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Simples Nacional no Brasil: o difícil balanço entre estímulos às pequenas empresas e aos gastos tributários

Resumos

As microempresas e as pequenas empresas (MPEs) brasileiras possuem alta representatividade na economia, principalmente no tocante à oferta de empregos. Trata-se de um grupo expressivo e que apresenta uma série de singularidades no que diz respeito à tributação. Em razão de serem pequenas, elas podem incorrer em custos econômicos superiores ao das maiores empresas. Nesse sentido, muitos países têm buscado criar mecanismos específicos de apoio às MPEs. Com o Simples Nacional, o Brasil concedeu uma série de benefícios fiscais e simplificações administrativas para as microempresas e as pequenas empresas. A arrecadação do Simples Nacional cresceu a taxas muito superiores a de todos os demais tributos, tendo sido três vezes maior do que a taxa real de crescimento de toda a arrecadação. O valor arrecadado por estabelecimento cresceu expressivamente durante a vigência do Simples Nacional, corroborando a evidência de que houve forte crescimento das empresas optantes pelo novo regime. O crescimento da arrecadação trouxe como contrapartida o incremento das renúncias fiscais, que cresceram a taxas ainda maiores do que o aumento da arrecadação.

Simples Nacional; arrecadação; tributação; gastos tributários


Brazilian small- and micro-enterprises (SMEs) have high representation in the Brazilian economy, especially in regard to providing employment. This is a significant group with a number of singularities with respect to taxation. Due to the fact that they are small, they may incur greater economic costs than larger companies. Accordingly, many countries have sought to establish specific mechanisms to support SMEs. Brazil's Simples Nacional granted a series of tax benefits and administrative simplifications to small- and micro- enterprises. The revenues collected from the Simples Nacional grew at rates well above that of all other taxes, and was three times higher than the real growth rate of the entire revenue collection. The amount collected per SME increased significantly during the period of the Simples Nacional, corroborating the evidence that there was strong growth among companies opting for the new regime. The growth in revenue collection brought an offsetting increase in tax expenditures, which grew at even higher rates than the increase in revenues.

Simples Nacional; revenues; taxation; tax expenditures


1_Introdução

As microempresas e as pequenas empresas (MPEs) possuem uma importância significativa para a economia na maioria dos países ocidentais. Segundo a OCDE (2009)ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Taxation of small and medium enterprises - Key issues and policy considerations. Paris: OCDE, 2009., em seus países membros, as MPEs representam 94% das empresas industriais e mais de 95% das empresas de serviços.1 1 Considerando apenas as pequenas e microempresas.

Trata-se, portanto, de um grupo expressivo e que apresenta uma série de singularidades no que diz respeito à tributação. Pelo fato de serem pequenas, essas empresas podem incorrer em custos econômicos superiores ao das maiores empresas. Nesse sentido, muitos países têm buscado criar mecanismos específicos que permitam às MPEs terem igualdade de condições em relação às grandes no que tange às suas obrigações tributárias. Assim, simplificações de declarações, eliminação de obrigações acessórias e mesmo redução da carga tributária têm sido utilizadas pelas administrações tributárias no enfrentamento da questão.

O Brasil concedeu uma série de benefícios fiscais e simplificações administrativas para as pequenas e microempresas desde a criação do Simples pela Lei n. 9.317/96. Houve redução da carga tributária, simplificação da escrituração fiscal, pagamento em um único documento de vários tributos federais e a possibilidade de se inserir também, mediante convênio, os tributos estaduais e municipais. O passo seguinte, na mesma lógica de reduzir custos para as pequenas empresas, foi o lançamento do Simples Nacional, Lei Complementar nº 123/2006, que ampliou os benefícios do Simples ao incluir explicitamente os mais importantes tributos estaduais, ou seja, o ICMS, e municipais, o ISS.

Este artigo tratará de investigar a evolução da arrecadação do Simples Nacional. O objetivo é buscar evidências mais robustas sobre o impacto desse programa cotejando as receitas com a contrapartida do aumento do gasto tributário e comparando o seu desempenho com aquele apresentado pelo regime anterior, o Simples.

No lado da receita, verificou-se que a arrecadação do Simples Nacional cresceu nada menos que quase 20% ao ano, em termos reais, desde 2007, desempenho impressionante, em que nenhum dos outros grandes tributos analisados não conseguiu sequer chegar à metade da taxa de crescimento do regime simplificado. Considerando as taxas de crescimento da arrecadação por estabelecimento, verifica-se, no período 2007/2010, que as empresas dentro do regime favorecido superaram por larga margem as taxas obtidas por empresas de fora do regime. Trata-se de uma evidência de que o Simples Nacional colaborou no desenvolvimento e crescimento das empresas optantes.

Quanto ao custo tributário do Simples Nacional, a renúncia fiscal tem crescido a taxas quase duas vezes maiores do que a do crescimento da arrecadação dentro do regime simplificado. A relação renúncia fiscal por arrecadação do Simples, em torno de R$ 0,60, entre 2004 e 2007, aumentou com a introdução do Simples Nacional para um patamar superior a R$ 0,80 por real arrecadado, entre 2008 e 2010.

