou mediana de 14,5 (6 - 49) meses no grupo de funcionalidade adequada/disfunção leve e 5 (2 - 7) meses no grupo disfunção moderada/severa (p = 0,001). O tempo de CEC foi semelhante entre os grupos (p = 0,114), com 95 (75 - 129) minutos entre pacientes com melhor desfecho funcional e 121 (98 - 148) minutos entre os que tiveram pior desfecho funcional. O tempo de permanência na UTI pediátrica foi maior no grupo disfunção moderada/severa comparado ao grupo com funcionalidade adequada/disfunção leve - 18 (12 - 35) dias versus 2 (3 - 7) dias; p < 0,001, respectivamente. Com relação ao tempo de VMI no pós-operatório, também houve diferença entre os grupos, em que o grupo com melhor funcionalidade permaneceu 0,52 (0,08 - 2,0) dia e o grupo com pior funcionalidade permaneceu 8 [5 - 20] dias em VMI (p < 0,001).

Figura 2
Variáveis clínicas de acordo com grupos de disfunção. (A) Idade em meses; *p = 0,001; (B) tempo de circulação extracorpórea em minutos; (C) tempo de internação na unidade de terapia intensiva em dias; *p < 0,001; (D) tempo de ventilação mecânica invasiva em dias; *p < 0,001.

CEC - circulação extracorpórea; UTI - unidade de terapia intensiva; VMI - ventilação mecânica invasiva.


DISCUSSÃO

O desenvolvimento de morbidades após permanência em UTI pediátricas tem sido relatado em estudos prévios(33 Ong C, Lee JH, Leow MK, Puthucheary ZA. Functional Outcomes and Physical Impairments in Pediatric Critical Care Survivors: A Scoping Review. Pediatr Crit Care Med. 2016;17(5):e247-59.,1414 Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS. Functional evaluation of pediatric patients after discharge from the intensive care unit using the Functional Status Scale. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(4):460-5.,1515 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Berger JT, Meert K, Newth CJ, Shanley T, Moler F, Carcillo J, Berg RA, Dalton H, Wessel DL, Harrison RE, Doctor A, Dean JM, Jenkins TL; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Pediatric intensive care outcomes: development of new morbidities during pediatric critical care. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(9):821-7.,2020 Heneghan JA, Pollack MM. Morbidity: changing the outcome paradigm for pediatric critical care. Pediatr Clin North Am. 2017;64(5):1147-65.,2121 Pinto NP, Rhinesmith EW, Kim TY, Ladner PH, Pollack MM. Long-term function after pediatric critical illness: results from the survivor outcomes study. Pediatr Crit Care Med. 2017;18(3):e122-e130.)mas em ampla gama de doenças/situações. Tendo em vista este cenário, o presente estudo é o primeiro que se propôs a investigar o estado funcional, por meio da FSS-Brasil, de pacientes pediátricos com cardiopatia congênita submetidos a procedimento cirúrgico após internação em UTI. A presença de disfunção foi observada na maioria da amostra, sendo o grau moderado o mais prevalente. Além disso, a pior funcionalidade foi observada entre os mais jovens, com maior risco cirúrgico segundo o RACHS-1, com maior tempo de VMI e maior permanência na UTI pediátrica no período pós-operatório.

A alta prevalência de disfunção moderada encontrada no presente trabalho corrobora com o resultado de estudos prévios.(1414 Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS. Functional evaluation of pediatric patients after discharge from the intensive care unit using the Functional Status Scale. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(4):460-5.,1515 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Berger JT, Meert K, Newth CJ, Shanley T, Moler F, Carcillo J, Berg RA, Dalton H, Wessel DL, Harrison RE, Doctor A, Dean JM, Jenkins TL; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Pediatric intensive care outcomes: development of new morbidities during pediatric critical care. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(9):821-7.)Pereira et al. avaliaram a FSS após a alta de uma UTI pediátrica brasileira e encontraram que a maior parte da amostra apresentou disfunção moderada.(1414 Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS. Functional evaluation of pediatric patients after discharge from the intensive care unit using the Functional Status Scale. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(4):460-5.) Da mesma forma, o estudo de Pollack et al. demonstrou que, logo após a alta de uma UTI pediátrica americana, o grau de disfunção moderada foi o mais prevalente. Entretanto, no momento da alta hospitalar, houve melhora do déficit funcional.(1515 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Berger JT, Meert K, Newth CJ, Shanley T, Moler F, Carcillo J, Berg RA, Dalton H, Wessel DL, Harrison RE, Doctor A, Dean JM, Jenkins TL; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Pediatric intensive care outcomes: development of new morbidities during pediatric critical care. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(9):821-7.) Embora, os estudos de Pereira e Pollack apresentem resultados semelhantes aos nossos, é importante ressaltar que ambos analisaram pacientes que internaram em UTI pediátrica por diversos motivos e, no presente estudo, incluímos apenas aqueles em pós-operatório de cirurgia cardíaca.