Após esta introdução, na seção seguinte será tratada a argumentação sobre quais as razões teóricas a literatura econômica apresenta para justificar a existência de um tratamento mais favorecido para as pequenas empresas. Logo depois, a próxima seção traz uma breve revisão de como os países da OCDE e da América Latina têm enfrentado a questão do tratamento tributário dado às pequenas empresas. Na seção seguinte, conduz-se a investigação sobre os resultados sobre a arrecadação do Simples Nacional, e a última seção resume as principais conclusões do trabalho e apresenta os comentários finais.

2_Revisão da literatura

Esta seção trata de investigar os aspectos teóricos relacionados às desvantagens impostas pelo sistema tributário às MPEs. Trata-se, portanto, de buscar identificar quais seriam tais dificuldades e como a literatura econômica sugere o seu tratamento.

Segundo a literatura econômica, as principais razões para se adotar medidas tributárias mais favoráveis às pequenas empresas são basicamente de dois tipos: (i) correção de falhas de mercado; e (ii) redução ou eliminação das desvantagens inerentes a ser pequeno, como, por exemplo, a regressividade dos custos de cumprimento da obrigação tributária.

A correção de falhas de mercado que prejudicam o crescimento e o desenvolvimento das pequenas empresas já se tornou padrão na literatura. Apenas para citar trabalhos mais recentes, a análise da OCDE (2009)ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Taxation of small and medium enterprises - Key issues and policy considerations. Paris: OCDE, 2009. e de Mirrlees et al. (2010)MIRRLEES, J.; ADAM, S.; BESLEY, T.; BLUNDELL, R.; BOND, S.; CHOTE, R.; GAMMIE, M.; JOHNSON, P.; MYLES, G.; POTERBA, J. (Eds.). Tax by design: The Mirrlees review. Oxford University Press for Institute of Fiscal Studies, 2010. exploram bem essa questão. O argumento principal é que as MPEs geram externalidades positivas, principalmente em relação à inovação e ao melhoramento dos produtos que estimulam o crescimento da economia. A falha de mercado ocorre porque os investidores, ao decidirem se abrem ou financiam uma pequena empresa, não levam em consideração nas suas decisões os efeitos positivos gerados para a economia como um todo. Assim, a quantidade de investimentos em pequenas empresas seria mais baixa do que o desejável em termos sociais.

A racionalidade, portanto, é que os governos poderiam intervir estimulando a abertura e o investimento em pequenas empresas via sistema tributário.

A crítica, porém, também é contundente. Crawford e Freedman (2010)CRAWFORD, C., FREEDMAN, J. Small Business Taxation. In: MIRRLEES, J.; ADAM, S.; BESLEY, T.; BLUNDELL, R.; BOND, S.; CHOTE, R.; GAMMIE, M.; JOHNSON, P.; MYLES, G.; POTERBA, J. (Eds.). Dimensions of tax design: The Mirrlees review. Oxford University Press for Institute of Fiscal Studies, 2010. esclarecem que não são todas as pequenas empresas que são inovadoras. Ao contrário, a maioria se relaciona a atividades cotidianas e não tem caráter inovativo. Ademais, Mirrlees et al. (2010)MIRRLEES, J.; ADAM, S.; BESLEY, T.; BLUNDELL, R.; BOND, S.; CHOTE, R.; GAMMIE, M.; JOHNSON, P.; MYLES, G.; POTERBA, J. (Eds.). Tax by design: The Mirrlees review. Oxford University Press for Institute of Fiscal Studies, 2010. ressaltam que não há comprovação empírica de que as pequenas empresas são mais inovadoras do que as grandes. Seria mais eficiente conceder benefícios para as empresas envolvidas com a criação de outros produtos e serviços, independentemente do tamanho.

Outro argumento muito presente na literatura está relacionado às dificuldades de crescimento das MPEs, principalmente por causa de obstáculos ao crescimento, como a restrição ao acesso a crédito para expansão do negócio. Trata-se do problema conhecido como assimetria de informações entre o gestor da empresa e os bancos que concedem crédito. Pode ocorrer que, por falta de informação, o crédito não seja concedido, ou seja, concedido a taxas de juros mais elevadas do que numa situação de simetria de informações. Outras razões incluem a falta ou o pequeno valor de bens a ser colocado em garantia, o que pode inviabilizar o empréstimo. As grandes empresas teriam muito menos problemas nesse sentido, já que dispõem de mais condições de evitar a assimetria de informações e maior capacidade de tomar empréstimos. A consequência dessa falha de mercado é que os investimentos e a expansão das pequenas empresas estariam abaixo do socialmente ótimo. Uma possível solução seria o sistema tributário conceder um tratamento mais favorecido para as MPEs de forma a reduzir ou a eliminar tal ineficiência.

O problema com essa solução, segundo a literatura, é que se tentaria reduzir uma ineficiência, criando outra. Há melhores políticas a serem empregadas nessas situações do que redução de carga tributária das pequenas empresas. Um exemplo citado por Mirrlees et al. (2010)MIRRLEES, J.; ADAM, S.; BESLEY, T.; BLUNDELL, R.; BOND, S.; CHOTE, R.; GAMMIE, M.; JOHNSON, P.; MYLES, G.; POTERBA, J. (Eds.). Tax by design: The Mirrlees review. Oxford University Press for Institute of Fiscal Studies, 2010. é o de concessão de garantias pelo governo para as MPEs ou mesmo a concessão de créditos públicos direcionados a esse segmento. Outra solução dentro do próprio sistema tributário seria a concessão de créditos fiscais especiais para investimento direcionados às pequenas empresas.