O que a literatura tem mostrado é que as crianças, após o período de internação em UTI, apresentam prejuízo importante na funcionalidade, independente do diagnóstico de base. Dentre os possíveis fatores de risco para o déficit funcional estão o ambiente pouco propício para o desenvolvimento infantil, o monitoramento intensivo, os ruídos e a luminosidade constantes.(2727 Daniels JM, Harrison TM. A case study of the environmental experience of a hospitalized newborn infant with complex congenital heart disease. J Cardiovasc Nurs. 2016;31(5):390-8.) Além disso, a presença de drenos, o uso excessivo de sedativos, as sondas e tubos, concomitantemente com a condição frágil em que a criança se encontra, limitam a exploração do ambiente e de seu potencial físico.(2828 Butler SC, Huyler K, Kaza A, Rachwal C. Filling a significant gap in the cardiac ICU: implementation of individualised developmental care. Cardiol Young. 2017;27(9):1797-806.)

No presente trabalho, a maior classificação na RACHS-1 se correlacionou negativamente com desempenho funcional da criança, embora esta correlação tenha sido fraca. Estudos prévios demonstram que a realização de cirurgia cardíaca é um fator de risco para o desenvolvimento de déficits funcionais.(55 Berger JT, Holubkov R, Reeder R, Wessel DL, Meert K, Berg RA, Bell MJ, Tamburro R, Dean JM, Pollack MM; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Morbidity and mortality prediction in pediatric heart surgery: physiological profiles and surgical complexity. J Thorac Cardiovasc Surg. 2017;154(2):620-8.e6.,1515 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Berger JT, Meert K, Newth CJ, Shanley T, Moler F, Carcillo J, Berg RA, Dalton H, Wessel DL, Harrison RE, Doctor A, Dean JM, Jenkins TL; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Pediatric intensive care outcomes: development of new morbidities during pediatric critical care. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(9):821-7.)Berger et al.(55 Berger JT, Holubkov R, Reeder R, Wessel DL, Meert K, Berg RA, Bell MJ, Tamburro R, Dean JM, Pollack MM; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Morbidity and mortality prediction in pediatric heart surgery: physiological profiles and surgical complexity. J Thorac Cardiovasc Surg. 2017;154(2):620-8.e6.) revelaram que quanto mais alta a categoria na RACHS-1, maior é a taxa de déficit funcional, podendo variar de 1,8% a 13,9% na maior classificação. Polito et al.,(2525 Polito A, Patorno E, Costello JM, Salvin JW, Emani SM, Rajagopal S, et al. Perioperative factors associated with prolonged mechanical ventilation after complex congenital heart surgery. Pediatr Crit Care Med. 2011;12(3):e122-6.) em estudo com pacientes pediátricos com cardiopatia congênita submetidos à cirurgia, concluíram que maior classificação no RACHS-1 representou maior risco de os pacientes necessitarem VMI por um período igual ou maior que 7 dias. Isso reflete que os fatores relacionados à própria cirurgia cardíaca, como seu grau de complexidade, interferem nos cuidados clínicos e nas intervenções das quais as crianças necessitam no pós-operatório, o que pode cursar com aumento da morbidade e declínio funcional significativo.