Há também as desvantagens inerentes por ser pequeno. As pequenas empresas enfrentam custos desproporcionalmente mais altos em razão do seu tamanho. Essa afirmação possui sólida base na literatura econômica.

Uma primeira dificuldade em relação às pequenas empresas é o custo de cumprimento da obrigação tributária. Os custos de cumprimento tendem a ser relativamente mais altos para as MPEs do que para grandes contribuintes, e o tamanho dessa desvantagem é maior quanto mais complexa é a legislação.2 2 Meade (1978), Sandford, Godwin and Hardwick (1989), Evans (2003). Segundo dados da Comissão Europeia (2004), o custo de cumprimento das obrigações tributárias do Imposto Sobre Valor Adicionado (IVA) e do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) foi de 2,6% do faturamento de uma pequena empresa. Já para uma grande empresa, esse custo não passaria de 0,02% . Na mesma linha, pesquisa realizada na África do Sul3 3 Foreign Investment Advisory Service (2007), estima os custos de cumprimento em 0,1% do faturamento para uma grande empresa e em 4,6% para uma pequena empresa.

Além de aumentar a despesa das empresas, custos de cumprimento elevados podem chegar a inibir a criação de outras empresas ou o seu crescimento. O Banco Mundial pesquisa regularmente os custos de abertura de uma empresa em vários países. A tabela abaixo apresenta os dados e confirma que tais custos podem ser significativos e até mesmo impeditivos.

No Brasil, esses custos equivaleriam a 5,4% da renda nacional per capita. As grandes empresas obtêm vantagens comparativas por conta da maior especialização da mão de obra, de economias de escala e de métodos organizacionais que não estão disponíveis para as MPEs.

Essa regressividade presente no cumprimento da obrigação tributária poderia justificar um tratamento tributário mais favorecido para as pequenas empresas. A questão que se coloca é se esse tratamento envolveria redução de carga tributária ou apenas simplificações nos controles administrativos e tributários. A teoria tem se inclinado fortemente para esta última hipótese. São duas as razões principais.

A primeira é que a solução envolve necessariamente redução de custos administrativos. Assim, controles mais simples, menos declarações ou redução da frequência de entrega de informações podem reduzir os custos para as pequenas empresas. A criação de alíquotas diferenciadas para as MPEs novamente tentaria corrigir uma ineficiência, criando outra.

A segunda razão é que uma redução de carga tributária aumentaria a complexidade do sistema tributário, bem como criaria oportunidade de evasão fiscal. Por outro lado, a mera simplificação das obrigações tributárias pode agir em sentido inverso, facilitando a formalização de empresas, reduzindo a evasão e encorajando o cumprimento voluntário.4 4 Crawford e Freedman (2010).

Outra desvantagem tributária associada ao tamanho das empresas está relacionada às dificuldades de aproveitamento de prejuízos fiscais e à dedução de juros. O argumento é que normalmente as pequenas empresas, quando começam seus empreendimentos, têm prejuízos consecutivos e podem ter dificuldade em aproveitar esses prejuízos. Isso ocorre principalmente com as empresas ditas não incorporadas, que são pequenas empresas em sua grande maioria. Em países como Itália, México e Polônia, não é possível compensar prejuízos fiscais com outros tributos no caso de empresas não incorporadas, e assim tais empresas só poderão aproveitar o prejuízo contra lucros futuros. Na República Tcheca, prejuízos só podem ser compensados em até cinco anos, o que pode limitar o aproveitamento por parte das pequenas empresas com prejuízos consecutivos.5 5 OCDE (2009).

O mesmo argumento é válido para a dedução das despesas com juros que podem não ser aceitas pelo sistema tributário. Caso apresente prejuízos consecutivos nos seus primeiros anos, a empresa iniciante estará impedida de deduzir as despesas com juros. Perceba que as dificuldades se sobrepõem. Uma pequena empresa levanta crédito mais caro pela falta de garantias ou por informação assimétrica para iniciar seus negócios. Começa com dificuldades, com vários prejuízos, nos primeiros anos de vida. A empresa é penalizada em relação a outra maior por ter conseguido um empréstimo mais caro, e isso é agravado por conta da impossibilidade da dedução desses juros pagos em razão de prejuízos consecutivos. Tais fatores ajudam a entender as barreiras colocadas para as pequenas empresas.

A literatura que trata desse tema sugere como medida corretiva a permissão do aproveitamento de créditos fiscais oriundos de prejuízo contra outros tipos de tributos pagos pelas firmas. Tal medida amenizaria o problema e não geraria as ineficiências associadas a uma tributação diferenciada para as pequenas empresas. Segundo a OCDE (2009)ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Taxation of small and medium enterprises - Key issues and policy considerations. Paris: OCDE, 2009., cerca de 14 países pertencentes à organização já permitem que prejuízos de empresas não incorporadas possam ser compensadas com tributos.

No Brasil, já existe alguma literatura que aborde os regimes tributários diferenciados para as MPEs. Em sua maioria, os trabalhos apontam para efeitos positivos dos regimes sobre a formalização do emprego e a criação de outras firmas.6 6 Lemgruber e Rodrigues (2000), Monteiro (2004), Delgado et al. (2007). Adotando a ótica setorial, Monteiro (2004)MONTEIRO, J. Microempresas no Brasil: Informalidade e contratos de trabalho. 2004. 45 f. Dissertação (Mestrado em Economia) - Centro de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004. e Monteiro e Assunção (2006)MONTEIRO, J. Microempresas no Brasil: Informalidade e contratos de trabalho. 2004. 45 f. Dissertação (Mestrado em Economia) - Centro de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004., com dados da Ecinf,7 7 IBGE (2005). verificam que o setor de comércio varejista foi o principal beneficiário da introdução do Simples. Houve algum impacto sobre o setor de serviços, mas os autores não encontraram evidência robusta de maior formalização para os demais setores.

Courseuil e Moura (2009)COURSEUIL, C. H. L.; MOURA, R. L. O Simples federal e a geração de empregos na Indústria. ENCONTRO NACIONAL DA ANPEC, 37., 2009, Foz do Iguaçu, Paraná. Anais... Foz do Iguaçu: ANPEC, 2009., agora com dados da Pesquisa Industrial Anual do IBGE, também verificaram aumento nas contratações por conta do Simples, entre 1997 e 1999. Paes e Almeida (2009)PAES, N.; ALMEIDA, A. Tributação da pequena empresa e avaliação do Simples. Caderno de Finanças Públicas, Escola de Administração Fazendária - ESAF, n. 9, p. 5-55, 2009., ainda sobre o Simples, verificaram maior efeito na criação de empregos, mas não perceberam mudanças na formalização das firmas brasileiras.

Este artigo prossegue no estudo dos regimes simplificados, mas inova na literatura ao tratar do Simples Nacional, que sucedeu ao Simples, e cuja vigência se iniciou em agosto de 2007. O trabalho também se diferencia por trazer um enfoque mais voltado para o lado da arrecadação e dos gastos tributários, que também ainda não foi analisada pela literatura, mais preocupada com questões relacionadas à criação de empregos e informalidade.

3_Experiência internacional

A maioria dos países da OCDE e da América Latina possui em seu código tributário mecanismos destinados especialmente para favorecer as MPEs.

Quando se analisa a experiência dos diversos países em relação a um tratamento tributário mais favorável, é preciso se fazer uma distinção inicial entre aqueles que concedem apenas simplificações administrativas e aqueles que permitem que as pequenas empresas tenham também carga tributária mais baixa.

No primeiro grupo, está a maioria dos países da OCDE. São várias as facilidades administrativas colocadas em favor das MPEs. Um exemplo é a adoção de tributação presumida para o imposto sobre o valor adicionado e o imposto sobre a renda. De acordo com a OCDE (2009)ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Taxation of small and medium enterprises - Key issues and policy considerations. Paris: OCDE, 2009., Reino Unido, Canadá, Japão, Áustria e Bélgica, México, Polônia e Espanha permitem que as empresas com faturamento abaixo de determinado limite optem por um sistema presumido.

Ainda no campo da simplificação, muitos países aceitam que as pequenas empresas apresentem declarações do IVA com menor frequência. Para as demais empresas em geral, a declaração é entregue mensalmente, mas, em países como Canadá, Eslováquia, Polônia, Bélgica, Espanha e República Tcheca, as MPEs podem entregar a declaração trimestralmente. Nova Zelândia, Irlanda e Dinamarca aceitam declarações semestrais, ao passo que Áustria, Austrália, Reino Unido e Suécia permitem declarações anuais.

Há ainda facilidades para o cumprimento de obrigações administrativas da seguridade social para as pequenas empresas. Em sua maioria, estão relacionadas a menor frequência de entrega de declarações ou a facilidades eletrônicas no fornecimento de informações. Polônia, Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e República Tcheca possuem provisões legais nesse sentido (OCDE, 2009ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Taxation of small and medium enterprises - Key issues and policy considerations. Paris: OCDE, 2009.).

Quando se volta para o alívio na carga fiscal das pequenas empresas, a experiência internacional já não é tão homogênea quanto na adoção de simplificações administrativas. A razão é que boa parte dos países da OCDE resiste a conceder redução de carga tributária às MPEs, embora tal tendência venha se reduzindo com o passar do tempo. Por outro lado, entre os países da América Latina, regimes especiais para as pequenas empresas são extensivamente utilizados.

Na OCDE, alguns países estabelecem um limite para o contribuinte começar a recolher o IVA. Microempresas abaixo de tal limite não precisam recolher o tributo. A racionalidade é que são contribuintes muito pequenos, com baixíssima arrecadação e altos custos para a administração tributária. O público-alvo de tais medidas são as empresas realmente muito pequenas, como demonstram os baixos valores dos limites de isenção do IVA em vários países da OCDE, conforme Gráfico 1, a seguir.

Gráfico 1
Limites de isenção do IVA (faturamento anual, US$, 2006)

Em relação ao imposto de renda, a regra geral na OCDE é que, se a empresa é não incorporada, não há cobrança do imposto de renda na pessoa jurídica, somente na pessoa física e, de maneira idêntica, a tributação sobre a renda do trabalho assalariado. Tipicamente, as menores empresas permanecem como não incorporadas.

Para os países latino-americanos, a abordagem para as pequenas empresas é bem diferente. De maneira geral, os países possuem regimes simplificados que abarcam um ou mais tributos e que implicam tributação mais favorecida. A tabela 2 apresenta alguns regimes na América Latina.