As variáveis clínicas, como permanência na UTI pediátrica e na VMI após o procedimento cirúrgico, foram relacionadas a um pior desempenho funcional, com correlação moderada, expondo seu maior impacto na funcionalidade infantil. Similarmente aos nossos achados, Bone et al.(2929 Bone MF, Feinglass JM, Goodman DM. Risk factors for acquiring functional and cognitive disabilities during admission to a PICU. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(7):640-8.) encontraram três fatores de risco para o desenvolvimento de déficits funcionais: admissão de emergência, duração da VMI e duração da internação na UTI pediátrica. Por meio da escala Pediatric Overall Performance Category (POPC), eles demonstraram incidência de 23% de disfunção nos pacientes que apresentavam esses fatores de risco, contrastando com somente 8,3% no grupo que não apresentava essas condições.

A idade também demonstrou se correlacionar fracamente com desfecho funcional, com indivíduos mais jovens apresentando maior risco de disfunções.(33 Ong C, Lee JH, Leow MK, Puthucheary ZA. Functional Outcomes and Physical Impairments in Pediatric Critical Care Survivors: A Scoping Review. Pediatr Crit Care Med. 2016;17(5):e247-59.,1515 Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Berger JT, Meert K, Newth CJ, Shanley T, Moler F, Carcillo J, Berg RA, Dalton H, Wessel DL, Harrison RE, Doctor A, Dean JM, Jenkins TL; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Pediatric intensive care outcomes: development of new morbidities during pediatric critical care. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(9):821-7.)Porém, crianças menores apresentam imaturidade e fragilidade dos sistemas corporais, como o respiratório. Além disso, os neonatos naturalmente apresentam menor capacidade antioxidante e de autorregulação corporal, predispondo certos sistemas a lesões, principalmente quando associados à cirurgia cardíaca de grande porte. O sistema cerebral pode ser afetado negativamente, tendo em vista as alterações que ocorrem na perfusão e na oxigenação encefálica.(3030 Claessens NH, Kelly CJ, Counsell SJ, Benders MJ. Neuroimaging, cardiovascular physiology, and functional outcomes in infants with congenital heart disease. Dev Med Child Neurol. 2017;59(9):894-902.) A associação dos fatores aqui citados pode contribuir para um período pós-operatório mais complicado, considerando a menor eficiência e a disponibilidade de mecanismos orgânicos, prejudicando uma recuperação mais rápida após estresse corporal, e levando a um maior tempo de permanência na VMI e, consequentemente, na UTI pediátrica.

Verificamos correlação entre o tempo de circulação extracorpórea e o escore da FSS global mas o coeficiente de correlação foi fraco. As crianças submetidas ao tempo de CEC mais longo apresentaram piora na funcionalidade, tendo em vista a influência da mesma no tempo de VMI, de internação na UTI pediátrica e nas complicações desenvolvidas.(3131 Agarwal HS, Wolfram KB, Saville BR, Donahue BS, Bichell DP. Postoperative complications and association with outcomes in pediatric cardiac surgery. J Thorac Cardiovasc Surg. 2014;148(2):609-16.e1.,3232 Harris KC, Holowachuk S, Pitfield S, Sanatani S, Froese N, Potts JE, et al. Should early extubation be the goal for children after congenital cardiac surgery? J Thorac Cardiovasc Surg. 2014;148(6):2642-7.)No presente trabalho, nenhum dos grupos de disfunção apresentou diferença no tempo de CEC. Esse achado pode ter ocorrido, pois, quando dicotomizamos a variável disfunção, a permanência na CEC foi muito próxima entre os grupos, com pouca variabilidade.

O presente estudo apresenta algumas limitações, como falta de comparação do estado funcional da amostra antes e após o procedimento cirúrgico, não sendo possível, dessa forma, estabelecer a incidência do desenvolvimento de déficits funcionais. Contudo, por se tratar de estudo transversal, a limitação responde apenas à do próprio tipo de estudo.

CONCLUSÃO

O grau de disfunção moderado foi o mais prevalente na população pediátrica submetida a procedimento cirúrgico para cardiopatia congênita após a alta da unidade de terapia intensiva pediátrica. Possíveis fatores de risco para a presença de déficit funcional foram risco cirúrgico, menor idade, e maior duração da ventilação mecânica invasiva e da internação em unidade de terapia intensiva pediátrica. Tendo em vista o desenvolvimento e o crescimento acelerado das crianças, novos estudos que acompanhem a evolução da funcionalidade infantil após a alta da unidade de terapia intensiva pediátrica são necessários, para nortear a implementação de planos de intervenção precoces.