Tabela 1
Custo de abertura de firmas (em % da renda nacional bruta per capita)
Tabela 2
Tributação das MPEs na América Latina

Entre as duas estratégias utilizadas, OCDE e América Latina, há diferenças substanciais entre as empresas consideradas como pequenas. A OCDE adota a definição de micros e pequenas empresas recomendada pela Comissão Europeia, resumida na tabela 3.

Tabela 3
Definição de pequenas e médias empresas pela União Europeia

É fácil constatar o abismo entre as empresas-alvo dos países da América Latina, na sua maioria firmas com faturamento inferior a US$ 100 mil, e o da OCDE, empresas com faturamento de até US$ 65 milhões. Mesmo considerando o limite de microempresa na União Europeia, esse é pelo menos 25 vezes superior aos limites usados em relação nos países latino-americanos.

O Brasil, através do Simples Nacional, adota uma estratégia para as pequenas empresas que condensa algumas abordagens da OCDE com a dos países da América Latina. Em relação a estes últimos, o país aplica um sistema similar com pagamentos únicos mensais englobando vários tributos, como IR e tributos sobre o consumo, além das contribuições previdenciárias. Apenas o monotributo argentino é próximo ao sistema brasileiro, com a inclusão das contribuições para a previdência social.

Mas o Simples Nacional também apresenta algumas características próximas do sistema adotado pela OCDE, principalmente em relação à definição de micros e pequenas empresas, muito superiores aos adotados na América Latina. O limite para enquadramento como microempresa no Brasil é de cerca de US$ 200 mil, enquanto para pequena empresa o limite é de cerca de US$ 2 milhões. Ainda que inferior aos limites da Comissão Europeia, tais valores estão bem acima dos limites estabelecidos por outros países latino-americanos.

Essas considerações mostram a generosidade do Simples Nacional na comparação com os esquemas adotados por outros países latino-americanos. O sistema brasileiro permite a inclusão de vários tributos, e mesmo da contribuição previdenciária, com limites para entrada bastante elevados. Trata-se, portanto de um sistema que tem um custo elevado para a sociedade brasileira, na forma de renúncias tributárias, como ficará claro na próxima seção.

4_Efeitos do Simples Nacional

O desempenho da arrecadação do Simples e sua contrapartida, a renúncia fiscal, já foi objeto de alguns trabalhos na literatura. Inicialmente, é preciso lembrar que tanto o Simples quanto o Simples Nacional são relativamente generosos na redução da carga tributária, conforme já visto na seção anterior.

Paes e Almeida (2009)PAES, N.; ALMEIDA, A. Tributação da pequena empresa e avaliação do Simples. Caderno de Finanças Públicas, Escola de Administração Fazendária - ESAF, n. 9, p. 5-55, 2009. registram o comportamento positivo da arrecadação do Simples entre 2001 e 2007, com crescimento sempre acima da arrecadação total. Por outro lado, os autores apresentam os números da renúncia fiscal associado ao regime simplificado e concluem que, para cada real arrecadado, há um benefício fiscal equivalente a R$ 0,72.

Os dados da GFIP8 8 Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social - documento apresentado pelas empresas com os recolhimentos previdenciários de seus funcionários. trazem informações sobre o valor devido da contribuição previdenciária por empresas optantes e não optantes pelo Simples Nacional. Os resultados são apresentados na próxima tabela.

Os números parecem mostrar que a taxa de crescimento da arrecadação literalmente dobrou entre os optantes com a entrada em vigor do Simples Nacional em relação ao antigo Simples. O teste estatístico, porém, não confirmou haver diferenças significativas entre a taxa média de crescimento da arrecadação no período do Simples e a no período do Simples Nacional.

Destaca-se também a forte aceleração do valor devido entre os não optantes no segundo período, a partir de 2007. Há evidência estatística significativa de que houve aceleração da taxa média de crescimento entre não optantes entre os dois períodos.

Como o crescimento da arrecadação ocorreu de forma similar tanto para optantes quanto para não optantes, é provável que os fatores que tenham levado a esse crescimento estejam mais relacionados com o bom desempenho da economia do que apenas com a introdução do Simples Nacional.

O sítio da Receita Federal do Brasil (RFB) disponibiliza os dados de arrecadação do Simples e do Simples Nacional. O IBGE,9 9 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. na apuração das Contas Nacionais, informa a arrecadação anual do ICMS10 10 Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - trata-se do principal tributo brasileiro, arrecadado sobre a base consumo e administrado pelos Estados. em todos os Estados brasileiros. É possível, portanto, estabelecer comparação entre as taxas de crescimento da arrecadação do Simples e do Simples Nacional, em relação aos demais tributos. A tabela a seguir apresenta os resultados.

Assim como na tabela anterior, a taxa de crescimento da arrecadação do Simples Nacional foi o dobro da taxa do Simples. Em termos de magnitude, os dados da RFB apontam para taxas ainda maiores do que as captadas pela GFIP. Portanto, em termos reais, a arrecadação do Simples Nacional cresceu nada menos que aproximadamente 20% ao ano, desde 2007.

Esse resultado fica ainda mais impressionante quando comparado ao desempenho dos demais tributos. Nenhum deles chegou nem sequer à metade da taxa de crescimento do Simples Nacional. Não houve aceleração da taxa de crescimento que seja comparável. Ao contrário, a taxa de crescimento da arrecadação do Imposto de Renda declinou no período 2007/2010 em relação ao período 2001/2006. Apenas a receita previdenciária teve aceleração do crescimento robusta, mas longe ainda do que ocorreu com o Simples Nacional. Cotejando com a arrecadação total, os pagamentos do Simples Nacional cresceram a uma taxa mais do que três vezes superior.

Em relação aos resultados da GFIP apresentados na Tabela 4, é preciso ter um pouco de cautela, uma vez que se referem apenas à arrecadação previdenciária, englobando as contribuições para o regime geral da previdência social, de terceiros, do seguro acidente de trabalho e do FGTS. Os dados acima trazem informações sobre toda a arrecadação federal e o ICMS estadual.

Tabela 4
Valor da contribuição previdenciária declarada (deflacionado pelo IPCA) - GFIP (em R$ mil)

Portanto, os valores encontrados não apenas corroboram as conclusões de Paes e Almeida (2009)DELGADO, G.; QUERINO, A.; CAMPOS, A.; VAZ, F.; RANGEL, L.; STIVALI, M. Avaliação do Simples: Implicações à formalização previdenciária. IPEA, Brasília, Texto para Discussão n. 1.277, 2007. como mostram que houve uma aceleração da tendência verificada da arrecadação do Simples de crescer bem acima da arrecadação total.

Uma segunda maneira de se avaliar o comportamento das empresas dentro do regime simplificado no que concerne à arrecadação é dada pela relação do valor tributário por estabelecimento. Esse indicador foi utilizado por Delgado et al. (2007)DELGADO, G.; QUERINO, A.; CAMPOS, A.; VAZ, F.; RANGEL, L.; STIVALI, M. Avaliação do Simples: Implicações à formalização previdenciária. IPEA, Brasília, Texto para Discussão n. 1.277, 2007.. De acordo com os autores, o valor arrecadado por estabelecimento evoluiu de forma muito mais positiva para as empresas não optantes do que para as empresas optantes. Na verdade, o que o estudo apresenta são comportamentos totalmente opostos. Entre as não optantes, o valor devido por estabelecimento saltou de R$ 1.291,62 em 2000 para R$ 2.167,71 em 2005, aumento de 68% . Já para as optantes do Simples, houve decréscimo do valor arrecadado, que caiu de R$ 1.025,17 em 2000 para R$ 597,02 em 2005, isto é, queda de 42% . Os autores levantam a suposição de que as MPEs brasileiras evitam crescer e superar os limites de enquadramento do Simples de forma a permanecer sempre dentro do regime ("nanismo tributário"). Essa seria a explicação para um comportamento tão dispare entre os dois grupos.

Os dados da GFIP permitem analisar o comportamento do valor devido por estabelecimento entre 2001 e 2010. A tabela 6 apresenta os resultados.

Tabela 5
Arrecadação de tributos selecionados (deflacionado pelo IPCA) - RFB/IBGE (em R$ milhões)
Tabela 6
Valor da contribuição previdenciária declarada por estabelecimento (deflacionado pelo IPCA) - GFIP (em R$)

Assim como nas tabelas anteriores relacionadas à arrecadação, o valor devido por estabelecimento apresentou forte aceleração do crescimento após 2007. Tal processo foi particularmente interessante para as empresas optantes, que saltaram de um decréscimo de valor, com queda média de 1,7% ao ano, para um forte impulso na arrecadação, que passou a crescer a 6,1% ao ano por estabelecimento. A mudança no patamar de crescimento foi estatisticamente significativa, como comprovam os resultados do teste t. Uma completa mudança de comportamento.

Em relação às não optantes, a aceleração também foi intensa, mas não houve reversão nas taxas. O crescimento da arrecadação por estabelecimento se acelerou, mas bem menos do que ocorreu com as optantes.

Observa-se a mesma tendência encontrada por Delgado et al. (2007)DELGADO, G.; QUERINO, A.; CAMPOS, A.; VAZ, F.; RANGEL, L.; STIVALI, M. Avaliação do Simples: Implicações à formalização previdenciária. IPEA, Brasília, Texto para Discussão n. 1.277, 2007., embora com muito menor intensidade. Para o período 2001/2006, houve redução em termos reais no valor devido por estabelecimento para as empresas optantes do Simples e aumento para as empresas não optantes.

A base de dados da RFB, com as informações de arrecadação do Simples e do Simples Nacional, pode ser cruzada com informações do total de estabelecimentos optantes da GFIP para também se obter um valor arrecadado por estabelecimento. A tabela 7 mostra os números obtidos.

Tabela 7
Arrecadação do Simples/Simples Nacional por estabelecimento (deflacionado pelo IPCA) - RFB/GFIP (em R$)
Tabela 8
Renúncia fiscal do Simples/Simples Nacional (deflacionado pelo IPCA) - RFB (em R$ milhões de 2010)

A mesma tendência verificada anteriormente aparece aqui novamente. Forte aceleração do crescimento entre 2007/2010 em relação ao período anterior, estatisticamente comprovada. Quando se considera toda a arrecadação, e não somente a arrecadação previdenciária captada pela GFIP, não se verifica o decréscimo do valor devido por estabelecimento. Contudo, a taxa de crescimento permaneceu muito baixa durante a vigência do Simples.