REFERÊNCIAS

  • 1
    van der Linde D, Konings EE, Slager MA, Witsenburg M, Helbing WA, Takkenberg JJ, et al. Birth prevalence of congenital heart disease worldwide: a systematic review and meta-analysis. J Am Coll Cardiol. 2011;58(21):2241-7.
  • 2
    Razzaghi H, Oster M, Reefhuis J. Long-term outcomes in children with congenital heart disease: National Health Interview Survey. J Pediatr. 2015;166(1):119-24.
  • 3
    Ong C, Lee JH, Leow MK, Puthucheary ZA. Functional Outcomes and Physical Impairments in Pediatric Critical Care Survivors: A Scoping Review. Pediatr Crit Care Med. 2016;17(5):e247-59.
  • 4
    França EE, Ferrari F, Fernandes P, Cavalcanti R, Duarte A, Martinez BP, et al. Fisioterapia em pacientes críticos adultos: recomendações do Departamento de Fisioterapia da Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(1):6-22.
  • 5
    Berger JT, Holubkov R, Reeder R, Wessel DL, Meert K, Berg RA, Bell MJ, Tamburro R, Dean JM, Pollack MM; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Morbidity and mortality prediction in pediatric heart surgery: physiological profiles and surgical complexity. J Thorac Cardiovasc Surg. 2017;154(2):620-8.e6.
  • 6
    Jenkins KJ, Gauvreau K, Newburger JW, Spray TL, Moller JH, Iezzoni LI. Consensus-based method for risk adjustment for surgery for congenital heart disease. J Thorac Cardiovasc Surg. 2002;123(1):110-8.
  • 7
    Hirata Y. Cardiopulmonary bypass for pediatric cardiac surgery. Gen Thorac Cardiovasc Surg. 2018;66(2):65-70.
  • 8
    Jeffries HE, Gaies MG. Outcomes analysis and quality improvement in children with congenital and acquired cardiovascular disease. Pediatr Crit Care Med. 2016;17(8 Suppl 1):S362-6.
  • 9
    Mitting R, Marino L, Macrae D, Shastri N, Meyer R, Pathan N. Nutritional status and clinical outcome in postterm neonates undergoing surgery for congenital heart disease. Pediatr Crit Care Med. 2015;16(5):448-52.
  • 10
    Gupta P, Chow V, Gossett JM, Yeh JC, Roth SJ. Incidence, predictors, and outcomes of extubation failure in children after orthotopic heart transplantation: a single-center experience. Pediatr Cardiol. 2015;36(2):300-7.
  • 11
    Toole BJ, Toole LE, Kyle UG, Cabrera AG, Orellana RA, Coss-Bu JA. Perioperative nutritional support and malnutrition in infants and children with congenital heart disease. Congenit Heart Dis. 2014;9(1):15-25.
  • 12
    Cashen K, Reeder R, Dalton HJ, Berg RA, Shanley TP, Newth CJ, Pollack MM, Wessel D, Carcillo J, Harrison R, Dean JM, Jenkins T, Meert KL; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network (CPCCRN). Functional status of neonatal and pediatric patients after extracorporeal membrane oxygenation. Pediatr Crit Care Med. 2017;18(6):561-70.
  • 13
    Mussatto KA, Hoffmann R, Hoffman G, Tweddell JS, Bear L, Cao Y, et al. Risk factors for abnormal developmental trajectories in young children with congenital heart disease. Circulation. 2015;132(8):755-61.
  • 14
    Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS. Functional evaluation of pediatric patients after discharge from the intensive care unit using the Functional Status Scale. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(4):460-5.
  • 15
    Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Clark A, Berger JT, Meert K, Newth CJ, Shanley T, Moler F, Carcillo J, Berg RA, Dalton H, Wessel DL, Harrison RE, Doctor A, Dean JM, Jenkins TL; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Pediatric intensive care outcomes: development of new morbidities during pediatric critical care. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(9):821-7.
  • 16
    Piva TC, Ferrari RS, Schaan CW. Early mobilization protocols for critically ill pediatric patients: systematic review. Rev Bras Ter Intensiva. 2019;31(2):248-57.