As taxas de crescimento da arrecadação por estabelecimento verificadas para o período 2007/2010 para as empresas dentro do regime favorecido superaram por larga margem as taxas obtidas por empresas de fora do regime. Pode-se verificar esse fato cotejando os dados da Tabela 7 (optantes) com os da Tabela 6 (não optantes), para o período de 2007-2010. A comparação das médias desses dois grupos produziu uma estatística t de 3,01, com nível de significância superior a 5% , comprovando que houve crescimento da arrecadação por estabelecimento superior nas empresas optantes pelo regime simplificado em relação às não optantes.

Trata-se de mais uma evidência de que o Simples Nacional colaborou no desenvolvimento e no crescimento das empresas optantes do regime. O argumento trazido por Delgado et al. (2007)DELGADO, G.; QUERINO, A.; CAMPOS, A.; VAZ, F.; RANGEL, L.; STIVALI, M. Avaliação do Simples: Implicações à formalização previdenciária. IPEA, Brasília, Texto para Discussão n. 1.277, 2007. para justificar a queda nesse indicador, encontrada por aqueles autores, vale aqui também, mas de modo contrário. As empresas dentro do regime conseguiram crescer de forma mais rápida do que as de fora do regime, e isso se refletiu no maior crescimento do pagamento de impostos por estabelecimento. É uma boa evidência de que o Simples Nacional, e claro as boas condições da economia no período, ajudou no crescimento das pequenas e microempresas brasileiras.

Como bem apontado por Paes e Almeida (2009)PAES, N.; ALMEIDA, A. Tributação da pequena empresa e avaliação do Simples. Caderno de Finanças Públicas, Escola de Administração Fazendária - ESAF, n. 9, p. 5-55, 2009., tanto o Simples quanto o Simples Nacional tem um custo para a sociedade. Tal custo é medido anualmente pela RFB com a elaboração do Demonstrativo de Gastos Tributários. A renúncia tributária é calculada comparando-se o valor arrecadado com o Simples Nacional com aquele que seria arrecadado caso a empresa estivesse no lucro presumido.11 11 A literatura considera como gastos tributários as renúncias consideradas exceção à regra geral da legislação tributária (IPEA, 2011). Tal conceito, porém, abrange alguma subjetividade, principalmente na definição do que seria o sistema tributário padrão. A definição adotada neste artigo, como em Paes e Almeida (2009), é a da RFB. O autor desconhece outra metodologia na literatura nacional sobre o cálculo da renúncia do Simples/Simples Nacional no Brasil. Os valores são substanciais e devem ser de amplo conhecimento para a sociedade brasileira.

A tabela a seguir apresenta os valores da renúncia fiscal entre 2001 e 2010, com dados da RFB.12 12 Inclui apenas tributos federais. Não abrange, portanto, o ICMS e o ISS, de forma que a renúncia fiscal é ainda maior do que a apresentada aqui.

Percebe-se que a renúncia fiscal cresceu a taxas muito elevadas durante toda a década passada. As taxas são quase duas vezes maiores do que as do crescimento da arrecadação do Simples/Simples Nacional, embora não haja diferença estatisticamente significante entre as taxas de crescimento dos dois períodos.13 13 É preciso realçar que, ao contrário das tabelas anteriores nas quais se trabalhou com dados mensais, no caso da renúncia, os dados são anuais, de modo que a série é bastante curta, e os resultados estatísticos precisam ser analisados com cautela. Com a inclusão do ISS e do ICMS no Simples Nacional, já era esperado uma aceleração natural do valor das renúncias, entre 2007/2010, em relação ao período anterior. A questão aqui é que as renúncias têm crescido num ritmo muito superior ao da arrecadação.

Um indicador interessante sobre a sustentabilidade dos regimes simplificados é o de relacionar a arrecadação do regime com a renúncia fiscal embutida. Paes e Almeida (2009)PAES, N.; ALMEIDA, A. Tributação da pequena empresa e avaliação do Simples. Caderno de Finanças Públicas, Escola de Administração Fazendária - ESAF, n. 9, p. 5-55, 2009. fizeram esse cálculo em 2005 e estimaram que, para cada real pago, haveria uma renúncia de R$ 0,72. Expandindo o cálculo para o período entre 2001 e 2010, obtemos o gráfico abaixo.

De fato, o Gráfico 2 retrata o crescimento da renúncia num ritmo bem acima da arrecadação entre 2001 e 2009. Os custos que estavam abaixo de R$ 0,40 mais do que dobraram com a introdução do Simples Nacional e passaram a um patamar superior a R$ 0,80 por real arrecadado.

Gráfico 2
Relação renúncia fiscal por arrecadação do Simples/ Simples Nacional (deflacionado pelo IPCA) - RFB (em R$ de 2010)

Com o incremento dos limites de inclusão de enquadramento para o Simples Nacional, válidos a partir de janeiro de 2012, com a elevação do limite para microempresa de R$ 240 mil para R$ 360 mil e de empresa de pequeno porte de R$ 2.400 mil para R$ 3.600 mil, é provável que os valores da renúncia fiscal cresçam ainda mais.

Tamanha renúncia fiscal acompanhada da generosidade do Simples Nacional demanda muita atenção das autoridades fazendárias. A razão é que os ganhos com a evasão fiscal e a simulação são enormes, do ponto de vista individual da empresa que busca burlar o regime, enquanto custos muito elevados são impostos a toda a sociedade. Medidas de combate à evasão e acompanhamento próximo do regime são fundamentais para não comprometer a base tributária do país.