  • 17
    Pollack MM, Holubkov R, Funai T, Berger JT, Clark AE, Meert K, Berg RA, Carcillo J, Wessel DL, Moler F, Dalton H, Newth CJ, Shanley T, Harrison RE, Doctor A, Jenkins TL, Tamburro R, Dean JM; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Simultaneous prediction of new morbidity, mortality, and survival without new morbidity from pediatric intensive care: a new paradigm for outcomes assessment. Crit Care Med. 2015;43(8):1699-709.
  • 18
    Pollack MM, Holubkov R, Glass P, Dean JM, Meert KL, Zimmerman J, Anand KJ, Carcillo J, Newth CJ, Harrison R, Willson DF, Nicholson C; Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Collaborative Pediatric Critical Care Research Network. Functional Status Scale: new pediatric outcome measure. Pediatrics. 2009;124(1):e18-28.
  • 19
    Pereira GA, Schaan CW, Ferrari RS, Normann TC, Rosa NV, Ricachinevsky CP, et al. Functional Status Scale: cross-cultural adaptation and validation in Brazil. Pediatr Crit Care Med. 2019;20(10):e457-e463.
  • 20
    Heneghan JA, Pollack MM. Morbidity: changing the outcome paradigm for pediatric critical care. Pediatr Clin North Am. 2017;64(5):1147-65.
  • 21
    Pinto NP, Rhinesmith EW, Kim TY, Ladner PH, Pollack MM. Long-term function after pediatric critical illness: results from the survivor outcomes study. Pediatr Crit Care Med. 2017;18(3):e122-e130.
  • 22
    Pereira CS, Carvalho AT, Bosco AD, Forgiarini Júnior LA. The Perme scale score as a predictor of functional status and complications after discharge from the intensive care unit in patients undergoing liver transplantation. Rev Bras Ter Intensiva. 2019;31(1):57-62.
  • 23
    de Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ. 2007;85(9):660-7.
  • 24
    WHO Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Child Growth Standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr Suppl. 2006;450:76-85.
  • 25
    Polito A, Patorno E, Costello JM, Salvin JW, Emani SM, Rajagopal S, et al. Perioperative factors associated with prolonged mechanical ventilation after complex congenital heart surgery. Pediatr Crit Care Med. 2011;12(3):e122-6.
  • 26
    Mukaka MM. Statistics corner: a guide to appropriate use of correlation coefficient in medical research. Malawi Med J. 2012;24(3):69-71.
  • 27
    Daniels JM, Harrison TM. A case study of the environmental experience of a hospitalized newborn infant with complex congenital heart disease. J Cardiovasc Nurs. 2016;31(5):390-8.
  • 28
    Butler SC, Huyler K, Kaza A, Rachwal C. Filling a significant gap in the cardiac ICU: implementation of individualised developmental care. Cardiol Young. 2017;27(9):1797-806.
  • 29
    Bone MF, Feinglass JM, Goodman DM. Risk factors for acquiring functional and cognitive disabilities during admission to a PICU. Pediatr Crit Care Med. 2014;15(7):640-8.
  • 30
    Claessens NH, Kelly CJ, Counsell SJ, Benders MJ. Neuroimaging, cardiovascular physiology, and functional outcomes in infants with congenital heart disease. Dev Med Child Neurol. 2017;59(9):894-902.
  • 31
    Agarwal HS, Wolfram KB, Saville BR, Donahue BS, Bichell DP. Postoperative complications and association with outcomes in pediatric cardiac surgery. J Thorac Cardiovasc Surg. 2014;148(2):609-16.e1.
  • 32
    Harris KC, Holowachuk S, Pitfield S, Sanatani S, Froese N, Potts JE, et al. Should early extubation be the goal for children after congenital cardiac surgery? J Thorac Cardiovasc Surg. 2014;148(6):2642-7.

Editado por

Editor responsável: Jefferson Pedro Piva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-May 2020

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2019
  • Aceito
    09 Jan 2020
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br