5_Sugestões de política econômica

Como já retratado na revisão de literatura, são várias as evidências de que os regimes simplificados desempenharam papel importante na economia brasileira, especialmente na criação de empregos. Este artigo, com uma abordagem complementar, apresenta evidências de que as empresas optantes pelo Simples Nacional também mostraram desempenho melhor do ponto de vista da arrecadação de tributos.

Por outro lado, tais regimes trazem embutidos valores elevados de renúncia fiscal, que, segundo dados da RFB, alcançaram cerca de R$ 31 bilhões de reais em 2010. A questão é como manter uma política como a do Simples/Simples Nacional com bons resultados sobre a economia a um custo razoável.

A resposta a essa questão parece estar nos limites para a permanência no regime simplificado. Conforme apresentado na seção experiência internacional, o limite para enquadramento no Simples Nacional é muito superior ao do que é adotado nos demais países latino-americanos. Está também muito próximo dos limites para enquadramento como pequena empresa na União Europeia, e os benefícios são muito mais voltados para a redução dos custos de cumprimento do que para a diminuição da carga tributária. Uma medida importante para controlar a renúncia e manter os ganhos na criação de empregos é a de conservar em patamares razoáveis o limite de enquadramento do Simples, evitando aumentos muito acentuados.

Ainda, dado o elevado montante de renúncia envolvido, se recomenda que as administrações tributárias sejam vigilantes e cuidadosas no trato do regime simplificado, evitando simulações e permitindo que apenas pequenas empresas permaneçam no regime.

6_Conclusões

Este artigo procurou avaliar a evolução da arrecadação e dos gastos tributários do Simples Nacional. A análise se concentrou no período de 2001 a 2010 e foi possível estabelecer comparações não só entre grupo de empresas optantes e não optantes pelo regime favorecido, como também comparar os números do Simples Nacional com os do Simples.

Verificou-se que as empresas dentro do regime favorecido pagaram mais tributos do que as demais pessoas jurídicas. A arrecadação do Simples Nacional cresceu a taxas muito superiores a de todos os demais tributos, tendo sido três vezes maior do que a taxa real de crescimento de toda a arrecadação. O valor arrecadado por estabelecimento cresceu expressivamente durante a vigência do Simples Nacional em patamares muito superiores ao obtidos pelo Simples. Esse resultado corrobora a evidência de que houve forte crescimento das empresas optantes pelo novo regime simplificado.

O crescimento da arrecadação traz como contrapartida o incremento das renúncias fiscais. De fato, a renúncia fiscal implícita dentro do Simples Nacional cresceu a taxas ainda maiores do que o aumento da arrecadação. O valor da renúncia, quando medido em relação à arrecadação do Simples/Simples Nacional, mudou de patamar, saindo de algo em torno de R$ 0,60 em renúncia por cada real arrecadado, entre 2005 e 2007, para R$ 0,80, entre 2008 e 2010. É preciso, porém, relativizar um pouco tais números, já que, sem a presença do Simples Nacional, é possível que a arrecadação tivesse sido substancialmente inferior a que realmente ocorreu, dado a expressiva criação de firmas e empregos, bem como o crescimento verificado nas empresas optantes.

As evidências coletadas sugerem que o Simples Nacional teve efeito importante sobre a economia nos últimos anos. Contudo, trata-se de sistema que tem um custo muito elevado para a sociedade brasileira. Recomenda-se, portanto, que as administrações tributárias envolvidas sejam vigilantes e cuidadosas no trato do regime simplificado, evitando simulações e permitindo que apenas pequenas empresas permaneçam no regime.

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  • SANDFORD, C.; GODWIN, M.; HARDWICK, P. Administrative and compliance costs of taxation. Bath: Fiscal Publications, 1989.
  • 1
    Considerando apenas as pequenas e microempresas.
  • 2
    Meade (1978), Sandford, Godwin and Hardwick (1989), Evans (2003).
  • 3
    Foreign Investment Advisory Service (2007),
  • 4
    Crawford e Freedman (2010).
  • 5
    OCDE (2009).
  • 6
    Lemgruber e Rodrigues (2000), Monteiro (2004), Delgado et al. (2007).
  • 7
    IBGE (2005).
  • 8
    Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social - documento apresentado pelas empresas com os recolhimentos previdenciários de seus funcionários.
  • 9
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
  • 10
    Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - trata-se do principal tributo brasileiro, arrecadado sobre a base consumo e administrado pelos Estados.
  • 11
    A literatura considera como gastos tributários as renúncias consideradas exceção à regra geral da legislação tributária (IPEA, 2011). Tal conceito, porém, abrange alguma subjetividade, principalmente na definição do que seria o sistema tributário padrão. A definição adotada neste artigo, como em Paes e Almeida (2009), é a da RFB. O autor desconhece outra metodologia na literatura nacional sobre o cálculo da renúncia do Simples/Simples Nacional no Brasil.
  • 12
    Inclui apenas tributos federais. Não abrange, portanto, o ICMS e o ISS, de forma que a renúncia fiscal é ainda maior do que a apresentada aqui.
  • 13
    É preciso realçar que, ao contrário das tabelas anteriores nas quais se trabalhou com dados mensais, no caso da renúncia, os dados são anuais, de modo que a série é bastante curta, e os resultados estatísticos precisam ser analisados com cautela.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    Nov 2012
  • Aceito
    Jun 2013
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